Passei
meu fim de semana na agradável companhia de Mario Vargas Llosa. Ou nem tão
agradável assim. É que seu último livro, "A civilização do
espetáculo", é obra de alguém um tanto rabugento. Não posso alegar
surpresa, pois já tinha lido a resenha de Jerônimo Teixeira na VEJA, assim como o artigo de João Pereira Coutinho na Folha.
Sem
dúvida se trata de um Mario Vargas Llosa mais pessimista, cansado com a
degradação cultural de nossa época. David Hume fez um alerta importante, porém:
"O hábito de culpar o presente e admirar o passado está profundamente
arraigado na natureza".
Devemos
ter cuidado para não exagerar na dose do pessimismo, idealizando um passado
inexistente. Como mostram Jerônimo e Coutinho, nem tudo é espetáculo na
atualidade. Há coisas muito boas, decentes, refinadas, sofisticadas, sendo
produzidas por aí, que apenas não ganham as manchetes e capas de jornais.
Dito
isso, considero o alerta pessimista feito por Vargas Llosa bastante pertinente
sim. Entendo perfeitamente sua decepção diante da “pós-modernidade”. O zeitgeist é esse mesmo: vivemos na época
em que os idiotas pululam, controlam tudo em nome da “democratização” de todas
as áreas e do combate ao “preconceito”.
Mataram
os critérios minimamente objetivos de julgamento estético. Tomar consciência do
problema, relatado de forma exacerbada pelo Prêmio Nobel, consiste no
primeiro passo para se evitar o pior, ou para mantermos um pingo de sanidade
individual frente à massificação da “cultura”. Como diz Vargas Llosa:
A ingênua ideia de que,
através da educação, se pode transmitir cultura à totalidade da sociedade está
destruindo a “alta cultura”, pois a única maneira de conseguir essa
democratização universal da cultura é empobrecendo-a, tornando-a cada dia mais
superficial.
Na
era pós-moderna, tudo é horizontal, não pode mais existir hierarquia. Com isso,
a linha divisória que separava superior e inferior desaparece. Não existe mais
civilização e primitivismo atrasado, pois tudo se confunde, é errado afirmar a
superioridade de um frente ao outro. “A derrocada dessas distinções é agora o
fato mais característicos da atualidade cultural”.
Vargas
Llosa, velho defensor da democracia liberal e da economia de mercado, tenta
evitar o tipo de ataque marxista à “sociedade do espetáculo”, como aquele feito por
Guy Debord. Para ele, o fenômeno é cultural antes de tudo, não um epifenômeno
da vida econômica e social. Mas o escritor peruano não consegue evitar duras
críticas ao mercado globalizado que, ao universalizar tudo, contribui para
massificar tudo.
Aqui
discordo um pouco, pois a globalização permite o contato com inúmeras culturas
diferentes, que ajuda a enriquecer quem está aberto a elas, sem recusar valores
minimamente objetivos. Mas o alerta tem seu ponto, e merece ser citado:
A indústria
cinematográfica, sobretudo a partir de Hollywood, “globaliza” os filmes,
levando-os a todos os países, e, em cada país, a todas as camadas sociais,
pois, tal como os discos e a televisão, os filmes são acessíveis a todos, não
exigindo, para sua fruição, formação intelectual especializada de tipo nenhum.
Esse processo se acelerou com a revolução cibernética, a criação das redes
sociais e a universalização da internet.
Esse
tipo de fenômeno, segundo Vargas Llosa, representa um sério obstáculo à criação
de indivíduos independentes, capazes de julgar por conta própria o que apreciam
e admiram. Considero essa visão pessimista demais, ao tratar todos como cães de
Pavlov diante da tentação midiática. Mas não dá para negar que muitos sucumbem
a isso sim.
Talvez para a grande maioria, o bom passa a ser confundido com
aquilo que é mais vendido, e sucesso passa a significar apenas boas vendas
comerciais. “O único valor existente é agora o fixado pelo mercado”, constata o
escritor, confundindo-se com um típico crítico de esquerda.
A
“civilização do espetáculo” seria marcada pela busca incessante por diversão e
distração. Literatura light, fácil,
rápida, exigindo o mínimo de esforço intelectual e ao mesmo tempo causando no
leitor a impressão de que ele é moderno, de vanguarda, revolucionário.
Movimentos de massa que “desindividualizam” o indivíduo, perdido em meio ao
clima tribal, como parte da horda primitiva.
Drogas cada vez mais consumidas na
busca por prazeres momentâneos, livrando o indivíduo de preocupação e
responsabilidade, reflexão e introspecção, “atividades eminentemente
intelectuais que parecem enfadonhas à cultura volúvel e lúdica”.
Proliferação
de seitas moderninhas que visam à substituição das antigas e milenares
religiões, ofertando conforto imediato e fugas espontâneas às angústias da
vida. Humor banal como entretenimento: “Na civilização do espetáculo, o cômico
é rei”. A transformação dos próprios intelectuais em “bufões” se quiserem, de
alguma maneira, ainda influenciar o rumo das ideias em sua sociedade.
O
estímulo exagerado de imagens: “Hoje vivemos a primazia das imagens sobre as
ideias”. A superficialidade dos slogans das redes sociais. Políticos que cada
vez mais só trabalham sua forma, em vez do conteúdo. A frivolidade valoriza
mais a aparência que a essência. Banalização do sexo, transformação do erótico
em pornografia vulgarizada. Revista Caras
como ícone da modernidade, onde a fofoca sobre os famosos importa mais do
que informação de fato. O próprio jornalismo alimentando essas paixões baixas
do ser humano, de forma totalmente sensacionalista e mórbida.
É
muito pessimismo para um domingo, eu sei. Nem tudo é assim como diz Vargas Llosa. Mas
me parece inegável que ele tem um ponto, e que faz bem em expor seu alerta.
Muitas pessoas com maior sensibilidade e independência acabam optando pelo
autoexílio, pelo ostracismo autoimposto, pelo silêncio. E isso só deixa mais
espaço para os idiotas.
Por isso considero legítimo o ataque do escritor à “civilização
do espetáculo”, uma vez que é sempre bom lembrar que “a vida não só é diversão,
mas também drama, dor, mistério e frustração”. Poucos querem ser lembrados
disso atualmente, na era do Prozac...
Um comentário:
"O hábito de culpar o presente e admirar o passado está profundamente arraigado na natureza"
Meio poliana acreditar que isso é meio que uma implicância gratuita de pessoas saudosistas.O único jeito de falar que a cultura não decaiu é abraçar um relativismo cultural onde qualquer porcaria é válida.
E além disso não vamos subestimar a revolução gransciana, a ação dos esquerdistas na cultura é uma coisa propositada, planejada durante muito tempo
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