Rodrigo Constantino
“As piores dificuldades dos dias presentes, sou levado por vezes a pensar, surgem cada vez menos da falta de visões e mais das visões embusteiras.” (Irving Babbitt)
O professor de literatura francesa em Harvard, Irving Babbitt, foi um dos principais líderes do movimento intelectual denominado Novo Humanismo, que combateu as escolas de opinião marxista, instrumentalista e naturalista. De forma simplificada, esse humanismo acredita que o homem é um ser distinto, regido por leis peculiares à sua natureza, leis essas diferentes das válidas para as coisas. Os inimigos da verdadeira natureza humana, segundo essa linha de pensamento, seriam os sentimentalistas, que colocam o homem sujeito às forças dos impulsos e das paixões, os materialistas pragmáticos, que tratam os homens como meros macacos depurados, e os coletivistas, que reduzem a personalidade humana à mediocridade coletiva. Babbitt rejeita todas as filosofias deterministas da História, tanto aquelas que reduzem o homem a um fantoche de Deus, quanto as que fazem dele uma marionete da natureza. Os livros de Babbitt foram direcionados contra esses grupos, incluindo Democracia & Liderança, publicado em 1924. Um foco especial é o pensamento de Rousseau, que será também o tema tratado aqui.
O que mais distingue Rousseau na história do pensamento, para Babbitt, é que ele deu as respostas erradas para as questões corretas. Rousseau foi, de longe, o teórico principal da democracia radical. Para Babbitt, os líderes genuínos sempre existirão, e “a democracia se torna uma ameaça para a civilização quando busca livrar-se dessa verdade”. A noção de que as maiorias numéricas, supostamente refletindo a “vontade geral”, podem substituir as lideranças é “apenas um conceito pernicioso”. Babbitt resgata Confúcio para reforçar a importância das lideranças, para o bem ou para o mal: “A virtude do líder é como o vento; a do povo, como o capim; isso porque é da natureza do capim inclinar-se ao sabor do vento”. Rousseau irá falar às massas, não através da razão, mas pelas emoções. Segundo ele mesmo, o estado de natureza não é um estado de razão. Ao contrário, o homem que pensa é um “animal depravado”. O homem sujeito apenas aos instintos naturais seria “o mais virtuoso e o que oferece a menor resistência aos impulsos simples da natureza”. Para Rousseau, tanto a guerra como a razão resultam da sofisticação social.
Rousseau ataca duramente os ricos, comparando-os aos “lobos vorazes que, tendo uma vez provado a carne humana, recusam qualquer outro tipo de alimento, e, depois da prova, desejam apenas devorar homens”. A invenção da propriedade privada seria, para Rousseau, o primeiro e decisivo passo para esse pecado, sendo fonte das maldades sociais. O mito da bondade natural não se sustenta sob o escrutínio mais breve dos fatos, mas lisonjeia os que estão na parte mais baixa da hierarquia social. O evangelho rousseauniano tem como efeito inevitável, segundo Babbitt, “fazer orgulhoso o homem pobre e, ao mesmo tempo, fazer com que ele se sinta vítima de uma conspiração”. Ouve-se, através das palavras de Rousseau, “a voz do plebeu irado e invejoso que, em nome do amor, está fomentando o ódio e a luta de classes”. Em Emile há quase uma confissão: “O que era mais difícil de ser destruído dentro de mim era uma misantropia orgulhosa, uma certa acrimônia contra os ricos e os felizes do mundo, como se eles estivessem nessa situação à minha custa, como se sua alegada felicidade tivesse sido usurpada de mim”.
A visão idílica de Rousseau, condenando a civilização e pregando a idéia do “bom selvagem”, iria conquistar inúmeros adeptos, sempre através das emoções – normalmente a inveja ao sucesso alheio. A prática dessa visão de mundo resultou em Robespierre. Enquanto Locke influencia a Revolução Americana, Rousseau deixa como herança a sangrenta Revolução Francesa, seguida do Grande Terror. Nas palavras de Babbitt, “quando o real se recusa a dar lugar ao ideal, é fácil persuadir os simplórios de que o fracasso não se deve ao ideal em si, mas a alguma trama”. Isso fica mais claro quando vemos tantos socialistas até hoje culpando os revolucionários em questão pelo contundente fracasso soviético, em vez de enxergar os pilares podres na própria ideologia. Experiência atrás de experiência comprova o que a razão já deixa claro, mas nada disso é suficiente para despertar o eterno sonhador. Cuba, Camboja, Coréia do Norte, China, União Soviética, nada é culpa do socialismo em si, mas dos homens que ali tomaram o poder.
Há um enorme desejo de acreditar, o que se aproxima da loucura. Babbitt escreve: “Em alguns meios é tido como certo que quase qualquer opinião se justifica se for defendida com veemência suficiente. Não se pode deixar de pensar que, talvez, os melhores exemplos de sinceridade dessa espécie estejam nos hospícios; e que grande parte da sinceridade de Rousseau, sua convicção, por exemplo, de que era vítima de uma conspiração universal, cai nesse tipo”. E acrescenta: “O valor da sinceridade só pode ser estimado com referência à questão prévia da verdade e do erro”. Muitos seguidores de Rousseau mostram-se igualmente convictos. São os “sinceramente enganados”, aqueles que desejam tanto acreditar num ideal, que ignoram qualquer fato contraditório para salvar a crença.
O contrato social de Rousseau pode ser reduzido a uma só cláusula: “A completa alienação de todos os seus direitos por parte dos abrangidos pelo contrato em prol da comunidade inteira”. O indivíduo não tem nenhuma garantia contra o abuso do poder ilimitado da comunidade. O “povo soberano” não tem responsabilidade perante ninguém. Ele é Deus! Na prática, a vontade geral significa uma maioria numérica num momento determinado qualquer. Se o indivíduo vai contra essa vontade, a maioria simplesmente a impõe a ele, “forçando-o a ser livre”. Foi com esse engenhoso artifício que Rousseau se livrou do problema que atormenta diversos pensadores políticos: “como salvaguardar a liberdade do indivíduo ou das minorias contra uma maioria despótica e triunfante”. Na democracia radical de Rousseau, a verdade é que a vontade individual não vale nada. Os indivíduos, como tal, não têm direitos protegidos da tirania da maioria. Incitando a inveja dessa maioria, Rousseau se mostra um revolucionário no pior sentido possível. Nas palavras de Madame de Staël, ele não inventou nada, mas incendiou tudo. E, infelizmente, as chamas desse incêndio continuam queimando até hoje a liberdade individual.
“As piores dificuldades dos dias presentes, sou levado por vezes a pensar, surgem cada vez menos da falta de visões e mais das visões embusteiras.” (Irving Babbitt)
O professor de literatura francesa em Harvard, Irving Babbitt, foi um dos principais líderes do movimento intelectual denominado Novo Humanismo, que combateu as escolas de opinião marxista, instrumentalista e naturalista. De forma simplificada, esse humanismo acredita que o homem é um ser distinto, regido por leis peculiares à sua natureza, leis essas diferentes das válidas para as coisas. Os inimigos da verdadeira natureza humana, segundo essa linha de pensamento, seriam os sentimentalistas, que colocam o homem sujeito às forças dos impulsos e das paixões, os materialistas pragmáticos, que tratam os homens como meros macacos depurados, e os coletivistas, que reduzem a personalidade humana à mediocridade coletiva. Babbitt rejeita todas as filosofias deterministas da História, tanto aquelas que reduzem o homem a um fantoche de Deus, quanto as que fazem dele uma marionete da natureza. Os livros de Babbitt foram direcionados contra esses grupos, incluindo Democracia & Liderança, publicado em 1924. Um foco especial é o pensamento de Rousseau, que será também o tema tratado aqui.
O que mais distingue Rousseau na história do pensamento, para Babbitt, é que ele deu as respostas erradas para as questões corretas. Rousseau foi, de longe, o teórico principal da democracia radical. Para Babbitt, os líderes genuínos sempre existirão, e “a democracia se torna uma ameaça para a civilização quando busca livrar-se dessa verdade”. A noção de que as maiorias numéricas, supostamente refletindo a “vontade geral”, podem substituir as lideranças é “apenas um conceito pernicioso”. Babbitt resgata Confúcio para reforçar a importância das lideranças, para o bem ou para o mal: “A virtude do líder é como o vento; a do povo, como o capim; isso porque é da natureza do capim inclinar-se ao sabor do vento”. Rousseau irá falar às massas, não através da razão, mas pelas emoções. Segundo ele mesmo, o estado de natureza não é um estado de razão. Ao contrário, o homem que pensa é um “animal depravado”. O homem sujeito apenas aos instintos naturais seria “o mais virtuoso e o que oferece a menor resistência aos impulsos simples da natureza”. Para Rousseau, tanto a guerra como a razão resultam da sofisticação social.
Rousseau ataca duramente os ricos, comparando-os aos “lobos vorazes que, tendo uma vez provado a carne humana, recusam qualquer outro tipo de alimento, e, depois da prova, desejam apenas devorar homens”. A invenção da propriedade privada seria, para Rousseau, o primeiro e decisivo passo para esse pecado, sendo fonte das maldades sociais. O mito da bondade natural não se sustenta sob o escrutínio mais breve dos fatos, mas lisonjeia os que estão na parte mais baixa da hierarquia social. O evangelho rousseauniano tem como efeito inevitável, segundo Babbitt, “fazer orgulhoso o homem pobre e, ao mesmo tempo, fazer com que ele se sinta vítima de uma conspiração”. Ouve-se, através das palavras de Rousseau, “a voz do plebeu irado e invejoso que, em nome do amor, está fomentando o ódio e a luta de classes”. Em Emile há quase uma confissão: “O que era mais difícil de ser destruído dentro de mim era uma misantropia orgulhosa, uma certa acrimônia contra os ricos e os felizes do mundo, como se eles estivessem nessa situação à minha custa, como se sua alegada felicidade tivesse sido usurpada de mim”.
A visão idílica de Rousseau, condenando a civilização e pregando a idéia do “bom selvagem”, iria conquistar inúmeros adeptos, sempre através das emoções – normalmente a inveja ao sucesso alheio. A prática dessa visão de mundo resultou em Robespierre. Enquanto Locke influencia a Revolução Americana, Rousseau deixa como herança a sangrenta Revolução Francesa, seguida do Grande Terror. Nas palavras de Babbitt, “quando o real se recusa a dar lugar ao ideal, é fácil persuadir os simplórios de que o fracasso não se deve ao ideal em si, mas a alguma trama”. Isso fica mais claro quando vemos tantos socialistas até hoje culpando os revolucionários em questão pelo contundente fracasso soviético, em vez de enxergar os pilares podres na própria ideologia. Experiência atrás de experiência comprova o que a razão já deixa claro, mas nada disso é suficiente para despertar o eterno sonhador. Cuba, Camboja, Coréia do Norte, China, União Soviética, nada é culpa do socialismo em si, mas dos homens que ali tomaram o poder.
Há um enorme desejo de acreditar, o que se aproxima da loucura. Babbitt escreve: “Em alguns meios é tido como certo que quase qualquer opinião se justifica se for defendida com veemência suficiente. Não se pode deixar de pensar que, talvez, os melhores exemplos de sinceridade dessa espécie estejam nos hospícios; e que grande parte da sinceridade de Rousseau, sua convicção, por exemplo, de que era vítima de uma conspiração universal, cai nesse tipo”. E acrescenta: “O valor da sinceridade só pode ser estimado com referência à questão prévia da verdade e do erro”. Muitos seguidores de Rousseau mostram-se igualmente convictos. São os “sinceramente enganados”, aqueles que desejam tanto acreditar num ideal, que ignoram qualquer fato contraditório para salvar a crença.
O contrato social de Rousseau pode ser reduzido a uma só cláusula: “A completa alienação de todos os seus direitos por parte dos abrangidos pelo contrato em prol da comunidade inteira”. O indivíduo não tem nenhuma garantia contra o abuso do poder ilimitado da comunidade. O “povo soberano” não tem responsabilidade perante ninguém. Ele é Deus! Na prática, a vontade geral significa uma maioria numérica num momento determinado qualquer. Se o indivíduo vai contra essa vontade, a maioria simplesmente a impõe a ele, “forçando-o a ser livre”. Foi com esse engenhoso artifício que Rousseau se livrou do problema que atormenta diversos pensadores políticos: “como salvaguardar a liberdade do indivíduo ou das minorias contra uma maioria despótica e triunfante”. Na democracia radical de Rousseau, a verdade é que a vontade individual não vale nada. Os indivíduos, como tal, não têm direitos protegidos da tirania da maioria. Incitando a inveja dessa maioria, Rousseau se mostra um revolucionário no pior sentido possível. Nas palavras de Madame de Staël, ele não inventou nada, mas incendiou tudo. E, infelizmente, as chamas desse incêndio continuam queimando até hoje a liberdade individual.