Rodrigo Constantino *
Já foi dito várias vezes nesse livro que
empresas estatais costumam oferecer serviços caros, ruins e demorados. Talvez
em nenhum outro caso isso seja tão verdadeiro como nos portos. Sendo a
principal via de escoamento das nossas exportações, representando cerca de 90%
do total, os portos nacionais se encontram em estado de evidente gargalo.
O país exporta atualmente mais de US$ 200
bilhões (eram US$ 60 bilhões em 2002), e os portos, quase todos administrados
pelo governo, demonstram enorme lentidão na ampliação da capacidade e na
melhoria da eficiência do serviço.
Até 1990, nossos portos ficavam sob a
gestão da Portobrás, que foi liquidada e transferiu a administração para as Companhias
Docas subsidiárias e para concessionários privados ou estaduais. Alguns
terminais são operados pela iniciativa privada, mas o grosso dos portos
brasileiros depende da gestão pública ainda.
O sistema portuário brasileiro é composto
por 37 portos públicos, entre marítimos e fluviais. Desse total, 18 são
delegados, concedidos ou tem sua operação autorizada à administração por parte
dos governos estaduais e municipais. Existem ainda 42 terminais de uso
privativo e três complexos portuários que operam sob concessão à iniciativa
privada.
As forças reacionárias são grandes nesse
setor. Em 1992, a greve dos trabalhadores portuários tinha como ponto central a
pressão contra deputados que votariam o projeto de modernização dos portos. Há
interesses em jogo que lutam para manter os portos sob o controle arcaico
estatal.
Um estudo feito pelo Ipea em 2010 calculou
em mais de R$ 40 bilhões as necessidades de investimentos para suprir a falta
de áreas e para a expansão e melhoria dos acessos terrestres aos portos
brasileiros. Os costumeiros atrasos nos embarques e desembarques acabam
afetando a competitividade de nossas indústrias e prejudicando o consumidor.
O Porto de Santos, o maior do país,
apresenta frequentes congestionamentos e demora a despachar as cargas. Um
container fica parado, em média, 17 dias no porto, enquanto a média mundial é
de 5 dias e na Suécia é de 2 dias.
Ressalte-se ainda que, nos portos europeus,
o custo médio da movimentação de um container é de US$ 120, enquanto nos portos
asiáticos não ultrapassa US$ 75. Já nos principais portos brasileiros esse
custo médio é de US$ 280. O jornal britânico Financial Times constatou
que o custo para exportar um container do Brasil é o dobro da China e 1,5 vezes
da Índia.
Em 2011, Santos movimentou quase 100
milhões de toneladas, sendo 45% por cais público, 45% por terminais de uso
privado, e os 10% restantes por terminais privativos. De 2002 a 2011, o
crescimento do porto foi pouco mais de 6% ao ano, acima do PIB, mas bem abaixo
do ritmo de crescimento de nossas exportações, que quadruplicaram no mesmo
período.
O porto de Roterdã, na Holanda, um dos mais
importantes do mundo, movimentou em 2009 mais de 300 mil toneladas por
funcionário, enquanto o Porto de Paranaguá, no Paraná, que é um dos mais
eficientes do Brasil, nem chegou a 50 mil toneladas por funcionário. O
faturamento do porto de Roterdã foi cinco vezes maior por funcionário.
Para piorar a situação, os exportadores e
importadores sofrem com o excesso de burocracia na liberação das cargas. Há
inúmeros órgãos do governo na beira do porto, entre eles o Ministério da
Defesa, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Receita Federal e o
Ministério da Agricultura.
Cada um deles é responsável por um tipo de
documento e por conferências físicas nas mercadorias. Não existe um cadastro
único do governo, e o dono da mercadoria é obrigado a fornecer a mesma
informação a todos os órgãos, em formulários diferentes. Isso sem falar dos
infindáveis relatos de corrupção, pois, como sabemos, a raison d'être de
tanta burocracia é justamente criar dificuldades legais para vender facilidades
ilegais depois.
O Brasil, com todos esses problemas, tem um
custo muito mais alto do que a média mundial. Enquanto no melhor porto do país
se gastam 12 dólares para embarcar 1 tonelada, a média mundial é de 7 dólares
por tonelada, segundo dados da consultoria Trevisan (2007). No porto de
Cingapura e de Roterdã o exportador despende apenas 5 dólares por tonelada.
Diante dessa ineficiência toda, o que o
governo faz? Insiste no erro, gastando mais do nosso dinheiro nos portos sem
resolver os problemas. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo
tem seguido em marcha lenta na execução dos projetos de investimentos no setor
portuário (como em todos os outros). No estudo já citado do Ipea, consta que um
dos problemas mais graves que o setor portuário brasileiro enfrenta é o de
dragagem e derrocagem.
Segundo o Ipea, “as obras de dragagem são
fundamentais para tornar o setor portuário brasileiro eficiente, permitindo o
acesso e atracação de navios de grande porte, tipo Capesize, que movimentam até
150 toneladas e precisam de portos com calados em uma faixa de 16 a 18 metros
de profundidade”. A pesquisa conclui que os custos com frete poderiam cair a um
terço do gasto atual.
As sete Companhias das Docas não conseguem
investir o suficiente, em parte, devido ao enorme passivo trabalhista
acumulado. A Companhia das Docas do Rio de Janeiro, por exemplo, possui mais de
R$ 1 bilhão no balanço em obrigações fiscais e trabalhistas. A empresa acumulou
mais de R$ 2 bilhões em prejuízos, passando a ter um patrimônio líquido
negativo em quase R$ 300 milhões (2010).
O prejuízo somado das sete empresas, CDP
(Pará), CDC (Ceará), Codern (Rio Grande do Norte), Codeba (Bahia), Codesa
(Espírito Santo), CDRJ (Rio de Janeiro) e Codesp (São Paulo), foi de quase R$
100 milhões em 2010. O pior desempenho, de longe, é da CDRJ, com prejuízo de R$
165 milhões.
Muitos empresários, desesperados com a
lentidão dos portos, gostariam de construir seus próprios portos privados para
escoar sua produção. Mas o Brasil possui leis muito rígidas que dificultam a
vida desses empresários. Para aqueles que desejam empreender no negócio
portuário em si, a situação é ainda mais complicada.
A Agência Nacional de Transportes
Aquaviários (Antaq, não confunda com o animal) criou uma grande barreira para o
desenvolvimento dos portos ao estabelecer que só habilita a operação de
terminais de uso privativo caso a empresa comprove que a movimentação de carga
própria por si só já é suficiente para justificar a construção do terminal. Não
se sabe ao certo quanto do total deve ser de carga própria, mas estima-se que
ao menos a metade deva ser.
O único porto privado que não atende a esse
quesito é o Portonave, que opera em Navegantes, pois foi construído antes da
decisão da Antaq. Tendo começado suas operações em 2007, em 2009 ele já
apresentava receita liquida superior a R$ 150 milhões. A título de comparação,
a Companhia Docas do Rio de Janeiro faturou R$ 205 milhões no mesmo ano (e teve
um prejuízo acima de R$ 130 milhões).
Quando a empresa completou três anos em
operações, fez uma homenagem aos colaboradores. “A Portonave transformou
Navegantes. Valorizou as pessoas, trouxe emprego, mudou a visão da cidade”,
comentou Sandro Romão, planner de pátio da Portonave.
Nesses três anos de operação, a Portonave
desenvolveu projetos junto à comunidade, incentivando ações de educação,
lazer, meio ambiente, cultura, esporte e saúde. Será que o Brasil estaria pior
se o governo criasse menos obstáculos e várias empresas como a Portonave se
instalassem pela costa marítima?
Os pedidos de investimentos de empresas
interessadas em receber autorizações do governo para operar terminais portuários
de uso privativo somam R$ 21 bilhões na Antaq, o órgão regulador do setor. Esse
é o número em carteira hoje na agência.
"São empresas que estão em busca de
outorgas para operar terminais de uso privativo, sejam mistos ou
exclusivos", disse o diretor-geral da Antaq, Tiago Lima. A lista inclui
grandes empresas que têm carga própria e querem construir terminais para ganhar
eficiência logística.
A própria presidente Dilma, ciente de que o
gargalo dos portos representa importante entrave para o crescimento econômico,
tem pressionado seu governo no sentido de preparar novas concessões no setor.
Dezenas de países já privatizaram seus
portos mundo afora. Uma empresa sediada em Hong Kong, Hutchinson Whampoa,
possui 30 portos em 15 países. Na Inglaterra, 19 portos foram privatizados em
1983 para formar a Associated Britsh Ports. Dois terços da carga que entra e
sai da Inglaterra passam por portos privados, que são bem mais eficientes.
Os portos são o principal canal de entrada
e saída dos produtos brasileiros e importados. Em um mundo cada vez mais
globalizado, faz-se condição sine qua non contar com portos eficientes,
ágeis, confiáveis, baratos e de grande porte. Está mais do que evidente que o
governo não tem condições de administrar satisfatoriamente o setor. Aqui, como
alhures, a receita é a mesma: privatização.
* Capítulo do livro "Privatize Já", editora LeYa.
4 comentários:
"O prejuízo somado das sete empresas, CDP (Pará), CDC (Ceará), Codern (Rio Grande do Norte), Codeba (Bahia), Codesa (Espírito Santo), CDRJ (Rio de Janeiro) e Codesp (São Paulo), foi de quase R$ 100 milhões em 2010. O pior desempenho, de longe, é da CDRJ, com prejuízo de R$ 165 milhões."
Como assim? O prejuízo somado é menor que o prejuízo de uma das empresas?
Eu sei que parece estranho, mas é isso mesmo, pois a do Rio tem prejuízo MAIOR do que o resultado final, uma vez que algumas têm pequeno lucro.
tirando a cdrj do bolo, as outras 6 somadas daria lucro então?
Algumas sim, outras não.
Pela matemática simples, as outras 6 somadas tiveram um lucro de R$ 65 milhões.
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