segunda-feira, julho 01, 2013

O inverno brasileiro

Carta Mensal da MP Advisors 

“É o homem previamente esvaziado de sua própria história, sem entranhas de passado e, por isso mesmo, dócil a todas as disciplinas chamadas “internacionais” (…) só tem apetites, pensa que só tem direitos e não acha que tem obrigações: é um homem sem obrigações de nobreza.”

O Homem-Massa, segundo José Ortega Y Gasset

Usualmente, os estudantes escolhem o mês de outubro para a semana do saco cheio, para dar um tempo.  Este ano, não só os estudantes mas também toda sorte de gente escolheu junho para dar o seu grito de basta.  Todos foram para a rua protestar contra 'tudo isso que está aí'. Nossos leitores sabem que motivos não faltam para tanta indignação. Afinal, a conta dos 10 anos de PT está chegando, e garanto que não vai ser baratinha não. Mas o que exatamente está em curso? Esse movimento nas ruas é algo positivo ou negativo? Quais as implicações políticas do despertar do 'gigante'? E a economia? Qual a visibilidade para os investimentos?

Não se trata de uma carta mensal trivial e muito menos fácil. Quisera eu ter as certezas que as massas (reais e das redes sociais) demonstram com tanta propriedade, após descobriremo que afinal era essa tal de PEC 37.  O que me move, neste texto, é um certo assombro com o nosso tempo e mais dúvidas do que certezas em relação ao nosso futuro. De qualquer forma, pode-se inferir do processo em curso:

- As redes sociais, a exemplo do que já ocorre em outros países, agilizam e potencializam esse movimento que os especialistas chamam de swarming (comportamento migratório de manada). A democracia tradicional representativa, onde o eleitor esperava pacientemente quatro anos por um recall (reelege ou não) do seu candidato parece obsoleta no mundo em rede, onde as demandas são instantâneas. A geração predominante (Y) é mimada e deseja tudo para ontem. O grande risco é a volta dos governos populistas, agradando a qualquer custo o seu eleitor.

- O filósofo Raymond Aron definiu os protestos de Paris  em 68 como um 'psicodrama coletivo'.  Pela variedade difusa de demandas (algumas contraditórias entre si) e pela falta de lideranças, o movimento tem componentes de um certo desconforto existencial de uma geração, onde a crença em Deus (presente nas gerações passadas) foi substituída pela crença no estado babá.  Quando o provedor não atende suas expectativas, a revolta e a angústia tomam conta do indivíduo.  Eles diagnosticam corretamente o problema (o estado é corrupto e ineficiente), mas pedem, como solução, justamente 'mais estado'.  De positivo pode-se ressaltar que o brasileiro se descobre como um 'pagador de impostos'.

- Falta de conexão entre causa e efeito.  Não é de se espantar saber que quem está nas ruas agora  foi justamente quem elegeu PT & aliados nos últimos 10 anos?  A massa se comporta como se os marcianos tivessem instalado o PT na direção do país, contra a nossa vontade.

- A resposta do governo nos levará mais e mais para a esquerda.  Afinal, quando se pede para um pagodeiro tocar uma música, ele responderá tocando mais um pagode.  Assim é com a Dilma, não importa o problema. Ela responderá sempre da mesma forma.  Aliás, é bom frisar que gosto muito da Dilma e do Mantega, quando estão dormindo.  Os dois acordados, e sendo pressionados pela turba, só responderão com mais e mais gastos públicos, já em curso com o passe livre para os estudantes, a suspensão de reajustes nas concessionárias elétricas e de rodovias e um não solicitado plebiscito de custo estimado em  R$ 500 milhões. 




- Muito da 'resposta' do governo e do congresso é apenas cortina de fumaça, e sabemos que educação e saúde não irão melhorar com esse nível de competência presente no governo, vide o atraso presente em praticamente todas as obras do PAC.  No curto prazo, as ruas devem se acalmar (os protestos já reúnem menos e menos pessoas), porém no médio prazo (Copa de 2014?), essa multidão poderá voltar para as ruas,  ensandecida e não mais disposta a dar um crédito de confiança para as autoridades.  O resultado pode ser catastrófico.

É claro que não desejamos fazer a defesa das autoridades no poder, apenas questionamos se esse método das ruas é o mais eficaz.  Acreditamos na legalidade e nas regras do jogo.  O mais importante agora é termos certeza que o jogo eleitoral é limpo (porque não uma auditoria nas urnas eletrônicas?) e lutarmos por uma mudança dos rumos do país nas urnas e dentro das regras democráticas.  A baderna nas ruas só interessa aos que não tem nenhum apreço pela democracia, que fique claro. E imaginar que  colocar centenas de milhares nas ruas sem qualquer tipo de baderna é ingenuidade.

Para adicionar insulto à injúria, o ataque de nervos brasileiro ocorre bem no momento em que o banco central americano, o FED, anuncia que considera o início da redução do programa de compra de títulos (algo como USD 85 bilhões por mês) para o final de 2013 e se estendendo até meados de 2014.  Embora isso não signifique aumento das taxas de juros (que viriam em um momento posterior), o mercado global se assustou e o impacto nos ativos financeiros foi generalizado.  Títulos de renda fixa, ações, ouro e moedas tiveram oscilações negativas significativas.  O resumo é que desde 2008 o Brasil teve 5 anos para arrumar a casa, fazer as reformas e pavimentar o caminho de crescimento sustentável.  Mas qual foi a opção de Dilma? Tal qual a cigarra preguiçosa da fábula, ela optou por mais e mais gastos e estímulo ao endividamento e ao consumismo exagerado da nova classe C. Pois bem, o inverno está chegando e a cigarra não se preparou.

Na renda fixa a nossa visão mudou um pouco.  Após um tempo de tutela, o Banco Central parece que ganhou da Dilma liberdade para agir. Afinal, ela viu que aumento dos preços pode tirar voto. Esperamos um banco central um pouco mais ativo e imaginamos, no final do ciclo de aumento dos juros, uma taxa SELIC na casa de 10% ao ano.  No atual nível de preços dos títulos pré-fixados, não vemos um prêmio razoável para estas posições, bem como no mercado de papéis de curto prazo indexados à inflação.  O melhor é ficar pós-fixado e aproveitar a elevação das taxas.  No mercado internacional os preços dos títulos de renda fixa, após a correção, estão atrativos.  Teremos um longo chão até o aumento de juros nos EUA.

Temos alertado nossos amigos e clientes a se manter longe da bolsa.  A recente onda de populismo de Alckmin e Beto Richa, impedindo os reajustes dos pedágios e de energia (Copel), mostra que não existe setor seguro num país com governo socialista e oposição medrosa, que tenta agradar às ruas de qualquer maneira.  E um ambiente de aumento de juros e estagflação não é propício para aventuras com as ações brasileiras.

O dólar teve um mês nervoso, chegando a bater em R$ 2,28 e fechando o mês na casa dos R$ 2,22.  Aqui há dois fatores remando na mesma direção (desvalorização do real): a tendência do dólar  se valorizar frente a todas as moedas (crescimento nos EUA ) somada aos nossos problemas intrínsecos.  Mesmo com toda a munição do governo, a tendência do real é de uma lenta, porém constante, desvalorização.

O momento é de calma, liquidez, pouco risco e comedimento nos gastos.  O futuro nunca esteve tão incerto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Perfeito, Constantino. Lucidez e sensatez na análise. Parabéns.
Gostaria que comentasse esse artigo:
http://valterpomar.blogspot.com.br/2013/06/um-novo-tempo-apesar-dos-perigos_2478.html
Será que não vai de encontro com tudo que você tem falado ultimamente?
Abraços,

André