Rodrigo Constantino
"O importante é não parar de questionar; a curiosidade tem sua própria razão para existir." (Albert Einstein)
Existem inúmeras superstições no mundo, para todo tipo de gosto. As origens das superstições estão normalmente relacionadas à ignorância das pessoas, que adotam tais crendices em busca de uma explicação para o que desconhecem. Inconformados com a incapacidade de entender e controlar determinados eventos, os indivíduos partem para explicações místicas. Acham, por exemplo, que batendo três vezes num pedaço de madeira ou entrando num lugar com determinado pé os acontecimentos serão totalmente diferentes. Como se o destino de um avião pudesse mudar por conta de qual pé um dos passageiros pisou primeiro ao entrar! Mas existe também um outro tipo de superstição, criada deliberadamente para controlar os outros. Vislumbrando a oportunidade de impor medo através de crenças místicas e, com isso, controlar a vida dos demais, algumas pessoas criam mitos que se tornam superstições com o tempo.
Um caso conhecido disso é o consumo de manga com leite, que supostamente poderia ser até fatal. Este mito tolo teria sido espalhado na época colonial pelos próprios senhores de escravos, com o objetivo de evitar o roubo das frutas e do leite pelos famintos escravos. Ignorantes, estes aderiram com facilidade à crendice estúpida. O caso da manga com leite está longe de ser um caso isolado. Várias superstições tiveram origem a partir da descoberta de alguns de que poderiam criar uma coerção nos demais através dessas crenças. Don Melchor, o fundador da vinícola Concha y Toro, atualmente a maior do Chile, criou a lenda do "Casillero del Diablo" para evitar o roubo de vinhos por seus funcionários. Um rumor de que o diabo em pessoa habitava os porões da vinícola foi espalhado entre os membros da fazenda, surtindo o efeito desejado.
Como se pode ver, várias lendas e superstições tiveram uma origem bem prosaica, com interesses racionais por trás. Não obstante, muitos ainda escolhem acreditar nestes mitos tolos, optando voluntariamente pela escravidão mental. Pais ignorantes, por exemplo, adotam o caminho mais fácil – porém absurdo – de "educar" seus filhos com base no terror, inventando que o "homem do saco preto" ou algum bicho-papão qualquer irá pegá-los se não se comportarem bem. Metem esses medos tolos na cabeça indefesa da criança, com seqüelas no futuro, por falta de paciência para educá-la direito, sem ter que apelar para os fantasmas inventados. Educar de verdade dá trabalho. Delegar ao bicho-papão a tarefa é mais fácil, mas pode destruir um ser humano. Afinal, como disse Edmund Burke, "nenhuma paixão rouba tão eficientemente da mente todas as suas forças de agir e raciocinar como o medo".
Um filme que abordou muito bem este tema foi A Vila, que conta a história de um pequeno vilarejo rodeado por uma floresta onde se acredita existir criaturas terríveis habitando o lugar. Os dirigentes da pequena vila tinham uma política dura de repressão, proibindo todos de adentrar a floresta. O pânico das crianças em relação às criaturas inventadas era incentivado, como garantia do isolamento total da vila, já que ninguém entrava e ninguém saía. Nem mesmo citar o nome das criaturas era permitido, e elas eram tratadas apenas como "aquelas-de-quem-não-falamos". O filme mostra toda a hipocrisia por trás dessas crenças. Em primeiro lugar, cada dirigente tinha passado por alguma desgraça nas cidades de origem, tendo buscado a vila como um refúgio. A fantasia criada ali, de uma vida idílica perfeita, era apenas uma fuga, nada mais. As utopias brilham na escuridão, e conquistam adeptos no desespero. Em segundo lugar, a comuna "feliz" era mantida à custa de um enorme gasto do dirigente mais rico, que tinha um parque externo para manter a vila isolada do mundo. A hipocrisia fica exposta.
Por fim, era necessário manter a curiosidade das crianças e dos jovens longe do mundo externo. Para isso surgiu a idéia da criatura terrível. Questionar era pecado. Quando o personagem Lucius começa a questionar sobre o confinamento completo das pessoas na vila, desejando saber o que existia além das florestas, o vilarejo começa a ficar ameaçado. O mais interessante do filme, para mim, é que as crendices tolas que mantinham a vila isolada vieram abaixo através de uma cega. Foi ela que partiu em busca de ajuda externa para medicar um doente, já que o "paraíso" não tinha condições de fornecer um remédio adequado. Para descobrir certas verdades, talvez seja preciso enxergar com outros olhos o mundo, ignorar as aparências das coisas para ver suas essências. A mulher cega foi capaz de "ver" aquilo que os demais não conseguiram: que o bicho-papão não passava de uma invenção humana, demasiada humana.
Quantas coisas no mundo seguem exatamente este padrão? Quantas crenças que metem medo nos ignorantes não surgiram justamente pelo interesse na coerção e controle dessas pessoas? Claro que muitas superstições são inofensivas. Se o sujeito não quiser passar o saleiro para outro ou passar na frente de um gato preto, sua vida não irá sofrer graves conseqüências. É tolice, evidentemente, e existem explicações racionais para todas essas superstições. Sal é condutor de energia, e alguém "carregado" pode, na crença dos supersticiosos, transmitir essa energia negativa. O gato preto, como muitas superstições, teve origem na Idade Média, nos tempos da caça às bruxas (pobres mulheres!). É tudo besteira, mas não afeta tanto a qualidade da vida dos crédulos.
O problema fica mais sério quando a superstição limita drasticamente a liberdade do indivíduo. O exemplo da vila é perfeito. Os crentes eram completos escravos. Mas como este, existem vários casos reais no dia a dia. Quando você acredita que manga com leite pode matar, você perde a oportunidade de consumir algo saboroso. Mas e quando você acha realmente que um bicho-papão pode te pegar se você não se comportar como mandam? E quando você acredita de verdade que pode sofrer uma eternidade no inferno se não seguir certos dogmas impostos pela autoridade religiosa? E quando você morre de medo de questionar sua fé para não perder aquele terreno celeste no paraíso eterno? Uma parte relevante da escravidão mental atual pode ser explicada com o simples exemplo da manga com leite.
PS: Para aqueles que defendem essas crenças supersticiosas com base no argumento de utilidade da coerção, lembro que, mesmo se fosse verdade, utilidade não é garantia de verdade. Ou seja, essas pessoas parecem assumir, ao apelar para a utilidade dos mitos, que eles são falsos no fundo. Além disso, não acredito nem mesmo na utilidade, pois um caminho falso não é útil no longo prazo. Cito Einstein novamente: "O comportamento ético do homem deveria ser baseado efetivamente na simpatia, educação, e laços sociais; nenhuma base religiosa é necessária. O homem estaria de fato num caminho pobre se ele tivesse que ser contido pelo medo da punição e esperança da recompensa após a morte". Qual o mérito daquele que não rouba algo somente pelo medo de arder no inferno quando morrer? Muito mais nobre é aquele que não rouba pois entende que qualquer roubo é imoral, e que deve esperar ser tratado pelos outros como tem os tratado.