segunda-feira, junho 30, 2008

Inimigos do Progresso



Rodrigo Constantino

“Racionalismo calmo e ambientalismo alarmista não podem coexistir.” (Dra. Dixy Lee Ray)

Muitos movimentos modernos ditos “ambientalistas” se tornaram apenas veículos de alarmismo infundado. O pânico incutido nos leigos varia de tempos em tempos, passando pela chuva ácida, o buraco na camada de ozônio, o lixo atômico, o aquecimento global, e vários outros temas que parecem sempre condenar o progresso industrial e enaltecer uma suposta vida “natural”. As emoções costumam eliminar o uso da razão nesses debates, e o papel da mídia, em busca do sensacionalismo que rende leitores, tampouco ajuda. Para combater essa tendência, a cientista Dra. Dixy Lee Ray escreveu Sucateando o Planeta, em 1992. Alguns medos de então já foram abandonados, em troca de medos novos. Mas a essência do problema permanece a mesma, e o livro da Dra. Ray é um excelente antídoto contra essa doença chamada ecoterrorismo, por estimular um maior ceticismo crítico nas potenciais vítimas.

Parte da explicação para tanta oposição ao progresso industrial, evidente desde os ludistas, é a defesa do status quo, uma tentativa de evitar inovações que aposentam métodos obsoletos e ineficientes. Ou seja, barrar a “destruição criadora” de que Schumpeter falava pode ser um dos motivos por trás desses movimentos “ambientalistas”. Outra explicação estaria no medo do desconhecido, o medo do que pode acontecer e que não necessariamente temos o controle. Logo no começo do livro, a autora questiona o que aconteceu com o saudável ceticismo das pessoas, que parecem cada vez mais crédulas e impressionáveis. A exploração desse medo natural por parte de oportunistas permite a concentração de verbas para as causas ambientalistas, passando por cima de várias alternativas muitas vezes mais urgentes para o uso de recursos escassos. É preciso lembrar que os empregos dos ambientalistas profissionais dependem da continuação da crise ambiental, dos riscos iminentes de desgraças que justificam mais impostos destinados para suas causas.

O livro da Dra. Ray é também um apelo pela maior humildade dos cientistas, lembrando da enorme quantidade de erros do passado. A arrogância daqueles que acham que são capazes de prever com exatidão o futuro deve ser contrastada com os fracassos freqüentes dos cientistas, que anteciparam umas cem crises das últimas dez existentes. A Dra. Ray diz: “Nós não conhecemos as causas das transformações climáticas ocorridas no passado geológico; podemos, porém, estar certos de que estas não se deveram à atividade industrial do homem”. A arrogância humana também está por trás dessa visão de que a ação humana é relevante demais para os eventos naturais, que sempre ocorreram. No fundo, o objetivo parece ser atacar a industrialização, que tornou a vida humana bem mais confortável. O próprio progresso parece ser o alvo de certos “ambientalistas”.

Um mergulho no cotidiano de algumas gerações anteriores demonstra como a idílica visão dos “bons velhos tempos” é falaciosa. Sobreviver era uma tarefa bem mais árdua, diante de uma natureza sempre hostil. A conclusão da autora é direta: “A tecnologia, definida como aplicação do conhecimento científico à solução de problemas práticos, favoreceu a melhoria de vida daqueles que tiveram a felicidade de viver nesse mundo avançado, industrializado e altamente técnico conhecido como civilização ocidental”. Viver no mundo “natural” é algo muito difícil, como todos aqueles que não abraçaram o progresso ocidental podem atestar. Até mesmo algo tão banal hoje, como ter alimentos frescos o ano todo, não era possível antes da introdução da refrigeração generalizada em trens, navios, armazéns e contêineres. As doenças que atualmente são facilmente tratadas eram causa de inúmeras mortes, principalmente de crianças. Essa visão nobre da vida “natural”, herança de Rousseau, é simplesmente falsa. Como a Dra. Ray coloca sobre os dias do passado não tão distante, “a verdade é que foram dias sujos, roídos pelas doenças, e malcheirosos”.

O grande vilão na era da industrialização, o CO2, já foi usado como bode expiatório para muitos problemas diferentes. A Dra. Ray lembra, no entanto, que os cupins emitem, na sua digestão, uma quantidade maior de CO2 que aquela produzida pela combustão dos combustíveis fósseis. Os oceanos contêm uma quantidade bem maior de CO2 que a atmosfera. Os vulcões são outros importantes emissores de CO2. A postura da cientista diante de tantas incertezas é a de humildade: “O fato é que simplesmente não existem dados suficientes sobre a maioria desses processos para que se possa saber com certeza o que está acontecendo nesses enormes, turbulentos, interligados e dinâmicos sistemas que constituem a circulação atmosférica e oceânica”. Ela critica as medidas draconianas sugeridas pelos ambientalistas radicais para a redução de emissão de CO2 pelas indústrias, que poderiam não alcançar os resultados desejados, mas degradar bastante o padrão de vida da humanidade. O uso de mais usinas nucleares seria uma das sugestões mais lógicas dela.

O livro segue tratando de outros temas em maiores detalhes, com inúmeros dados que refutam certas “verdades” alardeadas pelos ambientalistas. O caso do pesticida DDT é um bom exemplo, pois foi alvo dos radicais, sendo que permitiu uma vida melhor para bilhões de habitantes do planeta, além de salvar milhões de vidas. Não obstante isso, ele foi atacado duramente por aqueles que pregam a tal vida “natural”, que ajudaram a criar a mania dos alimentos orgânicos. O DDT foi acusado de ser cancerígeno, mas as doses usadas nos testes com camundongos eram cerca de cem mil vezes maior do que a de qualquer possível resíduo do produto presente nos alimentos que ingerimos. Foi ignorado o conceito de que a dose faz o veneno, e que em quantidades realmente exageradas, até mesmo a água pode matar.*

Esse foi um bom exemplo de como trocar a ciência pela pseudociência alarmista, infelizmente algo muito comum. Por trás disso, encontramos o romantismo tolo que busca um “retorno” ao Jardim do Éden, ou a simples defesa de interesses obscuros contra o progresso. A Dra. Ray tenta resumir algumas características presentes na crença anticapitalista que ataca o progresso: “O fio condutor dessa crença parece ser a idéia malthusiana da finitude dos recursos, dos limites a serem impostos ao crescimento, do controle populacional forçado, da descrença no ser humano, da crença na onipotência do Estado, de sua competência no controle das escolhas individuais e na rejeição da ciência, da tecnologia e da industrialização”. Como antídoto, ela prega mais ceticismo e razão, a demanda por evidências verdadeiras, e nos lembra que os alarmistas dependem da continuação dessa sensação de crise para manter seus empregos. “Um jardim bem cuidado é melhor do que um bosque negligenciado”, ela conclui, enaltecendo a capacidade humana de modificar a natureza em seu próprio benefício.

* A Dra. Ray fala do conceito de Hormesis, desenvolvido no século XVI por um médico alemão, lembrando justamente que uma substância necessária pode ser tóxica dependendo da dosagem. Ela cita um caso mais recente muito interessante: “Em 1979, na Alemanha, um homem morreu por ter tomado 17 litros de água em um espaço de tempo muito curto. A causa imediata da morte foi um edema cerebral e uma perturbação eletrolítica causada pelo excesso de água”. Dependendo da dosagem, qualquer substância pode ser venenosa para os seres humanos!

sábado, junho 28, 2008

O Governo Bebeu? - Vídeo

Uma crítica a esta nova lei radical que proíbe praticamente qualquer ingestão de bebida alcoólica pelos motoristas. No Brasil, predomina a mentalidade de atacar o sofá para punir o adultério. Os riscos dessa postura preventiva com base em estatísticas são enormes, e justificando quaisquer meios para uma meta utilitária, a liberdade individual fica completamente ameaçada. Na prática, a lei será a alegria dos policiais corruptos. O abuso não deve tolher o uso! Nossa liberdade é atacada porque alguns são irresponsáveis. Nada mais injusto e ineficiente que essa nova lei.

http://www.youtube.com/watch?v=UiebynM5QGQ

sexta-feira, junho 27, 2008

Bomba-Relógio

Jornal O DIA

Rodrigo Constantino

Economista e membro do Instituto Millenium

Rio - O modelo previdenciário brasileiro precisa de reformas urgentes. Para uma população relativamente jovem, o governo gasta demais com aposentadorias. Para se ter uma idéia, somos o espelho dos Estados Unidos: eles têm aproximadamente 12% de idosos na população e consomem 6% do PIB com previdência; nós temos 6% de idosos e gastamos 12% do PIB. A conta não fecha e o rombo é crescente.

O modelo de benefícios definidos não atrelados às contribuições individuais, os privilégios do setor público e a reduzida idade mínima diante do aumento da expectativa de vida estão entre os culpados dessa situação. A indexação das aposentadorias ao salário mínimo também é outro grande vilão.

O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) calculou em 2006 o efeito acumulado sobre a despesa do INSS, capitalizado pela taxa de juros Selic, dos sucessivos aumentos reais do piso previdenciário desde 1994. O resultado foi de cerca de R$ 250 bilhões, em torno de 12% do PIB. Se o repasse tivesse acompanhado a inflação desde 1994, a economia nos gastos previdenciários em 2006 seria de 1,7% do PIB. É um valor expressivo.

Como a tendência é de mais aumento real do salário mínimo, esse impacto na Previdência é crescente, aumentando o rombo de forma insustentável. Trata-se de uma bomba-relógio, um acidente esperando para acontecer. Não adianta pregar maravilhas e ignorar seus resultados concretos.

No fim, a conta terá que ser paga, e os aposentados descobrirão que acreditaram numa ilusão. É fácil fazer promessas bonitas, mas é difícil cumpri-las. Além disso, não custa lembrar o ditado: de boas intenções, o inferno está cheio!

terça-feira, junho 24, 2008

Zimbábue: Mais uma Desgraça Comunista



Rodrigo Constantino

“O presidente do Zimbábue é tratado como bandido porque ele tira terra dos que não precisam dela para dar aos que precisam dela para viver.” (Hugo Chávez, no sexagésimo aniversário da Food and Agriculture Organization da ONU, em 2005)

O reino de terror do ditador Robert Mugabe devastou totalmente o Zimbábue, que já foi um dos países mais avançados da África e hoje vive o completo caos econômico e social. Os números são chocantes, e o país foi completamente destruído, com hiperinflação que ultrapassa os seis dígitos, desemprego quase total, violência crescente e fome se espalhando rapidamente. O caso do desastre anunciado no Zimbábue é apenas mais um exemplo do que o comunismo causa de estrago onde passa. Agora, com a catástrofe visível demais, alguns comunistas e demais esquerdistas não querem assumir o filho, negando que o regime de Mugabe seja de fato comunista. É sempre assim: eles defendem os meios pregados pelos comunistas, e quando os resultados inevitáveis destes meios aparecem, eles negam que a realidade seja realmente o comunismo. Assim é fácil, já que os fins comunistas jamais irão existir, pois impossíveis. O que importa mesmo é debater os meios, e o desastre do Zimbábue é mais um exemplo do que acontece quando os meios comunistas são seguidos.

Um pouco de história pode refrescar a memória daqueles que negam o filhote comunista. Mugabe virou um líder importante desde a década de 1960, quando assumiu como Secretário Geral a União Nacional Africana do Zimbábue (ZANU), com uma retórica marxista-leninista. Ele fugiu do país, então Rodésia, em 1976, para lutar em Moçambique, e retornou como um herói, sendo eleito em 1980. Desde então está no poder, adotando medidas claramente autoritárias, controlando a mídia, intimidando a oposição e concentrando poder. Já em 1982, usando milícias treinadas na comunista Coréia do Norte, ele trucidou o braço militar da ZAPU (União do Povo Africano do Zimbábue), que fazia oposição ao seu governo. Em 1987 o cargo de Primeiro Ministro foi abolido, e Mugabe assumiu como presidente, ganhando poder adicional. Foi reeleito em 1990 e 1996, assim como em 2002, através de uma fraude escancarada. Sua política tem sido totalmente tribal, com um discurso racista contra a minoria branca, assim como uma constante retórica anti-imperialista e anti-ocidental. Mugabe bateu de frente com a Igreja Católica também, e perseguiu duramente os homossexuais. Com esses abusos crescentes e atrocidades freqüentes, o ditador foi perdendo apoio de parte da esquerda. Mas é inegável que recebeu amplo suporte no começo, com seu discurso comunista, assim como ainda é aplaudido pelos esquerdistas mais radicais, como fica claro na frase da epígrafe. A dinastia dos irmãos Castro, em Cuba, também apóia o ditador.

Em 2005, no encontro da FAO (Food and Agriculture Organization) em Roma, Mugabe roubou a cena, junto com Chávez, fazendo discursos antiamericanos e recebendo fortes aplausos. Ele comparou Bush e Blair a Hitler e Mussolini, ignorando que justamente a sua própria figura lembra tanto os dois ditadores. Vários presidentes ocidentais foram contra a presença de Mugabe no evento da ONU, que tinha como meta debater soluções para a fome no mundo. Afinal, a ditadura de Mugabe é responsável justamente por uma crescente fome no próprio Zimbábue, que já foi exportador de alimentos antes de sua ditadura. Mas isso não o impediu de fazer um discurso repleto de chavões comunistas, recebendo o apoio do colega Chávez e os aplausos de muitos líderes presentes. Grande parte da mídia ocidental ainda evita chamar de racismo as medidas de Mugabe, que expulsaram os poucos brancos do país, tomando suas propriedades na marra. Até mesmo os grupos de Direitos Humanos evitam o uso da palavra “racismo” quando comentam as atrocidades de Mugabe, como se o ódio contra os brancos “burgueses” não fosse racismo.

Em 1991, o coronel Mengistu fugiu da Etiópia, onde deixou um rastro de sangue, e conseguiu asilo político do seu amigo Mugabe. Em 1994, foi convocado a comparecer, como principal responsável pela tragédia etíope, diante de um tribunal, mas Mugabe recusou a extradição do líder comunista. A rede de cumplicidade entre os diferentes líderes comunistas sempre foi enorme, e todos os membros contribuíram para o avanço internacional desse regime assassino. Mugabe é apenas mais um nome, que merece destaque porque ainda está no poder, causando enorme sofrimento aos inocentes. Suas medidas socializantes lançaram o povo do Zimbábue na completa miséria. A receita foi a mesma de toda nação comunista: ele nacionalizou várias indústrias ao mesmo tempo em que expropriava várias terras dos seus proprietários originais, aumentou os impostos, determinou controle de preços, enfim, foi alastrando o controle estatal sobre os diversos setores da economia, além de limitar drasticamente os demais direitos civis. Em resumo, Mugabe é uma espécie de Fidel Castro africano.

Alguns anos atrás, eu escrevi um artigo chamado A Rota do Zimbábue, onde criticava as novas medidas da reforma agrária de Mugabe, bem nos moldes pregados pelo MST no Brasil. Eu escrevi então: “A reforma agrária de Mugabe representou um total abuso dos direitos individuais, inclusive com o uso de bastante violência, em boa parte perpetrada pela milícia de esquerda, nos moldes do nosso criminoso MST. A expropriação de terras, sob a desculpa da ‘justiça social’, foi enorme, lançando o país na miséria total. A produção despencou, os investimentos sumiram e o caos foi total. Os produtores brasileiros de fumo agradecem, já que o Zimbábue era importante vendedor mundial, e depois da reforma cedeu vasto espaço para a concorrência. Tudo pela ‘igualdade’. Vão culpar depois, pelo mega fracasso, a globalização, é claro, assim como o ‘império’ americano explorador”. Não é preciso ser profeta para prever certas coisas.

A história pode não se repetir, mas com certeza rima. A desgraça do Zimbábue é a desgraça do comunismo, da supressão da propriedade privada e da busca pelo lucro, da concentração de poder no governo. O caso do Zimbábue é apenas mais uma prova de que riqueza não cai do céu nem sobe automaticamente do solo. O país é rico em recursos naturais, mas isso não garante riqueza. Sem o modelo adequado de liberdade econômica, a miséria é inevitável, uma simples questão de tempo. Foi assim na União Soviética, China, Camboja, Cuba, Coréia do Norte e todos os demais países que mergulharam nos caminhos marxistas e socialistas. Hoje, esses poucos países ainda sob o regime comunista representam a escória da humanidade, o “eixo do mal” contra a liberdade. Os safados regozijam-se entre si, e por isso o circense Chávez presta homenagens públicas ao ditador Mugabe, que recebe apoio também dos ditadores iraniano, cubano e norte-coreano.

Infelizmente, ainda existem muitos brasileiros que insistem em idolatrar o fracasso, em admirar o que há de mais nefasto no mundo: o comunismo e seus representantes. Receio que nem mesmo o recente caso de total desgraça do Zimbábue irá sepultar de vez essa utopia assassina. Afinal, já foram tantos outros casos provando o resultado inexorável desse sistema, com mais de cem milhões de cadáveres sacrificados no altar dessa ideologia podre, que só nos resta concluir uma coisa: aquilo que se aprende com a história é que muitos não aprendem com a história.

Havana, Cuba - 1930s

Quase 80 anos depois, vemos que Cuba conseguiu PIORAR MUITO!!!

Para quem acha que o progresso é inevitável e não depende da LIBERDADE, o caso cubano mostra claramente como um povo pode regredir tanto no tempo por conta de um sistema absurdo, o socialismo.

http://www.youtube.com/watch?v=fEMYLkpYxX8

segunda-feira, junho 23, 2008

O Governo Bebeu?



Rodrigo Constantino

“A mais importante mudança que o controle extensivo do governo produz é uma mudança psicológica, uma alteração no caráter das pessoas.” (Hayek)

Em mais uma medida claramente autoritária e arbitrária, o governo brasileiro avança sobre a liberdade individual com a justificativa de cuidar do povo, tratado sempre como um bando de mentecaptos irresponsáveis. Agora qualquer presença de álcool no sangue dos motoristas será punida com multa elevada, de quase mil reais, e perda de vários pontos na carteira. Ataca-se, como de praxe, os efeitos, e nunca as causas. Se há muitos acidentes causados pela ingestão de bebida, então proíbe-se qualquer consumo de bebida alcoólica por parte dos motoristas. Se há assaltos com bandidos na garupa de motos, então veta-se gente na garupa. Se há assaltos em caixas eletrônicos de madrugada, então fecha-se os caixas. Em breve, vejo a possibilidade do governo proibir o dinheiro, já que o alvo dos crimes acaba sendo o “maldito”. No Brasil, predomina a mentalidade de eliminar o sofá para acabar com o adultério. Não por acaso somos recordistas em criminalidade!

Não obstante a enorme dificuldade de colocar uma lei dessas em prática, já que seriam necessários inúmeros “bafômetros” que a polícia nem sequer possui, a medida deve ser condenada por sua natureza injusta. Qual o motivo pelo qual as pessoas estão sendo criminalizadas? Não pela direção perigosa, nem por destruir propriedade ou causar acidentes. Os motoristas não estão sendo colocados na marginalidade por qualquer ato concreto de imprudência no volante. O crime cometido é somente ter certa substância no sangue, mesmo que uma gota de álcool. No entanto, é perfeitamente possível ter essa substância no sangue e não cometer crime algum. De fato, a grande maioria das pessoas que consomem bebida alcoólica não causa acidentes. A expressão jurídica abusus non tollit usum resume bem a questão: o fato de alguns irresponsáveis abusarem de determinada liberdade não é motivo para tolher a liberdade dos demais.

O presidente do Mises Institute, Llewellyn Rockwell, questiona sobre medida similar tomada pelo governo Clinton em 2000: “O que fizemos ao permitir que o governo criminalize o conteúdo de nosso sangue em vez de ações concretas?” O governo passa a ter o poder de aplicar uma lei arbitrária, dependente do julgamento de policiais. Sem o “bafômetro”, nem mesmo é possível saber se a lei foi ou não quebrada. Quanto tempo antes de dirigir é preciso ficar sem beber? Como saber se está na ilegalidade ou não? Se o motorista experimentou um gole de determinado vinho, ele é um criminoso pela nova lei. Isso é típico de uma tirania. Rockwell chega a defender a legalização de se dirigir bêbado, punindo apenas as infrações na direção que colocam a vida dos demais em risco. Ou seja, pune-se os atos concretos que demonstram que aquele motorista em particular está dirigindo de forma ameaçadora, mas não se pune ninguém com base em uma probabilidade apenas. Muitos podem achar isso radical demais, mas eu pergunto: não é extremamente radical colocar na criminalidade alguém que bebeu uma taça de vinho com a mulher e voltou para casa dirigindo? Isso sim é radical.

Para Rockwell, o governo de uma sociedade livre não deve lidar com probabilidades, apenas com atos que agridem a propriedade alheia de fato. Ele lembra os perigos dessa postura que pune com base em probabilidades, citando o caso das medidas racistas porque determinado grupo racial ou demográfico apresenta maior taxa de criminalidade. Se há uma maior probabilidade de um negro cometer um roubo, através de estatísticas, isso quer dizer que um negro deve ser punido sem ter feito nada errado, apenas com base numa probabilidade? Como Rockwell lembra, “o governo deveria estar prevenindo e punindo os próprios crimes, não probabilidades e propensões”. No filme Minority Report, com Tom Cruise, a polícia prende as pessoas com base na previsão de crimes feita por “oráculos” clarividentes. Atualmente, as pessoas parecem dispostas a delegar o mesmo poder ao governo, contando com a “clarividência” das estatísticas, mesmo que várias injustiças sejam cometidas enquanto isso.

Existem vários motivos pelos quais as pessoas dirigem mal. Em primeiro lugar, o motorista pode simplesmente ser “barbeiro”. Ou ele pode estar cansado, de mau humor, nervoso por algum motivo qualquer. Pode ainda estar distraído com a música do rádio. Por várias razões distintas, o motorista pode prejudicar sua capacidade de direção. Será que o governo deveria ter a permissão de testar essas características, aplicando testes de sonolência ou humor das pessoas? Quem acha pouco provável que o avanço estatal chegue a tanto, não custa lembrar que o uso do telefone celular já foi vetado. Qualquer policial pode multar um motorista alegando que o viu falando no celular, e mesmo com viva-voz não é permitido! A transferência de tanto poder arbitrário para os policiais, ainda mais os brasileiros, é um atentado contra a liberdade individual. No fundo, acaba que tanta dificuldade criada serve apenas para a venda de facilidades pelos agentes da lei. O suborno cresce na mesma proporção da quantidade de novas regras criadas pelo governo. São tantas coisas que fazem um motorista estar na ilegalidade, que sai muito mais barato dar uma “gorjeta” para o policial.

Sair para tomar uma cerveja com os amigos ou beber um vinho com a namorada vai custar bem mais caro agora. Será preciso computar nos custos o risco de ser parado por uma blitz, que em vez de perseguir bandidos verdadeiros estará achacando motoristas em busca de uma “cervejinha”. Se a lei fosse seguida mesmo, o negócio de bares e restaurantes seria muito prejudicado. Talvez o lobby dos taxistas tenha um dedo nessa lei, pois qualquer um que objetiva beber um gole de álcool não poderá voltar dirigindo para casa. Já não é permitido fumar num bar, propriedade privada. Agora querem dificultar e muito a venda de bebida. Melhor proibir os bares e restaurantes logo de uma vez! Os acidentes devem cair bastante... assim como a liberdade.

Alguém pode alegar que isso é uma insensibilidade, pois um parente ou amigo próximo foi morto num acidente por culpa do álcool. Mas a mentalidade por trás disso é a mesma que culpa as armas pelos crimes, e não os homens que puxam o gatilho. Acham que proibindo a venda de armas vão acabar com os crimes. Não funciona assim. O maior problema não é a liberdade de beber um pouco e dirigir, mas a falta de punição severa para quem causa um acidente por qualquer displicência. O consumo de álcool nesses casos pode muito bem ser tratado como um sério agravante para o culpado. Mas o que estará sendo punido é o ato em si, não uma probabilidade dele ocorrer. Bebeu e bateu, matando algum inocente? Punição severa!

A liberdade individual estará garantida, com a cobrança de sua concomitante responsabilidade. Cada um escolhe se vai beber ou não, se vai dirigir cansado ou não, com sono ou não, nervoso ou não. Mas se causar um acidente por imprudência, será responsabilizado e punido de acordo. Isso é muito mais eficiente e justo, além de tratar adultos como seres responsáveis. A alternativa é a postura adotada sempre nesse país: tratar adultos como crianças irresponsáveis, como verdadeiros mentecaptos que precisam da tutela estatal para tudo. Paradoxalmente, esses mesmos mentecaptos devem ser livres para votar e escolher o governante que irá cuidar deles no detalhe. Uma contradição e tanto! O efeito mais perverso desse excesso de tutela estatal, conforme disse Hayek na frase da epígrafe, é a destruição da responsabilidade individual no longo prazo, uma mudança no caráter das pessoas. O governo não deve nos proteger de nós mesmos!

Antes que alguém afirme que medidas semelhantes foram adotadas em diversos países desenvolvidos, lembro que a tutela estatal não é monopólio brasileiro, apesar de ser uma característica bem mais marcante nos países mais pobres. Os países ricos adotam muitas medidas erradas também, e os Estados Unidos mesmo já adotaram a estúpida Lei Seca, parindo mafiosos como Al Capone. O incrível é essa mania brasileira de copiar apenas aquilo que não presta. A liberdade econômica, a maior abertura comercial, as causas do relativo sucesso desses países não são admiradas ou copiadas por aqui. Mas quando é para justificar algum novo avanço sobre nossas liberdades, aí o exemplo de fora é citado. E eis que nosso governo resolve ser mais radical ainda que os demais, vetando qualquer consumo de bebida alcoólica para motoristas. Resta apenas perguntar: o governo bebeu?

quinta-feira, junho 19, 2008

Sede de Poder



Rodrigo Constantino

“Eu fui agora ao Gabão aprender como é que um presidente consegue ficar 37 anos no poder e ainda se candidatar à reeleição.” (Presidente Lula, flagrado em conversa com o presidente da Costa Rica, Abel Pacheco, na República Dominicana)

Em Camaguey, Fidel Castro prometeu, poucos dias após a vitória de sua revolução, implantar um “sistema civilizado, democrático”. Insistiu que restabeleceria a Constituição de 1940 e prometeu realizar eleições dentro de “quinze meses mais ou menos”. No dia 14 de janeiro de 1959, após a sua chegada à capital cubana, disse que a “Revolução é genuinamente cubana, genuinamente democrática”. Quando colocado contra a parede, Fidel descrevia sua filosofia pessoal como sendo “humanista”. Não é preciso dizer que o pobre povo cubano espera essas eleições até hoje, meio século depois da promessa do líder da Revolução. Foram quinze longos meses! Sem falar, naturalmente, que o “humanismo” de Fidel é aquele que executou milhares de inocentes, mantém a população inteira como escrava e espalhou a total miséria pela nação prisioneira.

Fidel Castro, desde muito cedo em sua vida, demonstrou uma insaciável sede por poder. Pessoas com essa característica costumam fazer qualquer coisa para obter o que desejam. Todos os grandes ditadores comunistas apresentavam esse traço macabro, essa vontade indômita de ter poder. E tal fim, em suas mentes, justificava quaisquer meios, inclusive os mais desumanos e cruéis que se pode imaginar. Assim foram Lênin, Stalin, Mao Tse Tung, Pol-Pot, Ceausescu, Kim Jong-il etc. Stalin chegou a afirmar que a morte de uma pessoa é uma tragédia, mas a morte de milhões é apenas estatística. Esses revolucionários comunistas foram os responsáveis pelas páginas mais sangrentas da história da humanidade. O motivo principal foi a sede inesgotável por poder. Lord Acton cunhou a célebre frase de que “o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Se o poder corrompe até mesmo uma pessoa normal, o que dizer daqueles que já eram sedentos pelo poder, de forma patológica?

Com essa introdução, não quero afirmar que o presidente brasileiro é necessariamente como esses ditadores comunistas. Quero apenas lembrar que a possibilidade do desejo de seguir uma trilha parecida não pode ser descartada. Afinal, são vários os indícios que apontam nessa direção. Apenas para refrescar a memória com alguns deles, devemos lembrar que os aliados mais próximos de Lula são ex-guerrilheiros que lutavam justamente pela revolução vitoriosa em Cuba, ou que o seu PT foi um dos fundadores do Foro de São Paulo ao lado do mesmo ditador cubano. Podemos lembrar também das tentativas autoritárias do governo, como o CNJ e a Ancinav, que objetivavam controlar os meios de comunicação, prioridade total nas ditaduras comunistas. O DNA autoritário está presente em boa parcela dos petistas. Isso é um fato comprovado pelo próprio partido, que em seu Terceiro Congresso deixou suas ambições em evidência.

A lista poderia continuar com muitos outros exemplos, como o financiamento ao MST e várias outras provas de que o PT não abandonou suas raízes do passado. Mas creio que isso já está claro para todos aqueles que ainda não perderam o juízo nesse país, ou que não se venderam por migalhas. Afinal, o PT vem adotando essa estratégia de poder também, comprando todos. O “mensalão”, as esmolas para os mais pobres, os subsídios polpudos para os empresários, as indenizações milionárias para “intelectuais”, o aparelhamento do governo, os privilégios aos sindicalistas e vários outros destinos dos recursos dos pagadores de impostos beneficiando algum grupo específico qualquer. Até mesmo no âmbito internacional o governo Lula adotou essa postura, perdoando dívida de países africanos com o Brasil e mandando tropas para o Haiti, enquanto a violência crescia no próprio Brasil, tudo com o objetivo de conquistar o assento no Conselho de Segurança da ONU. Sede de poder, local e internacional. O presidente parece um megalomaníaco, explorando o sacrifício alheio para melhorar sua imagem no mundo e conquistar mais poder. Até mesmo os aplausos ao presidente da ONU o PT “roubou” para usar como propaganda em seu culto à personalidade, como se fossem direcionadas ao presidente Lula.

Recentemente o presidente Lula tem negado o desejo de permanecer no poder, através de um terceiro mandato golpista. Mas alguém realmente ainda confia na palavra de Lula? Nem o ser mais ingênuo da nação poderia. Foram os próprios aliados de Lula que trouxeram o tema de um terceiro mandato à tona. Faz parte do teatro do presidente negar este desejo, mas parece óbvio que ele aceitaria este “fardo” pelo “bem-geral da nação”, se esta fosse a demanda do povo. Isso sem falar do desespero de tantos parasitas receosos de perder as tetas estatais fornecidas pelo governo. “Nunca antes na história desse país” se privatizou tanto o Estado como agora. Alguém acredita que essas bocas todas vão aceitar tranquilamente abandonar as tetas estatais? Parasitas profissionais não costumam virar hospedeiros pacificamente.

Portanto, povo brasileiro: Atentai! Fidel Castro, que, aliás, é bastante admirado pelo presidente Lula, também garantiu que era um “democrata”, e ficou meio século no poder, liderando a mais perversa ditadura da região. Quando estava sem condições físicas de continuar no comando, simplesmente entregou o poder para seu irmão mais novo, como se a ilha fosse sua própria propriedade e o povo não passasse de um bando de escravos. A palavra de comunistas não vale nada! As promessas daqueles que morrem de sede pelo poder são vazias. O que realmente impede a tomada de poder por essa corja são as instituições sólidas de um país, como a independência dos poderes, mídia livre e Forças Armadas respeitáveis, sem falar da mentalidade do povo.

No Brasil, até agora, essas instituições têm se mostrado uma barreira incômoda aos anseios dos que querem concentrar mais poder. Mas todas elas, sem exceção, pioraram durante a gestão Lula. Os poderes parecem menos independentes, com crescente influência do Executivo e uma chuva de Medidas Provisórias dignas de uma ditadura. A mídia é dependente, em grande parte, das verbas governamentais, e o cão não morde a mão que o alimenta. Os militares sofrem constante tentativa de desmoralização, e a mais recente foi o uso do Exército para assistencialismo em favela carioca, objetivando angariar votos para um aliado do governo federal. O abuso populista acabou em desgraça, ferindo gravemente a imagem do Exército. Por fim, a mentalidade do povo não ajuda muito, e o trabalho de banalização da imoralidade tem sido feito com sucesso pelo governo. Os infindáveis escândalos de corrupção são tratados como algo normal, que “todos fazem” e que, portanto, não merecem muita atenção. Talvez isso seja o mais grave de tudo no longo prazo. Um país não pode progredir em liberdade se a imoralidade é vista com naturalidade.

O filósofo escocês David Hume já havia notado que raramente se perde toda a liberdade de uma só vez. Normalmente, ela vai sendo perdida gradualmente. Os homens, como sapos colocados em panelas com água fria que vai aquecendo aos poucos, não notam claramente a mudança e podem acabar escaldados. O brasileiro vai vivendo em um ambiente cada vez mais controlado pelo governo, com carga tributária sempre crescente, mas vai se acostumando à situação de forma passiva. Essa passividade, somada à mentalidade predominante que deposita no governo um papel de messias salvador, é extremamente perigosa para a liberdade. É nesse contexto que os sedentos por poder prosperam. E cada vez que essa sede de poder é parcialmente saciada, mais poder é necessário para os sedentos. O governo Lula não vai, por conta própria, abrir mão facilmente do poder e respeitar as instituições democráticas se seus pilares forem de areia. Contar com a boa vontade dessa gente é pedir para se dar mal. O que é preciso fazer é fortalecer as instituições para garantir que, mesmo a despeito da sede pelo poder, o PT tenha que abandonar o osso. Caso contrário, estaremos diante de uma servidão voluntária, onde a estupidez e a miopia do povo poderão parir uma nova ditadura, ainda que velada, como a da Venezuela de Chávez, camarada de Lula. Se Lula não é uma espécie de Chávez ou Fidel, não parece ser por falta de vontade própria. Que isso fique claro!

terça-feira, junho 17, 2008

A Batalha das Idéias



Rodrigo Constantino

“Mude as idéias, e você poderá mudar o curso da história”. (Edmund Burke)

As crenças marxistas, tanto de um determinismo histórico como de um excesso de materialismo, como se tudo no mundo se resumisse a uma luta de interesses entre classes, prejudicaram bastante o avanço da civilização onde exerceram forte influência. Paradoxalmente, isso mostra justamente o poder das idéias, para o bem ou para o mal, no curso da história. Ou seja, nega a própria crença determinista. Os seres humanos são dotados de livre-arbítrio, e nem tudo se resume aos interesses materiais imediatos. Quem acredita nisso está dando uma confissão e tanto sobre seu caráter, como bem colocou Benjamin Franklin: “Aquele que é da opinião de que dinheiro fará qualquer coisa pode muito bem ser suspeito de fazer qualquer coisa por dinheiro”. Há muito mais do que dinheiro na vida. No final do dia, serão as idéias que determinarão os rumos das coisas.

Vários pensadores de diferentes vertentes chegaram a esta conclusão. O poeta alemão Heine afirmou que “os conceitos filosóficos nutridos na quietude do escritório de um professor poderiam destruir uma civilização”. Victor Hugo escreveu que “nada neste mundo é tão poderoso como uma idéia cuja hora é chegada”. O grande economista Ludwig von Mises constatou que “idéias e somente idéias podem iluminar a escuridão”. A filósofa Ayn Rand destacou que “o homem não pode fugir da necessidade de uma filosofia; sua única alternativa é se a filosofia o guiando será escolhida por sua mente ou por acaso”. A lista de pensadores importantes que depositaram enorme relevância no poder das idéias é gigantesca.

O escritor José Ingenieros escreveu: “Quando colocamos a proa visionária na direção de uma estrela qualquer e nos voltamos às magnitudes inalcançáveis, no afã de perfeição e rebeldes à mediocridade, levamos dentro de nós, nesta viagem, a força misteriosa de um ideal”. Quem deixa essa força se apagar, ficando simplesmente inerte, não passa “da mais gelada bazófia humana”. O autor conclui: “O ideal é um gesto do espírito em direção a alguma perfeição”. O culto ao “homem prático”, como se um arcabouço de idéias devidamente refletidas não fosse importante, representa uma ameaça ao progresso humano. “Uma vida não examinada não vale a pena ser vivida”, teria concluído o filósofo grego Sócrates. A máxima de simplesmente “deixar a vida levar”, sem um devido processamento de idéias, costuma levar ao precipício. Até mesmo essa decisão, de viver fugindo de uma reflexão mais profunda, é fruto de uma idéia: a de que não importa muito pensar e ter idéias.

O economista John M. Keynes foi outro que percebeu a relevância das idéias no curso dos acontecimentos. Ele escreveu em sua Teoria Geral: “As idéias de economistas e filósofos políticos, tanto quando estão certas como quando estão erradas, são mais poderosas do que é normalmente compreendido. De fato o mundo é governado por pouco mais. Loucos na autoridade, que escutam vozes no ar, estão destilando seu frenesi de algum rabisco acadêmico de poucos anos antes. Estou certo de que o poder dos direitos adquiridos é muito exagerado comparado à gradual invasão de idéias. Não, de fato, imediatamente, mas depois de certo intervalo; pois no campo da economia e filosofia política não existem muitos que são influenciados por novas teorias depois que estão com vinte e cinco ou trinta anos de idade, logo as idéias que os servidores públicos e políticos e mesmo agitadores aplicam provavelmente não serão as mais novas. Mas, cedo ou tarde, são as idéias, não os direitos adquiridos, que são perigosas para o bem e para o mal”. No caso de Keynes, infelizmente, foram para o mal, para o crescimento do governo e conseqüente redução das liberdades individuais.

A força dos canhões é fundamental, mas a direção para onde eles apontarão depende basicamente das idéias disseminadas. O que permitiu a criação da nação mais livre do mundo foi justamente o poder das idéias Iluministas, bastante influenciadas por John Locke e pelos “founding fathers” da América. Por outro lado, o que permitiu o terror, a escravidão, o genocídio e a total miséria soviética também foi o poder das idéias, dessa vez as socialistas e marxistas. Da mesma forma, aquilo que garante o atraso de muitos países islâmicos, assim como o terrorismo dos fanáticos, é justamente o poder das idéias.

Idéias têm conseqüências. Infelizmente, graves conseqüências muitas vezes. E exatamente para evitar isso é que devemos combater essas idéias erradas com outras idéias. A batalha deve ser travada no campo das idéias. O mundo será um lugar mais livre apenas se os liberais vencerem o debate, não através da força, mas dos argumentos. “O argumento pela intimidação é uma confissão de impotência intelectual”, disse Ayn Rand. Cabe aos defensores da liberdade mostrarem ao mundo quem tem argumentos sólidos, e quem tenta apenas impor suas vontades pela força, por completa impotência intelectual. Somente quando tal distinção estiver mais clara para a maioria, poderemos usufruir de um mundo realmente mais livre. Um mundo onde as boas idéias predominam.

domingo, junho 15, 2008

Um Jab na Dinastia Castro



Rodrigo Constantino

“Amar a Humanidade é fácil; Difícil é amar o próximo.” (Nelson Rodrigues)

O pugilista cubano Erislandy Lara, que havia sido devolvido para a ditadura dos irmãos Castro pelo governo brasileiro, depois de desertar de sua delegação durante os Jogos Pan-Americanos do Rio, conseguiu fugir da ilha-presídio e está na Alemanha, onde lutará profissionalmente. O boxeador fugiu de Cuba num barco, deixando mulher e filhos para trás. O esportista teria dito que os meses seguintes do seu retorno forçado, possível pela “mãozinha” que o governo Lula deu ao camarada Fidel, foram “perseguição pura”. Ele e seus outros companheiros desertores perderam tudo que tinham quando voltaram, e ainda foram proibidos de ter um emprego. Lara terá que ficar longe de sua família, sem saber ao certo seu destino, pois a ditadura cubana não permite a mais básica liberdade de “ir e vir”, e uma fuga seria muito arriscada para os filhos pequenos. Trata-se de “apenas” mais uma família separada pelo muro comunista, que mantém mais de 10 milhões de prisioneiros no cárcere caribenho.

O ministro Tarso Genro, simpático ao regime cubano, ainda tentou justificar a truculência do ato de mandar de volta como prisioneiros os atletas que apenas desejavam respirar ares mais livres, alegando que eles estariam com “saudade” de seu país. Os petistas sempre foram mestres na arte da mentira deslavada, e a fuga do boxeador é um soco na cara-de-pau desse governo conivente e até admirador dos genocidas Fidel e Raúl Castro. Quem é que sente saudade daquele inferno? Ainda tem idiota o suficiente para crer nas manifestações públicas de apoio ao regime monárquico da família Castro, ignorando as pressões e ameaças que levam muitos às ruas. Não obstante as décadas de doutrinação ideológica, culto à personalidade e intensa propaganda enganosa, marcas registradas de todo regime comunista, a verdade é que não há apoio maciço ao regime opressor e assassino dos irmãos Castro. Basta refletir sobre um único dado: a saída de Cuba não é permitida ao povo. O motivo é óbvio demais para qualquer um que não foi totalmente imbecilizado pela ideologia comunista: se for permitido sair daquele lixo miserável, não fica um para contar histórias!

A existência de muitos brasileiros que ainda conseguem defender o regime cruel cubano é algo espantoso e assustador. Infelizmente, muitos desses estão no governo, o que é ainda pior. Outros são intelectuais, arquitetos famosos, cronistas simpáticos, freis ou músicos renomados, todos contribuindo para a deformação da opinião pública. A verdade nua e crua é que a ignorância cada vez explica menos a defesa de algo tão indefensável e abominável como a ditadura cubana, que já matou dezenas de milhares de inocentes, mantendo o restante do povo na completa miséria e escravidão. Seria como tentar justificar a defesa do nazismo através da ignorância. Não cola! Resta como a única opção viável a falta de caráter mesmo, um grave distúrbio psicológico de pessoas que amam a “humanidade”, mas não conseguem desenvolver empatia alguma por humanos de carne e osso. A covardia diante da ditadura do politicamente correto faz com que muitos discordem da forma direta de chamar as coisas pelos seus nomes reais nesse país. Sejamos menos covardes e mais sinceros: quem ainda defende o regime castrista e nutre admiração por Fidel Castro, não pode ser coisa que preste como ser humano. Mesmo que seja um grande arquiteto! Ou alguém diria que um admirador de Hitler pode ser ao mesmo tempo um grande ser humano?

Quem tem curiosidade de conhecer melhor o passado e o perfil do ditador Fidel Castro e seu irmão mais novo, que assumiu o poder como se a ilha fosse um feudo particular da família, deve ler o livro Cuba Sem Fidel, do ex-agente da CIA Brian Latell. No livro, fica claro que Fidel Castro apresentava um pendor pela violência desde cedo, e viveu no submundo do crime desde a adolescência. O autor fez profundas pesquisas e entrevistou várias pessoas que foram próximas dos irmãos Castro para conhecer melhor seu passado. Filhos ilegítimos de um pai simples, mas que ficou rico, eles tiveram uma infância repleta de ressentimentos e amarguras. Não vem ao caso aqui tentar fazer um retrato psicológico dos dois, apenas destacar que o gosto pela violência sempre fez parte de suas personalidades. Fidel era vaidoso ao extremo, e sonhava apenas com “glória e fama”. A sede pelo poder era forte, e seus heróis eram os revolucionários e grandes conquistadores, como Alexandre ou Napoleão.

Outra característica que surge nos relatos de pessoas próximas é justamente a falta de empatia em relação ao próximo. Uma das irmãs do ditador, Juanita Castro, disse ao autor em Miami que Fidel nunca se importou com o sofrimento experimentado pelos empregados da família, e que se lembra inclusive dele criticando o pai por ser “excessivamente generoso com os funcionários”. Segundo o relato de universitários próximos de Fidel, ele “não acalentava qualquer pensamento altruísta sobre quem se beneficiaria de seu projeto de sucesso político, excetuando-se o próprio Fidel”. Latell conclui que Fidel “já era vaidoso, mimado e narcisista quando na universidade”. Fidel lia com atenção discursos e textos de Mussolini, e teria mostrado interesse por textos de Hitler também, além de simpatia por Franco. Seus fins revolucionários justificavam quaisquer meios. O jovem Fidel logo se tornou uma figura ameaçadora, “ligando-se a homicidas e criminosos realmente violentos e pertencentes aos grupos de ação mafiosos da universidade”. Já com 20 anos de idade, Fidel Castro “considerava a prática de assassinatos e a provocação de situações caóticas meios justificáveis e aceitáveis para ver materializados seus interesses pessoais”.

O livro relata vários outros casos que deixam evidente o viés sociopata de Fidel desde cedo. O ditador tinha uma verdadeira compulsão pela violência, e mostrava total indiferença em relação ao sofrimento alheio. Seu irmão mais novo, Raúl, não ficava muito atrás. Na verdade, Raúl, como comandante de guerrilha, seria o maior arquiteto das execuções de civis acusados de colaborarem com o inimigo. Na autobiografia do embaixador americano em Havana, Philip Bonsal, consta que os prisioneiros eram mortos indiscriminadamente a mando de Raúl e enterrados em valas abertas por tratores, sem que se realizasse nada que mesmo lembrasse um julgamento. Com essas características de personalidade, os irmãos Castro criaram a mais longa ditadura da região, e também a mais cruel e assassina.

Como alguém consegue defender tanta barbaridade em nome de uma ideologia é algo que foge à compreensão de qualquer pessoa normal. É preciso ter traços semelhantes de falta de empatia com os seres humanos para idolatrar um crápula assassino como Fidel Castro. E com isso em mente, todos aqueles que não compartilham desse grave desvio de caráter comemoraram a fuga do boxeador, que representa um jab de direita na cara dos defensores da ditadura comunista. Como ele, milhares já fugiram ou tentaram fugir, muitas vezes morrendo na tentativa de ser livre. Mas quando um atleta importante para a propaganda do regime no exterior consegue fugir, isso mostra ainda melhor como é terrível a vida dos cubanos comuns na ilha miserável. Ele era, afinal, parte de uma casta repleta de regalias e privilégios, já que no comunismo todos são iguais, mas uns são bem mais iguais que os outros. A grande comemoração só poderá ocorrer no dia em que o regime comunista sofrer um verdadeiro knock-out, e os irmãos genocidas pagarem por tudo aquilo que fizeram com os pobres cubanos.

sexta-feira, junho 13, 2008

Um Petralha Atípico

Vejam que coisa rara!!!! Um cara que não tem vergonha de dizer que é ladrão mesmo, vagabundo que rouba porque não quer trabalhar, e que ainda por cima gera empregos com seus roubos!!!!! Só pode ser um petralha! Cai na mesma falácia da "janela quebrada" que Bastiat chamou a atenção, igualzinho a todos os esquerdistas que juram que gastos públicos criam empregos. Ignora aquilo que NÃO se vê, onde esses recursos poderiam ser gastos de forma alternativa.

O ladrão ainda acha que é deus quem lhe guia, pois ele rouba de gente mais pecadora que ele. Tirar dos que têm mais é justiça segundo ele, exatamente como na mentalidade invejosa dos petralhas. Ele acredita que "contribui para o bem de todos". Ou seja, ele faz a "justiça social". Não é assim que os petralhas justificam seus roubos?

Além desse ladrão figura ser sincero ao assumir que rouba porque é vagabundo, uma outra diferença dos demais petralhas chama a atenção: foi preso roubando "catorze real". Isso é uma afronta para o PT! Se for pego, tudo bem, faz parte do "negócio". Mas que seja com milhares de dólares na cueca! Aí o partido até ajuda o companheiro, sai em sua defesa. Mas um petralha preso por causa de 14 reais?!?!?! O dízimo ao partido nem chega a 2 reais. O PT com certeza iria expulsar esse ladrão do partido!

Vejam: http://youtube.com/watch?v=7lRl0s4hNOA

terça-feira, junho 10, 2008

O Problema Econômico



Rodrigo Constantino

“Segundo Marx, para acabar com os males do mundo, bastava distribuir; foi fatal; os socialistas nunca mais entenderam a escassez.” (Roberto Campos)

Qual a essência do problema econômico? Por que devemos entender de economia? O prêmio Nobel F. Hayek explicou em seu livro Individualism and Economic Order, publicado em 1948, que o problema econômico surge assim que propósitos diferentes competem pelos recursos disponíveis. Os custos devem ser levados em consideração, e custos significam nada além das vantagens que seriam derivadas do uso de determinados recursos em outras direções, ou seja, o “custo de oportunidade”. Tudo isso é bastante evidente, mas é incrível como tanta gente ignora esta lição básica sobre economia, incluindo alguns economistas.

O precursor da Escola Austríaca, Carl Menger, explicou em seu livro Princípios de Economia Política, que “os bens cuja oferta é maior que a demanda não constituem objeto da economia humana, e por isso os denominamos bens não econômicos”. Quando se trata desses tipos de bens, os homens praticam o “comunismo”. Menger explica: “Nas aldeias banhadas por rios que fornecem mais água do que a necessária para o atendimento das necessidades dos moradores, cada indivíduo vai ao rio e tira tanta água quanto quiser; nas selvas, cada um apanha sem cerimônia tanta lenha quanto precisar; da mesma forma, cada um deixa entrar em sua casa tanto ar e tanta luz quanto quiser”. Em outras palavras, o problema econômico está ausente quando há total abundância de determinado recurso. Ele surge apenas quando temos escassez de recursos, i.e., recursos finitos. E sempre que esse for o caso, válido para a imensa maioria de recursos naturais disponíveis, o cálculo econômico é necessário.

Hayek argumenta então, que esse cálculo econômico para o uso racional dos recursos disponíveis não é viável em uma economia com planejamento central, ou seja, socialista. As informações e o conhecimento existentes na sociedade estão dispersos entre os milhões de indivíduos. Como esse conhecimento será utilizado é uma questão fundamental para a eficiência do sistema econômico. O conhecimento de circunstâncias particulares de tempo e lugar jamais poderia existir num ente agregado qualquer. O arbitrador que ganha com essas assimetrias de conhecimento, através dos preços diferentes praticados, exerce uma função essencial para o funcionamento econômico. A idéia de que a assimetria de informações impede a livre concorrência é totalmente falsa, já que nem mesmo faria sentido falar em concorrência real caso houvesse perfeita simetria de conhecimento. Os problemas econômicos, afinal, surgem sempre como conseqüência de mudanças. Se todos soubessem de tudo, nenhum plano individual seria necessário para corrigir decisões erradas anteriores.

O fluxo contínuo de bens e serviços é mantido por ajustes constantes feitos diariamente de acordo com circunstâncias desconhecidas no dia anterior. Um planejamento central com base em estatísticas jamais poderia substituir esses ajustes realizados com base no conhecimento disperso e assimétrico dos indivíduos. A descentralização é crucial para garantir o uso adequado desse conhecimento. A questão da comunicação desse conhecimento disperso é resolvida através dos preços livres, que informam cada agente sobre a oferta e demanda dos diferentes recursos disponíveis. O empresário não tem necessidade de conhecer tudo sobre vários setores para entender que o preço de um insumo importante para seu negócio está subindo, alertando que há mais demanda para esse bem particular. Ele fará então os ajustes com base nessa informação, que já é um resultado da interação dos milhões de agentes do mercado.

Eis como o mecanismo de preços soluciona o problema da informação pulverizada na sociedade. O fato de essa solução não ser uma construção deliberada da mente humana, mas sim uma evolução natural sem um design humano, incomoda aqueles que tratam economia como uma ciência natural. Mas essas pessoas ignoram que a beleza do mecanismo está justamente em não depender de uma mente brilhante que controle todas as decisões. A divisão de trabalho, que tem sido fundamental para o progresso de nossa civilização, é possível justamente por conta desse método de preços livres. Os avanços nas ciências naturais levaram muitos economistas a uma postura arrogante acerca do problema econômico. Como é possível obter certas leis físicas através da observação empírica de fenômenos naturais, então se concluiu que era possível fazer o mesmo nas ciências sociais complexas, como a economia. Os positivistas passaram a acreditar que era possível impor de cima para baixo as decisões de alocação dos recursos disponíveis, ignorando justamente o mecanismo que torna viável e eficiente esta alocação.

Aquilo que torna possível uma alocação eficiente dos recursos é a competição, um processo dinâmico na busca pela satisfação dos desejos e demandas dos consumidores. Estes desejos não podem ser tratados como dados disponíveis e estáticos, pois dependem do valor subjetivo de cada indivíduo, e estão sempre em mutação também. A função da competição é justamente nos ensinar quem pode nos servir melhor, e essa resposta nunca é fixa. O problema econômico é o problema de fazer o melhor uso dos recursos que temos, e não faz sentido falar numa situação hipotética onde um “mercado perfeito” existiria. O problema é justamente fazer o melhor uso através das pessoas existentes, com seu conhecimento limitado e específico. Somente uma competição dinâmica com preços livres permite os ajustes necessários para uma tendência rumo ao equilíbrio. O grande erro dos economistas clássicos foi partir de um equilíbrio hipotético, como se os dados fossem conhecidos, e tudo não passasse de um problema de cálculo racional ex post facto, com os custos dados. E foi justamente esse lado falho dos clássicos que Marx utilizou em suas teorias.

Os argumentos de Hayek mostram a impossibilidade do cálculo racional sob o sistema socialista de planejamento central. Não é do interesse particular do livro em questão atacar os fins pregados pelo socialismo, mas apenas mostrar que os meios defendidos não atendem de forma alguma esses fins. Como Mises já havia demonstrado antes mesmo de Hayek, o uso econômico dos recursos disponíveis é possível somente se o mecanismo de preços for respeitado não apenas para os bens finais, como para todos os intermediários também. Os fatores de produção vão competir para diferentes fins, e somente os preços livres podem informar qual o melhor uso de tais fatores, de acordo com as demandas mais urgentes dos consumidores.

Se o preço do milho começa a disparar no livre mercado, isso informa aos produtores que este insumo está sendo demandado com mais urgência em indústrias competitivas, como a produção de etanol, por exemplo. Somente assim os produtores podem saber que é preciso aumentar sua produção e oferecer mais alimentos. Caso contrário, com medidas intervencionistas do governo que impeçam a livre formação de preço, essa preciosa informação não chegará aos produtores, e o resultado será a escassez de milho no mercado. Como este caso, existem milhares de outros exemplos que podemos citar para mostrar como o mecanismo de preços em toda a cadeia produtiva é crucial para o funcionamento eficiente da economia.

Quando uma autoridade central determina o uso dos recursos, sem levar em conta os preços de mercado, não fica evidente o custo dessa alocação ineficiente, justamente porque se trata de um custo de oportunidade, ou seja, como esse recurso poderia estar sendo mais bem utilizado em outro lugar. A miopia que Bastiat chamou a atenção, sobre aquilo que não se vê de imediato, é o grande aliado dos governos, que geram alocações ineficientes, mas nem sempre visíveis no curto prazo. Como o nexo causal de longo prazo exige profundo entendimento de economia, os leigos acabam vítimas dessa miopia, inocentando o governo de seus constantes desperdícios de recursos escassos. Quanto custa para o pagador de imposto americano, por exemplo, ter um robô pousando em Marte? Erra quem afirma que basta verificar o orçamento da missão. Esse é apenas o somatório dos preços de mercado naquele momento para os insumos utilizados. Mas não leva em conta o custo de oportunidade, ou seja, onde esses recursos poderiam ter sido utilizados pela iniciativa privada. Como as decisões do governo não costumam levar em conta essas alternativas, até porque a missão da NASA não objetiva o lucro, fica impossível saber ao certo o seu custo verdadeiro.

As escolhas de alocação de recursos pelo governo, com critérios arbitrários que independem dos preços de mercado, e as escolhas dos consumidores não são fins compatíveis. No extremo, que seria o socialismo com planejamento central, os consumidores teriam que aceitar qualquer decisão proveniente dos governantes, como de fato ocorreu na União Soviética. Faltavam os produtos mais desejados nas prateleiras, enquanto o governo lançou o satélite Sputnik para impressionar os americanos. Com certeza não era do interesse dos consumidores russos tal escolha! Em Cuba existem os mesmos problemas. As demandas reais dos consumidores ficam totalmente dissociadas das decisões tomadas pelos planejadores centrais, até porque estes não têm como saber quais são as reais demandas, uma vez que o mecanismo de informação foi eliminado. Ou seja, mesmo assumindo que os planejadores fossem pessoas inteligentes e bem intencionadas, ainda assim o mecanismo de planejamento central seria catastrófico. Adotando a premissa mais realista de que o poder corrompe e que os governantes são egoístas e limitados intelectualmente, o resultado é ainda pior.

A frase de Roberto Campos na epígrafe vai ao cerne da questão: os socialistas simplesmente ignoram o conceito de escassez, absolutamente indispensável para se falar em economia. O mesmo Roberto Campos, ao afirmar que os marxistas partem de uma crença num estado natural de abundância, conclui que nada mais simples para eles, portanto, do que pregar a economia de Robin Hood: tirar dos ricos para dar aos pobres. E de fato vemos isso o tempo todo. Os socialistas sempre se esquecem dos recursos escassos e do que permite sua eficiente alocação, preferindo demandar mais gastos públicos o tempo todo. Todos os males serão resolvidos com mais gastos do governo.

É preciso melhor saúde, logo, mais governo. É preciso melhor educação, logo, mais governo. É preciso preservar a Amazônia, logo, mais governo. É preciso dar crédito aos pequenos empresários, logo, mais governo. É preciso garantir esmolas para os pobres, logo, mais governo. É preciso uma aposentadoria “digna” para todos, logo, mais governo. E por aí vai, numa lista realmente infindável de demandas, assumindo que os recursos brotam em árvores. Poucos param para pensar sobre o problema econômico diante disso tudo. Pelo contrário, quem ousa levantar essa questão é logo chamado de insensível. Quem aborda a importância dos lucros e preços livres é visto como lacaio dos interesses do capital. Uma falsa dicotomia se faz presente, como se o lucro fosse inimigo dessas demandas. E o contrário: sem a busca por lucros numa economia com livre concorrência, essas demandas nunca serão atendidas de forma adequada. Mas para compreender este fato da realidade, é preciso ter algum conhecimento sobre economia. Em resumo, é preciso abandonar o romantismo e compreender a essência do problema econômico, para reconhecer qual o melhor mecanismo de uso dos recursos escassos.

domingo, junho 08, 2008

A Propina do Bicho



Rodrigo Constantino

"Os governos existem para nos proteger uns contra os outros; o governo vai além de seus limites quando decide proteger-nos de nós mesmos." (Ronald Reagan)

Está na capa de O Globo hoje (08/05/08) que um relatório da Polícia Federal com base na análise da contabilidade encontrada num pen drive com o contraventor Roberto Andrade, preso em 2006, mostra o pagamento de propinas e mesadas num total de R$ 35,4 milhões, entre 2003 e 2006. O jornal diz que “o documento aponta que pessoas do alto escalão do governo do estado teriam sido beneficiadas no esquema”. O casal, Garotinho e Rosinha, pode ter sido parte do esquema de corrupção. A relação simbiótica entre jogo do bicho e governos corruptos não é nenhuma novidade.

O relacionamento do PT com os contraventores do bicho parece vir de longa data. O ex-governador Olívio Dutra, que comandava o Rio Grande do Sul, considerado vitrine nacional para o PT, esteve sob a mira de investigações por parte do Ministério Público Federal e da Justiça depois de uma CPI sobre a segurança pública, por denunciadas ligações com o jogo do bicho e contribuições irregulares para o partido quando das eleições para governador. Uma fita gravada pelo ex-tesoureiro do partido, Jairo Carneiro, relatava o financiamento da campanha do PT pelo jogo do bicho.

A pergunta que surge é: a quem interessa manter o jogo do bicho ilegal? Com certeza não interessa aos consumidores do jogo, que encontram inclusive produtos substitutos oferecidos pelo próprio governo, que pelo visto detesta concorrência. Também não é do interesse dos empresários honestos que poderiam explorar esse comércio, como tantos outros em prol da satisfação dos clientes e conseqüente lucro. Aliás, não custa lembrar que a origem do jogo foi totalmente nobre. O jogo recebeu esse nome quando foi lançado, em julho de 1892, por João Batista Vieira Drummond, o barão de Drummond, dono de uma chácara com um pequeno jardim zoológico localizado em Vila Isabel, Rio de Janeiro. Antes do bicho, havia outros jogos semelhantes no Brasil, como os jogos das flores, das frutas e dos pássaros. Manuel Zevada, um mexicano e influente banqueiro do jogo das flores, propôs ao barão a criação de uma réplica de tal jogo, mas no caso usando bichos. O objetivo era conseguir recursos para manter os animais e toda a estrutura do zoológico. Os visitantes eram estimulados a participar de sorteios. Cada bilhete trazia o desenho de um bicho.

Mas quando o governo resolveu monopolizar os jogos de azar, lançou os empresários do jogo do bicho na ilegalidade. Claro que o setor passou a ser dominado por “contraventores”, já que o próprio governo decidiu que assim seria. Uma vez que os “bicheiros” já estavam no crime, por causa do governo, nada mais natural que estender as operações ilegais. Ganhos de escala, como chamamos em economia. Com uma lista de policiais e políticos no “mensalão” do bicho, seria loucura pensar que eles não iriam explorar outras áreas criminosas. Se amanhã o governo resolver que vender bebida alcoólica é ilegal, o que esperar nesse setor? Não é preciso imaginar. Basta lembrar a Lei Seca americana, que criou o famoso mafioso Al Capone, entre outros. Quando o governo voltou atrás, o setor passou a ser dominado por empresários respeitados, como os sócios brasileiros da Inbev. Por que não deixar empresários como esses competirem livremente no jogo do bicho? Eis a pergunta que poucos fazem, preferindo voltar seu foco para o problema das propinas. Ignoram que a corrupção é fruto da ilegalidade que o próprio governo criou no setor. E essa corrupção é do interesse justamente do governo.

A premissa central por trás de medidas como a proibição do jogo do bicho é que o governo tem a função de nos proteger de nós mesmos. Nada mais absurdo! Quem conhece alguns políticos, acha realmente que essas pessoas têm capacidade de julgar pelos demais indivíduos o que é melhor para eles próprios? O governo não tem como função básica proteger o indivíduo de si mesmo, e sim protegê-lo de ameaças externas, como dos bandidos. Paradoxalmente, o nosso governo financia certos bandidos, como os invasores do MST, enquanto cria leis estúpidas que jogam setores na criminalidade, com a desculpa esfarrapada de proteger os “mentecaptos” deles mesmos. Sem falar que o próprio governo vende todo tipo de jogo de azar, como as lotéricas, raspadinhas etc. É muita inversão de valores! É muita hipocrisia!

A propina milionária do jogo do bicho para a política é apenas a ponta de um iceberg. A podridão no meio político é gigantesca, e por isso mesmo devemos reduzir o governo a um mínimo necessário para garantir a segurança dos indivíduos contra outros indivíduos, não contra si próprios. O governo, se tanto, deve ter como função a tarefa de polícia contra agressores de propriedade privada, internos ou externos. Nada mais. Não faz parte da lista de funções governamentais decidir que certas trocas voluntárias entre adultos são ilegais, e com isso “moralizar” a sociedade. Não apenas isso é injusto, como totalmente ineficiente. É o caminho da corrupção descontrolada que vemos todos os dias. O cerne do problema não está no jogo do bicho, tampouco nos contraventores conhecidos como “bicheiros”. O epicentro do problema está na invasão governamental em um setor que deveria ser totalmente livre. Ou defendemos a liberdade, ou não haverá como evitar que as cobras tomem conta dos burros. Proibindo o jogo do bicho, sempre teremos propinas polpudas para políticos safados. Vai dar zebra todo dia!

sexta-feira, junho 06, 2008

A Homo Mania



Rodrigo Constantino

“O Estado é a grande ficção através da qual todo mundo se esforça para viver à custa de todo mundo.” (Frédéric Bastiat)

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, anunciou que serão incluídas no Sistema Único de Saúde (SUS) as cirurgias de mudança de sexo. A informação foi dada ao chegar para participar da I Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, que contou com a presença do presidente Lula. O ministro justificou a decisão alegando que “a medida obedece a um princípio de humanização e atende a uma demanda social”. Estranhos conceitos do ministro. É sempre o mesmo tipo de discurso para defender atrocidades.

Nada contra a escolha sexual dos indivíduos. Cada um na sua, desde que se respeite a liberdade alheia também. No entanto, faz-se necessário alertar que essa postura em relação aos homossexuais e transexuais já está passando dos limites. Uma coisa é tolerar as diferenças, respeitando que o indivíduo tem o direito de viver ou fazer sexo com outro do mesmo sexo. Outra coisa, bem diferente, é pular de alegria porque mais gente escolhe a homossexualidade, festejar o tal “orgulho gay” e até incentivar as pessoas nessa direção, dando a entender que é a coisa mais fashion do mundo. Circula a piada de que antes era terrível ser gay, depois passou a ser aceitável, hoje é o máximo, e é melhor ir embora do país antes que seja obrigatório.

Essas paradas gays são financiadas, em boa parte, com dinheiro dos pagadores de impostos, muitos deles no total direito de não gostar da homossexualidade festejada com seu dinheiro suado. Sem falar que se heterossexuais fizessem metade do que os gays fazem nessas paradas seriam presos por atentado ao pudor! Se a homofobia é indesejável, me parece que a “homo mania” também o é. Até porque, no limite, se todos resolverem virar homossexuais, a humanidade vai sobreviver apenas com reproduções in vitro, e filho algum terá pai e mãe sob o mesmo teto. Pode ser o ideal da distopia de Huxley, O Admirável Mundo Novo, aonde a palavra “mãe” chegava a despertar nojo nos jovens, todos eles criados em laboratório. Haja soma (ou Prozac) para manter essa turma aparentemente contente!

Não é preciso ser um reacionário ou um conservador crente para respeitar os valores familiares. Família é algo muito importante, ainda e felizmente. É o núcleo de nossa civilização, cada vez mais atacado pelo governo, que é visto como deus por muitos, e assume o controle sobre nossas vidas de forma assustadora. Aqueles pais irresponsáveis que não querem educar seus filhos apelam para a tutela estatal, assim como Rousseau fez, depois de abandonar todos os seus filhos no orfanato. Isso não quer dizer que a família tradicional deva ser mantida à custa de qualquer coisa, inclusive da felicidade de seus membros. Um filho certamente está em melhor situação se criado por pais separados que se entendem, do que por pais que ficam juntos brigando diariamente, apenas porque a família tem que estar unida na mesma casa. Havia muita hipocrisia – e também infelicidade – no “puritanismo” da era vitoriana. Longe de mim, pregar um retorno a esses tempos, quando até o divórcio era visto com enorme preconceito, ou mesmo um crime. Mas nem por isso vou deixar de valorizar a família como uma importante instituição, crucial inclusive para preservar a liberdade individual das garras do governo onipresente, que pretende substituir suas funções.

Com isso em mente é que repudio essa nova medida do governo Lula, que sempre luta para enfraquecer a família como instituição, objetivando mais e mais poder nas mãos do governo. Essa turma tem o autoritarismo no seu DNA. Se dependesse deles, o governo iria decidir sobre cada mínimo detalhe de nossas vidas particulares. Para barrar esse avanço imoral sobre nossas liberdades, não devemos analisar somente caso a caso, aplaudindo alguns que parecem fazer sentido pontual e condenando outros. É preciso condenar o pacote completo! É preciso questionar a premissa central por trás de tantas medidas que invadem nossa liberdade. É preciso mostrar que não desejamos nem necessitamos da tutela estatal. Que cada família, de forma geral, cuida melhor dos próprios filhos e sabe o que é melhor para si. O governo não é pai de ninguém.

As seqüelas dessa mentalidade coletivista e da idolatria ao Estado são enormes. Em um país escandinavo, teve um idoso que entrou na Justiça exigindo prostitutas pagas pelo governo, para ter uma velhice mais feliz. Quando tudo é oferecido pelo governo, eis o resultado que temos: um leilão de privilégios, cada um lutando por mais alguma vantagem a ser paga pelos outros. Essa medida do governo Lula é apenas mais um efeito nefasto desse coletivismo tosco, que predomina na mentalidade dos brasileiros. Qual será o próximo grupo beneficiado em troca de votos? Será que o governo vai oferecer cirurgias plásticas “grátis” para as “mocréias”, em nome da igualdade facial? Será que o governo vai oferecer implante de cabelo “grátis” para os carecas, em nome da igualdade capilar? Vivemos em um país socialista mesmo, onde todos ficam tentando usar o governo para obter vantagens, mesmo que as mais bizarras. É lamentável...

Mas voltando a esta medida em particular, eis que crianças e adultos morrem por falta de remédios nos caóticos hospitais públicos, enquanto alguns sujeitos problemáticos, que nasceram com um pênis, mas gostariam de ter nascido com uma vagina, usarão o dinheiro do nosso imposto para cortar fora o órgão indesejado. Quando burocratas e políticos, preocupados apenas em concentrar privilégios para obter votos, decidem a alocação de recursos escassos, é esse o resultado que temos. O governo vai ampliando os privilégios, enquanto a conta fica cada vez maior para todos. Tem cotas por cor da pele, tem carteira para estudante, tem “gratuidade” para idosos, tem benefícios forçados para deficientes, tem reserva para índios, tem subsídio para grandes empresários, tem verba para invasores de terra, tem esmola para pobres, tem financiamento para cineastas engajados, tem dinheiro para movimento gay e muito mais, até mesmo cirurgia para transexual, tudo isso bancado por nossos impostos. Se o sujeito é branco, heterossexual, adulto, saudável, assalariado ou pequeno empresário, e classe média, ele está frito! Ele vai ter que bancar essa conta toda. Ele é o discriminado, para tanto privilegiado. Que valores são esses?

Eu sou um libertário, defensor da menor minoria de todas: o indivíduo. Costumo ser atacado tanto pela esquerda socialista como pela direita conservadora, saudosista da Idade Média. Não me identifico com nenhuma dessas vertentes, até porque considero ambas autoritárias. No fundo, eles pregam liberdade para aquilo que não se importam tanto, mas desejam um governo autoritário naquilo que julgam valioso. Os socialistas materialistas, que só pensam em dinheiro, querem controle estatal na economia, mas defendem as “liberdades civis”, enquanto os conservadores pregam governo controlador no comportamento humano, mas desejam a liberdade econômica. Eu defendo liberdade em ambas as áreas, por entender que o indivíduo deve ser livre de fato.

Isso quer dizer que, numa sociedade libertária, os homossexuais desfrutarão de ampla liberdade, exatamente igual aos heterossexuais, já que todos seriam iguais perante as poucas leis básicas. Mas isso quer dizer também que os heterossexuais terão direito de não gostar do homossexualismo e expressar isso, contanto que não agridam a liberdade dos gays. Se um gay for agredido, o agressor deve ir preso não por homofobia, mas por agressão, como qualquer um deveria ser. Não será feita uma propaganda estatal em prol do homossexualismo, nem uma pressão para empurrar goela abaixo tal escolha como algo legal. A Igreja Católica, por exemplo, não seria obrigada a aceitar o casamento gay, que poderia ser feito como forma de um contrato qualquer, perante as leis. Um mundo libertário respeita o princípio da segregação voluntária, já que defende apenas trocas voluntárias. Não há nada tão ruim quanto forçar um convívio “amigável” caso ele não seja realmente desejado. E por fim, sem dúvida alguma, os heterossexuais não seriam obrigados a pagar pela cirurgia que arranca fora o pênis de um homem que insiste, contra a sua natureza, em ser mulher!

O ministro Temporão justificou essa bizarrice, de pagar com nosso dinheiro a extração do instrumento sem uso dos transexuais, com a desculpa de “humanização” e “demanda social”. Caro ministro, a verdadeira humanização e demanda social seria o senhor fazer uma cirurgia para a retirada de seu instrumento sem uso, o “cérebro”, já que o senhor deve estar usando alguma outra parte do corpo para “pensar”. Mesmo sendo libertário, abro esta exceção e defendo que o governo pague pela cirurgia.

quinta-feira, junho 05, 2008

Amazônia: A Solução de Jonas - Vídeo

Vídeo caseiro onde argumento que a solução para os problemas da Amazônia, tão debatidos atualmente, encontra-se em sua privatização. Somente aquilo que tem dono bem definido recebe os devidos cuidados, é utilizado de forma racional. A solução pode parecer ousada demais para quem se acostumou a acreditar demais no governo e desconfiar da iniciativa privada. Mas ela faz todo o sentido. Aquilo que é de todos, não é de ninguém!

http://www.youtube.com/watch?v=kdEQ3_dcDsI

terça-feira, junho 03, 2008

A Lição de Jonas para a Amazônia



Rodrigo Constantino

“Se o indivíduo busca satisfazer seu próprio interesse num contexto de respeito à propriedade privada e às trocas efetuadas no mercado, estará fazendo o que a sociedade espera que ele faça.” (Mises)

Ao se deparar com o título do artigo, o leitor pode se perguntar quem é esse tal de Jonas. Seria ele algum ambientalista importante, renomado mundialmente? Ou seria ele algum especialista em florestas, profundo conhecedor da legislação ambiental brasileira? Seria ele, no fundo, algum burocrata do Ibama? Na verdade, não é nada disso. Jonas é apenas o personagem de um livrinho escrito para um público mais jovem, chamado As Aventuras de Jonas, O Ingênuo, que conta as experiências do garoto Jonas numa ilha onde ele foi parar depois de uma tempestade à deriva. Através de perguntas objetivas feitas pelo ingênuo garoto, sinceramente interessado em aprender, as incoerências do modelo de governo na ilha vão ficando cada vez mais evidentes. Em um dos casos, conversando com um pescador, a lição aprendida por Jonas pode ser muito útil para uma possível solução ao problema da Amazônia, cujo desmatamento foge totalmente do controle do governo.

Ao tentar beber água de um lago, Jonas escuta a advertência de um pescador, para não beber aquela água contaminada. Os dois iniciam uma conversa então, e o pescador conta para Jonas que o lago está poluído, e que os peixes que restaram são miúdos. Jonas quer saber por que as outras pessoas pegam o peixe do pescador e jogam lixo em seu lago. O garoto fica espantado então ao saber que o lago não é do pescador, mas “de todos”, assim como as florestas e rios. Jonas passa a entender rapidamente a idéia de que aquilo que é de todos, na verdade não é de ninguém, não tem dono. Não há incentivos adequados para que o pescador cuide daqueles peixes, alimentando-os para que cresçam, já que qualquer um pode pescá-los a qualquer momento. O pescador explica: “Por que eu deveria cuidar dos peixes, já que a qualquer momento qualquer outra pessoa pode vir aqui e pescá-los? Se alguém mais pode pescar os peixes, ou poluir o lago com lixo, então lá se vai todo o meu esforço!”

Qual poderia ser a solução para este problema? A resposta está naquilo que o pescador contou a Jonas: “Pense numa coisa: eu bem que gostaria de ser o dono deste lago. Então eu me asseguraria de que os peixes seriam bem cuidados. Tomaria conta do lago, assim como o criador de gado que administra a fazenda do próximo vale. Eu criaria os peixes mais fortes e gordos, e pode apostar que não permitiria que roubassem peixes, ou que jogassem lixo no lago”. Em outras palavras, a solução seria o direito de propriedade privada, tal como ocorrem nas fazendas com gados, normalmente muito bem cuidados. Foi mais ou menos a solução encontrada na Islândia, onde a indústria pesqueira é fundamental para a economia. Mas o lago do livro era administrado pelo governo, o Conselho dos Lordes, e o curioso é que os amigos dos Lordes geralmente pescavam e poluíam à vontade. O pescador desabafa: “É como se o peixe diminuísse à medida que aumenta o que é pago ao administrador da pesca”.

E não é exatamente isso que acontece com a Amazônia brasileira? Ela não é um “patrimônio de todos” e, portanto, de ninguém? Não é explorada de forma totalmente irracional, com foco em lucros imediatos, principalmente pelos “amigos do governo”? Por que há esse problema todo de desmatamento na Amazônia, mas não nas florestas da Aracruz, Klabin, Suzano ou VCP? Qual a diferença? O pagador de impostos não banca cada vez uma conta maior, mesmo que a situação só piore? Entender que o cálculo racional e o interesse pela preservação de um ativo são características presentes onde a propriedade é privada e tem dono bem definido, é fundamental para chegar a uma solução adequada para o problema da Amazônia. As empresas cuidam bem dos ativos, plantam novos eucaliptos, tudo isso objetivando o lucro. No site da própria Aracruz, encontramos: “Por ser uma empresa de base florestal, a Aracruz sabe que a própria sobrevivência do empreendimento depende do uso renovável dos recursos naturais, assegurando que estejam disponíveis para as futuras gerações”. As atividades delas precisam ser sustentáveis, e o principal insumo tem que ser bem utilizado.

Quem duvida disso deveria se perguntar, sinceramente, quem é que costuma lavar e cuidar bem de um carro alugado. Compare esse tratamento aos cuidados de um carro particular, pelo seu próprio proprietário. Há um abismo de diferença! Isso é natural, pois o dono vai sempre cuidar mais do que é seu, assim como um pai cuida melhor do próprio filho em relação a crianças desconhecidas, ou um marido cuida melhor de sua mulher em relação a uma prostituta. Podemos pensar em uma mina ou poço de petróleo também. Uma empresa privada, que depende de seu fluxo de caixa futuro para sustentar seu valor presente, terá todos os incentivos para preservar a capacidade do ativo, enquanto um governo eleito pensa apenas no próximo mandato, e tem o incentivo para acelerar a produção, mesmo sacrificando a capacidade futura do ativo. Essa talvez seja uma das maiores inversões da história da economia, de que empresários gananciosos focam apenas no lucro imediato, enquanto os políticos focam no longo prazo. A verdade é que ocorre justamente o oposto. A famosa expressão “crescimento sustentável”, portanto, depende da condição de propriedade privada.

Os exemplos para comprovar essa lógica seriam infindáveis. Comparemos as condições das estradas privadas com as públicas, muitas vezes caindo aos pedaços, não obstante os impostos sempre maiores. Lembremos de como eram as ferrovias estatais, e como ficaram depois das privatizações. Ou ainda a Embraer, uma empresa mal administrada enquanto estatal, um verdadeiro ralo de dinheiro público, que se tornou motivo de “orgulho nacional” depois da privatização. Temos vários outros casos para ilustrar a mudança na gestão dos ativos quando estes passam das mãos estatais para as mãos privadas. Não teria porque ser diferente com a floresta amazônica. Contar com a proteção do Curupira é ingenuidade pura. E achar que o governo – uma espécie de Curupira, que também tem os pés trocados, despistando os contribuintes com seus passos enganosos – que o governo, dizia eu, poderá resolver os problemas, também é ingenuidade. Não vai, nem com a romântica Marina Silva, nem com o “pragmático” Carlos Minc. Os incentivos não são os mais adequados.

O que fazer então? Deixar o setor privado cuidar e explorar racionalmente a floresta. Pode ser através de laboratórios farmacêuticos, nacionais ou estrangeiros, em busca da biodiversidade para novos remédios. Pode ser por empresas de eco-turismo criando parques para visitas e aventuras. Pode ser vendendo uma parte para empresas madeireiras extraírem madeira de forma inteligente, preservando o ativo. Pode ser até mesmo vendendo trechos para os ricos ambientalistas do Greenpeace ou WWF, que pagariam com prazer para preservar o “pulmão do mundo”, mostrando com o bolso que realmente valorizam a preservação da floresta. Existem diversas formas de passar a floresta para os cuidados do setor privado, sem que isso acabe gerando um desmatamento maior ou mais descontrolado. Até porque mais irracional e acelerado que o desmatamento atual é difícil.

Como se vê, as lições que Jonas rapidamente aprendeu com o pescador podem ser bastante úteis. O ingênuo que faz perguntas lógicas, sem preconceitos ideológicos, acaba sendo muito inteligente, enquanto muitos ambientalistas experts imbuídos de ideologia são os verdadeiros ingênuos, crentes em um deus governo, na verdade inexistente. Acabam como “melancias”, verdes por fora, mas vermelhos por dentro. Ignoram a solução apresentada por pura desconfiança irracional em relação ao setor privado, ao motivo lucro, que é responsável justamente pela racionalidade no uso dos recursos escassos.

Um último exemplo pode ilustrar perfeitamente isso: dois países africanos tinham caça predatória aos elefantes, em busca do seu valioso marfim. Um deles adotou o caminho básico pregado pelo lugar-comum, ou seja, a simples proibição legal da caça. Os crentes na caneta mágica do governo são persistentes. O resultado, naturalmente, foi um incremento da corrupção dos fiscais, e por fim a extinção completa dos elefantes nesse país. O outro escolheu um caminho mais ousado, porém racional, de permitir a caça concedendo licenças. Os elefantes ainda vivem em manadas nesse país, e a extração do marfim é uma atividade lucrativa. Dois coelhos numa cajadada só! Será que não está mais do que na hora de se pensar o caso da Amazônia em termos menos passionais e mais racionais? Jonas tem uma importante lição para nos dar sobre esse assunto...

O Direito de Chantagem



Rodrigo Constantino

“The principle of using force only in retaliation against those who initiate its use, is the principle of subordinating might to right.” (Ayn Rand)

Para os libertários, cada indivíduo deve ter direito à sua propriedade, e realizar apenas trocas voluntárias, ou seja, ausentes de coerção. O uso da força deve ser sempre uma reação, i.e., ninguém deve ter permissão de iniciar o uso de agressão física ou sua ameaça. A premissa básica por trás dessa filosofia é que será sempre ilegítimo cometer agressão contra não-agressores. O professor Walter Block parte dessa premissa para desenvolver vários argumentos em defesa do direito à liberdade de vários “vilões” da sociedade, em seu instigante livro Defending the Undefendable. Ele lembra que pelo fato de certas atitudes não merecerem ser ilegais, isso não quer dizer que não sejam imorais. As pessoas têm total direito de condenar moralmente diversos tipos de conduta, mas a arma contra não-agressores deve ser sempre a persuasão, não a força. Quem inicia o uso de violência deixaria de ter razão nesse caso. E um dos polêmicos exemplos do livro será o foco deste artigo: o direito de chantagem.

Se cada indivíduo é dono de sua propriedade e de sua própria mente, segue-se daí que ele tem direito àquilo que pertence a ela, no caso seus conhecimentos. Caso seu conhecimento específico tenha sido obtido de forma legítima, ou seja, sem invasão de propriedade alheia, ele tem total direito de usá-lo da melhor forma que considerar desejável, novamente assumindo que ele não invade propriedade alheia. Ora, se alguém presenciou em local público um determinado evento, como por exemplo uma modelo famosa fazendo sexo em plena praia, por que deveria ser impedido de divulgar esta informação? A fofoca, na verdade, representa apenas o exercício desse direito. Mas vamos supor que o ato testemunhado seja bastante constrangedor para quem o praticou. Será que o silêncio não tem maior valor do que a fofoca? Como saber?

A chantagem é uma oferta de troca. Costuma ser a proposta de trocar uma coisa, normalmente o silêncio, por outra coisa, normalmente o dinheiro. Se a chantagem é aceita, o chantagista mantém seu silêncio, em forma de segredo, e recebe por isso. Se a chantagem não é aceita, o chantagista apenas exerce seu direito de liberdade de expressão, relatando um dado que é de seu conhecimento legítimo. A diferença entre a fofoca e a chantagem é que na última, a pessoa ao menos oferece uma possibilidade da vítima pagar pelo silêncio. A fofoca expõe o segredo sem alerta, sem chance de qualquer negociação, e por este prisma pode ser vista como muito pior que a chantagem.

Se um segredo seu muito delicado fosse descoberto de uma maneira legítima, por acidente talvez, você não estaria numa situação melhor nas mãos de um chantagista do que de um fofoqueiro? Afinal, na pior das hipóteses, você rejeita a oferta de chantagem, se recusando a pagar o preço pedido, e a informação se torna pública, como ocorreria de qualquer jeito no caso do fofoqueiro. Mas se você aceita pagar o preço, assinando um contrato em troca do silêncio, então é porque julgou que o valor pago era menor que o valor do segredo. Você realizou desta maneira, uma troca voluntária, que é mutuamente benéfica. Pensemos na indústria de paparazzi que fica bisbilhotando a vida das celebridades. Caso se consiga uma foto comprometedora em local público, por que limitar as opções de venda às revistas de fofoca ou deixá-la parar no YouTube de graça? Por que não permitir que a própria celebridade compre a foto e impeça sua divulgação, através de um contrato com o fotógrafo?

Digamos que uma celebridade qualquer, talvez um famoso jogador de futebol, resolvesse experimentar o sexo com um travesti. Seria uma troca voluntária entre adultos, que deveria ser, portanto, legal. Caso o jogador não assinasse um contrato de sigilo antes do ato, o travesti – ou os travestis, se fossem mais de um – poderiam divulgar a informação de seu conhecimento. Não deveria haver um crime de extorsão nesse caso, pois a informação teria sido obtida de forma legítima. Ora, basta pensar no caso de uma testemunha ocular que, passando pelo motel em questão, tivesse visto e registrado a cena toda. Ele não estaria no seu direito de livre expressão caso resolvesse espalhar a notícia e as fotos? Logo, o risco deveria ser assumido pela celebridade, ao decidir participar de uma troca voluntária que não gostaria de tornar pública. Ele deveria ser o responsável por manter tudo em sigilo, sem ser descoberto, assim como deveria exigir um contrato antes, cobrando o silêncio dos parceiros na troca. Supondo que nada disso fosse feito, digamos que por causa do excesso de bebida, ele teria a opção de pagar depois o preço demandado pelo silêncio, ou então deixar a notícia vir à público. A chantagem, nesse exemplo hipotético, seria claramente vantajosa para o famoso jogador, que poderia evitar a divulgação do fato desagradável. A alternativa é o fato ser de conhecimento geral, afetando negativamente a imagem do jogador, que vale bem mais do que o preço da chantagem.

Walter Block defende que a legalização da chantagem é desejável pela ótica utilitarista também. Por ser ilegal, a chantagem costuma envolver atos violentos e criminosos, uma verdadeira máfia. Caso fosse legalizada, deixaria de ser crime, e a taxa de violência cairia bastante. As chantagens iriam aumentar, e as partes envolvidas poderiam escolher pagar ou não pelo silêncio, sem apelar para soluções criminosas. Seria uma negociação normal, como qualquer outra. É a mesma lógica do argumento de que a legalização das drogas iria reduzir a criminalidade, fruto justamente do fato de serem ilegais. Durante a Lei Seca americana, havia Al Capone e demais mafiosos. Após a legalização das bebidas alcoólicas, famílias tradicionais e empresários renomados assumiram o setor, de forma pacífica.

A questão parece estranha ou mesmo chocante para quem se acostumou a associar imoralidade à ilegalidade. No entanto, é preciso ter em mente que nem sempre aquilo que for visto como imoral deve ser ilegal também. Se não há uso de agressão ou ameaça de violência física, devemos usar como arma o poder das idéias, a persuasão. Se acharmos que orgias são imorais, por exemplo, devemos tentar convencer as pessoas disso, e não defender o uso da violência contra aqueles que não agrediram ninguém, apenas fizeram uma escolha sexual diferente do que consideramos adequado. Isso vale para muitas outras coisas. Inclusive para chantagens. O chantagista pode ser visto como um ser humano mesquinho, que pensa em se dar bem explorando o sofrimento alheio. Tal como o fofoqueiro, pode ser visto como um urubu que vive de carniça humana, que não tem integridade para compreender a angústia de sua vítima e manter o silêncio sem nada cobrar. Mas nada disso justifica jogá-lo na prisão, usar a agressão contra ele, que não agrediu ninguém. Caberá à sociedade exercer pressão social contra esses tipos. Mas não é um trabalho para a polícia. O libertário defende o direito legal de chantagem.

segunda-feira, junho 02, 2008

A Ética Racional



Rodrigo Constantino

“É tão natural buscar a virtude e evitar o vício quanto buscar a saúde e evitar a doença.” (Lowes Dickinson)

No artigo A Inconsistência do Relativismo Ético, tentei resumir os principais argumentos de Henry B. Veatch sobre as contradições da postura relativista no que diz respeito à noção de certo ou errado. Mesmo os relativistas, no fundo, precisam acreditar na possibilidade de escolha ética, até porque o próprio relativismo seria uma escolha desse tipo. O foco foi apenas expor a inconsistência do relativismo, e afirmei que em outro artigo tentaria resumir seus pontos sobre como deveria ser então uma ética objetiva. O autor de O Homem Racional parte de uma linha aristotélica para mostrar que é possível escolher uma ética a partir da razão humana, e a seguir veremos seus principais argumentos.

Seguindo o dictum aristotélico, Veatch acredita que o ponto de partida para definirmos o bem de qualquer coisa é “simplesmente aquilo em cuja direção ela é naturalmente organizada em seu desenvolvimento”. Devemos descobrir, através de nossa experiência humana comum, quais as capacidades e potencialidades das coisas, quais “os fins ou objetivos rumo aos quais elas são naturalmente orientadas em seu crescimento e desenvolvimento natural”. No caso dos homens, dotados de inteligência, pode-se presumir que seus fins apropriados diferem bastante daqueles das plantas ou animais. Os homens contam com o propósito racional para atingir suas metas. Logo, apenas sobreviver e cumprir as funções vegetativas não basta para os homens. A perfeição natural do homem “envolve o exercício daqueles poderes e capacidades que são distintamente humanos, isto é, a inteligência e o entendimento racional”.

Isso parece bastante evidente mesmo para aqueles que tentam negar este fato. Se alguém tivesse que escolher entre um animal satisfeito ou um ser humano com angústias, dificilmente escolheria realmente viver como o animal. O que se perderia é a capacidade de entendimento das coisas, mesmo que limitada. Era isso que John Stuart Mill tinha em mente quando escreveu: “É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um suíno satisfeito; melhor ser Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito”. Em casos extremos de necessidade e desespero, é verdade que propostas como essa foram aceitas, como no nazismo ou comunismo, onde os seres humanos praticamente abdicaram de suas capacidades racionais para delegar responsabilidade e confiar seu futuro aos outros. Mas, de um modo geral, “homem nenhum em seus sentidos preferiria a existência de uma vaca contente, por mais bem-alimentada e bem-tratada que seja, à existência de um ser humano com pelo menos algum entendimento do que está acontecendo”. Mesmo nesses casos extremos, vale lembrar que era preciso tentar fazer as vítimas acreditarem que estavam na luz, enquanto viviam na escuridão, controladas de fora. Isso confirma o julgamento de Aristóteles sobre o valor supremo para o homem de ser esclarecido, de saber o que se passa, de ter uma vida inteligente e examinada. Muitos podem se enganar, mas não costumam abrir mão da crença de que entendem parcialmente os acontecimentos.

Mas apenas a inteligência não basta. Poucos poderiam negar que Stalin ou Hitler foram homens inteligentes, no sentido de colocar os meios adequados em prática, de acordo com seus vários fins. No entanto, quem ousaria dizer que levaram vidas inteligentes, no sentido socrático de busca do autoconhecimento? Eles adotaram meios para atingir seus fins, como poder, ganância, vingança, mas não para a meta de “conhecer a si mesmo”. Se a inteligência é usada como instrumento para outros fins, e não para a própria inteligência, isso não pode ser descrito como algo sensato. Como Veatch explica, “a questão é que meios não são fins, e confundir aqueles com esses é apenas tolice e estupidez”. A própria riqueza é um bom exemplo dessa tolice, já que, usada como um meio pode possibilitar mais conforto para seu dono, mas, encarada como o próprio fim em si, nunca é um objetivo inteligente. Quem diria que o Tio Patinhas era feliz e levava uma vida inteligente e examinada?

Pensemos nos casos de honra e reputação, o reconhecimento alheio, em suma. Alguém realmente acha que é inteligente buscar reconhecimento por si próprio? Não parece fazer sentido. O reconhecimento não é um fim, mas uma marca ou sinal do fim. O fim é nosso próprio valor, nossa dignidade, através da realização de alguma coisa importante. Com certeza é algo tolo buscar um reconhecimento por alguma coisa imerecida, falsa. Pessoas que trocam a dignidade e o valor próprio pelos aplausos de terceiros não podem levar uma vida inteligente e examinada. Seria uma vida totalmente falsa, de aparências. A vida inteligente é aquela onde o indivíduo não usa seu conhecimento e inteligência como meros meios para a realização de fins irracionais, “mas antes para prescrever e determinar os próprios fins”. Não basta ter um QI elevado ou ter erudição; viver inteligentemente requer o conhecimento que é relevante para a sua vida como ser humano.

“A vida boa ou a vida inteligente”, resume Veatch, “acaba por ser nada além da vida feliz”. Mas uma vida genuinamente feliz, diferente do falso contente. Afinal, estar contente ou feliz envolve estar contente por alguma coisa. A pergunta passa a ser: em que tipo de coisa um dado indivíduo encontra satisfação? A resposta para essa pergunta é o que faz toda a diferença. A arte de viver, chamada ética, ensina o homem como viver de um modo caracteristicamente humano, i.e., “sábia e inteligentemente, não sendo guiado por caprichos ou paixão, não por mera convenção social ou autoridade externa, mas pela luz da própria verdade como esta ilumina seu entendimento e assim serve como um farol para iluminar o caminho em cada decisão sua”.

As diferentes paixões podem dominar as escolhas de um indivíduo e afastá-lo de uma vida inteligente. A inquietação de espírito, amargura e ressentimento, imprudência e inveja, todos esses sentimentos indicam impulsos passageiros que levam um homem a fazer coisas que ele mesmo reconhece terem sido estúpidas e insensatas. Viver inteligentemente, portanto, envolve “ver as coisas como elas são e ver a si mesmo como se é, em meio a todas as confusões e deturpações devidas as suas próprias paixões, predileções e preconceitos”. Isso não quer dizer, de forma alguma, que ter emoções é incompatível com viver de forma inteligente. Sem emoções o homem seria apenas um pedaço de carne. O importante é que o homem fique satisfeito ou incomodado, chateado ou atemorizado, desanimado ou empolgado, contanto que o objeto de seu sentimento ou emoção seja autêntico, que faça sentido despertar tais reações.

O enorme sofrimento oriundo da perda de um ente querido é compreensível e totalmente compatível com uma vida examinada. O mesmo já não ocorre quando o sucesso do vizinho desperta um sentimento incontrolável de revolta ou inveja, ou quando alguma superstição irracional desperta um medo exagerado. Os homens devem ter a indispensável habilidade para lidar de forma adequada com seus sentimentos. Veatch resume: “O homem virtuoso é aquele que sabe como utilizar e controlar suas próprias emoções e desejos”. A inteligência e o raciocínio humanos terão como função “fornecer um necessário corretivo dos juízos muitas vezes equivocados implícitos em tantas de nossas emoções”. E é importante destacar que não basta meramente saber o que se precisa fazer como ser humano; além disso, há que fazê-lo. Em outras palavras, conhecer as virtudes não é suficiente; devemos praticá-las. Nós somos aquilo que repetidamente fazemos. A excelência, portanto, não é um ato, mas um hábito. A sabedoria é o conhecimento do que fazer; a habilidade é saber como fazer; e a virtude é fazer.

A questão que surge é: como definir essas virtudes, se a humanidade possui uma variedade incrível de condições, costumes, hábitos e circunstâncias? Eis como Veatch rebate este dilema: “É verdade que, como as condições de vida variam de uma época para outra, de região para região, ou de uma cultura para outra, os critérios de valentia, digamos, ou de honestidade, ou de estupidez hão de variar consideravelmente. Mas a distinção entre valentia e covardia, honestidade e desonestidade, sabedoria e insensatez será não obstante reconhecida e mantida quase universalmente”. As exigências da excelência humana são discerníveis na vida humana onde quer que ela possa ser encontrada. A evidência apresentada por Veatch está na seguinte pergunta: De outro modo, como poderíamos ler história e literatura não meramente com apreciação estética, mas com uma apreciação de sua relevância para nossas vidas? Os romances de diferentes épocas, culturas e povos despertam um julgamento praticamente universal no que tange às virtudes e vícios. Podemos identificar e separar o joio do trigo, o corajoso do covarde, o íntegro do pérfido, o sábio do tolo. E se podemos fazer isso, então devemos reconhecer que os “fracassos humanos devem-se não ao fato de que não sabemos o que devíamos fazer, mas antes ao fato de que não escolhemos agir sobre nosso conhecimento”.

Afirmar o contrário, alegando que a virtude é uma questão de conhecimento e o vício, de ignorância, significa matar o livre-arbítrio, tornar todos os homens inimputáveis, ninguém sendo considerado responsável por ser como é. É evidente que ninguém pretende negar as diferentes circunstâncias envolvidas nas escolhas. Para determinada pessoa, dependendo do ambiente em que cresceu, pode ser infinitamente mais difícil fazer as escolhas certas. Mas, em última instância, sempre caberá ao indivíduo fazer essas escolhas, mudar o rumo das coisas, escolher o caminho da virtude. Somos responsáveis pelas nossas escolhas na vida. “Entre o estímulo e a resposta, o homem tem a liberdade de escolha”, disse Viktor Frankl, mesmo sendo torturado por nazistas. Quem nega esta responsabilidade individual, optando por algum tipo de determinismo, não consegue evitar uma gritante incoerência: ele mesmo não poderia ter concluído racionalmente nada sobre o determinismo, nem teria mérito algum em escolher esta teoria como válida, já que ela seria completamente determinada fora de seu alcance ou compreensão. O determinista precisa reconhecer que ele próprio não passa de uma marionete reagindo irracionalmente aos estímulos vindos de fora. Uma postura no mínimo absurda.

Assim, Veatch diz: “A questão relevante é sempre, primeiro, se as circunstâncias foram de molde a deixar alguma escolha e, segundo, se, admitindo-se que ele tinha de fato uma certa escolha, ele fez a escolha que se esperaria de um homem razoável, ou um homem moralmente bom, fizesse nessas circunstâncias”. Claro que não devemos ter a pretensão da certeza absoluta sobre essas escolhas, pois a onisciência não faz parte da natureza humana. Somos seres falíveis, e nossa própria razão descobre esse dado de nossa natureza. No entanto, “a ética do homem racional envolve como seu imperativo básico a simples injunção de ser racional, de viver inteligentemente, de exercer as virtudes intelectuais e morais”. Muitos olham para seres humanos afastados da sociedade para buscar uma suposta natureza humana. Mas por que o “homem natural” deveria ser o menino-lobo, ou o garoto selvagem que nunca teve contato com a sociedade civilizada? Por que ignorar que a própria civilização é fruto da natureza humana? Ignorar isso seria excluir qualquer coisa que “os seres humanos possam ter vindo a ser como resultado do exercício de sua inteligência e em virtude de seus próprios planos, propósitos e desígnios”.

O assunto é complexo demais para ser esgotado em um artigo apenas. Provavelmente os argumentos expostos suscitam muitas dúvidas não respondidas. O mais importante, em minha opinião, é deixar claro que o relativismo ético, no sentido de ser impossível definir o certo e o errado, é uma postura filosófica insustentável, e normalmente utilizada por aqueles que desejam defender o errado ou se eximir de responsabilidades. Alguém diria que não é possível saber quem, entre um Sócrates e um Hitler, levou uma vida mais ética? O ser humano é um animal racional, e essa razão deve ser usada para descobrir sua própria natureza e, por conseguinte, o que seria uma vida inteligente como ser racional. Espero ao menos ter conseguido mostrar que isso é possível, com base nos argumentos aristotélicos abordados por Veatch. O homem não deve viver guiado por paixões irracionais, movido por impulsos momentâneos sem uma devida reflexão. A vida humana, aquela que vale a pena ser vivida, é a vida examinada, a vida inteligente. Os homens têm capacidade para tanto. Mas, antes, é preciso escolher ser homem!