quinta-feira, maio 31, 2007

O Excesso de Governo


Rodrigo Constantino

"Democracia deve ser algo mais que dois lobos e uma ovelha votando no que ter para o jantar." (James Bovard)

O inglês Arthur Seldon foi um dos fundadores do Institute of Economic Affairs, "think tank" que contribuiu bastante para a divulgação das idéias liberais na Inglaterra. O esforço do instituto ajudou na mudança de mentalidade que possibilitou as bem sucedidas reformas da era Thatcher. Seldon estudou na London School of Economics, e foi bastante influenciado por Hayek, que foi seu professor. Em O Dilema da Democracia, Seldon expõe os problemas criados pelo excesso de governo na era democrática, concluindo que o governo "para", "do" e "pelo" povo fracassou, necessitando de reformas urgentes. Seu foco é no caso inglês, mas os argumentos são válidos para qualquer país. A seguir veremos os principais pontos do autor.

Para Seldon, a autoridade política vem sufocando o processo de aprendizado do indivíduo devido ao excesso de governo. Esse aprendizado ocorre pela experiência ao se arriscar no que lhe é desconhecido, e para tanto se faz necessário o "Estado de direito". Se este não garantir a liberdade para fugir do excesso de governo, o governo pelo povo, que é a essência da democracia, será exercido por outros meios. Em resumo, Seldon explica seu ponto: "Se a democracia não permitir livremente o uso de melhores alternativas fora do Estado, sua habilidade funcional e a autoridade moral para administrar o restante dos serviços públicos indispensáveis irão diminuir". Nesse caso, a sociedade ficaria exposta à desordem, justamente o oposto da intenção na criação do Estado.

O livre mercado não pode funcionar se seu mecanismo essencial for reprimido, ou seja, se sua capacidade de oferecer uma variedade de condições for obstruída. O Estado tem sido cada vez mais ganancioso em suas demandas por uma grande parcela dos ganhos das pessoas, avançando sobre a liberdade individual de forma violenta. O erro que persiste, possibilitando ainda este tipo de abuso, é "a suposição de que os indivíduos escolhidos para serem servidores públicos foram transformados em benfeitores públicos". Ou seja, a presunção de que os homens do setor público funcionam com base em motivações distintas dos demais, a premissa de que são especialmente sábios e reprimem seus próprios interesses, pensando apenas no benefício alheio. Essa falha de raciocínio permitiu o crescimento do governo, e a "interminável necessidade de aumentar a receita do Estado vem enfraquecendo a confiança e o respeito mútuo entre o governo e o povo, que é a base da democracia".

Com o excesso de governo, as pessoas passam a buscar rotas de fuga, tentando respirar no ar rarefeito criado artificialmente pela asfixia estatal. A informalidade, todo tipo de sonegação de imposto, até mesmo o retorno do escambo, são meios usados para esta fuga. O risco para a democracia é de que ela perca o respeito da população, e isso está bastante evidente no caso da América Latina. Arthur Seldon coloca na redução progressiva do poder do governo na vida econômica diária a melhor esperança para evitar a desilusão total com a democracia. Ele chega a ser bastante objetivo em relação ao proposto: "A redução necessária na sua apropriação de renda nacional é dos atuais 40% para cerca de 20%". Além disso, é preciso também impostos mais simples e regulamentação mais compreensível dos negócios. Não há como negar que a democracia acabou gerando uma excessiva interferência do governo nas liberdades individuais. Melhor seria reconhecer suas falhas e partir para as soluções.

Seldon reforça o alerta que muitos outros pensadores fizeram, de que a democracia pode acabar levando a uma tirania da maioria. Ele diz: "O fracasso da ‘democracia’ está evidente, principalmente no abuso do princípio da maioria". O poder da maioria acaba sendo a fonte da regra arbitrária na democracia. Algumas pessoas são mais representadas que outras, ignorando o princípio de igualdade perante a lei. Grupos se organizam e conquistam privilégios do governo. Os produtores, mais poderosos e organizados que os consumidores, usam seus lobistas para obter subsídios e vários outros tipos de protecionismo, prejudicando os indivíduos enquanto consumidores e pagadores de impostos. O livre mercado, ao contrário, permite que as pessoas expressem suas decisões diretamente e com mais poder do que na via política. Essa diferença entre o meio econômico e político fica mais clara quando Seldon afirma que a escolha do povo não é entre políticos santos e empresários pecadores, mas sim entre políticos que não podem ser facilmente desmascarados e empresários que se desmascaram uns aos outros e podem ser substituídos com uma perda administrável.

A ignorância a respeito do custo e do preço dos serviços públicos ofertados pelo governo prejudica muito uma análise mais objetiva por parte dos indivíduos. Muitos serviços aparecem disfarçados como "gratuitos", enquanto nada daquilo que o governo pode dar cai do céu; tudo tem antes que ser tirado do próprio povo. Essa destruição do conhecimento sobre os preços reais induz à irresponsabilidade. Todos passam a demandar inúmeros serviços públicos ignorando seus verdadeiros custos, ou acreditando que outros irão arcar com eles. Fora isso, o pensamento político é inevitavelmente de curto prazo, atendendo ao mandato dos eleitos. O resultado é uma gastança cada vez mais irresponsável por parte do governo, jogando a fatura sempre para frente. Mas a conta precisa ser paga um dia, e isso se dá inexoravelmente à custa do povo.

Como não poderia deixar de ser, Seldon prega a descentralização do poder, além de sua drástica redução. Ele diz: "A forma de democracia que melhor reflete os desejos das pessoas descentraliza as decisões sempre que possível a favor de indivíduos ou grupos particulares". Há que se ter em mente que os mercados são imperfeitos, já que trabalham com pessoas imperfeitas, mas que a "correção" do governo quase sempre piora a situação. Afinal, os membros do governo também são homens imperfeitos – talvez os mais imperfeitos de todos. A evidência histórica, segundo Seldon, "mostra que as imperfeições do governo estão mais enraizadas e são menos remediáveis do que as imperfeições do mercado". Quem é brasileiro não pode duvidar disso.

Além disso, ocorre um efeito moral perverso pela usurpação da autoridade da família pelo Estado paternalista. Como exemplo, Seldon menciona que "a caridade coletiva politizada através de impostos diminuiu não só o instinto de caridade para socorrer os necessitados como também enfraqueceu a auto-ajuda financeira da família". Seldon considera o veredicto da pesquisa histórica inevitável: "Foi o próprio Estado que criou a necessidade política do Estado de bem-estar". A iniciativa privada foi inibida, e muitos passaram a achar que era necessário criar mais e mais "bem-estar" público. O Estado criou o pretexto para sua própria expansão, e agora seu fracasso ficou evidente. Basta questionar se nos países com pesado welfare state a dependência do Estado vem caindo ou aumentando. Não é por acaso que praticamente todos eles falam em reformas, eufemismo para evitar o termo mais direto, o fracasso.

Na conclusão do livro, Seldon demonstra otimismo em relação ao futuro, pois acredita que os mecanismos criados pelo mercado acabarão forçando a necessária redução do tamanho do Estado. Um dos exemplos mais empolgantes para o autor é o da Internet, que vem revolucionando o mundo e se mostrando uma grande adversária do gigantismo estatal. Seldon acaba prevendo, então, algo bem otimista: "O poder que resta ao governo vem a ser a capacidade dos políticos de reconhecerem o enfraquecimento de sua influência". E diz mais: "Em breve o povo entenderá cada vez mais que o crescimento do Estado ao longo das décadas foi desnecessário". Diante deste prognóstico, resta dizer somente uma palavra: Amém!

quarta-feira, maio 30, 2007

Destruição Criativa


Rodrigo Constantino

"Capitalismo sem bancarrota é como Cristianismo sem inferno." (Frank Borman)

No capitalismo, empresas são criadas ou fechadas de acordo com a demanda do mercado, isto é, dos consumidores. Empreendedores arriscam suas idéias e capital em um produto ou serviço ainda não testado, e a sua aceitação por parte do público é que viabiliza ou não a sobrevivência da empresa. Este é um processo dinâmico, competitivo, e que garante o melhor atendimento ao consumidor, pois seu direito de escolha é a maior arma no mercado livre. Qualquer alternativa a este modelo representa a transferência do poder do consumidor para burocratas do governo. O que se segue é invariavelmente maior corrupção e ineficiência.

Em Capitalism, Socialism and Democracy, Joseph Schumpeter tratou do tema em um dos capítulos. Ele afirma que o ponto essencial ao lidar com o capitalismo é compreender que se está lidando com um processo evolucionário. O capitalismo é, por natureza, um método de mudança econômica e jamais pode ser estacionário. O impulso fundamental que mantém a máquina capitalista em ação vem dos bens novos, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados ou das novas formas de organização industrial que as empresas capitalistas criam. Há uma constante revolução de dentro da estrutura econômica, destruindo a velha ordem e criando uma nova. "Esse processo de destruição criativa é o fato essencial sobre o capitalismo", diz Schumpeter. Ele achava, entretanto, que esse processo teria fim algum dia, e que o sucesso do capitalismo plantaria as sementes de seu fracasso, levando ao socialismo. A história vem provando, porém, que o economista austríaco estava errado nesse aspecto.

O Estado "bem-feitor" julga que seus governantes são seres iluminados e clarividentes, além de totalmente íntegros, e irão portanto defender os interesses do "povo" contra a competição predatória do capitalismo. Nada mais longe da realidade. Quando o governo interfere na livre competição, as trocas passam a ser de favores, não produtos. O que pode salvar ou matar uma empresa passa a ser a caneta do burocrata poderoso, não a satisfação do público. Logo, agradar esse burocrata passa a ser mais importante que agradar os consumidores. Empresas passam a gastar milhões com lobistas, desviando energia e recursos que poderiam estar voltados para a melhoria dos produtos. Quando o governo é o "hospital" das empresas problemáticas, o que temos é uma "socialização" dos prejuízos, distribuídos entre os pagadores de impostos, enquanto lucros ficam retidos para os empresários amigos do Estado.

Tudo isso é muito lógico, mas ainda assim inúmeras pessoas defendem tal modelo prejudicial aos próprios consumidores e pagadores de impostos. Por trás dessa contradição, encontra-se falta de conhecimento sobre os fatos, assim como um romantismo "nacionalista", que pede proteção aos empresários locais contra a "fúria" do capitalismo global. Como se o local no mapa onde o empresário nasceu tivesse alguma ligação com o que é benéfico ou não para o usuário do produto! Essas pessoas acabam contribuindo para a perpetuação das oligarquias nacionais, impedindo que o melhor e mais barato chegue aos consumidores. Para salvar poucos empresários que estão com problemas justamente por não estarem entregando o que o cliente deseja em custo e benefício, pedem medidas que prejudicam ainda mais esses clientes.

Quando Thomas Edison criou a lâmpada no final do século XIX, os produtores de velas devem ter entrado em pânico. Fosse na época um governo com essa mentalidade esquerdista, talvez vivêssemos sem luz elétrica até hoje. Ford criou seu Modelo T no começo do século XX, popularizando um produto até então de luxo. Com uma mentalidade anti-capitalista, era bem possível que o governo atrapalhasse tal evolução para proteger os produtores de carroças. O advento do computador criou fortes dificuldades para empresas que fabricavam máquinas de escrever. Salvar tais empresas poderia significar a condenação do consumidor ao uso eterno desse equipamento antiquado. Quando uma Wal-Mart desbanca o dono da quitanda, é porque oferece melhores serviços a preços menores. Mas se o dono da quitanda fosse próximo o suficiente do governo, poderia conseguir medidas para dificultar esse processo natural que beneficia a todos. Os exemplos são infindáveis.

Além disso, o processo capitalista acaba favorecendo especialmente as massas. Os mais ricos acabam funcionando como cobaias para os novos produtos, que por reduzida escala custam muito caro no começo. Ninguém tem como saber a priori quais serão os bens mais demandados e bem sucedidos. As empresas, em ambiente competitivo, testam diferentes alternativas, e os próprios consumidores votam através do livre mercado. Uma vez mais claro qual o vencedor, a produção passa por uma fase de massificação, permitindo acelerada queda nos custos. Com menores preços, os produtos novos podem alcançar as classes mais baixas de renda. Essa é a trajetória que explica o fato de quase todos os americanos terem ar condicionado em suas casas, telefones celulares, computadores etc. Em termos de conforto material, um trabalhador humilde hoje pode usufruir de mais coisas que um nobre do feudalismo.

O fato é que o capitalismo é um processo dinâmico e livre, onde a interação dos agentes é que determina a sobrevivência das empresas, e a competição força a eterna evolução dos bens e serviços. Riqueza não é algo estático, obtido diretamente da natureza. É fruto do esforço de indivíduos. Respeitar a liberdade do mercado, sem interferência de burocratas, é o único meio de garantir a justiça e o poder dos consumidores e suas preferências individuais. Nesse processo competitivo, onde vários brigam para atender melhor o cliente, cadáveres irão surgir. Mas serão frutos justamente da escolha dos consumidores. Ceder poder ao Estado para ressuscitar tais moribundos ineficientes é agredir tanto o consumidor como o pagador de impostos. Seria a destruição da "destruição criativa", que tanto favorece os consumidores.

domingo, maio 27, 2007

O Intelectual e o Mercado


Rodrigo Constantino

“A justificativa da concorrência é mais forte no ensino do que no pão.” (George Stigler)

Goerge J. Stigler foi um dos grandes nomes da Escola de Chicago, ao lado do seu amigo Milton Friedman. Ele ganhou o Prêmio Nobel em economia no ano de 1982, e foi um dos fundadores da Mont Pelerin. Enquanto cursava em Chicago, sofreu bastante influência de Frank Knight, que foi seu supervisor de dissertação do PhD. Sua fama advém principalmente de sua teoria sobre regulação, também conhecida como “captura”, que mostra como os grupos de interesse usam as forças coercitivas do governo para moldar as leis em benefício próprio. Sua teoria foi um componente importante do campo econômico das falhas de governo. Defendeu ainda a indagação intelectual irrestrita, lutando contra os limites impostos pelos próprios acadêmicos aos temas impopulares ou controversos. No livro O Intelectual e o Mercado, Stigler trata de diversos assuntos do mundo acadêmico. A seguir veremos uma síntese de sua visão acerca da hostilidade dos intelectuais para com o mercado.

Em primeiro lugar, Stigler lembra que nenhuma sociedade foi capaz de sustentar muitos intelectuais – que não são baratos – até o surgimento do sistema moderno de mercado. Em Atenas, ele calcula que deveria existir apenas algo como um intelectual por cada 1.500 habitantes. Atualmente, a maioria dos americanos leva uma vida confortável por causa justamente das grandes realizações do mercado. Como diz Stigler, os “professores devem muito mais a Henry Ford do que à fundação que lhe leva o nome e lhe gasta o patrimônio”. Os êxitos do mercado permitem que uma classe intelectual bem mais numerosa seja sustentada. Além disso, os princípios organizadores tanto do mercado como dos intelectuais são os mesmos, e isso deveria ser outra razão para que o intelectual fosse simpático ao mercado. Ambas as áreas adotam um sistema de livre iniciativa, ou seja, de contrato voluntário. Nem a fraude nem a coerção fazem parte da ética do sistema de mercado. Da mesma forma, o credo fundamental do mundo intelectual é que “as opiniões devem nascer da discussão livre e na base da revelação plena e total de evidências”. Logo, a fraude e a coerção são igualmente repugnantes ao intelectual.

A liberdade de pensamento deve ser preservada, e o meio para tanto é através da concorrência entre diferentes idéias. Portanto, a autoridade é a grande inimiga da liberdade de indagação. Se uma idéia é boa ou verdadeira, não importará, ao verdadeiro intelectual, de qual raça, credo ou classe social ela é proveniente. O mesmo vale para a eficiência no mercado, cuja impessoalidade defende que toda pessoa capaz possa ingressar numa indústria ou exercer uma ocupação. Para concluir as afinidades, Stigler afirma que ambos os campos dão muita atenção à embalagem e à publicidade, e ambos atribuem um valor absurdamente alto à originalidade. Não obstante tudo isso, as hostilidades que os intelectuais costumam direcionar ao mercado são evidentes. Normalmente, deve-se ao profundo desprezo pelo lucro, que dirige a atividade econômica, além de uma profunda desconfiança do comportamento a que ele conduz.

Muitos acusam a sociedade moderna, especialmente a americana, de materialismo, apontando as preferências vulgares do povo. Stigler enxerga nisso certa hipocrisia, já que muitos dos próprios intelectuais costumam desfrutar dos mesmos bens vulgares que criticam. Além disso, lembra que a economia norte-americana não produz somente bens deste tipo, mas inúmeros artigos refinados. A comparação é injusta também quando se coloca de um lado as aristocracias antigas, e do outro todo o povo de uma nação. Em períodos anteriores, como explica Stigler, “a vasta maioria da sociedade nem mesmo era considerada parte da sua cultura, pois era analfabeta, dominada pela tradição e vivia na maior parte como animais em cabanas primitivas”. Comparar os gostos de toda uma população com uma minúscula parcela da elite de uma cultura não parece muito honesto. Mas essa ressalva não anula a crítica válida de que os gostos do público em geral – e dos intelectuais também – possam ser refinados. O problema principal consiste em mirar no alvo errado para fazer tal crítica.

Stigler diz: “O mercado reage aos gostos dos consumidores com bens e serviços vendáveis, sejam os gostos refinados ou grosseiros”. Trata-se de uma constatação bastante óbvia, mas curiosamente ignorada pelos críticos do mercado. Não faz sentido condenar o termômetro pela febre, assim como é injusto condenar o garçom pela obesidade do cliente. Os defeitos, portanto, não se encontram no mercado em si, mas são dos próprios gostos populares. Alguns intelectuais reagem afirmando que a propaganda decide o gosto, mas, como acredita Stigler, “a indústria publicitária não dispõe de poder soberano para dobrar a vontade do homem”. Na verdade, basta verificar como os grandes publicitários procuram justamente entender as preferências para depois escolher a estratégia de venda. Os consumidores não são crianças irracionais que correm feito autômatos para onde a propaganda aponta. Isso sem falar dos apelos contraditórios entre diferentes propagandas, já que os interesses das diferentes indústrias são muitas vezes conflitantes.

Seria mais sincero por parte dos intelectuais, portanto, pregar diretamente ao público, sem apelar para bodes expiatórios ou usar a publicidade como saco de pancadas. E Stigler vai mais longe, acreditando que esses intelectuais ganhariam em virtude também se examinassem mais criticamente seus próprios gostos. Eis o exemplo que ele dá: “Quando um bom comediante e uma produção de Hamlet estão sendo passadas em canais rivais, eu gostaria de acreditar que menos de metade dos professores estão rindo”. Será?

Um dos maiores motivos de implicância com o mercado é a idéia de que ele está condicionado aos interesses egoístas das pessoas. Isso acaba parecendo uma mistura de hipocrisia com ignorância, pois ignora que em diversas outras tarefas o mesmo “egoísmo” está presente, e ignora também que esta busca pelos próprios interesses não necessariamente é negativa para a sociedade. Será que o mesmo intelectual que faz esta crítica não está em busca de status profissional? Será que o egoísmo de um empresário inovador não deve ser comemorado por todos que se beneficiam de sua invenção?

A visão de que a economia é um jogo de soma zero não ajuda, pois muitos passam a crer que o lucro de um homem é o prejuízo do outro. Nada mais falso, entretanto, já que a riqueza da sociedade como um todo vem aumentando sistematicamente, graças aos ganhos de produtividade que são resultado justamente desse mecanismo de mercado. A maior parte dos ganhos das inovações no mercado é transferida para a comunidade em geral, e basta observar o conforto material que um simples trabalhador americano pode desfrutar hoje comparado ao que a nobreza tinha no passado. Logo, ao menos em parte, a antipatia dos intelectuais pelo lucro no mercado tem origem na falta de compreensão de sua lógica e da maneira como funciona.

Hayek, quando escreveu sobre a tendência dos intelectuais defenderem o socialismo, concluiu que o sucesso dos socialistas estava em sua postura utópica que captura o apoio dos intelectuais e influencia a opinião pública. Isso vai de encontro ao que Stigler diz, quando afirma que as pessoas são românticas e preferem muito mais soluções fáceis e diretas para seus problemas. O “analfabetismo econômico”, do qual os intelectuais não estão livres, complica o quadro, e somado aos interesses de determinados grupos, gera esta hostilidade em relação ao mercado. Muitos intelectuais, é importante destacar, recebem benefícios diretos do governo. Que cão morde a mão que o alimenta? Uma mistura de interesses, ideologia romântica e ignorância, portanto, poderia afastar muitos intelectuais da defesa do livre mercado. A sociedade perde muito com isso.

George Stigler conclui em seu livro: “Nossa atitude dominante em relação ao mercado não mudou desde os tempos de Platão; não será possível que tenha chegado a época de repensar a questão?”

sexta-feira, maio 25, 2007

A Ordem Espontânea


Rodrigo Constantino

"Quanto mais o Estado ‘planeja’ mais difícil se torna o planejar para o indivíduo." (Hayek)

O químico húngaro Michael Polanyi, tal como seu colega Hayek, acreditava numa ordem espontânea, tanto para a ciência como para a economia. Ele deixa isso claro em seu livro A Lógica da Liberdade, quando diz: "Minha argumentação pela liberdade da ciência guarda semelhança próxima com a doutrina clássica do individualismo econômico". A percepção que Adam Smith tivera a respeito dos homens de negócios foi na mesma linha, e Polanyi reconhece isso. Os esforços de cada um, se valendo do mesmo mercado de recursos produtivos com o objetivo de satisfazer diferentes partes do mesmo sistema de demanda, seriam coordenados por uma "mão invisível", levando a mais efetiva utilização dos recursos disponíveis.

Polanyi compara esta ordem espontânea com outros exemplos que seguem os mesmos princípios. Um desses exemplos seria um jarro no qual a água se acomoda, preenchendo perfeitamente o espaço do recipiente com densidade uniforme. Ele explica: "As partículas ficam assim livres para obedecer às forças internas que agem entre elas, e a ordem resultante representa o equilíbrio entre todas as forças internas e externas". A própria evolução das espécies seria outro exemplo, parecendo ter resultado de "um processo continuado de equilíbrio interno da matéria viva, sob diversificadas circunstâncias externas".

Transportando isso para a sociedade, temos que o sistema de ordem espontânea seria obtido quando os seres humanos pudessem interagir uns com os outros por iniciativa própria, sujeitos apenas às leis que se aplicam uniformemente a todos eles. Nesse caso, "os esforços desses indivíduos são coordenados pelo exercício da iniciativa de cada um", e essa autocoordenação "justifica sua liberdade em termos públicos". Cada indivíduo estaria sob uma obrigação impessoal e geral, ou seja, todos seriam iguais perante as mesmas regras. Polanyi cita como o mais sólido exemplo de uma ordem espontânea na sociedade a vida econômica com base num agregado de indivíduos em competição. Eis como ele coloca isso: "As aquisições consecutivas dos compradores, cada uma das quais é ajustada às condições de mercado criadas pelas compras anteriores, tendem a produzir uma condição na qual os consumidores recebam – sujeita às condições em vigor das receitas – a máxima satisfação para suas preferências entre os bens e serviços disponíveis".

O jornalista James Surowiecki, em seu livro The Wisdom of Crowds, focou bastante nesse aspecto da ordem espontânea, citando inúmeros casos diferentes. Em um deles, ele usa o bando de pássaros starlings, que atravessa o céu africano numa forma e velocidade que parece artificialmente criada. Quando algum predador se aproxima, cada pássaro foge para um lado diferente, mas assim que o perigo passa, eles se juntam novamente, mantendo a formação. De fora, os movimentos dos pássaros parecem ser fruto de uma mente que guia o bando. Mas a verdade é que cada pássaro age por conta própria, seguindo basicamente quatro regras: manter-se tão próximo do meio quanto possível; manter-se um pouco distante do vizinho; não bater em nenhum outro pássaro do bando; e se um predador se aproximar, bater em retirada. Não é preciso um comando para manter o bando unido e organizado. Seguindo apenas essas regras, o bando resiste aos predadores e se mantém agrupado.

O bando de pássaros é um excelente exemplo da organização social que alcança seus objetivos e soluciona problemas de baixo para cima, sem líderes ou sem a necessidade de seguir complexos modelos e regras. Surowiecki considera o caso um ótimo exemplo para aquilo que Hayek, e também Polanyi, chamavam de "ordem espontânea". Uma espontaneidade programada geneticamente, ou internamente, sem que nenhum plano precise ser feito. Seria a "mão invisível" em vez do planejamento central. E o livre mercado seria justamente isso: um mecanismo designado a resolver um problema de coordenação, o mais importante de todos, que é alocar os recursos certos nos lugares certos pelos custos certos.

Se o mercado funciona bem, os produtos e serviços vão das pessoas ou firmas que podem produzi-los com o menor custo e melhor qualidade para aqueles que mais desejam tais bens. Ninguém precisa perceber o quadro geral do que o mercado está fazendo, assim como ninguém tem como saber adiantado aquilo que será a melhor resposta para o problema da coordenação. O conhecimento está disperso entre os bilhões de indivíduos interagindo livremente, e não existe de forma alguma integrado em uma entidade única. Hayek dizia que é justamente porque cada indivíduo sabe tão pouco e, em particular, porque raramente sabemos qual de nós sabe melhor, que confiamos nos esforços independentes e competitivos de muitos para levar ao surgimento daquilo que poderemos desejar quando olharmos. Tentar coordenar essas ações através de uma autoridade central qualquer, como foi feito no modelo soviético, acaba destruindo a eficiência do funcionamento da economia, muitas vezes paralisando-o por completo. O "milagre" da eficiência econômica é resultado de uma "mão invisível", ou então, para usar o termo que Polanyi escolheu, de uma "ordem espontânea".

terça-feira, maio 22, 2007

A Lição Econômica


Rodrigo Constantino

“Enxergar o problema como um todo, e não em fragmentos: esse é o objetivo da ciência econômica.” (Henry Hazlitt)

Se alguém quisesse ler apenas um livro para entender os conceitos básicos de economia, ainda que ignorados por muitos economistas famosos, esse livro deveria ser Economics in One Lesson, de Henry Hazlitt. O autor, que ajudou a divulgar os pensamentos da Escola Austríaca, escreveu o excelente livro com base principalmente nas idéias de Bastiat, Wicksteed e Mises. O livro é uma análise objetiva das falácias que dominam boa parte do pensamento econômico. Pela sua simplicidade, sem que perca valor por isso, Hayek afirmou não conhecer nenhum outro livro “moderno” (foi publicado em 1946 originalmente) pelo qual um leigo inteligente possa aprender tanto sobre as verdades básicas da economia em tão pouco tempo.

A grande lição econômica, que irá acompanhar a análise dos diferentes exemplos citados no livro, é fruto basicamente do que Bastiat já havia descoberto: a diferença entre aquilo que vemos e aquilo que não vemos. Há uma tendência persistente das pessoas focarem somente nos efeitos imediatos de uma determinada política, ou então em seus efeitos somente num determinado grupo específico, ignorando as conseqüências no longo prazo e os efeitos gerais da medida. Trata-se da falácia de esquecer as conseqüências secundárias. Para Hazlitt, eis a diferença entre um economista bom e um ruim: este enxerga apenas o que imediatamente chega aos olhos, enquanto o outro também enxerga além. Muito daquilo que parece óbvio no campo individual é ignorado no campo da economia pública, já que muitos passam a considerar uma abstração coletivista qualquer esquecendo os indivíduos que a formam. Hazlitt chega então à sua lição básica: “A arte da economia consiste em olhar não meramente o imediato, mas para os efeitos mais longos de qualquer ato ou política; consiste em traçar as conseqüências da política não meramente para um grupo, mas para todos os grupos”. Parece simples e óbvio demais, e de fato é. Mas chega a ser espantosa a quantidade de gente que ignora esta lição elementar, mesmo entre os economistas.

Considerar todos os efeitos de uma medida costuma demandar uma cadeia de raciocínio mais longa e complicada. Boa parte do público pode achar difícil ou tedioso seguir todos os passos necessários, e pode acabar vítima dos sofistas. A falácia mais freqüente que costuma surgir em todos os debates sobre economia é justamente concentrar a visão nos efeitos de curto prazo e nos grupos específicos. São inúmeros os casos para exemplificar isso. Um dos economistas mais famosos de todos os tempos, cujos seguidores são justamente grandes defensores desta falácia, já dizia que “no longo prazo estaremos todos mortos”. Infelizmente, o longo prazo chega algum dia, pois as medidas insensatas do passado cobram seu elevado preço depois. A seguir, veremos alguns exemplos onde fica evidente a presença desta falácia.

O primeiro exemplo seria aquele usado por Bastiat mesmo, da janela quebrada. Algum vândalo joga uma pedra que estilhaça a janela de uma loja. Em seguida, algumas pessoas tentam consolar o dono da loja alegando que ao menos ele estará gerando emprego ao consertar a janela. Afinal, se janelas nunca fossem quebradas, de que iriam viver os reparadores de janelas? Esta linha de raciocínio cai justamente na falácia acima citada, pois ignora aquilo que não se vê de imediato. Sim, o conserto da janela iria propiciar um ganho para o vidraceiro. Mas o que seria feito desse dinheiro gasto caso a janela não tivesse sido quebrada? Eis a pergunta que nem todos fazem, porém crucial para o entendimento da economia. Existem várias alternativas que o dono da loja poderia dar ao dinheiro. Ele poderia investi-lo para aumentar a produtividade, poderia poupá-lo ou poderia gastar com qualquer outra coisa. Supondo que ele gastasse a mesma quantia na compra de um terno, o alfaiate teria sido beneficiado, mas agora que o dinheiro foi usado para consertar a janela, esse terno deixou de ser vendido. Isso é aquilo que não se vê, ao menos de imediato. O alfaiate do exemplo é ignorado, é o homem esquecido na análise superficial da coisa. Parece ridículo de tão óbvio este caso, mas o leigo ficaria chocado em como os demais casos são apenas variações dessa mesma falácia. E nunca é demais lembrar que ainda existem pessoas que acreditam que guerras geram riqueza, pois faz necessária a reconstrução de muitos ativos.

Como exemplo, basta mencionar que muitos ainda encaram os gastos públicos como uma panacéia para os males econômicos, especialmente o desemprego. Esquecem que não existe almoço grátis, e que todos os gastos do governo devem ser pagos eventualmente por impostos, incluindo a inflação, o mais perverso tipo de imposto, que ataca com violência especialmente os mais pobres. Todo emprego criado pelo gasto público inventado com este objetivo é um emprego destruído em algum outro lugar. A riqueza que é extraída dos pagadores de impostos seria utilizada de alguma forma qualquer pelo setor privado, e esta alternativa é o que não se vê de imediato. Focando apenas nos efeitos de curto prazo e nos grupos particulares beneficiados pelo gasto público, muitos advogam que essa é uma medida fantástica para se gerar empregos. Argumentam que manter burocratas inúteis tem utilidade por conta do seu poder de compra, esquecendo que pela mesma “lógica” os ladrões que roubam acabam consumindo depois, e nem por isso a sociedade fica melhor. Apelando para o reductio ad absurdum, poderíamos concluir que haveria pleno emprego se o governo contratasse metade da população para cavar buracos e a outra metade para fechá-los! Acaba ignorado, na análise das vantagens dos gastos públicos, tudo aquilo que representa seqüelas de longo prazo e incide sobre o restante da população.

Hazlitt segue estudando vários outros casos. O crédito fornecido pelo governo é um deles. Todo crédito pressupõe um débito, e propostas de aumento do crédito público são sinônimo de propostas para aumento do débito público. Quando o governo empresta dinheiro, ele está antes tirando do setor privado, que usaria este dinheiro de alguma outra forma, normalmente ignorada pelos analistas. Fora isso, os critérios de julgamento do setor público são bem diferentes daqueles do setor privado, que arrisca os próprios fundos quando empresta capital. O governo acaba emprestando para aqueles que o setor privado considera mais arriscados, sem falar do perigo de favoritismo por critérios políticos. A inadimplência tenderá, portanto, a ser maior no empréstimo público. O resultado, então, é negativo não apenas pelo uso alternativo que este dinheiro teria se fosse mantido no setor privado, como também pela ineficiência maior de seu uso público. O efeito líquido de longo prazo é a destruição de riqueza geral, efeito esse ignorado quando focam apenas no crescimento de riqueza imediato pelos agraciados com o crédito público. A mesma lógica se aplica na questão dos subsídios.

A intervenção estatal que objetiva interromper ou atrasar um avanço tecnológico é outro caso típico da falácia citada. O exemplo dos ludistas, que chegaram a destruir máquinas que “roubavam” seus empregos, vai à mesma linha. O argumento de que avanços da técnica destroem empregos é falacioso pelo mesmo motivo que os demais já estudados. Observa-se o efeito imediato daquele emprego específico que perde sua razão de ser, mas se ignora o efeito positivo de forma geral para a sociedade ao longo do tempo, já que a maior produtividade permite maiores salários e maior conforto material. Será que alguém consegue mesmo acreditar que o mundo estaria melhor se o emprego dos fabricantes de vela tivesse sido mantido na marra pelo governo quando a luz elétrica surgiu? Ou então o emprego dos fabricantes de carroças, quando Ford lançou seu Modelo T? Schumpeter falara da “destruição criativa”, e é justamente o que ocorre com o progresso tecnológico. Alguns grupos específicos são prejudicados no primeiro momento, mas o resultado líquido é altamente positivo de forma geral. Não há limites para esse processo contínuo de criação e inovação.

Os demais exemplos citados por Hazlitt passam pela tentativa do governo de controlar preços, incluindo aqui aluguel, juros, câmbio e salários. De forma geral, quem acaba sendo o personagem esquecido em todas essas políticas é o consumidor, assim como o pagador de impostos. Uma tarifa de importação que protege a indústria nacional está na verdade beneficiando um grupo específico no curto prazo, mas penalizando a sociedade no longo prazo. Um preço de algum produto determinado arbitrariamente acima daquele de mercado, onde a oferta se iguala a demanda, irá inevitavelmente gerar escassez, prejudicando o próprio consumidor. Um preço determinado abaixo do de mercado também irá gerar escassez ou mercado negro. O caso do salário, que muitos esquecem ser também um preço, é idêntico. O salário mínimo colocado acima daquele que equilibra a oferta e a demanda costuma gerar apenas desemprego ou informalidade. Aumento no salário real é reflexo de maior produtividade, não de decretos estatais. E a maior produtividade vem pelo acúmulo de capital. Não há forma mais certa de reduzir os salários que diminuir os incentivos dos empresários a investir em máquinas e equipamentos.

Hazlitt trata desses casos e de outros no detalhe. A conclusão é sempre a mesma, obtida pela dedução lógica da teoria econômica básica: muitas dessas medidas acabam sendo defendidas pela miopia das pessoas, que focam nas vantagens imediatas e ignoram os efeitos de longo prazo na sociedade como um todo. O fato de o benefício do privilégio ser concentrado e o custo disperso não ajuda nada. Os lobistas dos grupos interessados se organizam mais que os consumidores e pagadores de impostos que assumem o fardo, muitas vezes sem nem se dar conta. Justamente por isso é fundamental que as pessoas passem a julgar as políticas públicas sob esta ótica correta, buscando contrabalançar as vantagens que logo aparecem para determinados grupos com as inúmeras desvantagens que surgem ao longo do tempo para os indivíduos em geral. Se feito isso, ficará bem mais claro que não existe almoço grátis, e que na maioria dos casos o governo é demandado para solucionar problemas que surgiram justamente por sua causa.

sexta-feira, maio 18, 2007

Pregando no Deserto

Rodrigo Constantino

"Os riscos da incompetência privada são limitados; os erros da incompetência pública, ilimitados." (Roberto Campos)

O economista e diplomata Roberto Campos foi sem dúvida uma das grandes figuras públicas brasileiras no século passado. Detentor de uma rara objetividade, de uma visão imparcial dos fatos e de um grande senso de humor, participou dos mais importantes acontecimentos históricos da nação em uma posição privilegiada de observador próximo, muitas vezes como agente ativo inclusive. Seu denso livro de memórias, Lanterna na Popa, acaba sendo um livro da história do país durante o período de sua vida, contada por uma mente lúcida, que teve a oportunidade de vivenciar vários fatos relevantes, e que infelizmente não foi capaz de influenciá-los mais. Ele tentou, usando de sólidos argumentos. Lamentavelmente, a racionalidade não era esporte predileto abaixo da linha do Equador.

Logo no começo do livro, Campos afirma que o igualitarismo, que trouxe como inevitável conseqüência o dirigismo estatal, busca socializar os resultados da produção, gerando em sua forma extrema o comunismo, que socializa os meios de produção. Isso gera somente pobreza e miséria. Essa visão hoje é amplamente aceita, até porque negá-la seria fechar os olhos para toda uma nefasta experiência que deixou um rastro de milhões de mortos, fora outros tantos milhões de miseráveis. Mas na época de Campos, essa visão era a predominante por aqui, conquistando muitos adeptos. Em sua forma moderada, o igualitarismo produz o welfare state, que ainda é visto por muitos como um ideal a ser alcançado. Roberto Campos, ao contrário, já compreendia que esse modelo é infinitamente mais ineficiente que aquele de livre mercado.

Um ponto onde Campos sempre concentrou seus esforços de persuasão foi a visão de que nossos males têm causa exógena. Ele fez de tudo para mostrar que nossa pobreza "não pode ser vista como uma imposição da fatalidade". Ela é resultante de um "mau gerenciamento e negligência na formação de capital humano". O Brasil conviveu muitos anos – e ainda convive – com a busca por bodes expiatórios que pudessem ser responsabilizados pelos nossos fracassos. Os Estados Unidos, o FMI, a globalização – muda-se o alvo, mas se mantém a mesma desculpa esfarrapada de sempre, evitando uma autocrítica que permita um aprendizado através das falhas. Eis o caminho de permanecer na mediocridade. E eis o que Roberto Campos sempre combateu.

Os modismos ideológicos sempre incomodaram muito Roberto Campos. Ela menciona que numa determinada época a moda era enaltecer o totalitarismo de direita, na imagem de um déspota esclarecido, apenas para virar moda depois o totalitarismo de esquerda, sob a capa das "democracias populares". O que faltou sempre foi bom senso, respeito à lógica e apreço pela liberdade individual. Dependendo da fase do modismo, o rótulo usado para descrever Campos mudava. Os esquerdistas, por exemplo, gostavam de chamá-lo de "reacionário", enquanto a defesa do verdadeiro progresso vinha justamente dele, contra o retrocesso pregado pelos seus detratores.

A revolta dos falsos nacionalistas foi uma constante na vida de Campos. Entre os principais motivos, estava a criação da Petrobrás. Ele sempre defendeu a competição no setor, através de empresas privadas, inclusive as de capital estrangeiro. De onde vinha o dinheiro não lhe preocupava, mas sim ter a produção do importante produto. Eis o modelo americano, país onde o petróleo não poderia ser mais estratégico! Mas os devaneios nacionalistas falaram sempre mais alto que a lógica, e um monopólio estatal foi criado, com enormes custos para a população, muitas vezes ignorados pela visão míope que olha apenas um lado da moeda e esquece-se dos custos de oportunidade. O mesmo princípio iria levá-lo mais tarde a combater duramente a famosa Lei da Informática, de 1984, que rejeitava capitais estrangeiros nesse setor fundamental para o avanço econômico. O resultado não poderia ser diferente: condenar o país ao atraso tecnológico. Na Constituinte de 1988, lutou também contra a exigência de maioria de capitais nacionais na exploração mineral. O colosso em que a CVRD se transformou após a privatização não deixa dúvidas sobre o que o próprio Campos constatou: "Em todos os três casos, estava redondamente certo". Infelizmente, foi derrotado em todos. O Brasil perdeu.

O exemplo do sucesso asiático, quando comparado com o fracasso brasileiro, expunha a enorme oportunidade perdida, que tanto angustiava Roberto Campos. Um dos alvos era o câmbio artificialmente fixado, enquanto ele defendia uma livre flutuação. Mas para ele, a diferença relevante estava entre o desenvolvimento orientado para a exportação, que "impõe o constrangimento da eficiência", ou o desenvolvimento introvertido, que "acoberta ineficiências através do protecionismo". Que país poderia ser o Brasil hoje se as idéias de Campos tivessem tido eco naqueles dias!

Enquanto ainda hoje são poucos os economistas que leram – quiçá absorveram – as idéias da Escola Austríaca, nos tempos de Campos essa quantidade era ainda menor. Ele afirma no livro que "verificou-se que as objeções dos liberais austríacos às economias planificadas, proferidas na década dos vinte, eram absolutamente válidas e incrivelmente proféticas". Quanto absurdo poderia ter sido evitado se figuras como Hayek e Mises fossem mais estudadas! Na contramão da história, os economistas brasileiros adoravam adorar as idéias cepalistas, que fracassaram em todos os países latino-americanos que revolveram aplicá-las. Preferiram, em suma, acreditar nas "veias abertas da América Latina", mas acabaram seguindo o "manual do perfeito idiota latino-americano".

Um texto desses não pode ter a pretensão de sequer raspar a superfície do conteúdo do livro de Roberto Campos, um "tijolo" de quase 1.500 páginas riquíssimas em detalhes. O que pretendo é apenas tentar passar uma visão muito geral da obra, estimulando assim que o leitor vá direto à fonte. Entendo que o tempo é escasso, e que um livro desse tamanho assusta, afugenta de cara diversos potenciais leitores. Mas atesto que o tempo dedicado é puro investimento, e dos melhores. O livro conta o filme do Brasil no século passado, um filme que poderia ter um final muito feliz, tivesse tido como roteirista Roberto Campos. Talvez não seja tarde demais para isso. Não se pode voltar no tempo, mas se pode mudar o futuro. A tragédia bate à porta, com uma inacreditável insistência nos mesmos erros antes cometidos. Muito daquilo que ainda se discute no país já possui resposta no livro de Campos. Analisar o que poderia ter sido serve para alterar o que vai ser. A lanterna na popa que Roberto Campos acendeu pode ainda ser uma luz na proa, iluminando nosso futuro. Basta vontade para tanto!

quinta-feira, maio 17, 2007

A Liberdade Científica


Rodrigo Constantino

"A crença principal – diria mesmo, fundamental – que embasa uma sociedade livre é a de que o homem é receptivo à razão e suscetível aos reclamos de sua consciência." (Michael Polanyi)

Nascido em 1891 em Budapeste, Michael Polanyi vinha de uma família de ilustres cientistas, e ele mesmo acabou se especializando em química. Seu interesse por política se intensificou, no entanto, durante as décadas de 30 e 40, com o mundo vivendo sob intensa incerteza acerca do futuro. Fundou em 1947, ao lado de figuras como Hayek, Popper, Milton Friedman e George Stigler, a Sociedade Mont Pelerin, uma das mais renomadas defensoras do liberalismo no mundo. No livro A Lógica da Liberdade, defendeu principalmente a liberdade científica, utilizando sólidos argumentos para tanto. Mas sua visão de mundo levava à defesa de uma liberdade mais ampla, de uma sociedade realmente livre, onde as ordens sociais mais importantes para o bem-estar dos homens são espontâneas.

Polanyi depositou uma relevância enorme na necessidade da ciência pura – ciência pela ciência, como busca pela verdade – ser mantida, enquanto muitos defendiam na época que a ciência só era válida se tivesse uma utilidade social clara ou até imediata. Foi bem claro ao escrever: "Temos que reafirmar que a essência da ciência está no amor ao conhecimento e que a utilidade desse último não é nossa preocupação primordial". Tal visão batia de frente com o marxismo de seu tempo, que tratava da ciência apenas como um instrumento para o bem-estar material, que seria antes utilizado pela burguesia de acordo com interesses de classe. Ele não aceitava essa imagem da ciência, e lutou para desvincular a atividade científica criativa de uma visão determinista do mundo.

A ciência moderna, para Polanyi, "é o resultado de uma rebelião contra a autoridade". O caminho teria sido aberto por pessoas como Descartes, Galileu e Newton. A busca pelo conhecimento irá sempre partir de determinadas crenças individuais, e a liberdade da ciência "consiste no direito de buscar a exploração dessas crenças e de defender, sob sua orientação, os padrões da comunidade científica". Para que isso seja possível, é necessário certo grau de autogoverno que assegure posições independentes para os cientistas. Como conseqüência, a liberdade da ciência não pode ser defendida com base na concepção positivista da ciência, "a qual envolve um programa positivista para a ordenação da sociedade cuja implementação completa resultaria na destruição da sociedade livre e no estabelecimento do totalitarismo". O exemplo claro desse perigo estava na Rússia, onde o movimento positivista acabou praticamente culminando com a derrubada da própria ciência.

A liberdade acadêmica se faz crucial para o avanço do conhecimento e da ciência. Esta liberdade consiste "no direito de escolher o problema a investigar, em conduzir a pesquisa sem qualquer controle externo e em ensinar o assunto em pauta à luz de opiniões próprias". Para Polanyi está muito claro que no dia em que as comunicações entre cientistas forem cortadas, a ciência praticamente paralisará. A cooperação livre e independente entre os cientistas, em um ambiente com uma tradição científica, é fundamental para o processo científico. De forma espontânea ocorre uma coordenação das atividades individuais, sem a necessidade de intervenção de qualquer autoridade coordenadora. Como analogia, Polanyi oferece o exemplo da montagem de um quebra-cabeça, sendo impossível planejar antecipadamente seus passos. Uma administração centralizada teria que criar uma estrutura hierarquizada e dirigir as atividades a partir de um centro. Cada um teria que esperar a orientação do chefe e tudo ficaria num compasso de espera. Os participantes deixariam de prestar qualquer contribuição apreciável para a sua montagem, e o efeito cooperativo seria quase nulo. A base lógica para a coordenação espontânea dos cientistas na busca da ciência seria tão simples quanto a que opera a autocoordenação de uma equipe engajada na montagem de um quebra-cabeça.

Na verdade, três pilares seriam necessários para a ciência: os cientistas individuais, o corpo de cientistas e a opinião pública. Polanyi diz: "A afirmação da paixão pessoal é a marca registrada do grande pioneiro, aquele cujas qualidades são muito valiosas para a ciência". Ao mesmo tempo, a tradição científica, o rigor do método científico, impõe um grau excepcional de rigor crítico, que é extremamente importante. Por fim, a ciência só pode continuar a existir na escala moderna "se a autoridade que pleiteia é aceita por vastos grupos da população". Se as opiniões anticientíficas predominarem, se as pessoas escolherem o misticismo em vez da ciência para tentar explicar o universo material que as circunda, é porque a ciência fracassou em sua tarefa crucial de ser aceita como fonte de conhecimento. Cada um dos três pilares desempenha uma determinada função no processo do desenvolvimento científico e nenhum deles pode ser delegado a uma autoridade superior.

Quando o Estado se imiscui na ciência, os riscos destes fundamentos serem destruídos e corrompidos são enormes. Um dos motivos, como lembra Polanyi, é que sendo os acadêmicos recompensados pelo Estado, o governo pode muito bem exercer uma pressão que os desvie dos interesses e padrões acadêmicos. Os casos do nazismo alemão e comunismo soviético são sintomáticos disso. Outro ponto é que existem muitas oportunidades de conflito entre os interesses imediatos do Estado e aqueles do aprendizado e da verdade, "cultivados por amor à ciência e à própria verdade". Quando as descobertas científicas iam à contramão do marxismo, eram simplesmente descartadas na União Soviética. Polanyi conclui: "O Estado deve encarar a vida acadêmica independente da mesma forma que o faz com a administração independente da justiça".

O foco de Polanyi não fica restrito ao campo da ciência, mas é extrapolado para todos os demais. Ele diz que "é evidente que a liberdade acadêmica não é jamais um fenômeno isolado", e que "ela só pode existir numa sociedade livre, porque os princípios em que se baseia são as mesmas fundações sobre as quais repousam as liberdades essenciais da sociedade". Desta forma que ele chega até a defesa da liberdade econômica: "Encaro a liberdade econômica como uma técnica social adequada, quase indispensável, para a administração de uma determinada técnica produtiva".

Em resumo, Polanyi defendeu veementemente a liberdade, limitada por certas regras básicas necessárias para o próprio funcionamento desta liberdade. Ele acreditava muito na ordem espontânea, na livre coordenação dos indivíduos. Fez oposição à planificação científica, baseando a epistemologia da ciência na crença na natureza individual dos descobrimentos, livre de interferências dogmáticas ou oficiais. A liberdade científica que defendeu é fundamental para as demais liberdades, e ele mesmo compreendeu isso. Resta trabalhar para que as demais pessoas também possam compreender.

quarta-feira, maio 16, 2007

A Valorização do Real


Rodrigo Constantino

"Sometimes, by examining too many trees, one loses sight of the forest." (Martin Zweig)

O dólar rompeu o patamar psicológico de R$ 2,00 e ninguém sabe dizer onde ele vai parar. Alguns falavam em R$ 1,85 – o que parecia distante demais – e já estamos quase lá. No debate sobre o assunto, surgem muitas opiniões divergentes, mas poucos realmente analisam com calma o quadro geral. A visão míope faz com que muitos foquem somente na árvore, e ignorem a floresta. Não é razoável observar o que ocorre no Brasil sem levar em conta o que se passa no resto do mundo. O país não é uma ilha isolada, e o fenômeno em questão é sem dúvida mundial.

Comecemos levantando alguns dados para análise. Nos últimos 12 meses, o peso colombiano, por exemplo, se valorizou 21% em relação ao dólar. O dólar da Nova Zelândia subiu 16,9% no mesmo período, o koruna da Eslováquia subiu 16,8%, o baht tailandês valorizou 13,4%, o shekel israelense subiu 12,9%, o peso de Filipinas subiu 11,8%, o rupee da Índia valorizou 11,6%, o krona da Islândia subiu 11,6% e o guarani paraguaio valorizou 11%. O nosso real se valorizou cerca de 9% nos últimos 12 meses. Alguém ainda acha que a força da nossa moeda tem uma explicação isolada do que ocorre no mundo? Ou está mais claro que se trata de um fenômeno mundial, no qual as moedas emergentes estão se valorizando em relação ao dólar americano?

Os motivos para tal fenômeno são vastos. Entre as principais causas, eu destacaria a globalização finalmente abraçada pelos países emergentes, a revolução financeira e tecnológica, e a entrada da China e Índia no mundo capitalista. Há anos que o comércio mundial cresce bem acima da economia mundial. As nações estão trocando mais bens e serviços entre si, e isso é algo fantástico, pois cada um pode focar melhor em suas vantagens comparativas e obter mais barato dos demais aquilo que demanda. A enxurrada de produtos chineses no mundo tem essa explicação. Em trocas voluntárias entre indivíduos, ambos se beneficiam. O mesmo vale entre indivíduos e empresas de diferentes nações. Aumentando o escopo do ambiente de concorrência, há uma busca maior por eficiência, a produtividade tende a aumentar muito. Junte-se a isso a revolução tecnológica e financeira mais recente, e temos as principais causas desse "céu de brigadeiro" que tem dominado a cena nos últimos anos. Os países emergentes aprenderam muitas lições nos últimos anos. O foco aqui não é tratar das causas dessa bonança mundial, o que faria necessário um outro artigo inteiro. O objetivo é apenas mostrar que existe esse fenômeno, e que ele é mundial. O Brasil vai de carona, a despeito da ausência de reformas mais estruturais e necessárias. Poderia estar, sem dúvida, voando num patamar bem mais elevado!

O caso das reservas cambiais reforça essa tese de fenômeno mundial. Muitos falam do "excesso" de reservas acumuladas pelo Banco Central brasileiro, que já passam dos US$ 100 bilhões. Mas seria esse um caso particular do Brasil? A China, por exemplo, já possui mais de US$ 1,2 trilhão de reservas. A Rússia está chegando perto dos US$ 400 bilhões, Taiwan tem mais de US$ 270 bilhões, Coréia cerca de US$ 250 bilhões e Índia algo como US$ 200 bilhões. Cingapura, um país com cerca de 5 milhões de habitantes, possui algo em torno de US$ 140 bilhões em reservas. Em relação ao PIB, o Brasil tem pouco mais de 10% de reservas, contra 38% da Rússia e 47% da China. Será que é tanto assim mesmo? Será que é algo que tem ligação apenas com uma estratégia do nosso Banco Central? Uma vez mais, estamos vendo um fenômeno global, uma enorme quantidade de dinheiro buscando desenfreadamente alternativas de investimentos. Se existe um pouco mais de retorno esperado, mesmo com mais risco, vem uma chuva de capital. E o risco percebido vem sistematicamente caindo.

O "risco país", que é medido pelo EMBI calculado pelo JPMorgan, tem experimentado quedas drásticas em todo mundo emergente. Não há mais gordura! Os bonds do governo brasileiro pagam atualmente apenas 148 pontos base acima do título do governo americano. Em outras palavras, o investidor recebe a mais somente 1,5% ao ano, aproximadamente, para assumir o risco do governo brasileiro em vez do americano. Mas novamente, não é um caso isolado do Brasil, tampouco mérito do governo Lula. A média geral dos mercados emergentes é de 158 pontos base, e isso inclui Argentina. A Turquia, por exemplo, paga apenas 153 pontos base acima do título americano, e o país está longe de ser um exemplo de solidez e credibilidade. Não resta dúvida de que algo estrutural e muito forte está acontecendo, e os fundamentos de fato mudaram, ficando mais sólidos no mundo todo. Mas parece haver excessos, e os investidores podem estar chamando urubu de "meu loiro". Não há como saber se isso vai acabar mal ou não, e em qual prazo uma correção mais séria deverá ocorrer. Sabe-se apenas que os mais cautelosos ou pessimistas estão deixando de surfar uma onda gigantesca.

A bolsa do Peru, por exemplo, subiu quase 200% em dólares nos últimos 12 meses. A bolsa da Croácia subiu 115% no mesmo período, e a do Vietnã subiu 80%. O Ibovespa se valorizou pouco mais de 40% no mesmo período, em dólares. Um grande bull market contagiando o mundo todo! Os "animal spirits" de que falava Keynes parecem estar à solta, mas é importante frisar que há fatos concretos que justificam um otimismo geral. Se no caminho alguns vão se machucar, pagando caro ou entrando numa hora ruim, é impossível dizer agora. Os mercados financeiros não andam pari passu com os fundamentos da economia, pois são máquinas de antecipação dos eventos futuros esperados. Nem mesmo dá para afirmar por quanto tempo mais esses fundamentos vão valer.

Não é o objetivo aqui prever a direção dos ativos financeiros. Basta constatar que o mundo vive um momento único, raro e fantástico. E é nesse contexto que o dólar furou o nível dos dois reais. Chega a ser irresponsável falar nesse tema sem mencionar o cenário global. Alguns empresários aproveitam logo para pedir intervenção estatal – mais ainda! Em nome da "proteção da indústria nacional", querem uma atuação ainda mais ativa do Banco Central, impedindo a valorização do real. Mas o câmbio não passa de um preço, um importante preço. Deve, portanto, ser livremente definido pelo encontro da oferta e demanda. Somente assim estará transmitindo corretamente todos os fundamentos existentes na economia, possibilitando uma tomada de decisão racional por parte dos diferentes agentes. Não é interessante tentar manipular artificialmente o câmbio. Não é possível segurar uma manada. Mais inteligente é se adaptar à nova realidade do mundo, sem medo das importações e da competição global. Se importar fosse ruim, os Estados Unidos seriam o país mais miserável do mundo. Que os empresários briguem pelas reformas estruturais necessárias para aumento da nossa competitividade, não pelo controle cambial! Não há motivo – nem instrumento adequado – para barrar a valorização do real. Trata-se de um fenômeno global.

PS: A esquerda nacional está ficando sem bodes expiatórios. O FMI já foi embora, a dívida externa está quase acabando e até os juros estão migrando para o patamar de um dígito apenas. Em breve, terão que reconhecer que é o Estado inchado a verdadeira causa dos nossos males. Se bem que não é adequado subestimar a criatividade dos esquerdistas em criar fantasmas...

terça-feira, maio 15, 2007

Os Cinco Princípios da Opressão



Rodrigo Constantino

"Devemos nossa liberdade não ao desejo do Estado de permitir que as pessoas e as instituições sejam livres, mas ao desejo das pessoas e das instituições de resistir." (Llewellyn Rockwell Jr.)

O jornalista peruano Álvaro Vargas Llosa escreveu um excelente livro chamado Liberty for Latin America, no qual ele tenta mostrar como desfazer cinco séculos de opressão estatal. Logo na introdução, ele deixa claro que nada é mais crítico para o objetivo de libertar a América Latina dessa opressão que compreender porque as transformações políticas e econômicas das últimas décadas beneficiaram somente uma pequena elite. O autor levanta o debate entre instituições e culturas, alegando que uma necessita da outra. As regras de relacionamento entre indivíduos precisam mudar, mas os valores que determinam a conduta humana também. Esses valores não irão mudar a menos que as pessoas vejam que os novos valores são relevantes através de incentivos e recompensas possíveis pela mudança institucional.

Se é verdade que a tradição ibérica católica pesa contra o desenvolvimento da região, também é verdade que a Espanha e Portugal, onde tal tradição se originou, conseguiram prosperar após mudanças institucionais. Claro que para um sucesso sustentável é preciso uma mudança cultural. Victor Hugo já dizia que "não há poder maior que o de uma idéia cuja hora é chegada". Mas postergar a remoção das causas diretas de opressão até que os valores corretos sejam absorvidos pelo povo irá condenar a região à impotência e ceder espaço para aqueles que são tentados a usar esses instrumentos de opressão para impedir a mudança cultural. Quais são, portanto, esses instrumentos de opressão estatal, causa principal do fracasso da região? É o que Vargas Llosa busca responder no primeiro capítulo do livro, resumido a seguir.

Os cinco princípios de organização social, econômica e política que oprimem o indivíduo seriam, segundo o autor, o corporativismo, o mercantilismo, o privilégio, a transferência de riqueza e a lei política. Vargas Llosa busca as origens desses instrumentos de opressão no passado da região. Uma pessoa não era uma pessoa, mas sim parte de um mecanismo maior, e existia somente como fração dessa entidade coletiva. Os indivíduos trabalhavam não para si próprios, mas para a manutenção desta entidade que exercia força sobre eles. Não trabalhavam para subsistir, mas subsistiam para trabalhar em prol do estado e seus parasitas. Os exemplos fornecidos pelo autor incluem o estilo de vida dos astecas e incas, no qual nobres desfrutavam de privilégios como roupas de algodão e jóias, enquanto usavam escravos como animais. A organização desses povos era altamente hierarquizada, e os nobres recebiam direitos sobre a terra e o trabalho, transferindo renda através de tributos. O rei ou imperador era visto como a própria encarnação divina, e exercia, portanto, autoridade absoluta. A lei era uma extensão do rei, não uma regra objetiva e isonômica. Os maias e astecas praticavam sacrifícios humanos, já que o líder tinha poder sobre a "verdade" e também sobre a vida de todos.

Quando Espanha e Portugal conquistaram várias regiões da América Latina no século XVI, estavam no auge de uma longa tradição corporativista. Como conseqüência do surgimento do estado-nação e sua volúpia fiscal, os direitos de propriedade passaram a ser uma transação mercenária entre a autoridade central e grupos particulares. Quando os direitos seletivos de propriedade não eram suficientes, o estado expropriava riqueza privada diretamente. Esse era o princípio do mercantilismo ibérico. As encomiendas, grandes pedaços de terras concedidos pelo estado como recompensa militar e outros motivos, eram talvez o maior símbolo de privilégio. Este símbolo refletia a idéia dominante de que a riqueza não tinha que ser produzida, mas sim tomada. As esferas da autoridade política e da igreja eram tão interligadas que se tornavam praticamente uma só. A Inquisição, uma instituição religiosa, era também um aparato político para opressão do governo.

A estrutura era bastante centralizada, e Espanha e Portugal não objetivavam desenvolver suas colônias, mas obter o máximo de riqueza possível através da exploração delas. Chegou a ser ilegal produzir bens que poderiam ser fornecidos pela metrópole. A sociedade colonial rapidamente aprendeu que sua sobrevivência dependia dos esquemas do estado mercantilista, porque a única atividade rentável era negociar através do governo, não no mercado. Quando os movimentos de independência ganharam força na região, já existia uma cultura de que a lei não tinha nenhuma raiz real, sendo algo arbitrário que depende da vontade de uns poucos poderosos. Todo novo governante apontou ou removeu juizes de acordo com seus desejos, rescreveu a constituição, refez ou estendeu os códigos existentes etc.

Neste ambiente, o avanço na sociedade era possível somente pela influência no processo político que dominava a lei. Era no teatro da política, não do mercado, que a competição ocorria. A energia estava focada não em produzir riqueza, mas em direcionar a lei para a vantagem pessoal. Com esta mentalidade e com as suas correspondentes instituições estabelecidas, prosperar como nação era praticamente impossível.

Infelizmente, não foi muito o que mudou desde então. Muitos ainda encaram o Estado como um semideus, defendem medidas mercantilistas ultrapassadas, pedem mais interferência estatal na economia, ignoram a necessidade de um império de leis igualmente válidas para todos, focam suas energias na organização em grupos para extrair o máximo de privilégio possível do governo etc. Alterar esse quadro lamentável exige mudança cultural e institucional. A mudança no campo das idéias será lenta e gradual, como não pode deixar de ser. Combater as instituições opressoras passa a ser uma necessidade imediata. Eliminar o corporativismo, o mercantilismo, o privilégio, a transferência de riqueza através do Estado e a lei política arbitrária deve ser então uma meta perseguida por todos que defendem a liberdade. Foram séculos de opressão estatal na região. É chegada a hora de romper esses grilhões e abraçar o livre mercado!

segunda-feira, maio 14, 2007

A Necessidade do Supérfluo



Rodrigo Constantino

"Pelo necessário, o homem é capaz de matar; pelo supérfluo, é capaz de morrer." (Carlos Lacerda)

Um curso desenvolvido em 1933 pelo pensador espanhol Ortega y Gasset acabou virando livro, sob o título Meditação Sobre a Técnica. Nele, o escritor fala sobre o sentido da vida humana e o papel que a técnica exerce nesse contexto. Para Gasset, "é notório que no homem os instintos estão quase apagados, pois o homem não vive, definitivamente, por seus instintos, mas se governa mediante outras faculdades, como a reflexão e a vontade, que operam acima dos sentidos". O instinto mesmo de sobrevivência, por exemplo, seria negado quando os homens escolhem morrer. O homem vive porque quer. A necessidade de viver não lhe é imposta à força.

O animal está sempre preso às suas necessidades vitais, e sua existência "não é mais do que o sistema dessas necessidades elementares a que chamamos orgânicas ou biológicas e o sistema de atos que as satisfazem". Mas a vida humana é bem mais que isso. A biologia ocupa-se de uma classe de fenômenos: os orgânicos. Mas a vida humana é aquilo que fazemos e o que nos acontece; é "pensar ou sonhar e comover-se". Nossa vida é o que fazemos porque nos damos conta de que o fazemos. Para Gasset, "viver é um não contentar-se em ser, mas compreender e ver que se é um incessante descobrimento que fazemos de nós mesmos e do mundo que nos rodeia". O homem não é a sua circunstância, ele apenas está submerso nela e pode ocupar-se de coisas que não sejam atender diretamente os imperativos ou necessidades de sua circunstância.

Os atos dos homens, portanto, modificam ou reformam a circunstância ou natureza. Nela passa a existir o que não existia antes. São esses os atos técnicos, e o conjunto deles é a técnica, ou seja, a "reforma que o homem impõe à natureza em vista da satisfação de suas necessidades". A técnica é, pois, a "reação enérgica contra a natureza ou circunstância". A vida é imprevista, e antes de nascer, nada nos é perguntado sobre ela. Em que circunstâncias vamos viver não é sabido, e encontramo-nos tendo que nadar numa circunstância, inexoravelmente indeterminada. "Viver é como uma situação que tenha de ser enfrentada, num mundo indeterminado". É um problema que temos que resolver, e cuja solução não se pode transferir a nenhum outro ser. A técnica é o contrário da adaptação do sujeito ao meio; é a adaptação do meio ao sujeito.

O homem não busca apenas atender às necessidades básicas da sobrevivência. O conceito de "necessidade humana" engloba, desde o homem primitivo, tanto o objetivamente necessário quanto o supérfluo. Como diz Gasset, "o empenho do homem em viver, em estar no mundo, é inseparável de seu empenho em estar bem". O bem-estar, e não o estar é a necessidade fundamental do homem. Como conclusão desse raciocínio, o homem é um animal para o qual só o supérfluo é necessário. A técnica, nesse sentido, é a produção do supérfluo. O animal, diferente do homem, contenta-se em viver com o mínimo necessário para o simples existir. Já o homem quer muito mais que isso. Seu bem-estar é sua meta, e se trata de um ponto de chegada sempre móvel, ilimitadamente variável.

A questão importante é que a técnica não é por si só, boa ou ruim. Ela diminui, às vezes quase elimina o esforço imposto ao homem pela circunstância, mas se o homem fica isento de tarefas impostas pela natureza, surge a pergunta de o que ele vai fazer, com que vai ocupar sua vida. A superação da vida animal libera o homem para se dedicar a vários afazeres não biológicos, que não são impostos pela natureza. O homem mesmo inventa tais afazeres. Se o homem não cuida muito de aproveitar suas horas da melhor forma possível, sua vida será a estrangulação constante de si mesmo. Como diz o escritor, "o mais trágico do homem é o mais glorioso, pois ele tem obrigação de escolher e, portanto, queira ou não, tem que levar a efeito sua liberdade". O mundo ao redor do homem é uma intricada rede, tanto de facilidades como de dificuldades. A existência do homem não é um estar passivo. Ele tem de lutar constantemente contra as dificuldades que o entorno lhe oferece. Viktor Fankl resumiu bem o livre-arbítrio do homem cercado pelos limites do meio: "Entre o estímulo e a resposta, o homem tem a liberdade de escolha".

Gasset afirma: "Precisamente porque o ser do homem não lhe é dado, mas é em princípio pura possibilidade imaginária, a espécie humana é de uma instabilidade e variabilidade não comparáveis às espécies animais". E conclui que, em suma, "os homens são enormemente desiguais, contrariamente ao que afirmavam os igualitaristas". Cada homem tem que fazer sua própria vida, já que esta não lhe é algo dado e pronto. "Viver é descobrir os meios para realizar o programa que se é", explica Gasset. Logo, o sentido e a causa da técnica estão fora dela, "no emprego que o homem dá às energias que lhe sobram, energias economizadas pela técnica". A missão inicial da técnica seria esta então: dar liberdade ao homem para ele poder entregar-se a si mesmo. As preferências são subjetivas e cada um terá que escolher o que quer para si.

Comparando Esparta com Atenas, vemos que a primeira se concentrava mais no essencial, sendo austera e igualitária, enquanto a última cultivava a beleza do espírito e das formas. Roberto Campos resume que Esparta seria a civilização do necessário, enquanto Atenas a do supérfluo. O esforço militar disciplinado dos espartanos não deixou vestígios agradáveis e marcou bem menos o ocidente que sua rival mais frívola. De fato, há uma tendência, possível através da técnica, em tornar fim o que antes era um simples meio. Se antes comer era quase um ato somente para a sobrevivência, hoje temos a arte da culinária. Se beber era para matar a sede, hoje temos vários enólogos discursando sobre os prazeres de um bom vinho. Se as roupas visavam à proteção do clima, hoje temos o mundo da moda.

O homem sempre buscou mais que atender as mínimas necessidades da vida. A técnica consciente é seu grande aliado nessa trajetória. "Contudo", lembra Gasset, "a vida humana não é só luta com a matéria, mas também luta do homem com sua alma". Ter isso em mente é fundamental quando vemos o grande vazio que muitos homens sentem mesmo num mundo de técnica extremamente avançada. A redução do desconforto material, possível pelo progresso da técnica, é espetacular e algo desejável. Mas não é tudo na vida humana.

sábado, maio 12, 2007

O Defensor da Tolerância



Rodrigo Constantino

“Sabeis que a intolerância só produz hipócritas ou rebeldes”. (Voltaire)

François-Marie Arouet, mais conhecido por seu pseudônimo Voltaire, pode ser considerado um dos grandes defensores da tolerância. Nascido em 1694, viveu em uma época de muita turbulência religiosa, pouco mais de um século depois do famoso massacre de protestantes na Noite de São Bartolomeu, ocorrida em 1572 na França. Voltaire combateu veementemente o fanatismo religioso e a superstição, pregando a pluralidade das crenças e a tolerância entre todas elas. Ganhou dinheiro com toda sorte de operações, e como mancha em seu currículo encontra-se o fato de ter financiado até traficantes de escravos. Não obstante essa grave falha em sua conduta, muitas de suas idéias permaneceram válidas.

Sir Karl Popper considerava Voltaire o “Pai do Esclarecimento”. Seu apelo pela razão foi uma importante arma contra o obscurantismo dos violentos anos da Inquisição. Ele era claramente um homem do Iluminismo: “O grande meio de diminuir o número de maníacos, se restarem, é submeter essa doença do espírito ao regime da razão, que esclarece lenta, mas infalivelmente, os homens”.

Voltaire, durante seu exílio na Inglaterra, ficara impressionado com o pluralismo religioso instituído nessa “ilha da razão”, em contraste com a situação francesa. Em 1685, poucos anos antes do nascimento de Voltaire, a religião reformada era proibida no reino da França. Foi somente em 1787 que Luís XVI decidiu-se a promulgar um edito de tolerância, em favor de seus súditos que não pertenciam à religião católica. Neste ambiente de intolerância religiosa é que Voltaire cresceu, tendo alimentado profunda antipatia pelo fanatismo. Sua escolha pelo pluralismo religioso era claro: “Quanto mais seitas houver, tanto menos perigosa cada uma será; a multiplicidade as enfraquece”. Além disso, ele entendia que “seria o cúmulo da loucura pretender fazer todos os homens pensarem de uma maneira uniforme sobre a metafísica”.

Uma de suas frases famosas, que representa um legado para os defensores da liberdade de expressão, foi cunhada quando as autoridades suíças queimaram um livro de Rousseau, quem Voltaire jamais apreciou. Ele saiu, ainda assim, em defesa do filósofo, afirmando: “Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-lo”. Isso Voltaire fez por alguém que ele considerava “um poço de presunção e vileza”. Eis uma mensagem que deveria ser mais bem assimilada atualmente, onde os grilhões do “politicamente correto” calam, muitas vezes, as vozes destoantes.

Um dos livros do autor de Cândido que melhor tratam do tema da tolerância é justamente Tratado Sobre a Tolerância, escrito por inspiração do caso Jean Calas. O tribunal criminal de Toulouse condenou à morte esse homem, que acabou executado pelo suplício da roda. A família de Calas era protestante, e com certeza isso foi um dos motivadores por trás da injustiça. Todas as evidências apontavam claramente para o suicídio, mas Jean Calas foi considerado culpado por parricídio, em uma conclusão totalmente absurda. Mesmo agonizando na roda, com os membros quebrados, Calas não confessou o crime, preferindo morrer sofrendo, mas sem mentir. Foi estrangulado e seu corpo foi queimado. Depois de muitos anos, os juízes foram levados a reconhecer a falha gritante do julgamento.

A figura de Cristo era admirada por Voltaire, mas ele gostava sempre de lembrar aos seus supostos seguidores: “Se quereis vos assemelhar a Jesus Cristo, sede mártires e não carrascos”. Para ele, a religião pura degenerou em superstição e em fanatismo, que produziram a intolerância. “O furor que inspiram o espírito dogmático e o abuso da religião cristã mal compreendida derramou sangue, produziu desastres tanto na Alemanha, na Inglaterra e mesmo na Holanda, como na França”, disse Voltaire. Mas nos demais países, a diferença das religiões não causava mais tanto problema como na terra natal do pensador. Voltaire queria então levar à luz seus concidadãos. Ele escreveu: “A filosofia, a mera filosofia, essa irmã da religião, desarmou mãos que a superstição por muito tempo havia ensangüentado; e o espírito humano, ao despertar de sua embriaguez, espantou-se com os excessos a que o fanatismo o havia levado”.

Voltaire cita vários testemunhos contra a intolerância, de figuras religiosas mesmo. “É um sacrilégio tirar, em matéria de religião, a liberdade aos homens, impedir que escolham uma divindade: nenhum homem, nenhum deus gostaria de um serviço forçado”, disse Tertuliano. “A religião forçada não é mais religião; é preciso persuadir, e não coagir”, relata Lactâncio. “Nada é mais contrário à religião do que a coerção”, afirma São Justino. “A violência é capaz de gerar hipócritas; não se persuade quando por toda parte se fazem ressoar ameaças”, escreve Tillemont. “A fé não se incute a golpes de espada”, afirma Cerisiers. Enfim, daria um enorme livro mostrar a quantidade de apelos contra a intolerância e o uso da coerção na questão religiosa. Para Voltaire, “todo dogma é ridículo, funesto; toda coação baseada no dogma é abominável”. Ordenar a crer é absurdo.

Apesar de seus ataques muitas vezes virulentos contra algumas religiões, Voltaire não era ateu. Pelo contrário, ele abominava o ateísmo, e culpava o dogmatismo cristão e a superstição tola de muitos crentes pelo aumento da quantidade de ateus. “Um ateu argumentador, violento e poderoso seria um flagelo tão funesto quanto um supersticioso sanguinário”, ele escreve. A religião é necessária, segundo Voltaire, pois as leis protegem contra os crimes conhecidos, mas a religião protege contra os crimes secretos. Voltaire pode ser considerado um deísta, mas grande inimigo da tolice presente em muitas religiões. Para ele, “a superstição é, em relação à religião, o que a astrologia é em relação à astronomia, a filha muito insensata de uma mãe muito sensata”.

Em seu livro O Túmulo do Fanatismo, Voltaire liga uma metralhadora giratória contra o fanatismo religioso. Logo no começo, Voltaire afirma que “um homem que recebe sua religião sem exame não difere de um boi que atrelam”. Examinar, questionar, é um dever de qualquer um que respeita a razão. Seguir de forma fanática uma crença somente porque é a crença dos pais seria algo totalmente contrário a isso. Quando se questiona quantos filhos de cristãos são muçulmanos, ou quantos filhos de muçulmanos são cristãos, tem-se uma noção melhor de como o puro acidente geográfico ao nascimento exerce influência exagerada na crença religiosa. Voltaire derruba inúmeros mitos e fábulas religiosas no livro, atacando basicamente aqueles que seguem ao pé da letra mensagens completamente inverossímeis. Mostrando como certos Evangelhos foram aceitos pela Igreja e outros não, Voltaire afirma que “o fanático adora sob um nome o que lhe parece o cúmulo do ridículo sob outro”. Ele combate também os supostos milagres atribuídos a Jesus, e condena os relatos sobre os profetas como pura fantasia. Enfim, o livro é mais munição contra o fanatismo religioso, que Voltaire sempre atacou. Ele mesmo considerou o livro “um raio que fulmina a superstição”.

Voltaire condenou duramente o fato de a heresia ser considerada um crime, e dos mais graves ainda por cima. Ele define heresia, em O Preço da Justiça, como "opinião diferente do dogma aceito em dado local". Cita como exemplo a Igreja que impunha aos príncipes que ungia o juramento de extermínio de todos os hereges. Muitos acreditavam que atear fogo nos "infiéis" era a coisa certa a fazer. Foram criadas leis terríveis contra os hereges na França. Como exemplo, Voltaire menciona um edito promulgado em 1699 segundo o qual todo herege recém-convertido seria condenado às galés em regime perpétuo caso fosse surpreendido a sair do reino, e quem favorecesse a sua saída seria condenado à morte. Que mundo bárbaro onde alguém pode ser morto somente por conta de uma opinião religiosa!

Em 1778, já moribundo, Voltaire declarou: “Morro adorando a Deus, amando meus amigos, não odiando meus inimigos e detestando a superstição”. Em sua Oração a Deus, Voltaire faz um apelo: “Possam todos os homens lembrar-se de que são irmãos! Que abominem a tirania exercida sobre as almas, assim como execram o banditismo que toma pela força o fruto do trabalho e da indústria pacífica!”. O mundo seria, sem dúvida, um lugar mais pacífico se as mensagens de tolerância pregadas por Voltaire fossem mais escutadas. Ainda que mais de dois séculos tenham se passado, Voltaire será sempre atual. Afinal, a superstição sempre existirá, infelizmente.

sexta-feira, maio 11, 2007

Da Superstição e do Entusiasmo


Rodrigo Constantino

"A coisa mais rara de se encontrar é o fato de existir quem alie a razão ao entusiasmo." (Voltaire)

Um dos maiores filósofos do Iluminismo foi o escocês David Hume, quem seu amigo Adam Smith considerava "alguém muito próximo do ideal de um homem sábio e virtuoso". Hume foi um profundo observador da natureza humana, e costuma ser visto como um filósofo cético e defensor do empirismo. Lutou sempre pela liberdade dos homens, compreendendo que o comércio poderia ser um importante meio para o desenvolvimento e a paz de um povo. Condenou os impostos arbitrários, tal como seu colega Adam Smith. Atacou o fanatismo religioso, assunto que será aprofundado a seguir.

Para Hume, a superstição e o entusiasmo são "formas corrompidas da verdadeira religião". Os homens receiam uma infinidade de males desconhecidos, e sem objetos reais de terror, inventam objetos imaginários, "aos quais atribui um poder e uma maldade sem limites". Sendo tais inimigos invisíveis e desconhecidos, os métodos empregados para combatê-los são também incompreensíveis, constituindo em "rituais, proibições, mortificações, sacrifícios, oferendas e outras práticas". Por mais absurdas e frívolas que possam parecer, tendem a ser sugeridas pela "loucura ou pela patifaria que se aproveita de uma credulidade cega e aterrorizada". Em resumo, Hume diz: "A fraqueza, o medo e a melancolia são, portanto, ao lado da ignorância, as verdadeiras fontes da superstição".

Do outro lado, existem aqueles que se deixam levar pela imaginação grandiosa, pelas fantasias que melhor correspondem a seu gosto e disposição momentâneos. Eles irão rejeitar a razão humana como guia, e o fanático irá se entregar cegamente às supostas inspirações do espírito. São seres tomados por uma confiança e presunção acima do normal. David Hume conclui: "A esperança, o orgulho, a presunção, uma imaginação cálida, ao lado da ignorância, são, portanto, as verdadeiras fontes do entusiasmo".

Grosso modo, assim estaria dividido o mundo pela ótica de Hume: de um lado, supersticiosos, e do outro, entusiastas fanáticos. Ambos igualmente ignorantes, que desprezam a razão humana. Sendo a superstição fundada no medo e na depressão do espírito, ela faz com que o homem recorra naturalmente a qualquer outra pessoa, considerada mais capaz que ele. O supersticioso confia a esta pessoa suas devoções. Ele necessita de algum intermediário entre seu medo e sua crença, nunca confiando em si mesmo. Hume explica através disso a origem da figura dos padres, e afirma de maneira direta que "quanto mais forte for a mistura de superstição, mais alta será a autoridade do sacerdócio".

Já os entusiastas demonstram grande independência em sua devoção, com desprezo pelos rituais, pelas cerimônias e pelas tradições. Como diz Hume, "o fanático consagra-se a si mesmo, atribuindo à sua fanática pessoa um caráter sagrado muito superior ao que os rituais e instituições cerimoniais podem conferir a qualquer outra". Para o filósofo, as religiões que partilham do entusiasmo são, desde sua origem, mais furiosas e violentas do que aquelas que partilham da superstição. Mas em pouco tempo se tornam mais suaves e moderadas, com o declínio do entusiasmo inicial. Já a superstição insinua-se de uma forma gradual e imperceptível, tornando os homens mansos e submissos. Por parecer inofensiva para o povo, ela acaba permitindo o crescimento de autoridade nas mãos dos líderes, que podem se transformar em tiranos através de perseguições e guerras religiosas.

O exemplo citado por Hume é o da própria Igreja Romana, que avançou suavemente em sua conquista do poder, mas que atirou toda a Europa em "lúgubres convulsões" a fim de conservar esse poder. Para Hume, "uma das características essenciais da religião católica romana é que ela precisa inspirar um ódio violento por todas as outras crenças, concebendo todos os pagãos, maometanos e hereges como objetos da cólera e da vingança divinas". Uma vez com o poder nas mãos, os líderes dos supersticiosos não aceitam muita concorrência.

De forma simplificada, a superstição seria uma grande inimiga da liberdade civil, pois torna os homens mansos e submissos, mais predispostos à escravidão. O antídoto seria um desenvolvido autocontrole, uma grande moderação em todas as paixões, um temperamento equilibrado, justamente como o próprio David Hume era descrito por amigos próximos. Ele mesmo afirmara que "para ser feliz, a paixão não deve ser nem demasiado violenta nem demasiado omissa". No primeiro caso, o espírito vive em constante agitação; no segundo, ele mergulha numa desagradável letargia. Hume diz: "Para ser feliz, a paixão deve ser alegre e jovial, não sombria e melancólica".

Para finalizar, as palavras do filósofo uma vez mais: "Quando o temperamento dos homens é suavizado e o seu conhecimento aprimorado, essa humanidade parece ainda mais conspícua e é a principal característica que distingue uma época civilizada de períodos de barbárie e ignorância".

quarta-feira, maio 09, 2007

A Mentalidade do Atraso


Rodrigo Constantino

"Ignorância é não saber de algo; estupidez é não admitir sua ignorância" (Daniel Turov)

Um livro muito útil – além de divertido – é Manual do Perfeito Idiota Latino-americano, escrito por Plínio Mendoza, Álvaro Vargas Llosa e Carlos Alberto Montaner. Com estilo satírico, refuta com sólidos argumentos e dados inúmeros mitos defendidos pela esquerda populista. Conta com um excelente prefácio escrito por Roberto Campos, no qual afirma que "boa parte de nosso subdesenvolvimento se explica em termos culturais; ao contrário dos anglo-saxãos, que prezam a racionalidade e a competição, nossos componentes culturais são a cultura ibérica do privilégio, a cultura indígena da indolência e a cultura negra da magia". Combater os privilégios, a indolência e a irracionalidade é justamente o objetivo dos autores.

Essa mentalidade retrógrada realmente desperta curiosidade. Tendo como regra básica o "jeitinho" em vez do respeito às leis, a inveja como sentimento preponderante, e uma tola esperança de que um Estado clarividente e eficiente seja capaz de nos transformar em potência econômica mundial, os latino-americanos vão permanecendo cada vez mais na miséria. Enquanto isso, os discursos populistas e nacionalistas despertam fortes emoções em nosso povo, que passa a acreditar que nossos recursos naturais são suficientes para nos tornarmos ricos, e que se isso não acontece, a causa está do lado de fora, em algum império colonialista.

Os argumentos nacionalistas são vastos, e são também perfeitos para se encobrir interesses e privilégios de uns poucos, argumentando que precisamos defender a soberania nacional contra as conspirações do capital estrangeiro. Foi nessa base que se criaram monstros como as reservas de mercado. Além disso, pensar em privatizar empresas, entregando o patrimônio "público" para mãos privadas de "capitalistas selvagens", seria total loucura. Melhor mantê-las sob o controle estatal, tão eficiente e imune à corrupção. O engraçado desse absurdo todo é realmente alguém se achar dono do petróleo nacional, já que "ele é nosso".

Uma palavra idolatrada pelo nosso povo é "social". Em nome do social, não só tudo é possível, mas também desejável. Esquece-se totalmente das calculadoras, e ignora-se leis tão simples como não gastar mais do que se tem. A conseqüência natural disso é um aumento explosivo nos gastos públicos, típico do Estado benfeitor, que acaba inevitavelmente em um severo déficit fiscal, gerando inflação via emissão de moedas ou recessão via aumento de impostos ou juros. Isso sem falar de todos os direitos nobres concedidos ao povo, como educação gratuita e obrigatória, moradia digna, transporte gratuito, trabalho bem remunerado, velhice tranqüila e por fim felicidade eterna. Nosso cidadão é um grande sonhador, que detesta se deparar com a dura realidade da vida, cheia de incertezas e insegurança. Ele não se preocupa muito com o fato de que, para garantir tanto privilégio assim a alguns, precisa tirar de outros.

Paradoxalmente, nosso Estado em prol do "social" deixa mais miseráveis do que encontrou, e temos inúmeros exemplos empíricos disso, sendo um dos principais a Argentina de Peron. Eva, sua esposa, confundiu Estado com instituição de caridade, e quem pagou o elevado preço foi a população, que saiu da prosperidade para a miséria. Será que o povo romântico não tem a mínima capacidade intelectual para entender que são justamente todos esses "direitos adquiridos" pelos monopólios dos sindicatos que jogaram metade dos brasileiros na informalidade? Será que os mais de 150 milhões de latino-americanos desempregados estão felizes com todos esses benefícios? Não conseguem perceber que isso é também a causa de um sistema de previdência falido, que até na Europa, principalmente na França, representa uma bomba-relógio insustentável no médio prazo?

As pessoas não se conformam também com as regras do jogo, com as leis naturais de oferta e demanda. Gostariam de fixar os valores dos bens disponíveis na economia, acreditando que alguns poucos burocratas seriam mais eficientes que bilhões de pessoas interagindo. Não entendem que os preços não passam de sinais que o mercado emite para que os processos produtivos possam contar com uma lógica capaz de guiar racionalmente aqueles que executam a difícil tarefa de estimar custos, fixar preços de venda, obter lucros, poupar, investir e perpetuar o ciclo produtivo. Essas pessoas não conseguem entender uma coisa simples que Adam Smith já havia ensinado no século XVIII, que é a diferença entre preço e valor. Não é porque algo é valioso, como a água, por exemplo, que seu preço será elevado. Quem determina o preço "justo" é a lei de oferta e demanda, dependendo intrinsecamente da escassez do produto e da preferência subjetiva dos indivíduos. Sem falar que o lucro é desprezado por aqui, como se fosse um pecado.

Outra característica básica da mentalidade do atraso é a necessidade de bodes expiatórios. É fundamental achar culpados de fora para os males internos. Logo surgiram os "demônios", como o FMI, a globalização, o "Consenso de Washington" etc. Os ingênuos são tão bombardeados por esta propaganda, muitíssimo interessante para os governantes corruptos, que nenhuma explicação lógica ou fatos concretos seriam capazes de alterar este dogma. Será que não percebem que para os países desenvolvidos seria melhor a existência de um mercado consumidor para seus produtos, e não um bando de miseráveis revoltados? Como repetir o argumento de exploração agora que o Brasil exporta bem mais do que importa? Que exploração sofre a Venezuela, que vende bilhões todo ano de seu "ouro negro" enquanto o próprio governo desaparece com o dinheiro? Se acreditam mesmo que o que torna uma nação rica são seus recursos naturais, como explicar o crescimento explosivo de Taiwan, Coréia ou Japão na década de 80, sem recursos naturais, enquanto Nigéria, Irã e Venezuela permanecem na miséria? Os exemplos seriam intermináveis, mas é praticamente impossível convencer alguém entorpecido pelos conceitos falaciosos do marxismo.

Alguém precisa explicar que ninguém força nem obriga as nações a comercializar com outras ou pegar dinheiro emprestado. Não acham que é mais que natural um banco que empresta dinheiro impor algumas exigências? Pois é justamente isso que faz o FMI. Exige em troca de dólares menores gastos fiscais, de governos irresponsáveis que gastaram mais do que tinham, endividando de maneira insustentável o país. Será que acham que esse empréstimo deveria vir a fundo perdido? Será que teriam essa mesma postura no âmbito pessoal? E quanto ao comércio mundial, chamado de globalização, será que acreditam que existe um plano mirabolante das multinacionais para dominar os povos latino-americanos? A GM, quando emprega mais de 100 mil pessoas nas Américas, pagando milhões em impostos, estaria tentando dominar nosso povo? Se negociar com esses "imperialistas sanguessugas" é tão ruim assim, como explicar a revolta cubana ao embargo americano? Esse embargo não passa da proibição das empresas americanas de fazer negócios com Cuba, já que este país permitiu se tornar uma base militar da União Soviética, apontando mísseis para a Flórida. É no mínimo contraditória a posição do críticos da globalização.

Como alguém pode afirmar seriamente que a exploração das colônias por vorazes metrópoles explica o subdesenvolvimento de umas às expensas de outras? Será que a Espanha e Portugal estão melhores hoje, sem colônias, ou antes, com elas? A riqueza da pequena Holanda é explicada pelas ilhas que dominava no Caribe ou na Ásia? Mais riqueza tem a pequena Suíça sem jamais ter conquistado um palmo de território alheio. O que não dá é alguém achar que, em pleno século XXI, está em condições favoráveis de enriquecer e competir com uma banana em uma mão e uma saca de café na outra. Depois não adianta ficar reclamando dos baixos preços de nossos produtos no mundo, enquanto os "imperialistas" nos "empurram" produtos caros, como computadores e outros bens de alta tecnologia. Em vez de ficar culpando a globalização, os neozelandeses, por exemplo, possuem um nível de desenvolvimento econômico europeu, graças à criação de milhões de ovelhas, exportações de flores e frutas e uma boa oferta de turismo ecológico. Outros povos que preferiram ser pró-ativos a ficar esbravejando de forma imatura e irracional foram Taiwan, Coréia, Cingapura, Hong Kong etc. Alguém pode atribuir o sucesso dessas nações aos recursos naturais delas? Como alguém pode, diante de tantas evidências, ainda ficar culpando a globalização pelos seus fracassos?

Como o francês Jean-François Revel muito bem colocou, "o objetivo do terceiro-mundismo é acusar e, se possível, destruir as sociedades desenvolvidas, não desenvolver as atrasadas". Como alguém pode progredir com uma mentalidade dessas? De que adianta a postura reativa de se fazer de vítima o tempo todo, a não ser enriquecer a classe dos políticos corruptos e empresários ligados a estes governos clientelistas e corporativistas? Como fazer para que os ludibriados por uma idealização da inveja consigam acordar deste sonho para poder focar nas verdadeiras raízes dos problemas, que residem na própria cultura do povo, e não em fatores exógenos?

O capitalismo liberal é o que não aceita a existência de oligarquias cobiçadas pelo poder, grupos de privilegiados apenas por serem "amigos do rei", empresários que "mamam nas tetas" de um Estado cada vez mais inchado. Capitalismo livre não combina com excesso de intervenção estatal, que distorce as leis naturais de oferta e demanda, criando resultados ineficientes. Como pode então alguém ter a coragem de atrelar os problemas da América Latina ao capitalismo "selvagem" importado dos americanos? Onde está esse capitalismo liberal na América Latina? Por quê não olham a renda per capita acima de US$ 10 mil da Coréia do Sul, comparada a menos de US$ 500 da irmã socialista do Norte? Qual seria a explicação, já que a população tem a mesma origem, assim como recursos naturais? Basta comparar a renda per capita de países como Estados Unidos, Cingapura, Holanda e Inglaterra com a de países como China, Coréia do Norte, Cuba e Vietnã para entender de vez qual modelo defende mais o interesse dos pobres. Basta comparar também dentro de alguns países os períodos de socialismo e pós-socialismo, como o Chile antes e depois de Allende, para deixar claro qual modelo realmente defende os pobres.

O arsenal de besteiras fruto dessa mentalidade do atraso parece infindável. Suas vítimas não conseguem enxergar coisas óbvias, como o fato de onde existe mais Estado, criando barreiras alfandegárias, licenças prévias de importação, controle de preços e câmbio, subsídios e burocracia, existe também mais miséria e desigualdade social. O crescimento abusivo do Estado cria uma total asfixia nos empresários, fundamentais para a criação de riqueza e empregos. Esse Estado interventor é o pai de uma burocracia parasitária e de empresas públicas paquidérmicas e profundamente ineficientes. Mas diante de tais evidências, qual a solução apresentada? Mais Estado, mais regulamentações, mais controles e mais dirigismo, que são justamente as causas fundamentais dos problemas. Querem curar a leucemia com sanguessugas!

Em uma coisa pelo menos é preciso dar crédito aos defensores do atraso: seu linguajar. São mestres na arte de vender sonhos e utopias através da pura retórica. Seus "argumentos" são românticos e emocionados, acalentando os frágeis corações das pessoas que precisam desesperadamente de alguma explicação fácil e algum culpado direto pelas desgraças e misérias que assolam suas vidas. Alimentam a fúria irracional que o desprezível sentimento de inveja cria. Saciam o desejo de vingança dos povos atrasados, dando uma saída muito mais fácil do que a de reconhecer os próprios erros e mudar. Acontece que não é de sonhos e utopias que o mundo precisa. Não é através de desculpas fervorosas nem de discursos românticos que a miséria acaba. Não é a retórica emocionada que coloca pão na mesa das pessoas. O mundo precisa, para reduzir a miséria, da única coisa que a esquerda nunca foi capaz de gerar: resultado!