Rodrigo Constantino
“O problema com o catolicismo brasileiro é que entende de menos o Mercado e reverencia demais o Estado; seu desamor aos ricos excede seu amor aos pobres; gosta de distribuir riquezas, mas não se esforça por facilitar a criação delas. (Roberto Campos)
Da mesma fonte – a Bíblia – existem pessoas que chegam à defesa do capitalismo e pessoas que chegam à defesa do socialismo. Não vem ao caso discutir aqui qual dos dois lados está certo, até porque podemos encontrar várias passagens bíblicas que suportam ambos os opostos. Tanto é verdade que já existiram papas bem socialistas, como Paulo VI, e outros mais adeptos do livre mercado, como seu sucessor João Paulo II. O foco em questão é o fato de que a instituição católica, especialmente a brasileira, representa um grande entrave ao capitalismo liberal. A CNBB, por exemplo, assume posturas políticas claramente de esquerda, defendendo o retrocesso da nação. Alguns conservadores católicos podem afirmar que se trata de uns poucos bispos esquerdistas infiltrados na Igreja, mas desconfio que seja algo bem mais estrutural.
Roberto Campos, que estudou teologia e foi uma das mentes mais lúcidas que o país já teve, chegou a escrever:
“Há várias maneiras de prejudicar os pobres. Elas têm sido diligentemente utilizadas por pessoas e instituições, com intenções perigosamente boas. Comecemos pela Igreja Católica. Sua opção pelos pobres tem sido uma opção pela pobreza. De um lado, favorece a proliferação dos pobres, opondo-se a técnicas ‘artificiais’ de controle de natalidade, que são as únicas realmente eficazes, pois a abstenção sexual nas épocas férteis não é esporte fácil nos trópicos. De outro, contribui para a criação de uma mentalidade anticapitalista, pela suspicácia em relação ao lucro empresarial.”
Michael Novak, em seu livro The Universal Hunger for Liberty, tenta argumentar em prol da suposta união indissociável entre o catolicismo e o capitalismo de livre mercado. Mas ele mesmo reconhece que um grande obstáculo para o desenvolvimento econômico dos mais necessitados é justamente o fato de que muitas organizações católicas parecem acreditar mais em “redistribuição” e “caridade” que no estímulo às empresas, ao crescimento econômico através dos pequenos negócios. Para Novak, o espírito católico expressa melhor que o protestante a criatividade e os aspectos benéficos humanitários das sociedades liberais. Na prática, não parece ser esse o caso. Não vamos esquecer que países predominantemente católicos, como Espanha, Portugal e Irlanda, apenas muito recentemente têm migrado para mais perto do capitalismo liberal, sendo que o maior país católico do mundo, o Brasil, está muito longe disso ainda. Enquanto isso, os Estados Unidos, bem mais liberais, têm mais da metade do povo formada por protestantes, e apenas 24% de católicos, segundo pesquisa em 2002. A teoria de Novak parece mais fruto de um wishful thinking que de observação empírica.
O autor lembra ainda que no começo deste século, para a surpresa de todos, a Igreja Católica Romana é a religião que mais cresce no mundo, tendo hoje algo como um bilhão de fiéis. Só que ele mesmo cita que tal crescimento se dá basicamente na África, América Latina e Ásia, nas regiões mais pobres. Ou seja, os dados parecem confirmar a frase de Sebastien Faure, quando disse que “as religiões são como pirilampos: só brilham na escuridão”. Dá até para suspeitar que a ICAR acordou para este fato e por isso resolveu “produzir” um santo brasileiro, finalmente. Mas seria teoria conspiratória demais. O homem das pílulas “milagrosas” de papel – também conhecidas como placebos – deve merecer mesmo este imponente título...
Alguns podem achar que implico desnecessariamente com a Igreja Católica. Não é nada disso. Acho que fé é algo da esfera pessoal, e não tenho nada com a escolha dos outros nesse sentido. Até, claro, o limite dessa escolha não impactar a minha vida particular. E eis onde reside todo o problema. No passado, qualquer um que defendia a liberdade tinha obrigação de condenar a Inquisição. Hoje, os métodos mudaram, mas a Igreja ainda exerce influência na vida dos “hereges”. O próprio Papa, após considerar o segundo casamento uma “praga social”, exortou os políticos católicos a votarem de acordo com os mandamentos da sua fé. A CNBB, aqui no Brasil, vive se metendo em assuntos políticos. Se a Igreja, grande latifundiária que é, quiser doar suas terras para os “movimentos sociais”, não tenho nada com isso. Mas quando defende o uso do meu dinheiro, através do governo, para financiar criminosos como os do MST, aí a coisa muda totalmente. Dar esmolas com o bolso dos outros é fácil. E imoral também.
Fora isso, somente o fato de existirem mais de 100 milhões de católicos no país que podem acabar seguindo a mentalidade predominante na elite da hierarquia católica já justificaria minha tentativa de oferecer um contraponto. Essa gente toda vota, afinal de contas. Logo, do mesmo jeito que busco combater com idéias a Igreja Universal e seu poder político crescente, faço o mesmo com a Igreja Católica. Quando esta incita seus fiéis a nunca usar a “pecaminosa” camisinha, por exemplo, me sinto no dever de ir contra, pois a elevada taxa de natalidade das camadas mais pobres gera profundo impacto na economia do país, sem falar do risco do HIV. Quando a CNBB faz acalorados discursos defendendo medidas claramente socialistas, me sinto na obrigação de condená-las, em defesa da liberdade.
Em resumo, não ligo muito para a fé religiosa que cada um resolve adotar. Como o time de futebol, isso é algo bem pessoal. O problema começa quando as instituições religiosas criam obstáculos e mais obstáculos para o progresso do país e a liberdade individual. E parece ser justamente esse o caso da Igreja Católica, especialmente a brasileira. Ela fez uma evidente escolha. E foi pela pobreza.