Rodrigo
Constantino
As
manifestações que tomaram as ruas do Brasil representam um fenômeno complexo,
que pegou quase todos de surpresa, e que demanda explicações variadas. Um dos
nomes muito citados, como especialista no assunto, foi o de Manuel Castells,
sociólogo catalão. Gosto de ir na fonte, e li Networks of Outrage and Hope: Social Movements in the Internet Age,
a fim de conhecer melhor seus pontos. Confesso que fiquei decepcionado.
Há
pontos importantes levantados pelo autor, sem dúvida. Mas, em linhas gerais,
fiquei com a impressão de estar diante de um Sartre em Maio de 68. Castells não
esconde seu profundo entusiasmo com essa “nova” forma de se fazer política, de
substituir uma democracia representativa repleta de falhas por uma democracia
mais “direta”. A inclinação do autor à esquerda é evidente o tempo todo.
O
diagnóstico dos movimentos, que eclodiram em diferentes países sob diferentes
contextos, parece-me correto. Um senso de humilhação provocado pelo cinismo e arrogância
dos governantes, somados a problemas econômicos, políticos ou culturais, tudo
isso em uma era de hiperconectividade pelas redes sociais, criou um mecanismo
que transforma medo e revolta em esperança. O indivíduo não está mais sozinho;
ele participa de uma rede gigantesca que lhe dá força para lutar por um “mundo
melhor”.
Apesar
das diferenças entre todos os movimentos espalhados pelo mundo, há
denominadores comuns, tais como: descrédito de todos os partidos políticos;
descrença na grande imprensa; ausência de uma liderança reconhecida; e rejeição
a um modelo formal de organização. Eles são filhos da era digital, e o clima
mais anárquico e caótico das redes sociais acaba transportado para as ruas.
Em
nível individual, os movimentos sociais são emocionais. O indivíduo se insurge
não por uma estratégia política ou partidária, segundo Castells, mas por seus
sentimentos de revolta generalizada. Por isso esses movimentos acabam com uma
cacofonia de demandas e reclamações, com um clima de revolta difusa, “contra
tudo isso que está aí”. Depois pode vir a organização política, a liderança
partidária ou pessoal, para tentar canalizar as reclamações e dar mais foco ao
movimento.
Em
linhas gerais, os movimentos modernos necessitam de elevada conexão via redes
sociais, são predominantemente compostos pelos mais jovens e de classe média,
que alimentam sua indignação diante dos problemas políticos, econômicos e
culturais de seus países, e encontram na coletividade uma sensação de poder que
justifica sua esperança para mudar “isso tudo” e construir um “mundo novo”.
Normalmente algum pretexto qualquer representa a gota fora d’água, a fagulha
que lança as chamas espontâneas nas ruas. Os movimentos ficam “virais”, tais
como os “memes” das redes sociais.
Castells,
que não trata muito bem das origens dos problemas econômicos desses países, ou
quando o faz aponta para os culpados errados (modelo capitalista financeiro em
vez de estado de bem-estar social), não consegue esconder sua empolgação com
tudo isso. Ele inclusive coloca sob um olhar positivo os slogans românticos
desses movimentos. São mensagens como: “Uma nova política é possível”; “Pessoas
unem funções sem partidos”; “A revolução que estava em nossos corações agora
invadiu as ruas”; “Nós carregamos um novo mundo em nossos corações”; “As
barricadas fecham as estradas mas abrem o caminho”; “Desculpe o transtorno, mas
estamos construindo um mundo melhor”; e “Somos os 99%”.
Mas
será que isso difere tanto assim das décadas de 1960 e 70? “Paz e amor”, “Faça
amor, não guerra”, ou coisas do tipo? Uma das características das redes sociais
é encurtar as mensagens. O Twitter só aceita 140 caracteres. A Geração Y pode
estar aprendendo a “pensar” com slogans bonitos, em vez de mergulhar em reflexões
mais profundas. Além disso, essa hiperconectividade cria um ambiente de
demandas instantâneas: repostas imediatas o tempo todo, a fim de saciar nossos
apetites. Mas pode a política funcionar assim?
Na
prática, vários problemas começaram a surgir. Como manter as ocupações? Como
organizar as demandas, rejeitando as formas tradicionais das instituições “arcaicas”
que eles condenam? Como decidir sem lideranças? Com o tempo, muitos movimentos
foram se esvaziando, e apenas ativistas radicais permaneceram, retirando a
credibilidade de porta-voz da população. Foi o caso do Occupy Wall Street e dos Indignados
na Espanha. Os resultados concretos foram animadores como sugeria o clima de
esperança e fervor utópico das ruas?
O
que dizer da “Primavera Árabe” então? Castells foi um entusiasta, como tantos
outros. A democracia finalmente estava chegando na região. Não seria um
movimento islâmico, mas sim secular, como nos moldes ocidentais. Como está o
Egito hoje? Acaba de sofrer um golpe militar sob enorme apoio popular para
retirar do poder justamente um governante islâmico eleito um ano antes. Como
está a Síria? A Líbia? Há motivos reais para muita comemoração?
Castells
pensa que a principal função desses movimentos será o despertar das
consciências, a noção de que os indivíduos agora desfrutam de um mecanismo
poderoso de influência política. Ele conclui com uma mensagem extremamente
otimista: “O legado dos movimentos sociais em rede terá sido levantar a
possibilidade de reaprendermos a viver juntos. Na democracia real”. Será?
Não
vou negar que é importante sacudir o status quo, ainda mais quando nem
democracia representativa há de fato. Mas eu teria mais cautela no prognóstico.
As redes sociais são um instrumento; a matéria-prima ainda é a mesma: o ser
humano. E nisso eu tendo a concordar com muitos filósofos conservadores, ou com
a metáfora do “pecado original” do Cristianismo: a natureza humana é
complicada.
Pensar
que um meio – a rede social – será capaz de transformações tão incríveis assim,
soa mais como sonho utópico. Penso logo em Sartre, babando de euforia com a revolução
que iria mudar o mundo para sempre. O que mudou ali foi para pior. Para
evitarmos o mesmo destino dessa vez, considero fundamental uma abordagem mais
cética diante do fenômeno “novo”. Boas mudanças podem nascer disso tudo sim;
mas nunca é demais lembrar que mudanças negativas também podem. Bem negativas.
Um comentário:
Rodrigo, bola fora.Que o meio é capaz não é utopia, já foi provado, está na cara de todo mundo.
O óbvio: os protestos recentes foram a prova disso.
O único problema é que o povo não sabe o que quer, mas que as redes sociais são capazes de organizar as pessoas em torno de um objetivo isso é óbvio.
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