O governo de Portugal confirmou nesta segunda feira que Vítor Gaspar deixou o cargo de ministro de Finanças do país. Gaspar foi o autor do programa de ajuda de Portugal, no valor de 78 bilhões de euros.
De acordo com o jornal português Público, o presidente Passos Coelho, ao saber do pedido de demissão manifestou-se dizendo que “sublinha o elevado sentido de estado manifestado pelo doutor Vítor Gaspar no desempenho das suas funções, que exerceu em prol da defesa do interesse nacional durante um período de elevadíssima exigência para o país e sempre com espírito de total dedicação e lealdade”.
O veículo informou que, em sua carta de demissão, Gaspar critica a falta de coesão interna do governo e assume "ter chegado a hora de sair da pasta das Finanças, depois de terminada a sétima avaliação da troica, aprovado o Orçamento Rectificativo e confirmada a extensão dos prazos dos empréstimos europeus a Portugal".
A pressão popular:
O transporte público em Portugal ficou praticamente paralisado nesta quinta-feira devido à convocação de greve geral de um dia feita pelas duas maiores centrais sindicais do país. A greve é um protesto contra as medidas de austeridade que resultaram em desemprego recorde e na pior situação econômica desde os anos 1970.
As centrais esperam que a quarta greve geral em dois anos pressione o governo a tomar medidas de incentivo ao crescimento e a relaxar o aperto de cinto que levou aos maiores aumentos de impostos vistos nos últimos anos.
"Esperamos uma participação importante dos trabalhadores, que enfraquecerá ainda mais o governo", disse Armenio Carlos, secretário-geral da Confederação Geral de Trabalhadores de Portugal (CGTP), um dos principais sindicatos do país, ligado ao Partido Comunista e que exige a renúncia do governo e a convocação de eleições legislativas antecipadas. A outra central sindical é a União Geral de Trabalhadores (UGT), vinculada ao Partido Socialista.
Os portugueses estão sofrendo com as medidas de austeridade, não resta a menor dúvida, e é compreensível a revolta popular. Dito isso, a solução não está em relaxar o aperto e partir para novas rodadas de aumento de gastos públicos, justamente a razão do problema. Gaspar virou símbolo de tudo que há de terrível na economia, incorporando a bandeira da austeridade, vista como pecado atualmente. Mas tal como o Gasparzinho do desenho animado, ele é um fantasma camarada: parece assustador, mas no fundo é seu amigo.
Recomendo aos patrícios a leitura do livro "Portugal na Hora da Verdade", de Álvaro Santos Pereira. O economista e Ministro da Economia e Trabalho coloca o dedo na ferida, quando diz:
Lamentavelmente, os nossos défices orçamentais são crônicos, persistindo quer em períodos de forte crescimento econômico, quer inclusivamente após a nossa adesão ao euro. Qual é o problema? O problema é que os défices têm de ser financiados e, mais cedo ou mais tarde, pagos. Por isso, uma das conseqüências dos défices orçamentais é fazer crescer a dívida pública de um país. No fundo, tudo se passa como num orçamento familiar: se continuarmos a gastar acima dos nossos rendimentos, a única maneira de mantermos os nossos gastos e hábitos de consumo é pedir emprestado. O mesmo acontece com o Estado: quando as receitas estatais (os impostos, etc.) são menores do que os gastos (isto é, quando há défice orçamental), o Estado tem de se endividar para suprimir a diferença. Ou seja, a dívida pública é a irmã gêmea dos défices orçamentais. E é exatamente isso que tem acontecido em Portugal: nos últimos anos, os défices orçamentais crônicos e crescentes têm feito aumentar substancialmente a dívida pública nacional.
A receita proposta é a típica liberal, mas que pode ser chamada de bom-senso da dona de casa também: cortar despesas e vender ativos (privatizar). Infelizmente, isso é muito mais fácil falar do que fazer. Como os ajustes necessários são muito dolorosos no curto prazo, a revolta popular cria um clima propício para as greves e a pressão de oportunistas de plantão com propostas milagrosas - e inviáveis.
Resta saber quem vai vencer esse cabo-de-guerra. Pelo visto, a ala que quer postergar o encontro com a dura realidade ganhou mais um round agora, com a renúncia do ministro Gaspar. Se mais batalhas contra o caminho da austeridade forem vencidas pelos socialistas e sindicatos, Portugal terá, no fim do dia, perdido a guerra, e o sofrimento será ainda maior no futuro.
PS: Lá, como cá, parece que alguns só conseguem levar as coisas na brincadeira, o que é uma lástima, pois a situação é realmente grave.
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