Rodrigo
Constantino
No domingo passado, o poeta Ferreira Gullar usou sua coluna da Folha para enaltecer o
modelo capitalista de propriedade privada com foco no lucro. Notório defensor
do regime comunista, Gullar tem demonstrado, de uns tempos para cá, uma mudança
de quase 180o em seu pensamento. Antes tarde do que nunca.
Seus
argumentos utilizados no artigo são bastante parecidos com aqueles expostos
pelos liberais há décadas. O mecanismo de incentivos é totalmente inadequado quando
se trata de empresas estatais, pois falta o olhar atento do dono, o escrutínio
dos sócios preocupados com a recompensa dos acertos e a punição dos erros.
Além
disso, não é preciso contar com a bondade ou a boa intenção dos empresários
para o funcionamento eficiente do modelo capitalista. Felizmente, pois seria
uma premissa um tanto ingênua, quase tão ingênua quanto assumir que políticos e
burocratas são santos preocupados apenas com o bem-geral.
Em
busca de seus próprios interesses, esses empresários, em um ambiente de livre
concorrência, são guiados como que por uma “mão invisível” a fazer coisas que
beneficiam a maioria. Este foi o grande insight de Adam Smith. Foi da ganância
de Steve Jobs, por exemplo, que os usuários obtiveram os excelentes aparelhos
da Apple, e não de um suposto altruísmo.
Já
nas estatais a ganância costuma ser direcionada para interesses políticos,
eleitoreiros, ou sindicalistas. Busca-se estabilidade de emprego, não
meritocracia. A maioria se torna verdadeiro cabide de empregos. A promoção
costuma ocorrer por critérios ideológicos, não pela maior eficiência. Isso sem
falar do mar de corrupção que resulta justamente da falta da presença do dono.
O
polemista Paulo Francis, que também foi de esquerda por muitos anos, reconheceu
este fato: “Se os recursos que o estado brasileiro canalizou para o estatismo
tivessem sido postos ao dispor da iniciativa privada, o Brasil hoje seria uma
potencia de peso médio e talvez mais”. Ele foi além: “E, quanto mais
gananciosos os capitalistas, melhor. Ganância é sinônimo de ambição”.
Portanto,
é alvissareira a mudança radical no discurso de um antigo ícone do comunismo no
Brasil. Mas por que ele bateu na trave então? Por que não foi um golaço? Por
causa de uma última frase deslocada no artigo, que demonstra a presença do
ranço esquerdista do passado. Eis como Gullar termina seu texto: “Uma coisa,
porém, é verdade: cabe ao estado trazer a empresa privada em rédea curta”.
Como
assim? Se o poeta já compreendeu que o estado não é formado por santos
abnegados ou oniscientes, como delegar tanto poder aos políticos e burocratas e
esperar bons resultados? Uma escorregada e tanto do poeta. Se o estado detiver
esse poder todo, de controlar as empresas indiretamente, a privatização não
ocorrerá de fato. As empresas serão reféns dos interesses políticos, o que, na
prática, significa quase o mesmo que ter a velha estatal.
Quando o governo petista aumentou sua
ingerência na Vale, este risco ficou evidente. Os milhões de acionistas
minoritários acusaram o golpe, e suas ações despencaram. Não é o estado que
deve trazer a empresa privada em rédea curta; é a sociedade que deve trazer o estado em rédea curta. O preço da liberdade é a eterna vigilância. E o caminho
mais rápido da servidão é concentrar poder demais, e arbitrário, nas mãos do estado.
O poeta levou quase meio século para
descobrir os horrores do comunismo e defender as vantagens do capitalismo.
Espera-se que ele leve menos tempo para perceber que o capitalismo, para
funcionar direito, precisa de mais liberdade e menos intervencionismo estatal.
18 comentários:
Estão aí os exemplos recentes dos planos de saúde pra te contradizer. Setor com forte concorrência, não fechado a novos entrantes, e as empresas fazem o querem com seus clientes: negam atendimento, pagam mal aos médicos, desrespeitam os consumidores e, mesmo com regulação, tudo fica como está
Beto, procure se informar melhor. O setor é um dos mais regulados de todos! E não há tanta concorrência assim...
Rodrigo, eu interpretei o dito final do poeta de outro modo. Efetivamente é necessária a presença do Estado com leis, judiciário e agências fidcalizadoras para refrear os maus empresários, ou seja, aqueles que são inadimplentes, desleais com a concorrência, cartelizadores, desrespeitadores dos direitos dos consumidores, que põem no mercado produtos sabidamente nocivos à saúde e proibidos, e outras coisas do gênero.
Tanto o Estado quanto a iniciativa privada têm de ser limitados, conforme o caso.
Servidor público liberal
Se o Estado tivesse dado rédea curta aos bancos americanos, não teria gerado a bolha que gerou. A Europa tá totalmente quebrada e me diz quem está tendo que abastecer com dinheiro público o cofres dos bancos?
A análise é um pouco mais complexa.
Rodrigo,
Apesar de me considerar um liberal até a raíz dos cabelos e de ter um verdadeiro horror a tudo que diz respeito ao Estado, acho que não estamos mais nos tempos do "laissez-faire" e, aqui e ali, com luva de pelica, a sociedade precisa se auto-regular (por exemplo, com um código de defesa do consumidor, com instrumentos para combater os oligopólios, etc) para estabelecer certos limites. E esta mesma sociedade, precisa regular com mão de ferro a sanha controladora do Estado. Como implementar uma política dessas, com o necessário equilíbrio, é que reside o problema, não é?
Beto, como pode dizer que há forte concorrência no setor privado de saúde, sendo que a maior parte da demanda por esse tipo de serviços é atendida pelo setor público?
Sim, mesmo o setor sendo fortemente regulado (não acredito que haja impedimento para entrada de novos concorrentes, mas aí fico no achismo), há esses abusos, imagine se não houvesse um estado a regular a atuação das operadoras.
O Metrô Carioca, privado, é outro exemplo de que com regulação fraca as empresas fazem o que querem com o usuário (ainda mais num serviço sem concorrência, a não ser que se implementasse algo como cada empresa opera seu trem). Superlotação e agora essa história dos carros novos inacessíveis a cadeirantes.
As Barcas, nem se fala.
Para mim, tudo fruto de regulação fraca e regras que não são cumpridas.
Ah, e de fato, não tenho os dados de atendimento de saúde. Mas acredito que o setor público atenda mais porque o povão não tem grana pra pagar plano de saúde.
Ah, são 103 operadoras de planos de saúde. Não é um número baixo.
Se o povo trouxesse o estado em rédea curta (o que demandaria desse povo muito muito mais que a ignorância e inanição total que impera no meio dele), seria benéfico esse mesmo estado trazer as empresas privadas em rédea curta. Teríamos aumentadas as interferências positivas para o povo, como exemplo a da Anatel sobre a Tim. O governo tem feito sim algumas intervenções positivas também no setor de saúde. Mas as intervenções positivas ainda são excessões. O Brasil não tem dono.
Será que ele não se referia às agências reguladoras? Você não acha que elas são necessárias?
Para mim todos acima tem parcialmente razão.
O que de fato ocorre, e tenho certeza de que foi o que o Ferreira Goulart quis dizer, é que as regras, leis, contratos e serviços sejam muito bem cumpridos por parte das empresas. Se não, o cidadão fica totalmente desprotegido. Com um serviço de péssima qualidade. Agências Reguladoras devem ser enxutas e eficientes, firmes e duras, cobrando e multando. Isso é intervencionismo estatal? Taxativamente NÃO!! É uma forma de mostrar ao setor privado que aqueles que elegemos estão fiscalizando por nós. Ou tem outro mecanismo mais eficiente?
Um liberal convicto
abraço a todos. Bom debate!
Caro Anônimo,
Trazer as empresas privadas em rédeas curtas? Hoje estas rédeas já têm uns 3 cm de comprimento e olhe lá. Já estão tão curtas que o próprio Estado nem tem mais espaço por onde segurá-las...mais um pouco será só através de controle remoto!!!!!
Minha família tem uma pequena empresa comercial em São Paulo: vc nem imagina a quantidade de registros, homologações, licenças que ela tem que ter. Tem que ser registrada nsa esfera federal, na estadual e na municipal, tem que ter Alvará de Funcionamento, licença da Anvisa, homologação no INMETRO, registro no RADAR, vinculação à um monte de sindicatos de empregados e de empregadores, registro no CRQ, e por aí vai. Isso sem falar que tem que atender à uma legislação trabalhista e fiscal absurdamente complicada. E ficar muito atenta ao código de defesa do consumidor.
Há situações tão absurdas que beiramo ridículo: no afã de combater a sonegação fiscal, a Secretaria da Fazenda acabou com as notas fiscais e instituiu a Nota Fiscal Eletrônica. Agora, a empresa tem que entrar no website do Governo para emitir a sua nota fiscal por lá. No dia em que o "sistema" entra em pane, ninguém fatura nada, no dia seguinte, não tem entregas e estabelece-se o caos. Por que diabos a empresa precisa de "autorização" para fazer uma venda? Por que punir todos por causa de um bando de sonegadores? O Estado é que aprimore a fiscalização, mas não à custa de dificultar a vida de todos.
Nestas condições, a simples sobrevivência das pequenas e médias empresas brasileiras se constitui num pequeno milagre diário. Na minha opinião só há espaço é para afrouxar as rédeas.
Rodrigo,
Ao estado cabe desempenhar suas funções clássicas, certo?
Rafernandes, nao falo da ridícula burocracia idiota do Brasil, mencionei o exemplo da Anatel sobre a malandragem da Tim, e na área de saúde também existem planos muuuuuuuito malandros e só um completo ingênuo nao notaria.. Falo do controle do Estado sobre isso. Um controle de protação de direitos, similar a proteção contra assaltos
Rafernandes é o único qualificado aqui nestes comentários para ENTENDER os pontos de vista do Blogueiro. ELE ESTÁ LÁ no meio da fogueira. Como pode aquele anônimo ser enfático em sua crítica no assunto em pauta SE nem uma lojinha de 1,99 jamais gerenciou?
Aqui está a diferença fundamental entre EUA e Brasil. Nós fomos organizados de cima para baixo com uma poderosa classe de bacharéis de, em volta de, no comando, para dar suporte burocrático. Os EUA se estruturou como país a partir daquelas pessoas práticas, que se organizaram para produzir, fazer, criar, para poder sobreviver e para tal a preocupação inicial básica foi limitar o estado.
Queremos obter os mesmos resultados que os EUA? Pessoas como rafernandes, pessoas práticas, pessoas com a mão na massa têm que estar na posição de nos reorganizar.
E essa aqui: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=KrN_Lee08ow#! sera que um dia muda?
Samuel,
Obrigado pela compreensão e apoio. concordo com o seu ponto de vista e acrescentaria que outra diferença entre os EUA e o Brasil é a de que fomos colonizados inicialmente por aventureiros e os EUA por famílias. Os aventureiros tinham como propósito fazer fortura e voltar rapidinho para a terrinha e para os braços da Maria; enquanto que os colonizadores americanos vieram para reorganizar as suas vidas. Passados 500 anos, os EUA são um País e o Brasil não passa de um acampamento.
Samuel parece q vc nao me entendeu, como estou sem tempo e vc cita os EUA vá checar o que fazem a FCC a FERC , a FDA, entre outras.
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