sexta-feira, março 27, 2009

O Erro de Shiller



Rodrigo Constantino

"Giving money and power to government is like giving whiskey and car keys to teenage boys." (P.J. O´Rourke)

Em seu livro A Solução para o Subprime, Robert Shiller defende medidas radicais do governo como parte da solução de curto prazo da crise. Ele afirma que a solução para os problemas econômicos atuais requer “não ter medo de pensar e agir na escala do New Deal – a era dos reformadores”. Shiller interpreta o programa de Roosevelt como um marco positivo na história americana, um programa que teria evitado danos mais catastróficos ao “tecido social” do país. Essa é a visão mais comum sobre os fatos daquela época, mas nem por isso correta.

Na verdade, o excesso de intervenção estatal através do New Deal postergou a recuperação econômica, assim como ampliou os estragos causados pelo crash. Ali foram plantadas as sementes que iriam custar caro ao país muitos anos depois. O índice de ações Dow Jones só iria recuperar seu patamar de 1929 em 1954! No entanto, essa visão distorcida dos acontecimentos da Grande Depressão alimenta ainda hoje a crença de que está no governo a solução para as crises econômicas. Shiller é apenas mais um renomado economista a aderir ao grupo dos crentes no governo como “messias salvador”.

Para ser justo, Shiller reconhece o que os programas de resgate do governo representam. Ele afirma que “um bailout é injusto com aqueles que, porque foram mais responsáveis, não se envolveram com problemas e, assim, não se qualificam para um bailout”. E não tergiversa sobre onde recaem os custos dos pacotes: “No caso dos bailouts financeiros do governo, é o contribuinte, em última instância, quem está tipicamente na linha de fogo para pagar por eles”. Em outras palavras, Shiller não faz rodeios para explicar que os pacotes representam dinheiro tomado de pagadores de impostos que foram responsáveis para repassar àqueles agentes que ousaram demais durante a fase de bonança.

Shiller também não ignora os riscos morais dessas ajudas estatais. Ele faz uma analogia entre um pai e uma criança desobediente, que se nega a seguir uma conduta responsável. Se o pai evitar o castigo prometido, corre o risco de incentivar novas condutas irresponsáveis do filho. Se ele possui mais de um filho, aquele que se comportou corretamente poderá se sentir injustiçado, e com razão. O filho obediente observa que seguir as regras e agir de forma responsável não produz resultado melhor do que agir de maneira irresponsável. Não há prêmio ou punição por meritocracia, e isso poderá estimular o comportamento irresponsável no futuro. Mas mesmo reconhecendo isso tudo, Shiller conclui que o bailout pode ser necessário em caso de risco sistêmico. Seria uma “tentativa de estancar uma doença epidêmica por meio de tratamento emergencial excessivo apenas para aqueles que estão mais doentes ou mais próximos da morte”.

O maior erro de Shiller, em minha opinião, está em sua premissa. Ao comparar o governo com um pai preocupado com a educação de seus filhos, ele já parte de uma base incorreta e romântica. O governo é formado por seres humanos egoístas, como todos os outros, em busca de seus próprios interesses. Os políticos se preocupam com as próximas eleições. Os burocratas querem sempre maiores orçamentos para suas áreas. Governantes querem sempre mais poder. Enfim, são homens falhos que buscam os próprios interesses, e não um pai que ama seus filhos, que sabe melhor o que é desejável para seu futuro, e que de forma altruísta pretende se sacrificar em prol desta meta. A analogia entre governo e família é sempre perigosa por conta disso. Os populistas adoram usar esta comparação indevida. Eles se enxergam como o pai das pobres crianças – o povo – que necessitam de tutela. Nada poderia estar mais longe da verdade!

Quando o governo tem seu poder aumentado de forma tão absurda durante uma crise, dificilmente ele irá abrir mão espontaneamente depois. Pelo contrário: a maior probabilidade é dele usar esse maior poder para estender ainda mais seus tentáculos sobre a vida e o bolso dos cidadãos. Assim tem sido sempre. O erro de Shiller (assim como de tantos outros pensadores, incluindo alguns liberais) é justamente ignorar esta realidade. Ele parte de uma visão platônica de governo, onde “reis filósofos” saberão quando intervir de forma cirúrgica para estancar uma sangria, mas que logo depois irão deliberadamente devolver o poder todo ao povo. Ele esquece aquilo que Thomas Sowell alertou, que o poder para criar a “justiça social” é também o poder para criar o despotismo.

Ora, eu também seria favorável ao poder de intervenção estatal em casos de crises graves... se os governantes fossem clarividentes e santos. Se eles fossem gênios altruístas, capazes de prever as reformas necessárias de forma acurada, e estivessem dispostos a abrir mão do poder concentrado logo depois da cura, teriam meu voto para a intervenção também. Em resumo, se fossem Deus, por que não lhes dar o poder? Mas creio que tal premissa é no mínimo ingênua demais.

No fundo, todo intervencionista acaba optando pelo intervencionismo por se colocar do lado legislador. Ele assume sempre que as suas idéias serão as escolhidas. Acaba esquecendo que pode ser alguém totalmente diferente no trono, alguém incapaz de prever as mudanças necessárias, e disposto a abusar do poder que tem. Correr este risco – muito provável, aliás – não parece uma boa escolha. Afinal, a analogia mais correta pode ser aquela feita por P.J. O’Rourke na epígrafe: dar dinheiro e poder para o governo é como dar bebida e chaves do carro para adolescentes!

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