Luiz Felipe Pondé, Folha de SP
"Elas gostam de apanhar." Esta é uma das máximas mais famosas de Nelson Rodrigues, nascido no dia 23 de agosto de 1912 no Recife. Esta afirmação ainda choca muita gente. "Reacionário!", "machista!", gritam os inteligentinhos que nada entendem da "vida como ela é".
É comum se dizer que Nelson está assimilado ao cenário cultural, mas não é verdade. A prova é que livros best-sellers como "Fifty Shades of Grey" ("Cinquenta Tons de Cinza"), de E. L. James, ainda causam ira em setores "progressistas" (a esquerda festiva da qual tanto falava Nelson), apesar de as mulheres "normais", que segundo Nelson são as que gostam de apanhar, estarem devorando o livro com imenso prazer.
No livro de James, Anastasia Steele, universitária, se apaixona pelo poderoso Christian Grey, de quem se torna amante, perdida nas delícias de uma relação "sadomasô light" à qual ela se deixa submeter. E gozará maravilhosamente na submissão. No primeiro momento em que ela o encontra, tropeça e cai, anunciando o domínio que Christian terá sobre ela. Na linguagem feminina comum, "ele tem pegada!". E o afeto feminino responde à "pegada".
Não se trata de dizer que Nelson está estimulando surras, mas sim que o desejo feminino passa pelo gozo da submissão ao macho desejado, dentro do jogo da sedução e do sexo. O "elas gostam de apanhar" no Nelson também fala do enlouquecer o homem, como no caso de adultério, e esperar dele uma bofetada acompanhada de "sua vagabunda", revelando o quanto ele ama esta mulher que o traiu. A psicologia rodriguiana parte da sua máxima "a vida é sempre amor e morte".
"A prostituta é vocação, e não a profissão mais antiga." Há uma relação íntima entre sexualidade feminina e a figura da prostituta como eterna promiscuidade temida. A mulher que nunca encenou "sua" prostituta no sexo nunca fez sexo.
"Dinheiro compra até amor verdadeiro." Imaginemos duas situações hipotéticas.
Hipótese 1: alguém convida você para um longo fim de semana na costa amalfitana na Itália. Executiva, hotel charmoso, longas caminhadas por ruas quietas e antigas, sem pressa, vinho (não "bom vinho" porque isso é papo de pobre querendo parecer rico, do tipo que os jovens chamam de "wannabe", gente que queria ser chique, mas não é).
Hipótese 2: alguém te convida para um fim de semana longo na Praia Grande, você pega oito horas de Imigrantes, trânsito infernal, o carro ferve, você fica na estrada esperando o socorro da Ecovias. Chega lá, apartamento apertado, cheiro de churrasco na laje por toda parte. Crianças dos outros gritando em seu ouvido.
Onde você acha que o amor verdadeiro nascerá? Se responder "hipótese 2", é mentiroso ou não sabe nada acerca dos seres humanos, vive num aquário vendo televisão e se olhando no espelho.
Antes de alguém dizer obviedades entediantes como "preconceito" (agora quando alguém fala para mim "preconceito", não levo mais essa pessoa a sério) ou "depende do contexto em que a pessoa nasce", esclareço: é fácil migrar da Praia Grande para a costa amalfitana, mas não o contrário. E quanto ao "preconceito": não se trata de preconceito, trata-se do tipo de verdade que todo mundo sabe, mas é duro reconhecer. Sim, o amor verdadeiro está à venda, e, enquanto você não entender isso, você permanecerá um idiota moral.
O reconhecimento desse fato torna você adulto, não torna você "melhor". E ser adulto é saber que o mundo não é um lugar "bom". Começando por você e eu.
Sábato Magaldi chamava o Nelson de "jansenista brasileiro". Jansenistas eram escritores franceses do século 17 que partilhavam uma visão de natureza humana na qual somos vítimas de desejos incontroláveis (ou pecado, na linguagem da época) e que, por isso, não conseguimos escapar dessa armadilha que é interior, e não "social". A raiz desse pensamento é a concepção de ser humano de santo Agostinho que eles herdaram. Pascal, Racine e La Fontaine foram jansenistas.
Eu acrescentaria que Nelson era um moralista. Moralista em filosofia é um especialista na alma humana. Proponho que ensinem mais Nelson na escola e menos Foucault.
3 comentários:
…tanto quanto eles, os machos normais, gostam de surrar.
Rodrigo,
À propósito do "Fifty Shades of Grey", citado no artigo, fiz neste fim-de-semana uma avaliação da opinião de leitores junto à Amazon, constatando que 10% delas eram altamente negativas o que, dada a mediocridade geral da população, nem sempre é algo relevante. Mas, lendo os reviews, desisti de comprar o livro pois prefiro um bom site pornô que não tem nenhuma veleidade artística ou a sutileza do verdadeiro erotismo, mas também não fica "rolando lero". Veja só a opinião de um dos leitores, que reproduzo abaixo ( e é uma dentre dezenas, no mesmo diapasão):
"Repetitive and redundant., March 14, 2012
By
Ebeth822 (Tx) - See all my reviews
Amazon Verified Purchase(What's this?)
This review is from: Fifty Shades Darker: Book Two of the Fifty Shades Trilogy (Kindle Edition)
Someone please give this author a thesaurus and an editing team that cares. It's not just that the same actions are repeated over and over (and over... and over again), it's that the same words are used to describe them every time. It's like someone put 50 words in a bag, pulled them out and mashed them into a semblance of a sentence, then tossed them back in the bag and repeated the process to fill 300+ pages.
Inspired by another review I actually used my Kindle to count the ones that were most painful/annoying to read:
Lips bitten: 25
Eyes widened: 21
Eyes rolled: 51
"oh my": 45
Scowls: 48
Gasps: 62
"jeez": 76
Smirks: 91
Flushes/blushes: 133
F-bombs dropped: 173
Whispers: 251
Do the math! Lips are bitten and eyes are widened in every chapter. Someone gasps once every six pages. The main character "flushes" at least once every three pages.
Yes, the British author uses British colloquialisms that make no sense in the Pacific Northwest. Yes, the female protagonist is two dimensional and boring. Yes, her leading man is given a forced and contrived backstory in an unnecessary attempt to make sense of his kinkiness in a vanilla world. The sex scene was okay the first time I read it, but by the time it was recycled for the twelfth time or so it was just boring. Yes, in between the repetitions listed above the author inexplicably throws whatever was on her "word a day calendar" into character conversation where it sounds silly and awkward. But none of these things really destroy a good book quite like reading "I flush" for the hundredth time. Oh my!
Apologies to the fans out there. Imagine I'm writing this review with an "apologetic smirk."
No fim, acho que esta trilogia é aparentada com outra bobagem, também grande sucesso de vendas, o "Hunger Games".
shades of gray é escrito por uma mulher, para mulheres.
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