sexta-feira, agosto 31, 2007

Da Anarquia ao Estado


Rodrigo Constantino

“De cada um como escolhem, a cada um como são escolhidos.” (Robert Nozick)

Um dos livros que mais influenciou o pensamento libertário americano foi Anarchy, State and Utopia, do professor de filosofia de Harvard, Robert Nozick. Não é uma leitura fácil, e o autor cria um clima de honestidade intelectual no decorrer da obra, pela enorme quantidade de perguntas delicadas e complexas que ele mesmo não ousa responder de forma definitiva. O tema é espinhoso, pois trata de uma teoria sobre a filosofia política e o Estado, questionando inclusive a necessidade de sua existência. O próprio autor reconhece que seria tolice de sua parte esperar que tenha completado de forma satisfatória os pontos fundamentais da questão. A busca pela verdade é uma tarefa contínua.

Logo na primeira frase do prefácio, Nozick afirma que os indivíduos possuem direitos, e que existem certas coisas que nenhuma pessoa ou grupo pode fazer a eles, sem que esteja violando tais direitos. O livro irá tratar, então, da natureza do Estado e suas funções legítimas, se existirem. As conclusões de Nozick, antecipando o que os argumentos irão sustentar depois, são que um Estado mínimo, limitado a funções estreitas de proteção contra a força, roubo, fraude etc. é justificável, mas qualquer Estado mais extenso irá violar os direitos pessoais, e, portanto, não se justifica. A questão fundamental para a filosofia política, que antecede questões sobre como o Estado deve ser organizado, é se deve mesmo existir algum Estado em primeiro lugar. Nozick leva a sério a alegação anarquista de que o Estado, agindo contra os direitos individuais, é imoral. Mas ele tenta mostrar porque considera esta postura errada no que diz respeito ao Estado mínimo. Seu esforço parte de uma abstração de como o Estado poderia ter surgido, a partir de um estado de natureza, mesmo que ele não tenha surgido desta maneira.

Nozick utiliza a visão de Locke para partir desse estado de natureza e chegar ao Estado mínimo. Para Locke, existem inconveniências no estado de natureza que justificam um governo civil como remédio adequado. Os indivíduos, julgando em causa própria, irão sempre superestimar a magnitude de dano sofrido, e as paixões irão levá-los a punir os outros de forma mais que proporcional ao que a compensação justa exigiria. Além disso, no estado de natureza, o indivíduo pode não ter a força para impor seus direitos. Para Nozick, então, associações de proteção surgiriam naturalmente da anarquia, pressionadas por agrupamentos espontâneos. Algo já parecido com um Estado mínimo apareceria como resultado de um processo natural de divisão de trabalho, economias de escala e auto-interesse racional dos indivíduos. A explicação que Nozick utiliza para sair do estado de natureza e chegar a algo muito próximo de um Estado mínimo é similar ao que Adam Smith chamou de “mão invisível”. O produto final parece ser obra de um ato intencional de alguém, mas é fruto de um processo espontâneo onde cada indivíduo busca seus próprios interesses.

Como premissa básica nesse processo, Nozick considera a restrição libertária de que nenhum indivíduo pode ser sacrificado pelo bem do outro. O princípio kantiano de que indivíduos são fins e não meios está presente. Chega-se no princípio de não-agressão, o mesmo que costuma ser levado em conta entre nações. Nozick pergunta qual diferença existe entre indivíduos soberanos e nações soberanas que torna permitida a agressão entre indivíduos. Por que indivíduos juntos, através do governo, podem fazer com alguém aquilo que nenhuma nação pode fazer com outra? Nozick não defende o Estado mínimo por justificativas utilitaristas, portanto, mas sim pelos princípios que entende como corretos, com base nos direitos naturais dos indivíduos. E ele alega que, da anarquia ao Estado mínimo, tais direitos não seriam violados, já que resultariam de um processo natural, através de uma “mão invisível”, onde haveria a necessidade de compensação aos indivíduos que ficassem fora da agência protetora dominante, mais tarde transformada em Estado, por ter o monopólio de facto da coerção.

A explicação de Nozick é, naturalmente, bem mais elaborada que esse resumo feito aqui. Se no próprio livro alguns pontos permanecem confusos, é de se esperar que o leitor não se dê por satisfeito com um breve resumo. Ir direto à fonte é fundamental para melhor entender os argumentos do autor. Seu raciocínio não ficou imune às críticas, que surgiram de diferentes lados. Curiosamente, um dos que mais atacou a obra foi Rothbard, quem é citado na lista de agradecimentos de Nozick como responsável pelo seu estímulo ao interesse na teoria individualista dos anarquistas.

Rothbard afirma que nenhum Estado surgiu pela forma imaginada por Nozick, mas que, ao contrário, as evidências históricas apontam para Estados provenientes da violência, conquista e exploração. A visão imaculada de Estado de Nozick seria muito distante da realidade, segundo Rothbard. Este defende, então, que Nozick deveria se unir aos anarco-capitalistas e pregar a abolição de todos os Estados existentes, para depois esperar o funcionamento da “mão invisível” que levaria ao Estado mínimo defendido. Além disso, Rothbard considera um non sequitur a conclusão que Nozick chega quando assume que haveria um acordo pacífico entre as diferentes agências protetoras, resultando em um monopólio de facto nas mãos de uma única e dominante agência. Para Rothbard, poderiam existir centenas ou mesmo milhares de árbitros que seriam selecionados pelas partes envolvidas em disputas.

Outras críticas tão duras como essas são expostas por Rothbard. A questão é mesmo polêmica, e são muitas as perguntas sem fácil resposta. O que se pode concluir com relativa convicção é que quanto mais perto de um Estado mínimo, cuidando basicamente da segurança e garantindo os direitos individuais contra agressões externas, mais justa e livre será a sociedade em questão. Já seria um avanço e tanto mostrar que o Estado pode ser um “mal necessário”, mas não um “deus” que irá solucionar todos os males do mundo. Como seria fantástico se o debate sobre filosofia política fosse dividido entre Nozick e Rothbard! Infelizmente, fazendo uma analogia com a física, ainda se debate no país sobre se a Terra é quadrada ou redonda nessa área política. E o pior é que a versão quadrangular vem sendo a dominante...

quarta-feira, agosto 29, 2007

Questão do Dia


De qual museu desenterraram esse ser pré-histórico?!
Desde que o senador petista Aloísio Mercadante anunciou que estava escrevendo um livro de memórias sobre Maria da Conceição Tavares, seu nome voltou a aparecer nos jornais. Será que o livro irá mostrar a quantidade de erros nas previsões da "economista"? Seria um livro enorme, só para isso! O choro de emoção com o Plano Cruzado merece destaque. Como pode alguém ter defendido tanta coisa errada na vida, e AINDA não ter mudado???
O pior mesmo é alguém assim ainda ter tanto espaço na mídia, nos debates econômicos. No Brasil, ninguém cobra nada sobre as afirmações passadas. Ao que parece, idolatram o fracasso por aqui. Quanto mais absurdos a pessoa defendeu na vida, mais respeitada ela é pelos "intelectuais". Conceição Tavares ainda insiste no chavão de "neoliberalismo" como culpado pelos nossos males, sendo que este passou mais longe do Brasil do que Plutão da Terra. O fato de uma dinossauro dessas ainda estar no centro dos debates sobre economia é prova de que, como o ilustre Roberto Campos disse, não corremos o menor risco de dar certo...

Projeto Caju?




Os mais próximos aliados do presidente Lula, amigos de décadas, os mais poderosos do PT, viram réus no STF, acusados de formação de quadrilha. E Lula fica falando sobre a injustiça histórica com o caju!!!!!!!! Presidente, acorda! Sai de Marte e volta para o Brasil. Seus aliados de maior confiança são réus na mais elevada corte do país, e você ficará em silêncio sobre o caso, tratando do Projeto Caju??!! O povo exige um esclarecimento!
Enquanto isso, o PT nem sequer afasta os quadrilheiros. O partido, na verdade, é conivente com a corja de bandidos. Vale tudo no projeto pelo poder! E ainda tem gente que defende essa raça de petistas...
Presidente Lula, sua sorte é que esse país não é sério. Seu lugar é ao lado dos seus camaradas, como réu! Afinal, quem era o chefe dessa quadrilha?

segunda-feira, agosto 27, 2007

O Valor de Menger


Rodrigo Constantino

“O valor que os bens possuem para cada indivíduo constitui a base mais importante para a determinação do preço.” (Carl Menger)

Considerado o fundador da Escola Austríaca de economia, Carl Menger ficou famoso por sua contribuição ao desenvolvimento da teoria da utilidade marginal, tendo refutado a teoria clássica de valor do trabalho. Seu livro Princípios de Economia Política deveria ser lido inclusive por leigos em economia, pela objetividade com a qual o autor expõe suas idéias. Essas idéias, posteriormente mais elaboradas por Mises e Hayek, foram revolucionárias num mundo influenciado pela teoria marxista de valor. Façamos, pois, uma síntese dessas idéias.

Aquilo que tem nexo causal com a satisfação de nossas necessidades humanas pode ser denominado utilidade, podendo ser definido como bem na medida em que reconhecemos esse nexo causal e temos a possibilidade e capacidade de utilizar tal coisa para efetivamente satisfazer tais finalidades. Menger faz então uma distinção entre bens reais e imaginários, sendo a qualidade destes últimos derivada de propriedades imaginárias. “Quanto mais elevada for a cultura de um povo”, explica Menger, “e quanto mais profundamente os homens investigarem a sua própria natureza, tanto menor será o número de bens imaginários”. A condição para a coisa ser um bem é haver nexo causal entre a coisa e o atendimento da necessidade humana, podendo ser um nexo direto ou indireto, imediato ou futuro.

O fato de o nexo causal não ter que ser imediato é relevante. Se, por conta de uma mudança no gosto das pessoas, a demanda por fumo desaparecesse, não apenas os estoques de fumo perderiam sua qualidade de bem, como também todos os demais ingredientes e máquinas utilizadas somente para este fim. Isso ocorre porque todos esses bens derivam sua qualidade de bem de seu nexo causal com o atendimento da necessidade humana concreta de consumir fumo, no caso. É o conhecimento progressivo do nexo causal das coisas com o bem-estar humano que leva a humanidade do estágio primitivo e de miséria extrema para o estágio de desenvolvimento e riqueza.

Esses bens reais demandados não existem em quantidade infinita na natureza. No caso em que a quantidade disponível de um bem não é suficiente para todos, cada indivíduo tentará atender sua própria necessidade. Eis o motivo, segundo Menger, da necessidade de proteção legal aos indivíduos que conseguirem apossar-se legitimamente da referida parcela de bens, contra os ataques dos demais indivíduos. A propriedade seria “a única solução prática possível que a própria natureza (isto é, a defasagem entre a demanda e a oferta de bens) nos impõe, no caso de todos os bens denominados econômicos”. Um bem econômico seria justamente aquele onde a demanda excede a oferta. Quando a oferta do bem é ilimitada ou quase isso, este bem não é denominado econômico, por não ter valor econômico. É o caso do ar que respiramos.

Avançando então nos princípios levantados por Menger, chegamos a sua definição de valor, que é “a importância que determinados bens concretos – ou quantidades concretas de bens – adquirem para nós, pelo fato de estarmos conscientes de que só poderemos atender às nossas necessidades na medida em que dispusermos deles”. Um bem não econômico pode ser útil, mas ele não terá valor para nós. A confusão entre utilidade e valor tem gerado problemas nas teorias econômicas. O ar que respiramos, como citado acima, tem utilidade para todos, mas nem por isso os indivíduos atribuem um valor econômico para ele.

O valor dos bens depende de nossas necessidades, não sendo intrínseco a eles. Como exemplifica Menger, “para os habitantes de um oásis, que dispõem de uma fonte que atende plenamente às suas necessidades de água, não terá valor algum determinada quantidade dessa água”. Já num deserto ou mesmo supondo uma catástrofe que reduzisse essa água a ponto de os habitantes não disporem mais do suficiente para o atendimento pleno de suas necessidades, essa quantidade de água passaria imediatamente a ter valor. O valor não é algo inerente aos próprios bens, mas “um juízo que as pessoas envolvidas em atividades econômicas fazem sobre a importância dos bens de que dispõem para a conservação de sua vida e de seu bem-estar”. Portanto, só existe na consciência das pessoas em questão. Os bens têm valor, de acordo com o julgamento dos homens. “O valor é por sua própria natureza algo totalmente subjetivo”, conclui Menger.

Um exemplo clássico para reforçar esse ponto é comparar a água com o diamante. Um pouco de água, via de regra, não tem valor algum para os homens, enquanto uma pedrinha de diamante costuma ter valor elevado. Em uma situação anormal, entretanto, onde a água não está em abundância, como no deserto, qualquer porção de água passa a ter muito valor para o indivíduo em questão. Com quase certeza ele não trocaria esse pouco de água nem mesmo por meio quilo de ouro ou diamante.

Além de o valor ser subjetivo, a medida para se determinar o valor também é de natureza totalmente subjetiva também. A quantidade de trabalho ou de outros bens secundários necessários para se produzir o bem não possuem nexo causal necessário e direto com a medida de valor do bem. Menger escreve: “O valor de um diamante independe totalmente de ter sido ele encontrado por acaso ou ser o resultado de mil dias de trabalho em um garimpo”. E continua: “Com efeito, quando alguém faz a avaliação de um bem, não investiga a história da origem do mesmo, mas se preocupa exclusivamente em saber que serventia tem para ele, e de que vantagens se privaria, não dispondo dele”.

Deste princípio econômico podemos extrair importantes conclusões. Uma das mais relevantes é o axioma de que, havendo consciência por parte dos indivíduos em questão, qualquer troca voluntária, ou seja, sem coerção ou ameaça de violência, é mutuamente benéfica. Isso decorre do fato de que cada indivíduo irá participar de uma permuta de bens somente quando julgar que o valor daquilo que recebe supera o valor do que dá em troca. Não sendo obrigado por ninguém a trocar, o indivíduo, quando realiza uma troca, está sempre julgando vantajosa esta troca, do ponto de vista de seus valores pessoais. As conseqüências políticas do reconhecimento disso são extraordinárias. Eis um dos grandes legados da teoria do valor subjetivo. Eis um dos motivos de reconhecimento do grande valor de Menger.

quinta-feira, agosto 23, 2007

Bando do Brasil



Rodrigo Constantino


Alguns leitores não ficaram convencidos da ligação causal que fiz entre a propaganda do Banco do Brasil, com forte destaque para o número 3, e o desejo de muitos petistas de alterar as regras do jogo para permitir um terceiro mandato de Lula. Chamaram-me até de paranóico. Como considero o debate sempre saudável, resolvi trazer mais evidências de que o Banco do Brasil atua sim como um braço político do PT, que por sua vez tem sim total interesse num terceiro mandato.


Conforme matéria de O Globo, podemos verificar que os cargos da vice-presidência do banco são quase todos ligados ao PT: Maguito Vilela, do PMDB, aliado do PT; Luiz Cláudio Guedes Pinto, ligado ao PT; Aldemir Bendini, ligado ao PT; José Luiz Prola Salinas, ligado ao PT; Adézio de Almeida Lima, ligado ao PT; Milton Luciano dos Santos, ligado ao PT; e o vice-presidente de gestão de pessoas e responsabilidade socioambiental, Oswaldo Sant’ilago Moreira de Souza, também ligado ao PT. Não vem ao caso questionarmos a eficiência profissional dessas pessoas, ainda que possamos nos perguntar quais cargos ocupariam em um Itaú ou HSBC. Aqui, basta expor que quase todos na mais alta hierarquia do banco são ligados ao PT. Será que este fato não aumenta a suspeita de que a propaganda do 3 pode ser de cunho político na verdade?


Para quem ainda não está convencido, segue um vídeo que mostra as intenções do PT abertamente, pregando o socialismo. Trata-se de um vídeo feito para o 3º Congresso de PT, que irá ocorrer em São Paulo no final de agosto. As declarações são tão estapafúrdias que recomendo o consumo de um Engov antes. Coisas como "superar o capitalismo", "não há democracia sem socialismo", "luta dos povos latinos contra o imperialismo" e outras pérolas do tipo abundam na propaganda do partido. O PT reafirma a sua crença na democracia como visão estratégica de tomada do poder pelo "povo", ou seja, o partido. Fala do Foro de São Paulo, entidade que o partido fundou ao lado de ditadores e terroristas com o objetivo de resgatar o que se perdeu no Leste Europeu, i.e., o comunismo. Mostra profundo desprezo até pela social-democracia. Enfim, não deixa dúvidas quanto ao que realmente considera como meta: seguir os passos do amigo Chávez na Venezuela. Eis o link para o vídeo:

http://www.youtube.com/watch?v=VNPjm0qfByc .


E então? Será que aquele que suspeita do uso do Banco do Brasil como veículo político do bando que tomou conta do Brasil é paranóico? Ou seria o caso de quem ainda não desconfia ser muito ingênuo? Você decide!

Pergunta do Dia

Que país é esse, onde um ministro do STF considera um absurdo a invasão na universidade, não dos invasores, mas da polícia que vai tirar os invasores???

Eros Grau é comunista de carteirinha, foi indicado pelo presidente Lula para o cargo, e reclama, de forma autoritária, da divulgação das imagens e conversas pela mídia, sendo que se tratava de uma audiência PÚBLICA! Nessas imagens, aparece outra ministra comentando que Eros Grau já teria decidido seu voto, contrário à acusação aos "mensaleiros". Comunista é assim: faz cagada e deseja impedir que o esterco seja espalhado pelo ventilador, em vez de aprender a parar de defecar em público...

terça-feira, agosto 21, 2007

O Empreendedor Alerta


Rodrigo Constantino

“A economia de mercado tem sido denominada democracia dos consumidores, por determinar através de uma votação diária quais são suas preferências.” (Mises)

A teoria ortodoxa de mercado e do sistema de preços costuma enfatizar a análise de equilíbrio, assumindo as curvas de oferta e demanda como dadas. Insatisfeito com esta postura, que apresenta graves deficiências, o professor de economia da New York University, Israel M. Kirzner, escreveu um excelente livro defendendo a substituição dessa visão de equilíbrio por uma que encara o mercado como um processo, seguindo a perspectiva austríaca. Em Competition & Entrepreneurship, Kirzner apresenta uma teoria de preços que ajuda na compreensão de como as decisões individuais ocorrem e mudam, automaticamente alterando as demais decisões no mercado. A eficiência dessa teoria não depende de uma alocação “ótima” dos recursos em equilíbrio, mas sim do sucesso das forças de mercado para gerar correções espontâneas nos padrões de alocação durante as fases de desequilíbrio. Entender o processo do mercado exige uma noção de competição inseparável daquela exercida pelo empreendedor.

A ignorância acerca das decisões que os outros estão para tomar costuma levar à escolha de planos inadequados por parte dos tomadores de decisões. No processo de mercado desencadeado após suas escolhas, novas informações são adquiridas sobre os planos dos outros agentes, o que gera uma revisão nas decisões antes tomadas. As decisões feitas em um período de tempo geram alterações sistemáticas nas decisões correspondentes para o período seguinte. Essas séries de mudanças interligadas nas decisões constituem o processo do mercado. Este processo é inerentemente competitivo. Em cada momento, há a descoberta de novas informações antes não disponíveis, gerando novas oportunidades. No esforço de ficarem à frente dos competidores, os participantes são forçados a buscar uma interação cada vez mais hábil dentro de seus limites. A confiança na habilidade do mercado de aprender com a experiência e gerar um fluxo contínuo de informação que permite o processo de aperfeiçoamento depende da presença do empreendedor.

Segundo Kirzner, a função do empreendedor será justamente aproveitar as oportunidades criadas pela ignorância existente no processo do mercado. Se houvesse onisciência não haveria necessidade de empreendedores. Será a figura do empreendedor que perceberá as oportunidades existentes de lucro. Este empreendedor não precisa ser um proprietário dos recursos para produção. Ele simplesmente saberá onde comprar os recursos por um preço que será vantajoso produzir e vender um determinado produto. Seu valor vem da descoberta dessa oportunidade existente e não explorada ainda. Em uma situação de equilíbrio de mercado não há espaço para a atividade empreendedora, neste sentido, pois não há ignorância ou falta de coordenação entre os agentes. É a ineficiência existente na realidade que permite uma realocação dos recursos por parte desses empreendedores, tornando o resultado mais eficiente. O empreendedor fica alerta para a possibilidade de usos mais eficientes dos recursos, não apenas para as demandas e ofertas existentes, como também para mudanças nelas. Ele deve saber onde as oportunidades inexploradas estão. Na busca pelo lucro, a ação empreendedora irá reduzir a discrepância entre os preços pagos pelos agentes do mercado. Sua função é similar a de um arbitrador. O empreendedor é aquele alerta às informações que o mercado gera continuamente, fazendo ajustes que resultam da ignorância existente no mercado.

A competição está presente sempre que não há impedimento arbitrário para novos entrantes. Enquanto os outros forem livres para oferecer oportunidades mais atrativas aos consumidores, ninguém está isento da necessidade de competir. Portanto, toda barreira arbitrária à entrada de novos participantes é uma restrição na competitividade do processo de mercado. Um monopólio, nesse sentido, não ocorre necessariamente quando existe somente um único produtor de determinado produto, mas sim quando o acesso aos recursos desse mercado é restrito por algum controle arbitrário. É totalmente factível que apenas uma empresa ofereça certo produto sem que esteja desfrutando de uma posição monopolista, pela definição ortodoxa, já que ela sofre do mesmo jeito as pressões competitivas através da livre possibilidade de novos entrantes.

No processo competitivo do mercado, os empreendedores tomam decisões tanto sobre o preço como sobre a qualidade dos produtos. Para Kirzner, portanto, não há distinção entre os custos de produção e de venda de um produto. O empreendedor decide sobre tais variáveis buscando antecipar aquilo que o consumidor irá demandar. Neste processo, faz parte da função do empreendedor fazer com que o consumidor tome conhecimento da existência do produto. O esforço de venda é a tentativa do empreendedor de alertar os consumidores quanto às oportunidades de compra. Sua tarefa não está completa ao levar a informação sobre o produto para os potenciais consumidores: ele deve também se certificar de que os consumidores notaram e absorveram a informação.

Eis a relevância da propaganda, que é parte do mesmo esforço empreendedor. Os críticos da propaganda, vista como um desperdício de recursos pago pelos consumidores, ignoram que ela é parte fundamental do processo competitivo que torna o mercado mais eficiente. Os valores são subjetivos e o conhecimento é imperfeito, fazendo com que a propaganda do produto seja parte crucial do papel do empreendedor. Somente com isso a soberania do consumidor é mantida, já que ele pode decidir sobre suas compras depois que os produtores colocaram as oportunidades diante dele. Afinal, o processo competitivo consiste numa seleção por tentativa e erro das oportunidades apresentadas aos consumidores, e sem a propaganda os empreendedores ficariam impedidos de oferecer uma vasta gama de opções, através das quais eles podem descobrir o padrão da demanda dos consumidores. Quem condena a propaganda está, então, adotando uma postura arrogante de onisciência, como se pudesse conhecer a priori a demanda dos consumidores.

Mises certa vez disse: “Não é porque existem destilarias que as pessoas bebem uísque; é porque as pessoas bebem uísque que existem destilarias”. No livre mercado, os consumidores são os verdadeiros patrões. São eles que decidem o que será produzido no fundo. Mas para que o funcionamento desse processo contínuo seja eficiente, é necessário contar com a presença dos empreendedores. São eles que, alertas a todas as oportunidades que a ignorância dos agentes e a assimetria de informação criam, fazem com que as preferências dos consumidores sejam realmente atendidas. O maior aliado dos consumidores é o empreendedor, alerta a todas as oportunidades de lucro no mercado competitivo.

sábado, agosto 18, 2007

A Praxeologia de Mises


Rodrigo Constantino

“Estatística e história são inúteis na economia a menos que acompanhadas por um entendimento dedutivo básico dos fatos.” (Henry Hazlitt)

Um dos maiores economistas de todos os tempos foi, sem dúvida, Ludwig Von Mises. Sua contribuição teórica foi fantástica, e seu clássico de quase mil páginas, Human Action, é inquestionavelmente uma das obras-primas em economia. Mises revolucionou a ciência econômica com seu foco na praxeologia, ou a teoria geral da ação humana. A seguir, pretendo fazer um breve resumo do que isso significa.

Antes, porém, é importante frisar que o próprio Mises reconhece não existir uma teoria econômica perfeita. Não existe perfeição quando se trata do conhecimento humano. A onisciência é negada aos humanos. A ciência não garante uma certeza final e absoluta. Ela fornece bases sólidas dentro dos limites de nossas habilidades mentais, mas a busca pelo conhecimento é um progresso contínuo e infinito.

Dito isto, podemos avançar um pouco na praxeologia de Mises. O homem é um ser de ação, que escolhe, determina e tenta alcançar uma finalidade. A ação humana significa o emprego de meios para a obtenção de certos fins. Sempre que as condições para a interferência humana estiverem presentes, o homem estará agindo, pois a inação, neste caso, também é uma escolha. Agir não é somente fazer algo, mas também se omitir quando algo era possível de ser feito. A ação pressupõe desconforto, a tentativa de migrar de uma situação menos satisfatória para outra mais satisfatória, segundo uma avaliação subjetiva do agente.

Com isso em mente, podemos passar à importante distinção que Mises faz entre os dois grandes campos das ciências da ação humana: a praxeologia e a história. A história, segundo Mises, é uma coleção e arranjo sistemático de todos os dados de experiências que dizem respeito à ação humana. O foco é o passado, e ela não pode nos ensinar aquilo que seria válido para todas as ações humanas, ou seja, para o futuro também. Não há um laboratório para experimentos da ação humana. A experiência histórica é uma coletânea de fenômenos complexos, e não nos fornece fatos no mesmo sentido em que a ciência natural faz. A informação contida na experiência histórica não pode, conforme diz Mises, ser usada para a construção de teorias e previsões do futuro. Todos os atos históricos estão sujeitos a várias interpretações diferentes. Portanto, Mises afirma que não há meios de se estabelecer uma teoria a posteriori da conduta humana e dos eventos sociais.

Faz-se necessário o uso de uma teoria previamente desenvolvida que explique e interprete os fenômenos históricos. As interpretações das experiências não devem ficar sujeitas às explicações arbitrárias. Eis a relevância da praxeologia, uma ciência teórica, e não histórica. Suas proposições não são derivadas da experiência, mas, como ocorre na matemática, são obtidas a priori, com base em axiomas. Axiomas são auto-evidências perceptuais. Segundo Ayn Rand, “um axioma é uma proposição que derrota seus oponentes pelo fato de que eles têm de aceitá-la no processo de tentar negá-la”. Um exemplo clássico seria tentar negar a existência da consciência, sendo que é preciso aceitá-la para tanto. As proposições obtidas a priori não são afirmações sujeitas à verificação ou falsificação no campo da experiência, mas sim logicamente necessárias para a compreensão dos fatos históricos. Sem esta lógica teórica, o curso dos eventos não passaria de algo caótico, sem sentido.

Essa lógica apriorística não lida com o problema de como a consciência ou a razão surgiram nos homens através da evolução. Ela lida com o caráter essencial e necessário da estrutura lógica da mente humana. A mente dos homens não é uma tabula rasa onde eventos externos escrevem a própria história. Ela está equipada com ferramentas que permitem a percepção da realidade. Tais ferramentas foram adquiridas no decorrer da evolução de nossa espécie. Mas, segundo Mises, elas são logicamente anteriores a qualquer experiência. A idéia de que A pode ser ao mesmo tempo não-A seria simplesmente inconcebível e absurda para uma mente humana, assim como seria igualmente ilógico preferir A a B ao mesmo tempo que B a A. A lógica não permite tais contradições.

Para Mises, não há como compreender a realidade da ação humana sem uma teoria, uma ciência apriorística da ação humana. O ponto de partida da praxeologia não é a escolha de axiomas e uma decisão sobre os métodos de procedimento, mas uma reflexão sobre a essência da ação. Os métodos das ciências naturais, portanto, não são apropriados para o estudo da praxeologia, economia e história. A verdade é que a experiência de um fenômeno complexo como a ação humana pode sempre ser interpretada por várias teorias distintas. Se esta interpretação pode ser considerada satisfatória ou não, depende da apreciação da teoria em questão, estabelecida anteriormente através do processo racional aprioriístico. A história em si não pode nos ensinar uma regra geral, um princípio geral. Não há como extrair da história uma teoria posterior ou um teorema sobre a conduta humana. Mises acredita que os dados históricos seriam apenas o acúmulo de ocorrências desconexas e confusas se não pudessem ser arranjados e interpretados pelo conhecimento praxeológico.

Tal teoria terá profundos impactos no estudo da economia. Murray Rothbard, discípulo de Mises, conclui, por exemplo, que as estatísticas sozinhas não podem provar nada, pois refletem a operação de inúmeras forças causais. Para ele, o único teste de uma teoria são os acertos das premissas e uma cadeia lógica de raciocínio. Como dizia Roberto Campos, “as estatísticas são como o biquíni: o que revelam é interessante, mas o que ocultam é essencial”. A estatística pode ser a arte de torturar os números até que eles confessem o que se deseja. Sem uma teoria lógica decente, pode-se confundir muitas vezes a correlação com a causalidade. Um observador poderia concluir que médicos causam doenças, pois onde há mais doenças costuma haver mais médicos. Nas questões da ação humana, os problemas são ainda maiores. Pelo grau de complexidade dos eventos sociais e econômicos, muitas conclusões erradas podem surgir pela falta de capacidade de uma compreensão lógica da ligação entre os fatos. Uma medida econômica hoje pode surtir efeito somente em meses, e fica praticamente impossível compreender o fenômeno sem uma base teórica apriorística.

As estatísticas e a história podem ser excelentes ferramentas de auxílio nas análises econômicas, mas jamais irão substituir a necessidade da lógica teórica. Eis a crucial importância da praxeologia, que o brilhante Mises estudou a fundo. É preciso entender a ação humana através de sua lógica, não pela simples observação dos fatos passados.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Propaganda Subliminar


Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal
"Apenas três. Em todo lugar que você vir esse número, saiba que ali existe uma maneira de cuidar do meio ambiente, das pessoas e do país." (Propaganda do Banco do Brasil)

No site do Banco do Brasil consta uma peça publicitária de arrepiar a espinha de qualquer um que ainda não perdeu o juízo. O pretexto é sobre a sustentabilidade do meio-ambiente, e a propaganda estimula a prática de três ações diárias pelo planeta. A mensagem diz: "O planeta é todo seu; tome 3 atitudes por ele todos os dias". Na foto há uma garota vestindo uma camisa com um enorme número 3 estampado em destaque. Sustentabilidade e o número 3 na mesma mensagem: mera coincidência? Não é preciso ser adepto de teorias conspiratórias, tampouco ser algum especialista em neurolinguística, para associar essa propaganda da estatal com o desejo de boa parte dos petistas de emplacar um terceiro mandato presidencial para Lula. Conhecendo um pouco daquilo que essa turma é capaz, não desconfiar de uma propaganda subliminar em marcha seria pura ingenuidade.
Na Venezuela, o grande amigo de Lula caminha para uma mudança constitucional que irá lhe permitir reeleições indefinidas. Chávez declarou abertamente que esse é o caminho para o socialismo. Tudo na Venezuela é mais direto que no Brasil, pois as instituições lá são mais capengas. Mas todos sabem que lá ocorre aquilo que a maioria dos aliados mais próximos de Lula desejaria para cá. O autoritarismo e o desprezo pela democracia estão fortemente enraizados nesses que outrora lutavam para instaurar uma revolução socialista no país, que seria transformado em uma enorme Cuba caso tivessem sucesso. As eleições são pura farsa para esses socialistas. Só o poder importa!

Essa escandalosa propaganda através do Banco do Brasil apenas reforça a idéia de que governo não deve ser gestor de empresas, muito menos banqueiro. A esquerda, que adora condenar os banqueiros por nossos males, ignora que o maior banqueiro do país é o próprio governo. O uso de estatais como veículos políticos é algo antigo, que o PT de Lula apenas ampliou. A verdadeira solução é óbvia: privatizar essas empresas. Resta combinar com aqueles beneficiados pelo uso político delas à custa do povo. Que cão morde a mão que o alimenta?

quinta-feira, agosto 16, 2007

Anorexia às Avessas


Rodrigo Constantino

O novo presidente do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, afirmou durante seu discurso de posse que o Estado brasileiro é "raquítico". O governo precisaria de mais quantidade e qualidade de funcionários públicos, segundo Pochmann. Para o economista, parece que ainda não é suficiente um governo que arrecada em impostos quase 40% da riqueza produzida, possui uma burocracia asfixiante, intervém absurdamente na economia e oferece serviços caóticos aos "súditos". Não importa também que os salários médios do setor público sejam praticamente o triplo da média no setor privado, que é quem paga a conta. Os hospedeiros pagadores de impostos precisam carregar mais parasitas ainda nas costas. Se sofremos de leucemia, a solução são mais sanguessugas!

A mentalidade de Puchmann, alinhada com a do governo, demonstra profundo ranço mercantilista, assim como forte influência do positivismo. Somente o Estado pode ser a locomotiva do crescimento econômico para essa turma. Eles ignoram que o setor público não conta com os incentivos adequados para a eficiência na prestação de serviços. Quem já foi a uma repartição pública sabe disso, e não pode achar a menor graça na piada de mau gosto do economista da Unicamp. É justamente a busca pelo lucro que garante o eterno esforço da empresa privada em ser mais produtiva e eficiente, atendendo as necessidades dos consumidores. Precisamos de mais privatizações, não de aumento do setor público. Os maiores obstáculos que prejudicam o crescimento econômico vêm justamente do governo. Impostos elevados, burocracia onipresente e excesso de intervenção estatal na economia são os grandes inimigos do progresso econômico. O Estado brasileiro é obeso, inchado e paquidérmico. Mas o novo presidente do Ipea acha que ele vem sendo destruído ao longo dos anos, sendo "raquítico" atualmente. Só posso concluir uma coisa: Pochmann sofre de uma anorexia às avessas. Ele olha um mastodonte obeso e enxerga algo esquelético.

Em tempo: Pochmann também disse que não há risco de procurar tutelar as pesquisas do Ipea conforme os interesses do governo. Parece que logo depois o coelho da Páscoa e o Papai Noel confirmaram esta promessa.

segunda-feira, agosto 13, 2007

O Tabu da Usura



Rodrigo Constantino

“O desenvolvimento é alérgico ao dogmatismo.” (Alain Peyrefitte)

Em A Sociedade de Confiança, Alain Peyrefitte faz uma fundamental distinção entre sociedades temerosas, que assumem a vida como um jogo de resultado nulo ou mesmo negativo, e sociedades de confiança. Nas primeiras, prevalece a visão de luta de classes, a xenofobia, a inveja, o fechamento, a agressividade. Nas últimas, predomina a solidariedade, a abertura, o intercâmbio. Somente estas se desenvolvem, expandindo-se e vencendo os obstáculos naturais da desnutrição, doenças, violência endêmicas. Nesse contexto, Peyrefitte trata do tabu da usura, lembrando que durante muitos séculos o aluguel do dinheiro foi visto como algo absurdo, uma exploração pecaminosa. Era um reflexo claro de uma sociedade de desconfiança total. E são justamente as mentalidades que representam o motor essencial do desenvolvimento – ou um obstáculo intransponível. Derrubar este tabu era, portanto, crucial para o estabelecimento de sociedades de confiança e, por conseqüência, desenvolvidas.

Como não poderia deixar de ser, Peyrefitte foca bastante no papel da Igreja medieval como resistência ao progresso econômico, condenando a usura como pecado. Para ele, “as afinidades comportamentais e institucionais entre catolicidade e atraso econômico são inegáveis: dogmatismo, telecomando, resistência à inovação, desconfiança ante a difusão de uma cultura individual, obscurantismo, recusa da modernidade” etc. Até mesmo o riso chegou a ser reprimido pela Igreja. Mas a ação mais nefasta ao progresso foi mesmo a condenação ao empréstimo de dinheiro. Raramente um comerciante poderia agradar a Deus, segundo as crenças religiosas da época. O lucro era visto como exploração, devendo representar o prejuízo de outro. Essa mentalidade estaria mais forte que nunca no marxismo, onde no lugar de parceiros comerciais, há adversários, e a relação econômica é um antagonismo, não uma sinergia. O empréstimo remunerado era visto com repulsa, e essa visão não era monopólio da Igreja, pois está presente na Bíblia, no Alcorão e até em Política, de Aristóteles. Para o autor, o obstáculo situava-se mais nas mentalidades do que na Igreja. Era preciso mudar as mentalidades.

Foi então que surgiu Calvino, quem Peyrefitte considera “o primeiro a reinterpretar a Bíblia, afirmando que a lei divina não proíbe a usura”. O emprego de capital tem preço, e o empréstimo é um serviço prestado. O dinheiro não é estéril, como afirmava a mentalidade predominante. O próprio dinheiro passa a ser visto como mercadoria também, sendo, portanto, produtivo. O dinheiro não é mais apenas um instrumento de troca, mas um meio de empreendimento. É preciso suprimir o dinheiro ocioso. Além disso, Calvino incentiva a independência espiritual dos indivíduos, assim como sua disciplina voluntária. Para Peyrefitte, “o calvinismo é uma ética da comunicação, da troca, do desenvolvimento das capacidades – da frutificação dos talentos”. Esse traço fundamental é que explicaria, segundo Peyrefitte, a aceleração que o calvinismo provoca na atividade econômica, financeira e comercial onde é bem recebido. Isso seria bem mais importante do que a “dupla predestinação” ou a “iniciação”, que Max Weber teria focado.

Com Calvino, acabou-se a maldição intrínseca das riquezas. Somente seu abuso e sua má utilização podem prejudicar. Através de Calvino fica mais claro que a vocação natural do homem conduz ao intercâmbio, ao consumo, ao desenvolvimento. O livre uso dos bens não se destina unicamente às necessidades, mas também ao prazer e divertimento. O sucesso pessoal, a prosperidade, passam a ser assumidos em confiança, como próprios do homem. Conforme resume Peyrefitte, “Calvino deslocou a mentalidade econômica da divisão das riquezas em direção à criação de riquezas”. A economia não é um jogo de soma zero, onde para alguém ganhar outro deve perder.

No entanto, parece evidente que tamanha revolução mental não ficaria imune de ataques. Justamente porque a Reforma calvinista reabilita o empréstimo a juros, tão essencial para o desenvolvimento, a Igreja católica endurece e parte para a ofensiva com sua Contra-Reforma. Na França, em 1579, o decreto de Blois estabelece inibições e proibições a todas as pessoas, de qualquer estado, sexo ou condição, de praticar usura ou emprestar dinheiro com lucro e juros. Este artigo, confirmado por uma regulamentação de 1629, permaneceu em vigor até 1789, ou seja, por mais de dois séculos! A hostilidade intransigente contra a usura era fruto de um preconceito bastante enraizado nas pessoas. Segundo Jeremy Bentham, o empréstimo a juros foi o bode expiatório do tabu do dinheiro. Os judeus foram muito perseguidos, em boa parte, por assumirem a mesma função expiatória. Como o dinheiro é ao mesmo tempo amaldiçoado e cobiçado, deixa-se os bodes expiatórios ganharem dinheiro, e depois apodera-se dele sempre que necessário, pela força. Mas aqueles que fazem o dinheiro acabam vítimas da desonra.

Conforme Peyrefitte desenvolve em seu livro, os pilares do progresso passam pela liberdade individual, criatividade, responsabilidade. A confiança no indivíduo é peça-chave para o desenvolvimento. Faz-se necessário confiar na confiança. Isso pressupõe uma sociedade aberta, disposta a trocas voluntárias, receptiva de novidades. Entre as várias barreiras que são erguidas contra isso tudo, o tabu da usura é um dos mais relevantes. Sem a liberdade e confiança nas trocas, inclusive entre credores e devedores, não há avanço econômico sustentável. E apesar do tempo decorrido desde Calvino e outros pensadores que atacaram esta questão, muitos ainda se agarram nesta mentalidade retrógrada, desconfiando do livre comércio, condenando a globalização, os bancos, os credores de forma geral. Essas pessoas ainda estão presas no dogmatismo, na visão errônea de mundo, onde predomina a desconfiança, onde o ganho de um é visto como perda do outro. Nenhuma sociedade consegue realmente se desenvolver sem derrubar este tabu.

sábado, agosto 04, 2007

O Socialismo em Marcha


Rodrigo Constantino

“Raramente se perde qualquer tipo de liberdade de uma só vez.” (David Hume)

Esse artigo não vai falar das declarações assustadoras do presidente Lula sobre “brincar de democracia”, ameaçando os opositores, dizendo que ninguém coloca mais gente na rua do que ele (também, com tanta transferência de recurso do bolso dos contribuintes para seus camaradas do MST, CUT e UNE...). Não será sobre o gigantesco aparelhamento da máquina estatal por colegas de partido. Também não irá tratar do fato de os petistas chamarem de “golpista” todos aqueles que relatam fatos ou condenam a corrupção, demonstrando que o autoritarismo está em seu DNA. Tampouco falará sobre a repulsiva amizade dos petistas com o ditador Fidel Castro, culminando num ato absurdo de deportar dois pobres atletas cubanos, tratados como prisioneiros somente por terem saído do país, algo proibido pelo líder admirado (de longe) por nossos “intelectuais” (quando é para deportar terroristas comunistas, essa turma cria infinitos obstáculos). Não será sobre nada disso. O foco será sobre o avanço do governo na economia.

Com todos os seus defeitos, parece inegável que a abertura comercial promovida por Collor no começo da década de 1990 foi fundamental para tirar o Brasil do retrocesso acelerado. Está certo que o país ainda é muito fechado, bem mais protecionista que os países desenvolvidos. Mas a pouca abertura realizada foi suficiente para gerar uma revolução de competitividade em nossas empresas. A competição entre produtores, independente da sua nacionalidade, é a maior garantia de um bom produto para os consumidores. A arma que os consumidores possuem é a livre concorrência, não o governo. Quanto menos o governo se intrometer na economia, melhor para os consumidores. Nesse sentido, as privatizações feitas pela necessidade de caixa do governo FHC foram excelentes para o povo brasileiro. Ninguém desejaria o retorno da Telebrás. Observando o resultado das privatizações da CSN, CVRD, Embraer, Telebrás, ferrovias etc. fica evidente que somente fatores ideológicos explicam alguém ainda defender um governo gestor de empresas. Não há lógica alguma nisso. No entanto, é justamente o que o governo Lula vem tentando recriar no país.

O governo já demonstrou interesse em ver a Brasil Telecom e a Telemar juntas, formando uma única e grande empresa de controle nacional, sendo que o governo teria influência através de uma golden share. O que importa a nacionalidade dos controladores para os consumidores? Absolutamente nada! O que interessa é a competição livre, justamente o que estaria ameaçado com a idéia do governo de recriar uma espécie de Telebrás. Fora isso, a Petrobrás, maior estatal do país, vem comprando grandes empresas privadas, o que aumenta o controle estatal na economia. Primeiro foi a Agip, depois a Ipiranga, uma grande parte da Brasken e agora a Suzano Petroquímica. As compras feitas pela estatal chegam a cerca de US$ 4 bilhões. Isso representa transferência de controle da iniciativa privada para o setor público, sempre mais ineficiente, corrupto e sujeito às pressões políticas. Enquanto nos Estados Unidos temos dezenas de empresas competindo no setor de petróleo e petroquímica, no Brasil vemos a Petrobrás reduzindo a competição e assumindo um monopólio perigoso, no estilo da PDVSA venezuelana. O governo não está satisfeito. Quer mais! Pelo visto, quer controlar toda a economia, como sempre foi o caso em países socialistas, gerando muita miséria. Se a racionalidade fosse parte do nosso cotidiano, estaria na pauta de discussões a privatização da Petrobrás. Em vez disso, vemos a estatal comprando cada vez mais empresas privadas, estendendo os tentáculos do governo na economia. Está tudo trocado!

Na crise aérea vemos o mesmo tipo de mentalidade. Após o presidente Lula afirmar que não sabia da gravidade da crise (ele nunca sabia de nada, e nós não sabemos o que ele faz lá), e seu aliado Marcos Aurélio Garcia comemorar com gestos obscenos a suposta culpa da TAM no acidente, a reação atrasada do governo é aumentar o grau de controle estatal no setor. Em vez de privatizar a Infraero e reduzir a quantidade de agências incompetentes que servem apenas para cabides de emprego, o governo pretende decidir as rotas e até as tarifas no setor. O “planejamento” será feito pelo governo, impedindo as soluções criativas do setor privado, sempre mais atendo às reais demandas do consumidor. Por que não criar a Aerobrás logo? Tenho certeza que muitos no governo gostariam justamente disso. O debate econômico no Brasil é assustadoramente atrasado...

Socialismo é quando o governo detém os meios de produção, seja de facto ou de jure. Tivemos socialismo tanto na União Soviética de Stalin como na Alemanha nazista, onde o governo apontava até os diretores das grandes empresas, decidindo quanto seria produzido, quanto seria vendido, para quem e a que preço. Sempre que o governo assumiu este grau de controle sobre os meios de produção, o resultado foi a total miséria do povo. Socialismo significa prateleiras vazias. Infelizmente, muitos brasileiros ainda não acordaram para esta realidade, preferindo defender mais e mais governo atuando na economia. Muitos querem um governo gestor de empresas, algo totalmente sem sentido. Miram no lamentável exemplo da Venezuela, em vez de focar no caso do sucesso americano. É idolatrar muito o fracasso! São esses que permitem esta marcha socialista em curso no Brasil. É realmente uma pena ver o mundo avançando em direção ao capitalismo, reduzindo a intervenção estatal na economia, enquanto no Brasil a palavra “privatização” ainda desperta forte revolta popular. Enquanto esta mentalidade não mudar, não temos a menor chance de sucesso.

sexta-feira, agosto 03, 2007

A Descoberta da Liberdade



Rodrigo Constantino

“Enfraquecer o Governo, limitando seu uso de força nas relações humanas, é a única forma de permitir que os indivíduos usem sua liberdade natural.” (Rose Wilder Lane)

Rose Wilder Lane foi, ao lado de Ayn Rand, uma das criadoras do movimento libertário americano. Seu livro The Discovery of Freedom, escrito em 1943, representa um trabalho revolucionário para todos aqueles que lutam pela liberdade individual. Nele, Rose defende que a vida é energia em movimento, e que o desejo imperativo de toda criatura viva é continuar a viver, sendo que isso não é uma tarefa fácil. Os homens estão vivos apenas porque atacam os inimigos da vida humana, lutando com suas energias criativas em uma natureza muitas vezes hostil. Os recursos naturais sempre estiveram presentes e disponíveis, mas seus usos variaram muito com o tempo. A energia humana é a responsável pelo avanço desses usos, criando um mundo novo mais rico em conforto.

Surge então a fundamental questão: quem controla essa energia? Para Rose, não resta a menor dúvida de que somente cada indivíduo pode controlar sua própria energia. Nenhuma forma exógena pode compelir alguém a usar esta energia de forma criativa. Cada um é responsável por todos os atos praticados. No entanto, a história da humanidade é uma história de “crenças pagãs”, como diz Rose, de que essa energia é controlada por algo de fora, por alguma autoridade qualquer a qual os indivíduos estariam submetidos. Seja o Sol, a Igreja, o Governo, o Povo, o Estado, a História, não importa, pois era sempre algo fora do indivíduo que controlava sua energia, segundo as crenças do mundo antigo. Algumas tentativas de mostrar aos homens que é cada um quem detém o controle da própria vida e energia ocorreram, e foram justamente épocas de grande prosperidade. A mais recente – e também mais sensacional – foi a Revolução Americana.

No mundo humano não existe nenhuma outra entidade concreta além do próprio indivíduo. Uma “sociedade” nada mais é do que o somatório de indivíduos, e são esses que possuem o controle das próprias vidas. Cada ser humano é, pela sua própria natureza, livre. Mas a crença de que alguma autoridade o controla anula as chances de sua energia funcionar corretamente, pois se trata de uma crença falsa. Mas muitos nem mesmo questionam tal crença, preferindo culpar alguma autoridade qualquer pela falta de comida, pelos males da natureza. Revoluções antigas eram apenas mudanças em torno do mesmo centro, sem jamais quebrar o círculo, já que o foco central era invariavelmente a crença na autoridade. A economia era sempre “planejada”, ou seja, controlada por tal autoridade. Este controle externo irá sempre prejudicar o progresso, pois somente o uso da energia produtiva dos homens pode levar ao progresso.

Somente indivíduos que agem contra a opinião da maioria do seu tempo tentarão algo novo, uma mudança que gera progresso. Com uma autoridade controlando e “planejando” da economia, estes indivíduos não terão a chance de usar corretamente suas energias criativas. Alexander Graham Bell insistia que o fio poderia transportar a voz humana, e isso era considerado impossível até então. Muitos acreditavam que navios não poderiam ser feitos com ferro, pois ferro não flutua. A história do progresso é a história do uso individual de energia criativa contra o consenso. A economia planejada, portanto, é o uso da força, através do governo, para prevenir o uso natural da energia humana. É o declínio da civilização.

Qualquer um que assume a segurança econômica como certa e um “direito humano” age feito criança mimada. Ele ignora que outros homens estão arriscando suas vidas para protegê-lo, lutando contra o mar, a terra, as doenças, as catástrofes naturais, enfim, contra a natureza em si para possibilitar esse conforto material, inexistente no passado. Mas sem a compreensão adequada desta realidade, muitos citam seus deuses – a Sociedade, o Governo, o Estado, a Nação – e exigem os bens como direitos naturais. Seria preciso somente poucos minutos sozinho no mundo para que ele acordasse para a realidade e entendesse como o conforto material existe de fato. Mas a mentalidade econômica predominante no mundo antigo assume que a riqueza não pode ser criada e aumentada, devendo apenas ser dividida. Esta visão absurda parte da premissa de que, para ter prosperidade, faz-se necessário tirá-la de alguém. É a mentalidade das guerras, invasões, pilhagens, impostos progressivos. Enquanto a crença predominante for a superstição de que alguma autoridade é responsável pelo bem-estar dos indivíduos, o resultado será pobreza e guerra.

A autoridade que concede uma “liberdade” pode sempre retirar a concessão. A liberdade não pode ser concedida por ninguém, ela é um fato da natureza. A liberdade é o controle individual da vida e energia humanas. O autocontrole de cada um, assumindo a responsabilidade pelos seus atos, isso é liberdade para Rose. Esta liberdade é inalienável, não pode ser transferida. Este fato não é reconhecido quando os indivíduos se submetem a uma autoridade que lhes garante “liberdades”. A analogia que Rose faz é com uma mãe que cede a “liberdade” para que seu filho vá brincar com os amigos. Isso não pode ser liberdade verdadeira, pois a mãe tem o poder de retirá-la a qualquer momento com sua autoridade. Seres humanos que acreditam que suas liberdades são concedidas por alguma autoridade agem como crianças imaturas, sem assumir a responsabilidade dos atos.

Com isso em mente, fica mais fácil entender porque Rose encarava a Revolução Americana como uma importante quebra de paradigma. Inúmeros indivíduos lutaram voluntariamente para preservar suas liberdades naturais. A Revolução foi uma revolta contínua contra a autoridade que pretendia controlar e planejar suas vidas e economia. Os “pais fundadores” e demais americanos não acreditavam nesta autoridade, ou mesmo em qualquer outra entre as “crenças pagãs”. Até a democracia era vista com muita desconfiança por eles. O “governo do Povo” é uma fantasia, pois o Povo não existe concretamente, apenas indivíduos. Logo, na prática a democracia pura é uma tentativa de a maioria agir como controladora do grupo. E não era o governo da maioria que interessava aos americanos, mas sim a preservação de suas liberdades individuais contra qualquer autoridade. Inclusive a maioria.

A Declaração de Independência foi um atestado de que os homens são naturalmente livres, e que, portanto, essa liberdade não precisa ser concedida por ninguém, por governo algum. Para isso foi criado o Bill of Rights, que na verdade era uma lista de coisas que os cidadãos livres americanos não permitiam que o governo fizesse. Esse princípio foi revolucionário, e ainda hoje o é. O aumento de proibições do que o governo pode fazer é diretamente proporcional à liberdade dos indivíduos, e é o uso criativo dessa liberdade que leva a um mundo mais próspero. O governo americano criado ali era único em dois sentidos: não era superior aos indivíduos, podendo existir somente pelo consentimento deles; e era um governo de leis, e não de alguma autoridade super-humana qualquer. O fantástico progresso gerado pelos americanos, fazendo mais em dois séculos do que a humanidade em milênios, não se deu por acaso. Foi conseqüência justamente dessa redução e restrição da autoridade central, do controle e planejamento do governo.

Rose Wilder Lane acreditava totalmente na capacidade criativa da energia humana livre. O feito americano é uma prova de que ela estava certa. Para que o progresso da humanidade tenha continuidade, aumentando sempre o conforto material dos seres humanos na natureza, é fundamental que o valor da liberdade individual seja corretamente entendido e apreciado. O progresso não é uma necessidade cronológica. Se seus pilares forem derrubados, ele também será. O retrocesso poderia ser quase imediato. Afinal, o que garante a geração crescente de riqueza é a energia individual. Se esta for suprimida por alguma autoridade qualquer, a miséria retorna ao mundo. Eis a principal mensagem que Rose tentou passar em sua descoberta da liberdade.