terça-feira, outubro 04, 2011

Mises e a anarquia


Rodrigo Constantino

O grande economista liberal Ludwig von Mises deve estar se revirando no túmulo. O instituto que carrega seu nome publicou hoje um artigo que acusa qualquer liberal de defensor do crime. É isso mesmo: para o autor do artigo, todo imposto é roubo, e qualquer um que defende algum estado, ainda que mínimo, está compactuando com o crime. Funcionários públicos, por esta ótica anarquista radical, seriam todos criminosos. Um policial, um juiz, um militar; todos criminosos. Eis o que diz o autor:

"Não há nada de errado em dizer às pessoas que tributação é roubo, que regulamentação é transgressão, que leis antidrogas são agressão e roubo, que políticos são criminosos, e que o estado é uma monstruosa agência criminosa."

Nem vem ao caso, aqui, refutar tais pontos e mostrar certas contradições. Por exemplo, o fato de que Ron Paul, um político reverenciado por muitos desses anarquistas, vive à custa dos impostos há anos. Seria apenas mais um mafioso, ainda que lutando para reduzir o poder da máfia. Ainda assim, mafioso, e eu não poderia jamais admirar um mafioso. Os anarquistas conseguem. O pragmatismo deles é maior do que querem crer, pois se julgam os detentores do princípio absoluto da ética, uma pedra filosofal que, com base em um axioma apenas, responde a todas as questões complexas da vida em sociedade. Mas estou saindo do foco.

O mais importante é que este tipo de coisa está sendo defendida por um instituto que leva o nome do liberal Mises, um defensor da democracia e do estado, que repudiava a própria anarquia. Isso é inadmissível. E, justamente para resgatar Mises de seus "seguidores", resolvi postar abaixo inúmeros trechos de vários livros seus que deixam clara a sua postura em relação ao tema. Após o leitor terminar o artigo, não tenho dúvida de que o absurdo do que estão fazendo em nome de Mises saltará aos olhos. Infelizmente, muitos acabaram conhecendo Mises somente por meio do instituto. Reforço meu apelo: leiam os livros originais do autor! Ele era um grande pensador, defensor da liberdade individual e contrário aos diferentes sistemas que, na prática, acabam destruindo esta liberdade. Aproveitem!

"There is a school of thought which teaches that social cooperation of men could be achieved without compulsion or coercion. Anarchism believes that a social order could be established in which all men would recognize the advantages to be derived from cooperation and be prepared to do voluntary everything which the maintenance of society requires and to renounce voluntarily all actions detrimental to society. But the anarchists overlook two facts. There are people whose mental abilities are so limited that they cannot grasp the full benefits that society brings to them. And there are people whose flesh is so weak that they cannot resist the temptation of striving for selfish advantage through actions detrimental to society. As anarchist society would be exposed to the mercy of every individual. [...] Liberalism differs radically from anarchism. It has nothing in common with the absurd illusions of the anarchists. We must emphasize this point because etatists sometimes try to discover a similarity. Liberalism is not so foolish as to aim at the abolition of the state. Liberals fully recognize that no social cooperation and no civilization could exist without some amount of compulsion and coercion. It is the task of government to protect the social system against the attacks of those who plan actions detrimental to its maintenance and operation. [...] From this point of view liberalism assigns to the state the task of protecting the lives, health, freedom, and property of its subjects against violent or fraudulent aggression."

"Anarchism misunderstands the real nature of man. It would be practicable only in a world of angels and saints."

"[...] the teachings of utilitarian philosophy and classical economics have nothing at all to do with the doctrine of natural right. With them the only point that matters is social utility. They recommend popular government, private property, tolerance, and freedom not because they are natural and just, but because they are beneficial. [...] The Utilitarians do not combat arbitrary government and privileges because they are against natural law but because they are detrimental to prosperity."

"Government as such is not only not an evil, but the most necessary and beneficial institution, as without it no lasting social cooperation and no civilization could be developed and preserved. It is a means to cope with an inherent imperfection of many, perhaps of the majority of all people. [...] Not the State is an evil, but the shortcomings of the human mind and character that imperatively require the operation of a police power. Government and state can never be perfect because they owe their raison d'être to the imperfection of man and can attain their end, the elimination of man's innate impulse to violence, only by recourse to violence, the very thing they are called upon to prevent. [...] The main political problem is how to prevent the police power from becoming tyrannical. This is the meaning of all the struggles for liberty."

"It is useless to stand upon an alleged 'natural' right of individuals to own property if other people assert that the foremost 'natural' right is that of income equality. Such disputes can never be settled."

"Government means always coercion and compulsion and is by necessity the opposite of liberty. Government is a guarantor of liberty and is compatible with liberty only if its range is adequately restricted to the preservation of what is called economic freedom."

"Taxation is a matter of the market economy. It is one of the characteristic features of the market economy that the government does not interfere with the market phenomena and that its technical apparatus is so small that its maintenance absorbs only a modest fraction of the total sum of the individual citizen's incomes. Then taxes are an appropriate vehicle for providing the funds needed by the government."

"Que o governo e a polícia se encarreguem de proteger os cidadãos, e entre eles os homens de negócio e, evidentemente, seus empregados, contra ataques de bandidos nacionais ou do exterior, é efetivamente uma expectativa normal e necessária, algo a se esperar de qualquer governo. Essa proteção não constitui uma intervenção, pois a única função legitima do governo é, precisamente, produzir segurança."

"Liberalismo não é anarquismo, nem tem absolutamente nada a ver com anarquismo. O liberal entende claramente que, sem recorrer à compulsão, a existência da sociedade estaria ameaçada e que, por trás das regras de conduta cuja observância é necessária para assegurar a cooperação humana pacífica, deve estar a ameaça da força, se todo edifício da sociedade não deve ficar continuamente à mercê de qualquer um de seus membros. É preciso estar em uma posição para obrigar a pessoa que não respeita a vida, a saúde, a liberdade pessoal ou a propriedade privada dos outros a aceitar as regras da vida em sociedade. Esta é a função que a doutrina liberal atribui ao estado: a proteção da propriedade, liberdade e paz."

"As far as the government - the social apparatus of compulsion and oppression - confines the exercise of its violence and the threat of such violence to the suppression and prevention of antisocial action, there prevails what reasonably and meaningfully can be called liberty."

"Para o liberal, o estado é uma necessidade absoluta, uma vez que as tarefas mais importantes são sua incumbência: a proteção não só da propriedade privada, mas também da paz, pois na ausência da última os benefícios completos da propriedade privada não podem ser aproveitados".

"A defesa da segurança de uma nação e da civilização contra a agressão por parte de ambos os inimigos estrangeiros e bandidos domésticos é o primeiro dever de qualquer governo”.

"A democracia não só não é revolucionária, mas ela pretende extirpar a revolução. O culto da revolução, da derrubada violenta a qualquer preço, que é peculiar ao marxismo, não tem nada a ver com democracia. O Liberalismo, reconhecendo que a realização dos direitos econômicos objetivos do homem pressupõe a paz, e procurando, portanto, eliminar todas as causas de conflitos em casa ou na política externa, deseja a democracia".

"Por causa da paz doméstica o liberalismo visa a um governo democrático. Democracia não é, portanto, uma instituição revolucionária. Pelo contrário, ela é o próprio meio para evitar revoluções e guerras civis. Ela fornece um método para o ajuste pacífico do governo à vontade da maioria. [...] Se a maioria da nação está comprometida com princípios frágeis e prefere candidatos sem valor, não há outro remédio além de tentar mudar sua mente, expondo princípios mais razoáveis e recomendando homens melhores. Uma minoria nunca vai ganhar um sucesso duradouro por outros meios."

Essas são todas passagens de Mises em seus mais diversos livros, e não se tratam, como fica evidente, de trechos soltos fora de contexto. Ao contrário: Mises considerava fundamental o uso da coerção, do aparato estatal, para preservar a liberdade. Ele rejeitava a anarquia com veemência. Portanto, é revoltante ver que o Instituto Mises Brasil se transformou numa máquina de defesa justamente da anarquia, repudiada por Mises. Claro que o IMB não precisa concordar com tudo o que Mises pensava. Mas pregar o oposto, em seu nome, já é demais! Seria como criar um Instituto Rothbard Brasil e defender a social-democracia dos tucanos. E, se alguém ainda tem dúvida (o que acho muito improvável), seguem outros trechos, agora de seu mais importante biógrafo, Jorg Hulsmann, no livro "Mises: The Last Knight of Liberalism":

"In private correspondence with Bruno Leoni he [Mises] regretted that anarchist ideas were 'supported by some of the most intelligent men of the American rising generation,' but he had a ready psychological explanation at hand: anarchism was a 'reaction to the deification of the state.'

"He [Mises] had come in touch with the burgeoning anarchist movement already in the years leading up to the publication of Human Action, especially through his contacts with west-coast libertarians but also in correspondence with Rose Wilder Lane. His debates with these American radicals had remained fruitless. But after some twenty years, their extreme anti-statism had gained momentum. The best proof was the existence of the Circle Bastiat involving Rothbard, Raico, and Liggio. Raymond Cyrus Hoiles, publisher of the Freedom Newspaper chain, boasted of this growing impact in a letter to Mises, their first correspondence in thirteen years. Answering Mises’s contention that no rational man ever proposed that the production of security be entrusted to private associations,..."

"Mises replied in a Hobbesian manner, objecting that in the absence of a monopoly of the use of coercive force, 'everybody would have continually to defend himself against hosts of aggressors.' He concluded: I think you err in assuming that your principles are those of the Declaration of Independence. They are rather the principles that led a hundred years ago the
Confederate States to refuse to recognize the President elected by the majority. Wherever and whenever resorted to, these principles will lead to bloodshed and anarchy."

E, sobre o próprio Rothbard:

"Mises also followed Rothbard’s subsequent writings and activities, often to his chagrin. A 1968 letter that Fertig wrote to Mises probably conveys Mises’s own feelings as well: Among the things which are really disturbing is the case of Mur...ray Rothbard. I enclose the current issue of National Review. Now he is allied with the New Left. Imagine that! Just a short while ago he was on a Committee that favored Castro and Cuba. It’s sad to see a brilliant mind like his go to pot that way."

Portanto, meus caros leitores, nunca confundam Mises com anarquia! E fica aqui o apelo aos membros do Instituto Mises Brasil: mudem o nome para Instituto Rothbard Brasil, pois tenho plena convicção de que Mises não ficaria nem um pouco feliz em ver seu nome associado não só à anarquia, como a uma forma radical de anarquia, que considera qualquer funcionário público (lembrando que o próprio Mises foi um) um criminoso.

45 comentários:

F. Celeti disse...

Muito fácil criticar o Rothbard dessa maneira.

Não explicou o contexto, nem se essa aproximação do Rothbard com uma nova esquerda durou eternamente.

O nome disto é desonestidade intelectual.

Rodrigo Constantino disse...

Celeti, o foco aqui nem é Rothbard, quem, aliás, eu admiro em vários aspectos!

O ponto é outro...

Mitchel disse...

Se tomar a propriedade das pessoas sem o seu consetimento não é roubo, eu não sei o que é, então.

Rodrigo Constantino disse...

Mitchel, e como vc conseguiu esta propriedade? Não foi em um contexto de governo oferecendo segurança e outras coisas? Ou foi num vácuo?

Anarquistas cospem nos pilares que permitem a liberdade...

Raphael Auto disse...

"Mitchel, e como vc conseguiu esta propriedade? Não foi em um contexto de governo oferecendo segurança e outras coisas? Ou foi num vácuo?"

Como o governo conseguiu conseguiu coletar os recursos para oferecer a segurança? Não foi em um contexto que ele teve, primeiramente, que roubar (taxar) para assim alocar os recursos dessa forma, ou foi num vácuo?

Resumindo, sua própria lógica mostra ratifica o roubo.

Rodrigo Constantino disse...

Raphael, assim vamos reduzindo até apenas teorias...

Se vc migra para os EUA, por exemplo, e compra uma propriedade lá, como é que fica? Vc nem nasceu no local.

Este princípio é bonito no papel. Na prática, seria IMPOSSÍVEL saber quem roubou de quem. Esperar do mundo apenas trocas voluntárias é utópico e bem infantil. Até porque já largamos de um problema técnico enorme: a partir de qual idade isso começa a valer? O filho, não custa lembrar, não assinou nenhum contrato voluntário com os pais...

Mitchel disse...

Mas, Rodrigo, a propriedade antecede o governo. Aliás, governos só são capazes de "oferecer" segurança porque, antes, tomaram a propriedade alheia.

Se a nossa sociedade prosperou, não é porque o governo ofereceu isso ou aquilo, mas porque nela se violou o mínimo possível os direitos de propriedade - inclusive o próprio governo.

Raphael Auto disse...

Você já mudou o seu ponto. Não consegue mais defender que não seja roubo, mas argumenta a utopia de colocar em prática um princípio que declare o estado como ladrão intrínseco.

Existe uma séria de utopias que são difíceis de serem postas em prática, como conseguir acabar com todas conflitos militares, nem por isso princípios desse tipo são ruins.

O importante é saber que estabelecendo uma escala de preferência, onde um extremo é um mundo cheio de roubos, e outro extremo é um mundo sem roubo nenhum, avanços em direção ao segundo extremo são desejáveis.

Mitchel disse...

Realmente, impossível determinar onde começou o roubo.

Mas parar a pilhagem a partir de agora já seria um bom começa.

Osmar Jr disse...

Essa galera anarcocapitalista são uns sonhadores q criaram uma barreira para que seus sonhos não sejam criticados: ser defensores da ética e da moral absoluta.

Esquecem de ficar no campo ideológico e de influência e partem para agressão, no caso em chamar todos de criminosos. Além disso usar o nome de Mises, alguém q como demonstrado não era anarcocapitalista.

Rodrigo, você tem razão!!

Abs

Rodrigo Constantino disse...

"a propriedade antecede o governo."

Só porque vc assim quer, meu caro. Vai conseguir propriedade e preservá-la sem o estado...

Aliás, há menos estado na Somália que na Suíça. Onde há mais direito de propriedade?

Rodrigo Constantino disse...

Agora, confesso que eu nem queria ir por essa linha. Meu ponto AQUI não é debater se estado é roubo ou não. É simplesmente mostrar que Mises discordava totalmente disso, que chegava a abominar tal postura, e que isso é pregado pelo instituto que leva seu nome, como se fosse algo que ele aprovaria ou que não fere aquilo que ele acreditava. Eis o importante aqui.

Mitchel disse...

Aliás, há menos estado na Somália que na Suíça. Onde há mais direito de propriedade?

Eu acho que a pergunta mais adequada seria: onde há menos coerção?

Se existe violação da liberdade e dos direitos de propriedade, por quem quer que seja, então isso não pode ser definido como anarquia. Se você vai chamar tais violadores de Estado, ou de gang, ou de máfia, ou de quadrilha, ou de guerrilha, ou do que quer que seja, isso é um mero detalhe.

No mais, é notório que Mises NÃO era anarquista. Contudo, o anarcocapitalismo tem raízes no seu pensamento, e, sendo objetivo do IMB não idolatrar Mises, mas promover os princípios da liberdade e do livre mercado (assim como ele), nada mais natural que publicar artigos de cunho anarcocapitalista, ué. :P

Rodrigo Constantino disse...

"Se existe violação da liberdade e dos direitos de propriedade, por quem quer que seja, então isso não pode ser definido como anarquia."

Obrigado por fazer meu ponto: vcs, utópicos, monopolizam os FINS, assim como fazem os comunistas, que também negam que a URSS era comunista. Enquanto FIM, a anarquia JAMAIS existiu e jamais existirá. Mises sabia disso, e condenava a anarquia enquanto MEIO. Eu também faço o mesmo, pois estou certo de que ela levaria ao caos da Somália, e não ao liberalismo imperfeito da Suíça.

Adriel Santana disse...

"Aliás, há menos estado na Somália que na Suíça. Onde há mais direito de propriedade?"

Cara, você é tão desonesto, mais tão desonesto, que suas críticas já estão até manjadas.

Fernando Chiocca disse ontem no comentário do artigo "Os austríacos voltam à Áustria" que você costuma repetir esse argumento sempre, mesmo já tendo sido respondido milhares de vezes e não ter conseguido rebater.

Para te poupar tempo e dos demais leitores, reproduzo o comentário dele sobre a sua indagação:

"Ok. E vou pra Somália e você vai para a vizinha Etiópia, com estado. Somália esta que no período sem um estado central apresenta índíces de desenvolvimentos melhores do que no período com estado.

O Bob Murphy escreveu um artigo inteiro respondendo a este desafio infantil: Anarquia na Somália. Desafio este que já foi feito tantas vezes pelo neoconsta, e já foi respondido de todas as maneiras sem, fazendo com que ele se tornasse mais ainda motivo de chacota.

E a desonestidade do sujeito é tão grande que ele chega a comparar Somália com a Suíça, ao invés de comparar Somália com Somália, por exemplo."

Melhor você criar outra pergunta com outro exemplo esdrúxulo porque esse não cola mais.

Rodrigo Constantino disse...

Adriel, em primeiro lugar, desonesto é a senhora sua mãe. Eu só postei seu comentário ofensivo aqui porque merece uma resposta. O próximo ataque pessoal será devidamente ignorado. O Fernando sim, é um desonesto fanático, e se vc o tem como guru, só lamento.

O ponto é que muitos ancaps defenderam a anarquia na Somália como algo BOM, e o país entra em guerra civil, boa parte da população passa fome etc. Eu disse, NA ÉPOCA, que quando desse cagada na Somália os ancaps não poderiam chorar que "foi culpa do Estado". O "argumento" do Fernando de que antes foi bom, mas agora piorou POR CAUSA do Estado é imbecil ao extremo, pois os liberais dizem EXATAMENTE que a ausência do estado vai levar a isso! Logo, o fato de ter virado guerra civil se deve à anarquia.

Outro ponto: mostra, por si só, que derrubar o estado passa LONGE de ser a coisa mais importante para a liberdade. Se vcs alegam que o estado é o grande criminoso e que há escravidão com ele, então sim, pela SUA lógica a Somália sem estado seria mais livre que a Suíça! Se vc não é capaz de entender isso, só lamento novamente.

E a mancha ficará lá, registrada no MI, com artigos louvando a boa fase na Somália... liberais não caíram nessa.

Adriel Santana disse...

Vou deixar o Robert P. Murphy responder as suas indagações:

- Sobre a guerra civil:

"[Na Somália] há uma constante luta entre diversas facções militares rivais ("os guerrilheiros") que estão tentando assumir e controlar o governo. Isso é verdade. Estatistas acreditam que é inevitável que grupos guerrilheiros briguem violentamente para adquiri o controle da nação, e que a paz doméstica só será conquistada quando um grupo (ou coalizão) conseguir sobrepujar todos os outros e, com isso, assumir o controle total. Esta é a lógica que diz que o estabelecimento de um governo (supostamente) levará a menores gastos com segurança.

Há dois grandes problemas com essa visão. Primeiro, alguns afirmam que essas milícias somalis brigam entre si de maneira tão cruel justamente por causa da intromissão de ocidentais que insistem em tentar impor um governo. Em outras palavras, os vários clãs poderiam estar dispostos a coexistirem de maneira relativamente pacífica, sabendo que há um equilíbrio de poder e que nenhum grupo representa uma grande ameaça. Porém, quando a ONU entra em cena com seu dinheiro e suas armas, e tenta colocar um grupo acima dos outros, as facções somalis excluídas partem para o ataque. É uma questão de sobrevivência.

O outro problema com essa típica argumentação pró-estado — a saber, que grupos rivais entrarão em guerra civil até que um deles atinja uma óbvia superioridade sobre os outros — é que ela é exageradamente simplista e ignora a realidade. Afinal, se não é possível haver um equilíbrio de poder entre os pequenos clãs da Somália, então como pode haver um em toda a Europa? Ou, mais ainda, em todo o mundo?

Em outras palavras, para ser consistente, [todos] que clamam pelo estabelecimento de um governo na Somália — com o intuito de acabar com a guerra civil — deveriam também clamar pela criação de um governo central mundial para controlar todo o planeta. Caso contrário, as várias facções existentes no globo iriam lutar continuamente entre si (algo que, obviamente, elas fazem o tempo todo).

- Sobre o Fim do Estado e a Liberdade:

Economistas familiares com a tradição do anarquismo de livre mercado levaram a análise ainda mais longe, argumentando persuasivamente que a Somália está melhor sem o estado do que quando tinha um. A desdenhosa resposta estatista padrão — "Se vocês gostam tanto de anarquia, por que não se mudam para a Somália?" — é típica de quem não entende a teoria anarcocapitalista. O anarquista de livre mercado não afirma que a ausência de um estado é condição suficiente para a bem-aventurança. Antes, esse livre-mercadista afirma que, por mais próspera e cumpridora das leis que seja uma sociedade, acrescentar a este arranjo uma instituição que pratica o roubo e a violência organizada irá apenas piorar as coisas.

[Trechos extraídos do artigo "Anarquia na Somália": http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1031]

Rodrigo Constantino disse...

Depois não reclamem então dos RESULTADOS na Somália...

Eterna guerra entre feudos, milícias e guerrilhas, eis o lindo mundo da anarquia. Ainda prefiro o mundo da "escravidão" suíça sim senhor.

Thiago Rodrigues disse...

‎"Enquanto FIM, a anarquia JAMAIS existiu e jamais existirá."

Se um estado de anarquia é um que não existe um soberano comum, então estamos em uma anarquia bem agora. Não existe um soberano comum entre os Estados. Na estrutura interna do Estado, entre os 3 poderes, existe um estado de anarquia, já que não existe um soberano comum entre os três. E se existisse um Estado controlando o mundo inteiro, com um único soberano e sem uma anarquia em sua estrutura, existiria um Estado de anarquia quando houvesse conflito com o soberano e qualquer outro cidadão, já que não teria nenhum soberano comum.

Então não só existe anarquia existe na situação atual, como é algo inevitável.

Edik disse...

Nenhuma artigo do Imb afirma que Mises foi um anarquista. O Instituto recebeu esse nome porque Mises era considerado o maior expoente da escola austríaca e não para reproduzir literalmente seu pensamento. Pela sua teoria, se levada às últimas consequências, não poderia haver nenhum instituto com o nome de um pensador, pois sempre seus integrantes vão ter algumas idéias diferentes do homenageado.

José disse...

Constantino, use um argumento que defenda que imposto nao é roubo!

Falar que será dificil saber quem roubou de quem primeiro, ok, isso todos sabem. Porém, isso não é argumento.

Tá, desista, imposto é roubo e não tem discussão. Ou só se tu achares que subtrair algo de alguém sem a permissão da mesma seja algo normal. Ah, mas é para pagar a justiça e a segurança que eu, constantino, acho que deva existir. Então tira do teu bolso, e não toque no meu dinheiro.

Roberto Rachewsky disse...

A segurança privada e pública podem coexistir? A taxação poderia substituir o imposto? A justiça pública e a arbitragem privada não podem coexistir? O indivíduo não pode optar? Quando o governo deixa de ser uma entidade salutar e passa a ser nefasta? O governo se torna um meliante apenas quando, além de prover segurança e administrar a justiça se arroga o direito de promover a redistribuição de renda e conceder benefícios a uns em detrimento de outros? Rodrigo, meus parabéns, que paciência. Ter que ouvir desaforo de gente que escreve "mais" ao invés de mas é dose. Noto que os protoanarquistas são agressivos com palavras injuriosas mas pouco argumentam. A sociedade organizada sob o escopo das leis é melhor do que sob a éxige das armas. Prova inconteste é o próprio governo quando deixa de ser o fator moderador e se torna a própria máfia. Nestes casos, anarquista que se preza nem estaria debatendo teses, já estaria se agrupando para sair atirando.

Thiago Rodrigues disse...

Se não existe um soberano comum entre o Estado e o cidadão comum, então existe um cenário de anarquia. Não é o cenário de anarquia natural que libertários teorizam, mas prova que o conceito de anarquia é inevitável.

Joel Pinheiro disse...

"Government as such is not only not an evil, but the most necessary and beneficial institution, as without it no lasting social cooperation and no civilization could be developed and preserved. It is a means to cope with an inherent imperfection of many, perhaps of the majority of all people. [...] Not the State is an evil, but the shortcomings of the human mind and character that imperatively require the operation of a police power."

- Ludwig Von Mises, The Ultimate Foundation of Economic Science, cap. 5, seção 10

Mises era minarquista.

Agora, Constantino, acho que sua briga com o IMB já deu o pouco que tinha que dar, não? Você não vê o imenso bem que o site tem feito? Tudo bem, você discorda do posicionamento anarquisa de alguns artigos; eu também. Mas isso não me faz querer liderar uma guerra contra ele. Pelo contrário, é dos personagens mais importantes na luta pelo liberalismo no Brasil, e até agora, ao menos na minha opinião, o menos propenso a se vender ao estatismo assim que aparecer uma oportunidade. O menos propenso a se contentar com um departamento em alguma secretaria e achar que assim conseguirá algum efeito real. É bom que haja pessoas que não estão dispostas a fazer compromissos.

Anônimo disse...

' Estatistas acreditam que é inevitável que grupos guerrilheiros briguem violentamente para adquiri o controle da nação, (...)
os vários clãs poderiam estar dispostos a coexistirem de maneira relativamente pacífica, sabendo que há um equilíbrio de poder e que nenhum grupo representa uma grande ameaça. Porém, quando a ONU entra em cena com seu dinheiro e suas armas, e tenta colocar um grupo acima dos outros...'

Mas isso devia ser a DEFINIÇÃO de ingenuidade, achar que as gangues africanas, um povo que vive em guerra se matando desde sempre, desde muito antes o primeiro europeu botar os pés lá, iriam viver pacificamente feito anjinhos debaixo dum país sem governo

Se o problema é uma se sobressair por causa da ajuda da ONU, ora, mas sem ONU também n tem nada que garanta que todas fossem ficar iguais pra sempre.Se algumas prosperassem mais por esforço próprio,por serem mais organizadas e eficientes, e aí?

'todos que clamam pelo estabelecimento de um governo na Somália deveriam também clamar pela criação de um governo central mundial para controlar todo o planeta. Caso contrário, as várias facções existentes no globo iriam lutar continuamente entre si (algo que, obviamente, elas fazem o tempo todo).'

E elas só não fazem isso mesmo quando não precisam.Mas quando precisam acontece mesmo, o Tio Sam quer invadir o Iraque, vai e invade.China quer invadir o Tibete, vai e invade e pronto, ninguém está nem aí.

ntsr

Anônimo disse...

'pois sempre seus integrantes vão ter algumas idéias diferentes do homenageado.'

Se fosse só algumas...mas são idéias muito fortes, defendidas fanaticamente, que ele claramente não concordava
ntsr

Anônimo disse...

'Nestes casos, anarquista que se preza nem estaria debatendo teses, já estaria se agrupando para sair atirando.'

Exato,fora que nem atirar ele ia saber direito, já que se ele se metesse a fazer tudo nao ia ser como se usasse todo o tempo pra ficar bom numa coisa só
Qual a solução, pagar uma gangue pra te proteger? E quem garante que ESSA gangue não vai fazer coisas ruins?Só se for uma gangue de anjos.
ntsr

Rodrigo Constantino disse...

Joel,

Justamente por eu ver esse potencial no IMB que ataco os excessos e essa postura cada vez mais radical. Se continuar assim, o IMB terá chegado perto de seu limite, e ficará falando para os mesmos adeptos, a maioria formada por jovens utópicos revolucionários que pensam ter encontrado uma pedra filosofal e idolatram Hoppe.

Sobre não contemporizar, acho até saudável no campo das idéias, mas note que o próprio Mises era assim, sem ter que apelar para utopias revolucionárias. O ponto é: vc realmente acha que ajuda a causa liberal chamar todo funcionário público de ladrão? Eu penso que não...

Anônimo disse...

Eu sinceramente não consigo ver qual o grande benefício de um site que não convence nem quem já está inclinado a não gostar do governo.
Pra esquerda sim é ótimo, ela pode mostrar como os libertários vivem no mundo da lua.

Anônimo disse...

Rodrigo, tu devia botar na barra aí do lado uns links pros artigos principais, e esse devia ser um deles

Roberto Rachewsky disse...

O ideal de estado em nada se aproxima do que está descrito. O estado concebido sob o ideário liberal deve prover a sociedade com a segurança possível e administrar a justiça até onde se consiga atingir. O estado não foi criado para roubar das pessoas mas sim para protegê-las e permitir que vivam em liberdade, cumprindo seus contratos e convivendo em paz. O estado como tal, vem perdendo sua função ideal e transformando-se em meio, através do qual pessoas com mau-caráter ou equivocadas filosoficamente, se apoderam de suas estruturas e passam a agir como organizações criminosas. É premente que aqueles defensores do direito à liberdade, à propriedade e à vida, lutam como for possível para restaurar o estado como a instituição libertária que deveria ser. Organismo fundado para proteger os homens de bem contra os que iniciam o uso da violência ou da fraude, desprezando a liberdade dos outros de não fazerem o que não quiserem. Custear a justiça e a segurança, através do organismo do estado, é a questão fundamental a ser equacionada, o resto, é balela ideológica.

Anônimo disse...

Que conversa fiada, essa dos anarquistas. Não sei como Rodrigo aguenta perder tempo e energia com esses utópícos delirantes.

Eu não teria tanta paciência. Esses caras perdem tempo com inviabilidades. Isto é irracional. Sempre haverá governo, mesmo que seja em cidades-estado, em vilas-estado ou aldeias-estado. Só não haveria necessidade de governo se não houvesse potenciais inimigos externos e possibilidade de crimes internos. Onde há sociedade há de haver direito, e onde houver direito haverá autoridade para impô-lo. O homem é cooperativo mas também é competitivo e esta competição deve ser regulada, sob pena de caos social. Isto é tão óbvio!!!

Edik disse...

Caro Rodrigo,

Acho que você deveria ter um pouco de cuidado ao acusar alguém de radical. Você escreve para jornais de grande circulação. Para os padrões desses jornais vc é inegavelmente radical. Eu pessoalmente me alinho mais a idéia do IMB, mas qualquer outro comentarista que escreve nessas mídias é bem menos radical do que vc na defesa do liberalismo. E tenho certeza de que para a esmagadora maioria das pessoas, qvc é um ultra liberal que exagera na defesa do livre mercado. Portanto minha previsão é que em breve você receberá as mesmas críticas que faz ao IMB.

Kleiton disse...

O pior é que esse papo dos ancaps que estão comentando aqui parece seguir a mesma linha de raciocínio comuno-socialista:
- são os donos da verdade, e quem se opõe é alienado;
- se apegam a uma "utopia" somente praticável, como disse Mises, "in a world of angels and saints";
- fecham os olhos para as vantagens inerentes à existência de um Estado.

Pra mim, estão no mesmo grupo de "utopistas fanáticos" de comunistas, por exemplo.

Anônimo disse...

Rodrigo, parabens pelo texto! Alguem precisa fazer essa turma de lunaticos acordar pro mundo real...
Basta dar uma lida nos cometarios do texto do IMB para ver a que nivel chegou a utopia dessas pessoas...

Abs!

gustavosauer disse...

Os anarquistas são muito semelhantes aos socialistas na forma de encarar o mundo. Miram na perfeição e fecham os olhos para qualquer evidência contrária.

Assim como os intelectuais socialistas que dizem que o socialismo nunca existiu, os anarquistas dizem que o anarquismo também nunca existiu (a partir do momento que um grupo usa da força pra sobrepor sua vontade aos demais, então já passa a ser uma espécie de "Estado" e deixa então de ser anarquismo).

O Estado é um mal necessário. Um agente que pode resolver nossos conflitos de forma desapaixonada.

Se o roubo do Estado possibilita o enriquecimento de toda uma nação, devemos para pra pensar se esse termo é apropriado ou uma tentativa de manipular o argumento através da emoção. (todos repudiamos roubo, afinal de contas)

Roubo é um jogo de soma zero onde um perde e outro ganha.

A relação entre as pessoas e o Estado não é um jogo de soma zero! o Estado não empobrece as pessoas quando é um agente de apoio as liberdades econômicas. O Estado liberal ajuda a economia proporcionando as instituições necessárias para a prosperidade. A história é testemunha disso.

Russo disse...

Façam o favor de ler Maquiavel e entender porque um exército mercenário não é confiavel.

Exércitos contratados não funcionariam em uma sociedade anarquista.

Arrisco dizer que o quesito Defesa é o único em que o Estado supera a Iniciativa Privada.

Anônimo disse...

'Façam o favor de ler Maquiavel e entender porque um exército mercenário não é confiavel.'

Russo, exatamente, mas é inútil argumentar pq esse pessoal não consegue distinguir entre uma coisa e outra
Olhe os comentários nesse artigo:
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=767

'Discordo de tal sistema.
Isso criaria o caos, a sociedade estaria a mercê de mercenários sem escrúpulos.
O clima de insegurança seria total.'

'Creio que o seu temor não tem fundamento. Afinal, o senhor topa com os tais "mercenários" todas as vezes que vai ao banco ou ao shopping!'

Tem outros exemplos mas não consigo achar agora.Nem sei se vale a pena.
ntsr.

Ivan disse...

Os anarquistas conseguiram o absurdo, fazer os liberais defenderem o governo. O artigo é excelente, mas um pouco de tolerância com os anarquistas é essencial. Em muitos aspectos nós liberais estamos do mesmo lado que eles. E ficar vendo os liberais defender a coerção estatal com tanta veemência chega a ser triste. De quanto um governo liberal precisa para garantir a segurança jurídica, manter o estado de direito, a democracia, a liberdade e a segurança individual? Eu arriscaria uns 4% do PIB, a arrecadação atual beira os 40%! O estado erra muito mais do que acerta, atrapalha muito mais do que ajuda. Pessoas bem intencionadas e mal informadas logo chegam a conclusão de que todo o governo é desnecessário, ledo engano nem todo o governo é problema apenas 90%. Claro que os apaixonados vão querer acabar com tudo e os sábios vão defender um estado liberal. Agora é preciso ser um pouco pragmático e entender que devemos sim nos unir com anarquistas e com os conservadores. Sim F.A. Hayek em o caminho da servidão já demonstrava que liberais e conservadores podem e devem se unir contra o coletivismo. O verdadeiro inimigo do momento é o estado ENORME, e ficar discutindo se o que precisamos é um estado mínimo ou estado nenhum só enfraquece a causa liberal. Deixem que os coletivistas defendam o governo e vamos nós defender a liberdade.

Anônimo disse...

Ou seja, ele não vê diferença entre um soldado que está disposto a matar e a morrer por uma causa e um empregado segurança de shopping, que sai correndo quando entra no shopping uns ladrões de galinha pra roubar joalheria
ntsr

Anônimo disse...

Ao Ivan:

Discordo. Os liberais se devem afastar desses debilóides ancaps sob pena de serem identificados com eles e ridicularizados.

Esses idiotas não têm qualquer futuro político e são insignificantes. Seu destino é o gueto.

Anônimo disse...

'Os liberais se devem afastar desses debilóides ancaps sob pena de serem identificados com eles e ridicularizados.
Esses idiotas não têm qualquer futuro político e são insignificantes. Seu destino é o gueto.'
[2]

Taí Rodrigo, se alguém ainda tem dúvida esse é um tema bom pra fazer uma enquete de verdade.
ntsr

Anônimo disse...

Comecei a ter contato com ideias do liberalismo através do IMB, em reação a saturação que estava dos coletivismos de meia-tigela praticados por grupos como o PSOL na universidade em que eu estudo, mas sempre me chocou também a utopia e a caricatura dos anarcocapitalista... hoje tenho medo de me dizer liberal, para não ser assimilado a esses caras. seu insight foi valioso, rodrigo!

Julio Heitor disse...

Caro Rodrigo,

sou leitor assíduo do IMB.

Em parte concordo com voce que, um servidor público não poderia ser chamado de ladrão se este não tiver consciência da relação de submissão entre estado e indivíduo.

Mas, no momento em que este toma ciecia de que seu salário é pago com o dinheiro tomado a força pelo estado, este deve ter a humildade de pedir demissão e ir para a iniciativa privada.

Eu mesmo fiquei quase 3 anos fazendo cursos para concursos públicos e, quando descorbri o IMB, parei de faze-lo.

Por uma questão de moral e ética jamais serei servidor público.

Por isso que, por mais que voce pense que o IMB seja radical, essa raadicalidade se faz necessária pelo simples fato de qualquer aceitação de que um estado, mesmo que mínimo, é necessário, se abre uma brecha para o agigantamento do mesmo.

Nunca houve um único exemplo de um estado, qaundo mínimo, permaneceu mínimo até os dias de hoje (os EUA são um bom exemplo).

Abraços!

SpamKids disse...

"Nem vem ao caso, aqui, refutar tais pontos e mostrar certas contradições. Por exemplo, o fato de que Ron Paul, um político reverenciado por muitos desses anarquistas, vive à custa dos impostos há anos."

Caramba! O que uma coisa tem a ver com a outra? Que salto de raciocínio!