terça-feira, outubro 04, 2011

Uma petição nacionalista

Rodrigo Constantino, O GLOBO

Em memória de Frédéric Bastiat.

Prezados ministros, ilustre presidente Dilma. Venho, aqui, apresentar uma petição em nome da Associação Brasileira dos Produtores de Coisas Obsoletas (ABPCO). Tendo observado atentamente as últimas medidas do governo, tal como a elevação do imposto para carros importados, não pude deixar de notar um claro viés mercantilista.
O governo, finalmente, assume sua postura nacional-desenvolvimentista, que busca proteger produtores nacionais da concorrência externa. Objetivo deveras legítimo. Afinal, faz-se mister garantir os empregos dos brasileiros, não dos chineses ou coreanos. “Quem ama protege”, disse Carlos Lessa. E é justamente com base neste nobre ideal que vos apresento esta humilde petição.
A ABPCO representa produtores de carroças, máquinas de escrever, gramofones, lampiões, tudo aquilo que foi injustamente prejudicado pelo avanço da tecnologia capitalista, importada de outros países. Pergunto: é justo um produtor de máquinas de escrever ir à falência só porque inventaram o computador?
Alguns liberais podem argumentar que o computador trouxe inúmeros benefícios para todos os consumidores, gerou produtividade maior na economia e ajudou no progresso da nação. Mas, e quanto aos empregos de todos aqueles pobres trabalhadores envolvidos na manufatura das máquinas de escrever? Como eles ficam sem proteção?
Como representante da ABPCO, regozijo-me ao saber que Vossas Excelências não sois insensíveis como os liberais. Vós compreendeis a importância de se proteger os empregos dos produtores nacionais, ainda que seus produtos sejam piores e mais caros.
Muitos empresários argumentam que o “Custo Brasil” é alto demais, que não é justo competir com esta infraestrutura, alta taxa de juros, burocracia asfixiante e impostos escorchantes. São reclamações legítimas. Mas o que o governo pode fazer? Reformas estruturais? E como fica a governabilidade? O governo vai reduzir seu raquítico gasto público, de um trilhão de reais? E como ficariam aqueles que dependem do governo? Políticos, burocratas, centrais sindicais, MST, ONGs, empreiteiras e milhões de famílias que vivem do Bolsa Família...
Aliás, permitam-me um parêntese: parabéns pelo recente anúncio do aumento de beneficiados com este programa. Já são quase 14 milhões de famílias! É assim que um programa social, que tem como meta reduzir a miséria, deve ser julgado: quanto mais gente depender do governo para viver, maior o seu sucesso. Maravilhoso será o dia em que todos estiverem no programa. Seremos tão ricos quanto Cuba!
Mas divago. Devo regressar à crítica dos empresários. O governo teria que demitir funcionários, e sabemos como os serviços públicos hoje são excelentes, justamente por conta do enorme aumento no quadro de pessoal durante a gestão petista. A saúde pública, segundo o ex-presidente Lula, é quase perfeita. Esta é uma conquista importante que não podemos abrir mão. Escolas excelentes, transporte público de primeira, segurança, e vamos sacrificar isso tudo só para permitir juros menores?
Creio que o caminho escolhido por vosso governo é mais sábio: decretar a redução dos juros na marra, mesmo sem cortar gastos públicos; aceitar mais inflação (o que são míseros 7% ao ano?); aumentar impostos; direcionar crédito subsidiado do BNDES para grandes empresas; e, claro, proteger o produtor nacional.
Alguns ousam chamar o aumento do IPI de protecionismo. Um disparate! O ministro Pimentel soube dar uma resposta à altura: argumentou que não é protecionismo porque as importações não foram proibidas. Brilhante! E é justamente pegando carona nesta lógica impecável que gostaria de propor, em vez de proibir a importação dos concorrentes, uma singela tarifa de 1.000% (o número é arbitrário; aceitamos 900%). Ninguém poderá acusar vosso governo de protecionista.
Finalizo esta petição confiante de que o governo será sensível à demanda dos produtores em questão. Empregos estão em jogo. Não podemos sacrificá-los apenas para o benefício dos consumidores, que, como bem colocou o ministro Mantega, sofrem assédio dos importados.
PS: gostaria de vos alertar quanto a uma campanha que circula na internet, de boicote aos carros nacionais após o aumento do IPI. Se os consumidores deixarem de trocar de carro até o fim do ano, os estoques poderão subir muito, entupindo os pátios das montadoras. Seria terrível para o governo. Mas não fiqueis tão preocupados. O povo é nacionalista. Quem ama o país está disposto a comprar até carroça nacional pelo preço de Ferrari. Contamos com isso...

27 comentários:

Anônimo disse...

Pareceu um texot do Vanguarda Popular

Rodrigo Constantino disse...

O leitor que não entender o evidente sarcasmo não merece ser leitor do Globo, tampouco meu leitor...

Ricardo M. P. Frota disse...

Esbocei sorriso de canto de boca, mas quando me lembro que tenho que correr e arranjar dinheiro para comprar as últimas unidades do picanto com IPI antigo sinto, na verdade, um gosto amargo na garganta!
Excelente texto!

Ricardo M. P. Frota disse...

Esbocei sorriso de canto de boca, mas quando me lembro que tenho que correr e arranjar dinheiro para comprar as últimas unidades do picanto com IPI antigo sinto, na verdade, um gosto amargo na garganta!

Anônimo disse...

Prezado Rodrigo
Excelente!
É isso aí: textos inteligentes são para os inteligentes!

Anônimo disse...

nao sei se eu rio ou choro...

otimo texto! tem que mandar pra dilma!

Anônimo disse...

o problema de mandar pra dilma eh que, como o leitor acima, talvez ela nao entenda o sarcasmo e resolva atender as demandas do texto... ai f!@#!

Anônimo disse...

Acho que o governo vai aproveitar o texto para voltar com a máquina de escrever. Afinal, o computador permitiu a internet. Sem computador, o governo nem precisa censurar a internet.

gustavosauer disse...

Muito bom. O humor é uma boa arma pra abrir a mente das pessoas para novas idéias.

Anônimo disse...

http://www.mises.org.br/EbookChapter.aspx?id=349

Anônimo disse...

Rodrigo, agora foi você que nao entendeu o sarcasmo.Vanguarda Popular é um site que faz sarcasmo com a esquerda paleolítica.

Anônimo disse...

Rodrigo,

ao que me consta, os produtos que sofrerão o aumento de IPI não representam um grande avanço tecnológico em relação ao que é produzido no Brasil.


Estou delirando? Ou será que os carros de luxo que ficaram mais caros representariam um incremento abusrdo de dinamicidade em nosso feudal sistema de produção?

Será que a relação computador-máquina de escrever cabe para carro chinês-carro brasileiro?
Sim, eu entendo que é uma questão retórica, mas nós sabemos sua opinião de fato. Fica a pergunta.

Apesar disso, o texto está engraçado! Parabéns novamente, apesar de ainda discordas de quase tudo aqui.

PS: acho questionável a MANEIRA como o governo tem colocado em prática o protecionismo, mas não o protecionismo em si.

Lourival Marques disse...

"PS: acho questionável a MANEIRA como o governo tem colocado em prática o protecionismo, mas não o protecionismo em si."

Até imagino o autor da frase supra testemunhando um assalto e dizendo ser questionável o modo como o bandido aborda a vítima, mas não o assalto em si...

Quanto ao seu texto, Constantino, adorei... Só mesmo com uma boa dose de sarcasmo se pode encarar as palhaçadas desta república pseudofederativa em que nos foi dado nascer... Abraço!!!

Anônimo disse...

Tem uma petralhada invadindo o blog hein, fiquem de olho!

Anônimo disse...

Protecionismo não é crime.

Rodrigo Constantino disse...

Não, é estupidez econômica e abuso contra consumidores.

Anônimo disse...

Num mundo isento dessas práticas, suas palavras fariam sentido.

No mundo atual, burrice é não se proteger do protecionismo dos outros.

Rodrigo Constantino disse...

Lógica fantástica! Se o vizinho dá um tiro no pé de seus consumidores, damos um tiro no pé dos nossos também, como retaliação!

Se o governo americano obriga os americanos a comprar algodão mais caro, então vamos obrigar os brasileiros a pagar mais pelos carros!

Leia Bastiat. Faça este favor a vc mesmo...

Anônimo disse...

O consumidor médio vai se atolar no financiamento, pratique-se protecionismo ou não.

O consumidor de luxo não vai deixar de atender seus fetiches por conta de 30% de aumento no imposto.

Ou seja, essa questão não deve ser analisada pela ótica apenas do consumidor (visão muito simplista), e sim com relação às vantagens imediatas que traz em toda a cadeia produtiva nacional.

Mas, como disse, pra mim é apenas uma solução a curtíssimo prazo. Estou aguardando uma real política de fortalecimento de nossa inústria.

Grato pela recomendação da leitura. Entrará na fila.

Anônimo disse...

Se a china resolve afundar seus barcos e destruir seus portos (como para efeito prático foi o que aconteceu quando proibiu as navegações internacionais) não devemos fazer o mesmo.

Kleiton disse...

"Estou aguardando uma real política de fortalecimento de nossa inústria."

Quer uma política REAL e EFETIVA de fortalecimento da indústria nacional? Abre COMPLETAMENTE o mercado pros produtos importados. A concorrência faz o resto.

E de onde esse cara tirou que só os carros de luxo é q são importados? O Ricardo, lá do #3, tá correndo pra comprar o PICANTO dele sem IPI. Não é uma Ferrari, não é uma Mercedes, não é um Porsche. é um PICANTO.

Tem gente que não aprende mesmo.

alexandre disse...

Não sou a favor do protencionismo mas se todos fazem e só vc quer ser o "bonzinho" seguidor de bastiat, vc se ferra !

Anônimo disse...

me lembrou o texto do nosso herói: POLICARPO QUARESMA

mgpiccinini disse...

Rodrigo,
No seu texto só faltou uma pequena análise que o gênio da economia, Sr. Mantega e seu time de gênios deixou escapar: As montaforas chinesas, coreanas e indianas com a sua ineficácia perante o aumento do IPI, irão montar os seus carros completos e de baixo custo comparados com as excelentes opções que temos em nosso país no Uruguai e se beneficiarão do Mercosul para trazer os veículos isentos de impostos pelos acordos bilaterais para o Brasil. Jogada de gênio do Sr. Mantega. Empregos e impostos ficarão no Uruguai. O que a Presidente Dilma acha desta jogada de mestre?
/Mauro Guglielmo Piccinini

Anônimo disse...

Prezado mgpiccinini,

essas práticas, tanto a triangulação quanto a circunvenção, são proibidas e já investigadas em nosso país.

Sem contar que algumas montadoras já se mostraram interessadas em se instalar no país após a elevação da alíquota.

Aparentemente, foi mesmo uma jogada de mestre.

Wiliam Rangel disse...

Acabei de postar o link para os meus alunos de Economia, Economia Internacional e Relações Internacionais. Excelente artigo!

O consumidor brasileiro poderá matar as saudades da era pré-Collor, e as suas famosas carroças...

No pais da "Bolsa-Pesca" e agora da "Bolsa-Torcedor", quem sabe este ser híbrido chamado Dilmantega crie a Bolsa-motorista-de-carro-importado, tudo à custa do contribuinte, é claro.

Anônimo disse...

O balanco da FIAT foi divulgado no dia 04/mar/11 no diario oficial de MG. Aponta um lucro líquido de 1,6bi em cima de um patrimonio liquido de 2bi.

Isso significa um retorno de 80% ao ano sobre os investimentos, em um mercado teoricamente competitivo.

É essa a indústria que o mantega quer proteger? É visível que existe um cartel no setor!! E tem gente que ainda defende o protecionismo.

O carro importado não é mais barato porque eles rasgam dinheiro ou porque o governo de lá subsidia, o carro importado é mais barato porque é vendido pelo preco de mercado.

Pensem no processo do carro Coreano para chegar pronto aqui no Brasil. O minério de ferro sai daqui, atravessa o mundo de navio, é transformado em aço e depois em carro usando uma mao-de-obra MAIS CARA do que a brasileira, paga TODOS os impostos de lá, é colocado em um navio, cruza o mundo DE NOVO, paga TODOS os impostos daqui e mesmo assim é vendido por um preço menor.

Seria legal se a imprensa fizesse uma matéria destacando isso. O esforço do governo para proteger uma industria que faz um retorno de 80% ao ano às custas do bolso do consumidor brasileiro.