O
GOLPE QUE CHAMAM DE DIÁLOGO.
(porque não estávamos no Senado).
(porque não estávamos no Senado).
Trocando mensagens por e-mail, Caetano
Veloso me convidou para me reunir com a turma que, segundo ele, estava
estudando muito direito autoral e tinha ideias diferentes das minhas. Sempre fui
do diálogo e aceitei seu convite, apesar de não acreditar que ideias boas
pudessem partir de pessoas influenciadas pela senhora Vanisa Santiago.
Não frequento redes sociais, mas, por
terceiros, tinha conhecimento de alguns da turma, nada que se pudesse levar
muito a sério. Afinal, baseavam-se nas loucuras do Randolfe, o deslumbrado.
No dia 17 de junho peguei um avião em Belo
Horizonte e fui com a Marisa Gandelman ao tal encontro. Lá chegando, cheia a
sala, ao cumprimentar o Caetano ele me convidou, com ar alegre, a me sentar a
seu lado. A dona do pedaço, não a da casa, a empresária dele, me deslocou para
o fundo, em um banco. No momento não vi maldade alguma em seu gesto mas, no
desenrolar dos acontecimentos, percebi o significado do cenário que a dona dele
preparara para mim, o Danilo Caymmi, Walter Franco e Bigonha. Não sei se a
impressão que eu formei é a mesma deles. Mas falo por mim.
Quiseram que eu falasse. Disse-lhe que se o
que queriam era fiscalização ao ECAD eu a aceitaria incondicionalmente, desde
que não ferisse a Constituição. Afinal são duas as cláusulas pétreas sobre o
assunto. A primeira proíbe a interferência do Estado no funcionamento das
associações. A segunda, ao estabelecer que ao autor pertence o direito exclusivo de utilizar sua obra, declara
que o preço dessa utilização só cabe a ele. Aí também não cabe interferência
estatal. E acrescentei que a verdadeira e mais eficiente fiscalização deveria
ser feita pelos autores e artistas, os donos do ECAD.
Mas logo que vi que eles não querem se
mover para consertar o que julgam errado, é só reclamar e chamar a tutela do
Estado. A partir dessas minhas palavras o chumbo veio grosso. Senti-me, e a
posição em que me colocaram na sala acentuou essa impressão, como alvo de tiros
do quadro “ O Fuzilamento” de Goya. A empresária me fulminava sem dizer meu nome, só gritava “ esse aí” só fala
em Constituição. Comecei a perceber que talvez a metade dos presentes, tendo
seus objetivos, consideram ser a Constituição,
não a bíblia do cidadão e da cidadania, mas um obstáculo menor a ser destruído,
desvalorizado, varrido da vida do País.
O Antônio Carlos Bigonha, jurista e músico,
os interpelou sobre a insensatez que é abrir mão de um direito pessoal ,
conquistado, privado, e entregá-lo ao Estado. Pedras sobre ele, “ você é músico?”. Ele é e ela
não, como se sabe. Tentei explicar que o peso do voto dos autores nas eleições
da UBC é de 95%. Não fui ouvido ou não prestavam atenção ao que eu dizia. Disse
que todas as informações de cada autor, tudo o que ele quiser saber, está à
disposição dos nossos associados, “on line”, através de senha pessoal. Alguém
escutou e assimilou? Ninguém.
Danilo Caymmi questionou o fato de se entregarem às mãos estatais no
momento em que, em todo o país, os brasileiros se levantam contra a incompetência dos governos
quando aos temas essenciais como educação, saúde, segurança e transporte. Nem o
que é sua obrigação primária o Estado faz.
Depois de ouvir muita sandice e perceber que o que seria um
diálogo era, na realidade, a imposição autoritária das ideias antidemocráticas
da maioria, resolvi ficar quieto. Eu
me decepcionei com as intervenções agressivas de alguns companheiros de
profissão. Outros foram civilizados, Marisa Monte e Fernanda Abreu foram exemplos.
Resolvi não mais me pronunciar, ouvi calado
as explanações maliciosas e mentirosas de alguns. Queria que aquele pesadelo
terminasse e lamentei não acreditar em certas coisas: uma banho de sal grosso
me faria muito bem no enfrentamento da fuzilaria que se dizia diálogo.
No final, quando confirmaram que não
conheciam o novo texto que substituiria o do Lindbergh/Randolfe/Creative Common
(um anteprojeto horroroso e inconstitucional) ficou combinado um novo encontro
para quando eles o tivessem em mãos. Eu não sabia que o golpe já estava em
curso.
Alegaram desconhecer as mudanças no PLS na
virada de 17 para o dia 18. No dia seguinte, a empresária do Caetano, o do
Roberto Carlos e gente ligada ao sistema Globo já estavam no Senado, em
Brasília, conspirando. Conseguiram piorar o que julgávamos impossível de ser
piorado. Contra a assinatura e
manifesto de mais de 1200 autores, músicos e artistas, que se
expressaram publicamente contra as decisões do CADE, transplantaram-nas para o
anteprojeto. E acrescentaram um artigo para livrar a Globo de possível derrota
no STJ (Superior Tribunal de Justiça)
quanto ao pagamento dos direitos autorais musicais.
O golpe continuou, com a estratégia de,
através de urgência urgentíssima, aprovar o monstro, em um só dia, na comissão
e no plenário do Senado. Não sei se o que fizeram com o Senador Aloysio Nunes,
que apenas sugeria um tempo para melhor debate da questão, foi fascismo ou
autoritarismo, os dois são
semelhantes. Foram, os nossos colegas, ditatoriais, opressores. Que o poder não
caia em suas mãos, Deus nos livre.
Os artistas presentes ao Senado, que não
vivem de direitos autorais mas de shows, desprezaram os quase duzentos mil
brasileiros que vivem de direitos autorais de execução pública. Irresponsavelmente,
trabalharam para os que usam música e não querem pagar o que devem. Os googles
e telefônicas que se negam a reconhecer nossos direitos inscritos na
Constituição e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Laboraram para destruir o braço que
arrecada e distribui direitos musicais para todos. Se ampararam no “
constitucionalista”(?) senador Humberto Costa, que desafinou ao declarar constitucional o que salta aos olhos que não o é.
Apoiaram-se num medíocre antropólogo do MINC que, descobri, quer destruir os
autores para assim ter material de trabalho: nos estudar.
Desprezaram a voz dos colegas, várias
centenas, tão artistas e tão autores como eles, tão importantes como eles (a
lista é pública, está no documento “ Vivo de Música”), que abominam as ideias
do CADE e seus burocratas que nada conhecem da estrutura dos direitos de
execução pública no Brasil e no mundo. Aliás, quem redigiu o monstro que passou
pelo Senado quis legislar sobre o que não conhece.
Por último, os artistas que estavam no
Senado participando do golpe, representantes deles mesmos e dos interesses dos
seus empresários afrontaram os
brasileiros que estão nas ruas, em movimento constante, ao abraçarem e enlaçarem personagens que a praça pública está condenando.
Ficaram devendo a discussão prévia prometida
e que não houve. Mas essa foi apenas uma batalha. O jogo não terminou.
Fernando Brant.
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