segunda-feira, abril 23, 2007

Esquerda e Direita


Rodrigo Constantino

"Aqueles que desistiriam da liberdade essencial para comprar um pouco de segurança temporária não merecem liberdade nem segurança." (Benjamin Franklin)

O uso de rótulos objetivando simplificar a posição política de um grupo pode gerar muita confusão. Afinal, expressar em uma única palavra todo tipo de crença defendida por um partido ou doutrina é tarefa árdua, que muitas vezes acaba lançando uma névoa nos olhos das pessoas em vez de clarear sua visão. Assim, coisas absurdas ocorrem, como colocar Hitler e Stalin em espectros políticos opostos, aproximando Hitler de Mises em vez de Stalin, somente por conta do rótulo "direita" e "esquerda" criado. Tentando melhorar a compreensão sobre tais conceitos, Murray Rothbard escreveu um pequeno livro chamado justamente Esquerda e Direita, no qual ele fornece instrumentos para dissipar a confusão gerada pelas nomenclaturas.

Logo no começo, Rothbard faz uma distinção clara entre conservadores e libertários, mostrando que os primeiros sempre se caracterizaram pelo pessimismo quanto às suas perspectivas de longo prazo, enquanto a "atitude adequada ao libertário é a de inextinguível otimismo quanto aos resultados finais". Para ele, o "erro do pessimismo é o primeiro passo descendente na escorregadia ladeira que leva ao conservantismo".

A Velha Ordem, que Rothbard entende como sendo a forma do feudalismo ou do despotismo oriental, caracterizado pela tirania e exploração, é ainda o grande e poderoso inimigo da liberdade. O capitalismo floresceu mais cedo e com maior eficácia precisamente onde o Estado central era fraco ou inexistente. Ele cita como exemplo as cidades italianas e a Holanda do século XVII. A Velha Ordem teve seu domínio abalado pela expansão da indústria e do comércio, a sociedade do status deu lugar, em parte, à "sociedade do contrato".

Surgiram, neste contexto, duas grandes vertentes políticas na Europa, centradas nesse novo fenômeno revolucionário. De um lado, o liberalismo, com a esperança, o radicalismo pela liberdade, a defesa do progresso da humanidade. Do outro, o conservantismo, o partido da reação, que almejava restaurar a hierarquia, o estatismo, a teocracia, a servidão e a exploração de classes da Velha Ordem. Uma vez que a razão estava do lado dos liberais, os conservadores "turvavam a atmosfera ideológica apelando para o romantismo, a tradição, a teocracia e o irracionalismo". Quem compreendeu esta distinção foi Lord Acton, que escreveu que "o liberalismo deseja aquilo que deve ser, sem levar em conta o que é". Para ele, "o liberalismo é em essência revolucionário".

Para Rothbard, os socialistas estavam divididos, no começo, entre conservadores autoritários, que glorificavam o estatismo e o coletivismo, e os liberais, que queriam destruir o aparelho do Estado. Ao rejeitar a propriedade privada, entretanto, e especialmente o capital, os socialistas tornavam-se presas de uma contradição crucial: se o Estado deve desaparecer após a revolução, como poderá então o "coletivo" gerir sua própria propriedade, sem que ele próprio se transforme num gigantesco Estado de fato? Esta aversão ao capital e à propriedade privada afastou esses socialistas dos libertários, que enaltecem a função tanto do capital como da propriedade privada para a garantia da liberdade.

O fascismo e o nazismo, segundo Rothbard, representaram o ápice alcançado, em alguns países, "pela guinada moderna rumo ao coletivismo de direita no âmbito dos negócios internos". Para o autor, portanto, há uma clara distinção entre comunismo e fascismo: enquanto o primeiro desalojou e destronou de modo implacável as elites dominantes estabelecidas, o último consolidou no poder as classes dominantes tradicionais. O fascismo foi um "movimento contra-revolucionário, que cristalizou um conjunto de privilégios de monopólio sobre a sociedade".

Em seguida, Rothbard analisa o New Deal americano, após a grande depressão, mostrando que tal programa não tinha nada de revolucionário ou progressista, no sentido libertário. Na verdade, era um programa coletivista, com base no planejamento central do Estado. Entre seus componentes estavam a criação de uma rede de cartéis compulsórios para a indústria e agricultura, a expansão de crédito pelo governo, a elevação artificial de salários, a regulamentação governamental etc. O New Deal não significou, resume Rothbard, "uma ruptura qualitativa com o passado dos Estados Unidos". Foi uma simples extensão quantitativa da teia de privilégios concedidos pelo Estado. Nos aspectos econômicos, ele foi muito parecido com o nazismo, onde o governo controlava praticamente tudo. Ambos foram contrários ao ideal do laissez-faire, defendido pelos libertários.

Com o aumento da competição livre, algumas empresas buscam abrigo no Estado, pregando proteção através de tarifas e monopólios. Como lembra Rothbard, "o privilégio de monopólio só pode ser criado pelo Estado, não podendo resultar de operações do mercado livre". Este é um fato não apenas ignorado atualmente, mas invertido, já que muitos culpam o livre mercado pela existência de monopólios, e demandam a intervenção estatal para atacar este mal. É como defender o uso de sanguessugas para a cura da leucemia. Deve ficar bem claro que o libertário combate o mercantilismo com toda a sua força.

Lutar contra os grilhões da burocracia centralizada, a educação uniforme do povo e a brutalidade e opressão exercidas pelos agentes subalternos do Estado, eis o que motiva os libertários na busca pela liberdade. Nesta trajetória, os reacionários que buscam um retrocesso à Velha Ordem estão fadados ao fracasso. Para tanto, a principal tarefa do libertário é "desvencilhar-se de seu desnecessário e debilitante pessimismo". Os rótulos de "esquerda" e "direita" podem confundir mais que esclarecer nesse caso. Existem aqueles que lutam pela liberdade individual, pelo progresso, pelo avanço. E existem aqueles que criam obstáculos a isso, defendendo o retrocesso, o coletivismo, o resgate da Velha Ordem. Os verdadeiros defensores da liberdade irão triunfar no final das contas.

8 comentários:

Anônimo disse...

Rodrigo, lendo esse texto me veio à cabeça o seguinte:

Il Gattopardo - em plena revolução italiana, Tancredi Falconeri para Don Fabrizio Salina:

"É preciso que as coisas mudem, para que possam continuar as mesmas".

Fico me perguntando já agora se não fui contaminado pelo pessimismo conservador. Mas não acredito que haja um desejo pelo lado dos conservadores de retorno à Velha Ordem, uma vez que o mundo evolui e é quase impossível retroceder no tempo.

Outro ponto: quando leio a palavra "progresso", já sinto um arrepio na espinha. "Progresso" lembra progressista, e os progressistas aqui no Brasil defendem o planejamento da indústria por parte do Estado. Realmente uma coisa de dar arrepios em qualquer um.

Anônimo disse...

Não defendem não! Isso não corresponde aos fatos. Vc deve estar se referindo ao planejamento do estado.

Anônimo disse...

CLAP CLAP CLAP...!!!!!

Este e o ultimo artigo estão fantásticos. Esse em especial.

MAGNÍFICO!!!!!!!
PERFEITO!!!!!!!!!!
SUPREMO!!!!!!!!!!!!!!!
.
Vou agora para o de abaixo.
.
Forte abraço
C. Mouro

Blogildo disse...

O artigo me lembrou uma frase do Woody Allen: A vantagem do otimista é que ele só vai sofrer no final.

Acho o ideal libertário interessante. Tenho minhas dúvidas em relação a praticidade.

Anônimo disse...

Anônimo, os esquerdistas se auto-denominam progressistas e querem um "modelo de desenvolvimento" para o país. Você encontra essas palavras até no site do PC do B.

Lembrando que "modelo de desenvolvimento" é um conceito já superado no mundo.

Anônimo disse...

Os libertários são otimistas no futuro e são a favor de tudo, mesmo que isso solape a base da civilização que estamos vivendo a tantos séculos... Haja otimismo!

Rodrigo Constantino disse...

Tiago, que bases são essas de séculos? O adultério ser crime? O "infiel" ir para a estaca? A escravidão ser permitida, inclusive com o aval da Igreja?

Ora, temos EVOLUÍDO nos aspectos morais também. Não quero viver como viviam os homens no tempo de Cristo. Vc quer?

No mais, por que vc acha que todos os valores serão destruídos com a liberdade? Eles precisam da coerção estatal para se manterem? É isso?

Rodrigo

Anônimo disse...

thiago disse...
Os libertários são otimistas no futuro e são a favor de tudo, mesmo que isso solape a base da civilização que estamos vivendo a tantos séculos... Haja otimismo!

como se a "base" desta civilização tivesse dado em coisa boa... hehehe

e solapar? haja pessimismo. E covardia diante de mudanças inevitáveis e naturais.