Idéias de um livre pensador sem medo da polêmica ou da patrulha dos "politicamente corretos".
segunda-feira, janeiro 31, 2011
Uma máquina chamada Churchill
A resenha para o OrdemLivre.org que fiz da biografia de Churchill escrita pelo historiador Paul Johnson.
sexta-feira, janeiro 28, 2011
A liberdade na era digital
Entrevista oficial para a organização do XXIV Forum da Liberdade, sobre a internet e a liberdade.
quinta-feira, janeiro 27, 2011
Concurso de Feiura
Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal
Deu no Globo.com: “As endividadas economias avançadas precisam urgentemente estabelecer planos de redução do déficit antes que os mercados se virem contra elas, alertou o Fundo Monetário Internacional (FMI), citando Estados Unidos e o Japão como os países mais atrasados nesse sentido. Aos mercados emergentes, o FMI lembrou que os equilíbrios fiscais em Brasil, China e Índia estão mais fracos do que o previsto em novembro, ressaltando que a deterioração nas contas fiscais brasileiras é ‘particularmente pronunciada’.”
O alerta do FMI veio no mesmo dia em que a Standard & Poor’s comunicou o corte no rating da dívida soberana japonesa, alegando falta de confiança na habilidade do governo para resolver os imensos desafios econômicos do país, cuja dívida pública bruta chega a quase 200% do PIB. A Europa enfrenta seus gigantescos problemas de endividamento, os Estados Unidos devem apresentar um déficit fiscal de US$ 1,5 trilhão este ano, o Japão não consegue solucionar seus dilemas fiscais há anos, e mesmo os países emergentes não estão em situação muito confortável.
O Brasil mesmo abandonou sua austeridade fiscal no final do governo Lula e a presidente Dilma não parece disposta a cortar efetivamente os gastos na magnitude necessária. As taxas de juros abrindo no mercado futuro já demonstram que o desconforto dos investidores é crescente. A expectativa é de aumento de até 200 pontos-base na taxa Selic este ano. Os governos do mundo todo se recusam a fazer o dever de casa, a arrumar suas contas e cortar suas despesas. Os impostos já estão em patamares abusivos em inúmeros casos, incluindo o brasileiro.
Com esses dados todos, vem à mente a frase do economista americano Kenneth Arrow, vencedor do Prêmio Nobel em 1972: “Os governos nunca quebram; por causa disso, eles quebram as nações”. A situação mundial dos diferentes governos é um verdadeiro concurso de feiura, onde vence o menos horroroso. Num contexto desses, não é de espantar que o preço do ouro esteja perto de seu recorde histórico, tendo se valorizado bastante nos últimos anos. O valor da “relíquia bárbara”, afinal, não depende de um governo responsável, algo mais raro no mundo do que diamante.
Deu no Globo.com: “As endividadas economias avançadas precisam urgentemente estabelecer planos de redução do déficit antes que os mercados se virem contra elas, alertou o Fundo Monetário Internacional (FMI), citando Estados Unidos e o Japão como os países mais atrasados nesse sentido. Aos mercados emergentes, o FMI lembrou que os equilíbrios fiscais em Brasil, China e Índia estão mais fracos do que o previsto em novembro, ressaltando que a deterioração nas contas fiscais brasileiras é ‘particularmente pronunciada’.”
O alerta do FMI veio no mesmo dia em que a Standard & Poor’s comunicou o corte no rating da dívida soberana japonesa, alegando falta de confiança na habilidade do governo para resolver os imensos desafios econômicos do país, cuja dívida pública bruta chega a quase 200% do PIB. A Europa enfrenta seus gigantescos problemas de endividamento, os Estados Unidos devem apresentar um déficit fiscal de US$ 1,5 trilhão este ano, o Japão não consegue solucionar seus dilemas fiscais há anos, e mesmo os países emergentes não estão em situação muito confortável.
O Brasil mesmo abandonou sua austeridade fiscal no final do governo Lula e a presidente Dilma não parece disposta a cortar efetivamente os gastos na magnitude necessária. As taxas de juros abrindo no mercado futuro já demonstram que o desconforto dos investidores é crescente. A expectativa é de aumento de até 200 pontos-base na taxa Selic este ano. Os governos do mundo todo se recusam a fazer o dever de casa, a arrumar suas contas e cortar suas despesas. Os impostos já estão em patamares abusivos em inúmeros casos, incluindo o brasileiro.
Com esses dados todos, vem à mente a frase do economista americano Kenneth Arrow, vencedor do Prêmio Nobel em 1972: “Os governos nunca quebram; por causa disso, eles quebram as nações”. A situação mundial dos diferentes governos é um verdadeiro concurso de feiura, onde vence o menos horroroso. Num contexto desses, não é de espantar que o preço do ouro esteja perto de seu recorde histórico, tendo se valorizado bastante nos últimos anos. O valor da “relíquia bárbara”, afinal, não depende de um governo responsável, algo mais raro no mundo do que diamante.
quarta-feira, janeiro 26, 2011
O discurso de Obama
Vídeo onde comento o discurso de Obama que marcou sua migração mais ao centro, ao menos na retórica. Argumento que ainda é muito pouco, e que falta ver medidas concretas que desarmem as bombas-relógio criadas por anos de populismo esquerdista.
terça-feira, janeiro 25, 2011
A miopia dos governantes
Rodrigo Constantino, O Globo
"Entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever”. Esta foi a distinção que Bastiat fez entre os diferentes economistas, acrescentando: “Daí se conclui que o mau economista, ao perseguir um pequeno benefício no presente, está gerando um grande mal no futuro". A afirmação, feita no século 19, ainda permanece válida, especialmente no caso brasileiro.
O que mais se vê por aqui é economista focando apenas no curto prazo e ignorando os efeitos de suas medidas ao longo do tempo. O próprio Keynes disse que “no longo prazo estaremos todos mortos”, senha usada por muitos seguidores seus para a irresponsabilidade no presente. Os governantes adoram. Ocorre que o longo prazo um dia chega, cobrando altos juros pelos abusos do passado.
Quem tratou da questão da miopia temporal foi Eduardo Giannetti em seu livro “O Valor do Amanhã”. Um país que dá demasiada importância ao que está muito próximo no tempo acaba pagando um elevado preço por seu hedonismo. Normalmente, o povo é vítima de remorso depois. Claro que quem vive apenas para o futuro pode acabar vítima de arrependimento por desperdiçar o presente. Como disse Schopenhauer, “muitos vivem em demasia no presente: são os levianos; outros vivem em demasia no futuro: são os medrosos e os preocupados”. O raro é manter com exatidão a justa medida.
No caso brasileiro, não resta dúvida de que se peca pelo excesso de miopia. O “aqui e agora” recebe um peso desproporcional na equação, ficando a prudência de lado. O resultado é insatisfatório para a grande maioria, à exceção dos “amigos do rei”, que acabam consumindo os pesados impostos, muitas vezes de forma totalmente imoral. O governo distribui inúmeros privilégios para os políticos e funcionários públicos, garante bons rendimentos para os rentistas e ainda sobram várias “boquinhas” para seus aliados. A classe de parasitas cresce sem parar, condenando o longo prazo da nação.
O reflexo disso na economia acaba sendo uma reduzida taxa de poupança e, por conseqüência, de investimento. Os juros permanecem em patamares elevados, e o futuro é sacrificado em prol do momento. Quem deseja o bônus da prosperidade sem o ônus da poupança acaba como a cigarra da fábula: pobre e dependendo da ajuda da formiga para enfrentar o inverno. Os atalhos para o progresso costumam estar repletos de armadilhas. Isso vale para a vida e para a economia. O atleta que pretende ficar forte mais rápido por meio de anabolizantes costuma pagar um alto preço, assim como o país que destina parcela excessiva de sua produção para os gastos correntes.
"A diferença entre um estadista e um demagogo é que este decide pensando nas próximas eleições, enquanto aquele decide pensando nas próximas gerações”, disse Churchill. Os governantes brasileiros, infelizmente, estão no grupo dos demagogos. O ex-presidente Lula foi, possivelmente, o mais populista de todos, mas nossa oposição não fica muito atrás. Quem defendeu salário mínimo de R$ 600 e 13o para Bolsa-Família foi o tucano José Serra, não custa lembrar. Falta uma oposição séria, pensando nos próximos 20 anos do país, e não apenas nas próximas eleições.
A social-democracia brasileira ainda não evoluiu para padrões de responsabilidade que se vê em países como Chile, Canadá, Nova Zelândia e Austrália. Aqui, todos disputam o controle do “latifúndio”, da caneta poderosa que comanda mais da metade do PIB. Ninguém luta realmente pelas reformas que colocariam nossa economia no rumo certo. Há um vácuo na política, um espaço enorme para o partido que abraçar de fato as bandeiras de longo prazo. Os brasileiros não agüentam mais tantos impostos, juros altos, corrupção escancarada, infraestrutura precária e péssima qualidade de educação e saúde públicas.
A maior causa de todos estes males é justamente a hipertrofia estatal, resultado do excessivo foco no curto prazo. Até quando a miopia dos governantes será tolerada pelos eleitores? Qual partido vai aderir ao bom senso e olhar realmente para o futuro? Está na hora de se resgatar uma agenda positiva para o país. Quem terá a coragem de rejeitar o atual modelo míope, assumindo a liderança pelas reformas trabalhista, tributária, previdenciária e política?
O custo político não seria trivial no primeiro momento. Não existe almoço grátis. O progresso sustentável depende de sacrifícios. Por isso precisamos de lideranças que realmente mirem mais longe no horizonte. Chega de tanta miopia!
"Entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever”. Esta foi a distinção que Bastiat fez entre os diferentes economistas, acrescentando: “Daí se conclui que o mau economista, ao perseguir um pequeno benefício no presente, está gerando um grande mal no futuro". A afirmação, feita no século 19, ainda permanece válida, especialmente no caso brasileiro.
O que mais se vê por aqui é economista focando apenas no curto prazo e ignorando os efeitos de suas medidas ao longo do tempo. O próprio Keynes disse que “no longo prazo estaremos todos mortos”, senha usada por muitos seguidores seus para a irresponsabilidade no presente. Os governantes adoram. Ocorre que o longo prazo um dia chega, cobrando altos juros pelos abusos do passado.
Quem tratou da questão da miopia temporal foi Eduardo Giannetti em seu livro “O Valor do Amanhã”. Um país que dá demasiada importância ao que está muito próximo no tempo acaba pagando um elevado preço por seu hedonismo. Normalmente, o povo é vítima de remorso depois. Claro que quem vive apenas para o futuro pode acabar vítima de arrependimento por desperdiçar o presente. Como disse Schopenhauer, “muitos vivem em demasia no presente: são os levianos; outros vivem em demasia no futuro: são os medrosos e os preocupados”. O raro é manter com exatidão a justa medida.
No caso brasileiro, não resta dúvida de que se peca pelo excesso de miopia. O “aqui e agora” recebe um peso desproporcional na equação, ficando a prudência de lado. O resultado é insatisfatório para a grande maioria, à exceção dos “amigos do rei”, que acabam consumindo os pesados impostos, muitas vezes de forma totalmente imoral. O governo distribui inúmeros privilégios para os políticos e funcionários públicos, garante bons rendimentos para os rentistas e ainda sobram várias “boquinhas” para seus aliados. A classe de parasitas cresce sem parar, condenando o longo prazo da nação.
O reflexo disso na economia acaba sendo uma reduzida taxa de poupança e, por conseqüência, de investimento. Os juros permanecem em patamares elevados, e o futuro é sacrificado em prol do momento. Quem deseja o bônus da prosperidade sem o ônus da poupança acaba como a cigarra da fábula: pobre e dependendo da ajuda da formiga para enfrentar o inverno. Os atalhos para o progresso costumam estar repletos de armadilhas. Isso vale para a vida e para a economia. O atleta que pretende ficar forte mais rápido por meio de anabolizantes costuma pagar um alto preço, assim como o país que destina parcela excessiva de sua produção para os gastos correntes.
"A diferença entre um estadista e um demagogo é que este decide pensando nas próximas eleições, enquanto aquele decide pensando nas próximas gerações”, disse Churchill. Os governantes brasileiros, infelizmente, estão no grupo dos demagogos. O ex-presidente Lula foi, possivelmente, o mais populista de todos, mas nossa oposição não fica muito atrás. Quem defendeu salário mínimo de R$ 600 e 13o para Bolsa-Família foi o tucano José Serra, não custa lembrar. Falta uma oposição séria, pensando nos próximos 20 anos do país, e não apenas nas próximas eleições.
A social-democracia brasileira ainda não evoluiu para padrões de responsabilidade que se vê em países como Chile, Canadá, Nova Zelândia e Austrália. Aqui, todos disputam o controle do “latifúndio”, da caneta poderosa que comanda mais da metade do PIB. Ninguém luta realmente pelas reformas que colocariam nossa economia no rumo certo. Há um vácuo na política, um espaço enorme para o partido que abraçar de fato as bandeiras de longo prazo. Os brasileiros não agüentam mais tantos impostos, juros altos, corrupção escancarada, infraestrutura precária e péssima qualidade de educação e saúde públicas.
A maior causa de todos estes males é justamente a hipertrofia estatal, resultado do excessivo foco no curto prazo. Até quando a miopia dos governantes será tolerada pelos eleitores? Qual partido vai aderir ao bom senso e olhar realmente para o futuro? Está na hora de se resgatar uma agenda positiva para o país. Quem terá a coragem de rejeitar o atual modelo míope, assumindo a liderança pelas reformas trabalhista, tributária, previdenciária e política?
O custo político não seria trivial no primeiro momento. Não existe almoço grátis. O progresso sustentável depende de sacrifícios. Por isso precisamos de lideranças que realmente mirem mais longe no horizonte. Chega de tanta miopia!
O recente movimento de apreciação do euro é sustentável?
Rodrigo Constantino, Valor Econômico
Palavra do Gestor
O euro, que em meados de 2010 chegou a US$ 1,20, valorizou-se recentemente, voltando para um nível próximo de US$ 1,35. O que mudou nos fundamentos para explicar essa apreciação? Será que o pior já passou para a Europa?
O câmbio, não custa lembrar, é uma razão, e temos que analisar tanto o numerador quanto o denominador. Não basta ficar otimista ou pessimista em relação aos fundamentos americanos ou europeus; o que importa é acertar a relação entre eles. Dados anteriores mais fortes da economia americana criaram um clima de otimismo com seu crescimento, mas os últimos números foram ambíguos. Como a economia da Alemanha, locomotiva da Europa, mostrou dados fortes, isso pode explicar parte da recuperação do euro.
A possível substituição de Trichet, atual presidente do BCE, por Alex Weber, do Bundesbank, pode explicar outra parte da apreciação da moeda. O Bundesbank é conhecido por sua firmeza no combate à inflação. Cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça. A Alemanha já viveu sua cota infernal de hiperinflação no passado. Mas se o BCE subir os juros neste momento, aí é que a Europa quebra de vez!
Esses fatos não parecem suficientes para justificar uma aposta na recuperação sustentável da moeda europeia. Quando analisamos melhor os fundamentos de cada região, apesar dos inúmeros problemas americanos, a Europa ainda se sai muito pior no "concurso de feiura". A seguir pretendo passar, de forma sucinta, por alguns desses problemas.
O primeiro deles, de curto prazo, é a necessidade de rolagem da dívida pública. A Europa precisa rolar mais de US$ 1 trilhão em 2011 somente de títulos de governo, sem levar em conta os gigantescos déficits fiscais esperados. É verdade que o Tesouro americano também tem que financiar uma montanha de dinheiro, mas o caso americano é muito mais simples.
Em primeiro lugar, porque se trata de um governo apenas, enquanto na Europa são vários países diferentes, e as questões políticas de cada um prejudicam possíveis acordos entre eles. Esse ponto é importante, pois a Alemanha é que teria condições de assumir os passivos dos PIIGS, mas isso é complicado politicamente. O governo alemão teria que pagar um preço político elevado por jogar a conta dos abusos dos gregos, portugueses e espanhóis nos ombros dos alemães. Com eleições estaduais se aproximando, essa decisão custa ainda mais.
Em segundo lugar, o governo americano conta com a enorme vantagem de emitir a moeda que é reserva internacional. Claro que há limites para tanto, pois em algum momento os credores poderão jogar a toalha em relação ao dólar. Mas esse cenário parece razoavelmente distante, até porque faltam alternativas concretas.
A China, com quase US$ 3 trilhões de reserva, não tem para onde correr, e fica dependente do governo americano. A liquidez do dólar tem muito valor, e sua credibilidade ainda não é das piores, a despeito de Ben Bernanke.
O segundo grande problema europeu é de longo prazo, qual seja, sua falta de competitividade. Apenas a Alemanha fez reformas mais estruturais no passado recente. Os demais países possuem mercado de trabalho muito rígido, carga tributária excessiva, rombo previdenciário explosivo e endividamento público insustentável.
A situação americana, apesar da tendência negativa, ainda oferece conforto frente ao quadro europeu. Os EUA estão num estágio mais inicial do "welfare state", e a maioria republicana no Congresso já mostrou que vai lutar contra as reformas de Obama.
É preciso ter em mente as diferenças culturais das duas regiões. Enquanto os europeus tomam as ruas para protestar contra mudanças paliativas no sistema, impedindo ajustes fiscais necessários, os americanos tomam as ruas para criticar o aumento dos gastos públicos, mesmo levando em conta uma carga tributária bem menor que a europeia. Além disso, há muito mais flexibilidade no mercado de trabalho americano.
O sistema financeiro tanto da Europa quanto dos Estados Unidos experimentou uma fase de bolha irresponsável, alimentada pelos próprios BCs. Mas as mudanças nos EUA são mais velozes, ainda que tímidas. A Espanha, por exemplo, ainda tem que enfrentar os rombos de suas "cajas", cujos ativos passam de 40% do total do sistema financeiro do país, e ninguém sabe quanto disso é podre.
Quando olhamos melhor os fundamentos, portanto, fica difícil acreditar numa recuperação sustentável do euro. Acredito que há uma probabilidade maior da moeda europeia terminar o ano a US$ 1,20 do que a US$ 1,50.
Rodrigo Constantino é sócio da Graphus Capital
Palavra do Gestor
O euro, que em meados de 2010 chegou a US$ 1,20, valorizou-se recentemente, voltando para um nível próximo de US$ 1,35. O que mudou nos fundamentos para explicar essa apreciação? Será que o pior já passou para a Europa?
O câmbio, não custa lembrar, é uma razão, e temos que analisar tanto o numerador quanto o denominador. Não basta ficar otimista ou pessimista em relação aos fundamentos americanos ou europeus; o que importa é acertar a relação entre eles. Dados anteriores mais fortes da economia americana criaram um clima de otimismo com seu crescimento, mas os últimos números foram ambíguos. Como a economia da Alemanha, locomotiva da Europa, mostrou dados fortes, isso pode explicar parte da recuperação do euro.
A possível substituição de Trichet, atual presidente do BCE, por Alex Weber, do Bundesbank, pode explicar outra parte da apreciação da moeda. O Bundesbank é conhecido por sua firmeza no combate à inflação. Cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça. A Alemanha já viveu sua cota infernal de hiperinflação no passado. Mas se o BCE subir os juros neste momento, aí é que a Europa quebra de vez!
Esses fatos não parecem suficientes para justificar uma aposta na recuperação sustentável da moeda europeia. Quando analisamos melhor os fundamentos de cada região, apesar dos inúmeros problemas americanos, a Europa ainda se sai muito pior no "concurso de feiura". A seguir pretendo passar, de forma sucinta, por alguns desses problemas.
O primeiro deles, de curto prazo, é a necessidade de rolagem da dívida pública. A Europa precisa rolar mais de US$ 1 trilhão em 2011 somente de títulos de governo, sem levar em conta os gigantescos déficits fiscais esperados. É verdade que o Tesouro americano também tem que financiar uma montanha de dinheiro, mas o caso americano é muito mais simples.
Em primeiro lugar, porque se trata de um governo apenas, enquanto na Europa são vários países diferentes, e as questões políticas de cada um prejudicam possíveis acordos entre eles. Esse ponto é importante, pois a Alemanha é que teria condições de assumir os passivos dos PIIGS, mas isso é complicado politicamente. O governo alemão teria que pagar um preço político elevado por jogar a conta dos abusos dos gregos, portugueses e espanhóis nos ombros dos alemães. Com eleições estaduais se aproximando, essa decisão custa ainda mais.
Em segundo lugar, o governo americano conta com a enorme vantagem de emitir a moeda que é reserva internacional. Claro que há limites para tanto, pois em algum momento os credores poderão jogar a toalha em relação ao dólar. Mas esse cenário parece razoavelmente distante, até porque faltam alternativas concretas.
A China, com quase US$ 3 trilhões de reserva, não tem para onde correr, e fica dependente do governo americano. A liquidez do dólar tem muito valor, e sua credibilidade ainda não é das piores, a despeito de Ben Bernanke.
O segundo grande problema europeu é de longo prazo, qual seja, sua falta de competitividade. Apenas a Alemanha fez reformas mais estruturais no passado recente. Os demais países possuem mercado de trabalho muito rígido, carga tributária excessiva, rombo previdenciário explosivo e endividamento público insustentável.
A situação americana, apesar da tendência negativa, ainda oferece conforto frente ao quadro europeu. Os EUA estão num estágio mais inicial do "welfare state", e a maioria republicana no Congresso já mostrou que vai lutar contra as reformas de Obama.
É preciso ter em mente as diferenças culturais das duas regiões. Enquanto os europeus tomam as ruas para protestar contra mudanças paliativas no sistema, impedindo ajustes fiscais necessários, os americanos tomam as ruas para criticar o aumento dos gastos públicos, mesmo levando em conta uma carga tributária bem menor que a europeia. Além disso, há muito mais flexibilidade no mercado de trabalho americano.
O sistema financeiro tanto da Europa quanto dos Estados Unidos experimentou uma fase de bolha irresponsável, alimentada pelos próprios BCs. Mas as mudanças nos EUA são mais velozes, ainda que tímidas. A Espanha, por exemplo, ainda tem que enfrentar os rombos de suas "cajas", cujos ativos passam de 40% do total do sistema financeiro do país, e ninguém sabe quanto disso é podre.
Quando olhamos melhor os fundamentos, portanto, fica difícil acreditar numa recuperação sustentável do euro. Acredito que há uma probabilidade maior da moeda europeia terminar o ano a US$ 1,20 do que a US$ 1,50.
Rodrigo Constantino é sócio da Graphus Capital
sexta-feira, janeiro 21, 2011
A Anatel ameaça o sigilo
Importante ler este editorial do Estadão. Se cochilar o cachimbo cai. Essa turma vai testando os limites, tentando passo a passo instaurar no país um regime ditatorial de pleno controle da vida privada. Todo cuidado é pouco!
O Estado de S.Paulo
Está em risco o direito de cada um ao sigilo telefônico e à privacidade. A ameaça parte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), criada para regular um serviço de utilidade pública e para proteger o consumidor, não para bisbilhotar a vida dos clientes das telefônicas. A Anatel pretende instalar um sistema de fiscalização remoto, vinculado à estrutura das empresas, para ter acesso a informações sobre todas as chamadas. O objetivo, segundo a agência, é combater abusos contra o consumidor. Não haverá violação de sigilo, argumentam os defensores da proposta, porque o conteúdo das conversas será preservado. Esta alegação é insustentável.
É direito de cada um telefonar a quem quiser, quantas vezes quiser e por quanto tempo quiser sem ter de dar satisfações a qualquer agente público ou privado. O mesmo direito vigora no caso de cada ligação recebida. Sem ordem judicial, ninguém pode intrometer-se legalmente na vida de João ou de Antônio para verificar se foi feita alguma chamada para o número desta ou daquela pessoa. Mesmo para a autorização judicial há regras. O juiz tem de avaliar se há motivo razoável para a solicitação da quebra de sigilo. Além disso, ele deve limitar a autorização a propósitos bem definidos e por prazo determinado, para evitar a concessão de poderes excessivos à autoridade policial.
Dados como os pretendidos pela Anatel - números chamados, duração das conversas e frequência das ligações - têm sido usados em investigações policiais. Podem valer como indícios e até como provas. Autoridades policiais pedem autorização para a busca dessas informações precisamente porque o acesso aos dados configura quebra de sigilo. Essa é a interpretação aceita pelas Polícias e pela Justiça.
É também, e não por casualidade, a opinião de advogados atuantes no setor de telecomunicações. Bastará o acesso da agência ao número chamado, à data e à duração do contato para ser configurada a violação de sigilo, disse o especialista Pedro Dutra. "Isso é ilegal, desnecessário e ineficaz", acrescentou.
A Anatel já tentou incluir em contratos de concessão uma cláusula de acesso aos dados, mas as companhias se opuseram, lembrou o advogado Floriano de Azevedo Marques, também citado em reportagem publicada ontem no Estado. Se a agência insistir na tentativa, provavelmente haverá reação por via judicial, acrescentou o especialista.
A pretensão da Anatel é claramente contrária a um direito consagrado pela Constituição. Nenhuma esforço de justificação realizado até agora produziu mais que um arremedo de argumento. O simples acesso aos dados não envolve quebra de sigilo, disse uma fonte do governo mencionada na reportagem. A relação da Anatel com as informações sobre as chamadas seria análoga, segundo essa fonte, à relação da Receita com os dados fornecidos pelos contribuintes. A analogia é obviamente falsa.
As informações transmitidas pelo contribuinte ao Fisco são necessárias ao cumprimento das obrigações tributárias. O dever do Fisco em relação ao sigilo consiste em impedir o vazamento dos dados. Mesmo essa restrição, como se viu na última campanha eleitoral, foi violada mais de uma vez. A relação entre o usuário dos serviços de telecomunicações e a Anatel é muito diferente do vínculo entre o pagador de impostos e a Receita.
De fato, a relação é oposta: no caso das telecomunicações, o credor é o usuário da telefonia, enquanto a parte sujeita a obrigações é a Anatel. O cliente da operadora não tem obrigação de expor sua vida privada à agência, mas tem o direito de exigir proteção. Essa proteção não depende, obviamente, do acesso permanente àquelas informações. A desconfiança em relação aos dados fornecidos pela operadora, em caso de reclamação, é uma desculpa precária e uma confissão de incompetência técnica.
Se o acesso permanente às informações sobre telefonemas for considerado legalmente aceitável, o sigilo das comunicações estará correndo risco de extinção. Em nome da segurança dos cidadãos, a Polícia poderá reivindicar igual direito à bisbilhotice. Por enquanto, a maioria dos policiais e juízes continua levando a sério o preceito constitucional. A Anatel deveria imitá-los.
O Estado de S.Paulo
Está em risco o direito de cada um ao sigilo telefônico e à privacidade. A ameaça parte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), criada para regular um serviço de utilidade pública e para proteger o consumidor, não para bisbilhotar a vida dos clientes das telefônicas. A Anatel pretende instalar um sistema de fiscalização remoto, vinculado à estrutura das empresas, para ter acesso a informações sobre todas as chamadas. O objetivo, segundo a agência, é combater abusos contra o consumidor. Não haverá violação de sigilo, argumentam os defensores da proposta, porque o conteúdo das conversas será preservado. Esta alegação é insustentável.
É direito de cada um telefonar a quem quiser, quantas vezes quiser e por quanto tempo quiser sem ter de dar satisfações a qualquer agente público ou privado. O mesmo direito vigora no caso de cada ligação recebida. Sem ordem judicial, ninguém pode intrometer-se legalmente na vida de João ou de Antônio para verificar se foi feita alguma chamada para o número desta ou daquela pessoa. Mesmo para a autorização judicial há regras. O juiz tem de avaliar se há motivo razoável para a solicitação da quebra de sigilo. Além disso, ele deve limitar a autorização a propósitos bem definidos e por prazo determinado, para evitar a concessão de poderes excessivos à autoridade policial.
Dados como os pretendidos pela Anatel - números chamados, duração das conversas e frequência das ligações - têm sido usados em investigações policiais. Podem valer como indícios e até como provas. Autoridades policiais pedem autorização para a busca dessas informações precisamente porque o acesso aos dados configura quebra de sigilo. Essa é a interpretação aceita pelas Polícias e pela Justiça.
É também, e não por casualidade, a opinião de advogados atuantes no setor de telecomunicações. Bastará o acesso da agência ao número chamado, à data e à duração do contato para ser configurada a violação de sigilo, disse o especialista Pedro Dutra. "Isso é ilegal, desnecessário e ineficaz", acrescentou.
A Anatel já tentou incluir em contratos de concessão uma cláusula de acesso aos dados, mas as companhias se opuseram, lembrou o advogado Floriano de Azevedo Marques, também citado em reportagem publicada ontem no Estado. Se a agência insistir na tentativa, provavelmente haverá reação por via judicial, acrescentou o especialista.
A pretensão da Anatel é claramente contrária a um direito consagrado pela Constituição. Nenhuma esforço de justificação realizado até agora produziu mais que um arremedo de argumento. O simples acesso aos dados não envolve quebra de sigilo, disse uma fonte do governo mencionada na reportagem. A relação da Anatel com as informações sobre as chamadas seria análoga, segundo essa fonte, à relação da Receita com os dados fornecidos pelos contribuintes. A analogia é obviamente falsa.
As informações transmitidas pelo contribuinte ao Fisco são necessárias ao cumprimento das obrigações tributárias. O dever do Fisco em relação ao sigilo consiste em impedir o vazamento dos dados. Mesmo essa restrição, como se viu na última campanha eleitoral, foi violada mais de uma vez. A relação entre o usuário dos serviços de telecomunicações e a Anatel é muito diferente do vínculo entre o pagador de impostos e a Receita.
De fato, a relação é oposta: no caso das telecomunicações, o credor é o usuário da telefonia, enquanto a parte sujeita a obrigações é a Anatel. O cliente da operadora não tem obrigação de expor sua vida privada à agência, mas tem o direito de exigir proteção. Essa proteção não depende, obviamente, do acesso permanente àquelas informações. A desconfiança em relação aos dados fornecidos pela operadora, em caso de reclamação, é uma desculpa precária e uma confissão de incompetência técnica.
Se o acesso permanente às informações sobre telefonemas for considerado legalmente aceitável, o sigilo das comunicações estará correndo risco de extinção. Em nome da segurança dos cidadãos, a Polícia poderá reivindicar igual direito à bisbilhotice. Por enquanto, a maioria dos policiais e juízes continua levando a sério o preceito constitucional. A Anatel deveria imitá-los.
Pimentel, o mercantilista
Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal
A matéria de capa do caderno de Economia do jornal O Globo hoje fala do “alívio para os exportadores” que o governo pretende promover. O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, vai sugerir ao Itamaraty a criação de um grupo interministerial voltado ao monitoramento das relações com a China, atualmente o maior parceiro comercial do Brasil. A fala do ministro remete ao linguajar militar, típico dos mercantilistas, que encaram o comércio como uma batalha.
Como todo mercantilista desde Colbert, a obsessão de Pimentel com o saldo comercial é impressionante. O ministro diz que “precisamos recuperar a tendência de crescimento do saldo comercial”. Para os mercantilistas, exportar é bom, mas importar é ruim. Comércio é visto como um jogo de soma zero. O curioso é que se todos pensassem assim, a conta não teria como fechar. Afinal, a importação de um país é a exportação de outro. Na verdade, a tendência natural seria de saldos comerciais negativos para países emergentes, uma vez que saldos positivos significam que este país está exportando sua escassa poupança doméstica (os chineses hoje exportam capital para sustentar os consumidores americanos).
Um país como o Brasil, que foi agraciado por um enorme aumento em seus termos de troca, fruto da fome insaciável da China pelas commodities que produzimos, deveria usar a apreciação cambial para importar os bens de capital necessários para a modernização de seu parque industrial. Importar não é necessariamente algo ruim. O problema é que o setor industrial perde competitividade vis-à-vis a China, e não somente por conta da moeda artificialmente depreciada dos chineses. Pagamos impostos altos demais, a burocracia é asfixiante, os juros são elevados por causa dos explosivos gastos públicos, as leis trabalhistas são draconianas para as empresas, a mão-de-obra não é qualificada e a infra-estrutura é precária.
Como se pode notar, nossos reais problemas são todos estruturais. É louvável o governo adotar medidas que desonerem o setor produtivo exportador, mas o fundamental seria atacar as verdadeiras raízes dos nossos males. Em vez de usar o BNDES para selecionar as empresas ‘vencedoras’ e garantir subsídios pagos pelos “contribuintes”, o governo tinha que realizar as necessárias reformas estruturais, e depois deixar que o próprio mercado se ajuste com base nas vantagens competitivas nacionais. O liberalismo, enfim, representa um caminho muito mais sábio e sustentável que o mercantilismo do atual governo.
domingo, janeiro 16, 2011
Calamidade serrana
A mobilização voluntária de tanta gente para ajudar as vítimas da calamidade na serra carioca é impressionante e louvável. Mas como seria bom se esta mesma mobilização ocorresse ANTES dos desastres anunciados, para pressionar as autoridades incompetentes! Prevenir é melhor que remediar, certo?
Se as eleições fossem em fevereiro, bem na época das chuvas, isso já colocaria uma pressão maior nos demagogos de plantão...
Se as eleições fossem em fevereiro, bem na época das chuvas, isso já colocaria uma pressão maior nos demagogos de plantão...
Conceitos vazios sobre o público e o privado
MARIO VARGAS LLOSA - O Estado de S.Paulo
Desde que comecei a ler seus livros e artigos, coisa já de uns 30 anos atrás, sinto em relação a Fernando Savater algo que não me acontece com nenhum outro dos meus escritores preferidos: quase nunca discordo de seus julgamentos e críticas.
Em geral, as razões que ele apresenta me convencem de imediato, ainda que para isso deva retificar radicalmente aquilo em que, até agora, eu acreditava.
Quer ele fale a respeito de política, de literatura, de ética e até de cavalos (sobre os quais não sei nada, salvo que nunca acertei uma única aposta nas raras vezes em que pisei em um hipódromo), Savater pareceu-me sempre um modelo de intelectual comprometido, ao mesmo tempo um homem de princípios e um pragmático, um desses raros pensadores contemporâneos capazes de enxergar sempre claramente nos intricados meandros deste século 21 e de orientar os que se extraviaram a encontrar o caminho perdido.
Tudo isso vem a propósito de um artigo de sua autoria sobre o WikiLeaks e Julian Assange, fundador do site, que acabo de ler na revista Tiempo (edição de 23 de dezembro de 2010 a 6 de janeiro de 2011). Peço encarecidamente aos que comemoraram a divulgação de milhares de documentos confidenciais do Departamento de Estado dos EUA como uma proeza da liberdade, que leiam este artigo que esbanja inteligência, valentia e sensatez. Se não os fizer mudar de opinião, certamente os levará, pelo menos, a refletir e a se perguntar se seu entusiasmo não terá sido algo precipitado.
Savater comprova que nesta vasta coleção de materiais vazados não há praticamente revelações importantes, que as informações e opiniões confidenciais vindas à luz já eram sabidas ou presumíveis por qualquer observador da atualidade política mais ou menos informado, e o que predomina nelas é principalmente o mexerico destinado a saciar esta frivolidade que, sob o respeitável rótulo da transparência, é na verdade o entronizado "direito de todos a ser informados de tudo, para que não haja segredos e reservas que possam contrariar a curiosidade de alguém - seja quem for que tiver de cair, e o que for que percamos pelo caminho".
Este suposto "direito", acrescenta, é "parte da atual imbecilização social". Concordo integralmente com esta afirmação.
A revolução audiovisual de nosso tempo violentou as barreiras que a censura opunha à livre informação e à dissidência crítica. Graças a isso, os regimes autoritários têm muito menos possibilidade do que no passado de manter seus povos na ignorância e de manipular a opinião pública.
Evidentemente, trata-se de um grande progresso para a cultura da liberdade e é preciso se beneficiar disso. Mas daí a concluir que a prodigiosa transformação das comunicações representada pela internet nos autoriza a saber tudo e a divulgar tudo o que acontece debaixo do sol (ou debaixo da lua), fazendo desaparecer de uma vez por todas a linha de demarcação entre o público e o privado, há um abismo que, se abolido, poderá significar, não uma façanha libertária, mas pura e simplesmente um liberticídio que, além de solapar as bases da democracia, infligirá um rude golpe à civilização.
Libertinagem informativa. Nenhuma democracia poderá funcionar se desaparecer a confidencialidade das comunicações entre funcionários e autoridades, nenhuma forma de política nos campos da diplomacia, da defesa, da segurança, da ordem pública e até da economia terá consistência se os processos que estas políticas determinam forem expostos totalmente à luz em todas as suas instâncias.
O resultado de semelhante exibicionismo informativo seria a paralisia das instituições e tornaria mais fácil para as organizações antidemocráticas a criação de obstáculos e a anulação de todas as iniciativas dotadas de seus propósitos autoritários. A libertinagem informativa não tem nada a ver com a liberdade de expressão e, ao contrário, é seu oposto.
Esta libertinagem é possível somente nas sociedades abertas, não nas que são submetidas a um controle policialesco vertical que sanciona com ferocidade toda tentativa de violentar a censura. Não por acaso os 250 mil documentos confidenciais obtidos pelo WikiLeaks são o fruto da ação de pessoas que traíram os Estados Unidos e não da Rússia ou da China.
Embora as intenções de Julian Assange respondam, como foi dito, ao sonho utópico e anarquista da transparência total, suas operações com o propósito de pôr fim ao "segredo" poderão conduzir, nas sociedades abertas, ao surgimento de correntes de opinião que, com o argumento de defender a indispensável confidencialidade no seio dos Estados, proponham freios e limites a um dos direitos mais importantes da vida democrática: o da livre expressão e da crítica.
Em uma sociedade livre, a ação dos governos é fiscalizada pelo Congresso, pelo Poder Judiciário, a imprensa independente e de oposição, pelos partidos políticos, instituições que evidentemente têm todo o direito do mundo de denunciar as fraudes e as mentiras aos quais às vezes recorrem certas autoridades para encobrir ações e trâmites ilegais. Mas o que o WikiLeaks fez não é nada disso. Ele destruiu brutalmente a privacidade das comunicações nas quais os diplomatas e agregados informam seus superiores sobre as intimidades políticas, econômicas, culturais e sociais dos países onde servem.
Grande parte deste material é constituída por dados e comentários cuja divulgação, embora não tenha maior transcendência, cria situações enormemente delicadas para estas atividades e provoca suscetibilidades, rancores e ressentimentos que servem apenas para prejudicar as relações entre países aliados e desprestigiar seus governos.
Não se trata, pois, de combater uma "mentira", mas, de fato, de satisfazer a curiosidade mórbida e malsã da civilização do espetáculo, que é a do nosso tempo, na qual o jornalismo (e a cultura em geral) parece se desenvolver seguindo o desígnio único de entreter.
Julian Assange, mais do que um grande lutador libertário, é um animador de sucesso, uma espécie de Oprah Winfrey da informação.
Se não existisse, teria sido criado mais cedo ou mais tarde pelo nosso tempo, porque esse personagem é o símbolo emblemático de uma cultura em que o valor supremo da informação hoje é o de divertir um público frívolo e superficial, ávido de escândalos que vasculham a intimidade dos famosos, mostram suas fraquezas e envolvimentos e os convertem em bufões da grande farsa que é a vida pública.
Embora, talvez, falar de "vida pública" seja inexato, pois para que ela existisse deveria existir também sua contrapartida, a "vida privada" é algo que praticamente foi desaparecendo até se transformar em um conceito vazio e obsoleto.
O que é o privado nos nossos dias? Uma das consequências involuntárias da revolução informática é a volatilização das fronteiras que o separavam do público, e ter confundido ambos em uma representação na qual todos somos ao mesmo tempo espectadores e atores.
Nela, reciprocamente queremos brilhar exibindo nossa vida privada e nos divertimos observando a alheia em um strip-tease generalizado no qual nada está a salvo da curiosidade mórbida de um público depravado pela frivolidade.
O desaparecimento do privado, o fato de ninguém respeitar a intimidade alheia, de esta se ter tornado um espetáculo que excita o interesse geral e de que exista uma indústria informativa que alimenta sem trégua e sem limites este voyeurismo universal, é uma manifestação de barbárie.
Pois com o desaparecimento do domínio do privado muitas das melhores criações e funções do humano se deterioram e se aviltam, a começar por tudo aquilo que está subordinado ao cuidado com certas formas, como o erotismo, o amor, a amizade, o pudor, as maneiras, a criação artística, o sagrado e o moral.
Que remédio, se os governos escolhidos em eleições legítimas forem derrubados por revoluções que querem trazer o paraíso para a terra (embora frequentemente tragam antes o inferno)?
Que desgraça, se forem deflagrados conflitos e até guerras sanguinárias entre países que defendem religiões, ideologias ou ambições incompatíveis, que desgraça!
Mas que tais tragédias possam chegar a ocorrer porque nossos privilegiados contemporâneos se aborrecem e precisam de emoções fortes, e um internauta vidente como Julian Assange lhes oferece o que pedem, não, não é possível nem aceitável.
TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA
Desde que comecei a ler seus livros e artigos, coisa já de uns 30 anos atrás, sinto em relação a Fernando Savater algo que não me acontece com nenhum outro dos meus escritores preferidos: quase nunca discordo de seus julgamentos e críticas.
Em geral, as razões que ele apresenta me convencem de imediato, ainda que para isso deva retificar radicalmente aquilo em que, até agora, eu acreditava.
Quer ele fale a respeito de política, de literatura, de ética e até de cavalos (sobre os quais não sei nada, salvo que nunca acertei uma única aposta nas raras vezes em que pisei em um hipódromo), Savater pareceu-me sempre um modelo de intelectual comprometido, ao mesmo tempo um homem de princípios e um pragmático, um desses raros pensadores contemporâneos capazes de enxergar sempre claramente nos intricados meandros deste século 21 e de orientar os que se extraviaram a encontrar o caminho perdido.
Tudo isso vem a propósito de um artigo de sua autoria sobre o WikiLeaks e Julian Assange, fundador do site, que acabo de ler na revista Tiempo (edição de 23 de dezembro de 2010 a 6 de janeiro de 2011). Peço encarecidamente aos que comemoraram a divulgação de milhares de documentos confidenciais do Departamento de Estado dos EUA como uma proeza da liberdade, que leiam este artigo que esbanja inteligência, valentia e sensatez. Se não os fizer mudar de opinião, certamente os levará, pelo menos, a refletir e a se perguntar se seu entusiasmo não terá sido algo precipitado.
Savater comprova que nesta vasta coleção de materiais vazados não há praticamente revelações importantes, que as informações e opiniões confidenciais vindas à luz já eram sabidas ou presumíveis por qualquer observador da atualidade política mais ou menos informado, e o que predomina nelas é principalmente o mexerico destinado a saciar esta frivolidade que, sob o respeitável rótulo da transparência, é na verdade o entronizado "direito de todos a ser informados de tudo, para que não haja segredos e reservas que possam contrariar a curiosidade de alguém - seja quem for que tiver de cair, e o que for que percamos pelo caminho".
Este suposto "direito", acrescenta, é "parte da atual imbecilização social". Concordo integralmente com esta afirmação.
A revolução audiovisual de nosso tempo violentou as barreiras que a censura opunha à livre informação e à dissidência crítica. Graças a isso, os regimes autoritários têm muito menos possibilidade do que no passado de manter seus povos na ignorância e de manipular a opinião pública.
Evidentemente, trata-se de um grande progresso para a cultura da liberdade e é preciso se beneficiar disso. Mas daí a concluir que a prodigiosa transformação das comunicações representada pela internet nos autoriza a saber tudo e a divulgar tudo o que acontece debaixo do sol (ou debaixo da lua), fazendo desaparecer de uma vez por todas a linha de demarcação entre o público e o privado, há um abismo que, se abolido, poderá significar, não uma façanha libertária, mas pura e simplesmente um liberticídio que, além de solapar as bases da democracia, infligirá um rude golpe à civilização.
Libertinagem informativa. Nenhuma democracia poderá funcionar se desaparecer a confidencialidade das comunicações entre funcionários e autoridades, nenhuma forma de política nos campos da diplomacia, da defesa, da segurança, da ordem pública e até da economia terá consistência se os processos que estas políticas determinam forem expostos totalmente à luz em todas as suas instâncias.
O resultado de semelhante exibicionismo informativo seria a paralisia das instituições e tornaria mais fácil para as organizações antidemocráticas a criação de obstáculos e a anulação de todas as iniciativas dotadas de seus propósitos autoritários. A libertinagem informativa não tem nada a ver com a liberdade de expressão e, ao contrário, é seu oposto.
Esta libertinagem é possível somente nas sociedades abertas, não nas que são submetidas a um controle policialesco vertical que sanciona com ferocidade toda tentativa de violentar a censura. Não por acaso os 250 mil documentos confidenciais obtidos pelo WikiLeaks são o fruto da ação de pessoas que traíram os Estados Unidos e não da Rússia ou da China.
Embora as intenções de Julian Assange respondam, como foi dito, ao sonho utópico e anarquista da transparência total, suas operações com o propósito de pôr fim ao "segredo" poderão conduzir, nas sociedades abertas, ao surgimento de correntes de opinião que, com o argumento de defender a indispensável confidencialidade no seio dos Estados, proponham freios e limites a um dos direitos mais importantes da vida democrática: o da livre expressão e da crítica.
Em uma sociedade livre, a ação dos governos é fiscalizada pelo Congresso, pelo Poder Judiciário, a imprensa independente e de oposição, pelos partidos políticos, instituições que evidentemente têm todo o direito do mundo de denunciar as fraudes e as mentiras aos quais às vezes recorrem certas autoridades para encobrir ações e trâmites ilegais. Mas o que o WikiLeaks fez não é nada disso. Ele destruiu brutalmente a privacidade das comunicações nas quais os diplomatas e agregados informam seus superiores sobre as intimidades políticas, econômicas, culturais e sociais dos países onde servem.
Grande parte deste material é constituída por dados e comentários cuja divulgação, embora não tenha maior transcendência, cria situações enormemente delicadas para estas atividades e provoca suscetibilidades, rancores e ressentimentos que servem apenas para prejudicar as relações entre países aliados e desprestigiar seus governos.
Não se trata, pois, de combater uma "mentira", mas, de fato, de satisfazer a curiosidade mórbida e malsã da civilização do espetáculo, que é a do nosso tempo, na qual o jornalismo (e a cultura em geral) parece se desenvolver seguindo o desígnio único de entreter.
Julian Assange, mais do que um grande lutador libertário, é um animador de sucesso, uma espécie de Oprah Winfrey da informação.
Se não existisse, teria sido criado mais cedo ou mais tarde pelo nosso tempo, porque esse personagem é o símbolo emblemático de uma cultura em que o valor supremo da informação hoje é o de divertir um público frívolo e superficial, ávido de escândalos que vasculham a intimidade dos famosos, mostram suas fraquezas e envolvimentos e os convertem em bufões da grande farsa que é a vida pública.
Embora, talvez, falar de "vida pública" seja inexato, pois para que ela existisse deveria existir também sua contrapartida, a "vida privada" é algo que praticamente foi desaparecendo até se transformar em um conceito vazio e obsoleto.
O que é o privado nos nossos dias? Uma das consequências involuntárias da revolução informática é a volatilização das fronteiras que o separavam do público, e ter confundido ambos em uma representação na qual todos somos ao mesmo tempo espectadores e atores.
Nela, reciprocamente queremos brilhar exibindo nossa vida privada e nos divertimos observando a alheia em um strip-tease generalizado no qual nada está a salvo da curiosidade mórbida de um público depravado pela frivolidade.
O desaparecimento do privado, o fato de ninguém respeitar a intimidade alheia, de esta se ter tornado um espetáculo que excita o interesse geral e de que exista uma indústria informativa que alimenta sem trégua e sem limites este voyeurismo universal, é uma manifestação de barbárie.
Pois com o desaparecimento do domínio do privado muitas das melhores criações e funções do humano se deterioram e se aviltam, a começar por tudo aquilo que está subordinado ao cuidado com certas formas, como o erotismo, o amor, a amizade, o pudor, as maneiras, a criação artística, o sagrado e o moral.
Que remédio, se os governos escolhidos em eleições legítimas forem derrubados por revoluções que querem trazer o paraíso para a terra (embora frequentemente tragam antes o inferno)?
Que desgraça, se forem deflagrados conflitos e até guerras sanguinárias entre países que defendem religiões, ideologias ou ambições incompatíveis, que desgraça!
Mas que tais tragédias possam chegar a ocorrer porque nossos privilegiados contemporâneos se aborrecem e precisam de emoções fortes, e um internauta vidente como Julian Assange lhes oferece o que pedem, não, não é possível nem aceitável.
TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA
sexta-feira, janeiro 14, 2011
Quem não tem cão...
Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal
A coluna de hoje de Merval Pereira em O Globo fala da esperança de um “choque de gestão” no governo Dilma. Outros países, como Chile e Nova Zelândia, conseguiram melhorar bastante a eficiência do setor público por meio de medidas mais meritocráticas importadas da iniciativa privada. Não há mecanismo de incentivo mais perverso do que as regalias dos funcionários públicos, com estabilidade de emprego independente do desempenho, sem a oportunidade de bônus por maior eficiência ou sem o risco de punição, caso contrário.
Neste sentido, seria louvável um “choque de gestão”, bandeira que, como lembra Merval Pereira, tem sido usada pelo PSDB há algum tempo. O nome que surge por trás desta conversa toda é o do empresário Jorge Gerdau. Ancelmo Gois, em sua coluna hoje, diz que a presidente Dilma sonha em trazer para o governo o renomado empresário do setor siderúrgico. Jorge Gerdau tem se destacado quando se trata do esforço de levar mais racionalidade para a gestão da coisa pública.
Se alguma coisa for feita nesta direção, já temos motivo para celebrar. Há tanta incompetência no governo que qualquer mudança na direção correta pode gerar ganhos significativos. Mas como diz o ditado, “uma andorinha só não faz verão”. As lições de empresários como Gerdau, se parcialmente adotadas, podem melhorar bem a situação do governo, hoje em estado caótico. Mas não resolvem as questões mais estruturais. E estas, segundo os jornais, a presidente Dilma já abandonou logo no começo do governo, avisando a interlocutores que nenhuma reforma necessária será mandada ao Congresso.
Esqueçam as reformas tributária, previdenciária e trabalhista, que poderiam colocar efetivamente o país no rumo certo. A presidente vai, no máximo e com muito otimismo, adotar medidas mais paliativas, tentar ganhar tempo antes que as bombas-relógio produzidas pelo governo explodam. É aquela velha máxima: quem não tem cão, caça como gato.
quinta-feira, janeiro 13, 2011
terça-feira, janeiro 11, 2011
Para derrotar as máfias sindicais
Rodrigo Constantino, O Globo
A informalidade é o ar rarefeito que indivíduos e empresas precisam respirar devido à asfixia causada pela hipertrofia estatal. Com tantos encargos incidindo sobre a folha de pagamento das empresas, dobrando o custo efetivo do trabalhador em relação ao seu salário, ninguém deveria estranhar o fato de que metade dos empregos está na ilegalidade no país. As tais “conquistas trabalhistas” celebradas pelos sindicatos representam, na prática, um problema grave para a competitividade nacional e, por conseguinte, para os próprios trabalhadores.
Em uma economia dinâmica, as empresas terão total interesse em pagar salários atrelados à produtividade do trabalhador. Caso isso não ocorra, o concorrente sempre poderá pagar um pouco mais e ainda assim obter bons lucros com a contratação do empregado. A melhor garantia de bons salários, portanto, não está na caneta mágica do governo, mas na elevada produtividade do trabalho e na livre concorrência entre empregadores. Trabalhadores de países com tais características possuem qualidade de vida bem melhor que a dos brasileiros, mesmo com nossas inúmeras regalias legais.
A enorme quantidade de direitos trabalhistas no Brasil nos remete àquela piada do sujeito que pede para a pizza ser cortada em vários pedaços, pois está com muita fome. A quantidade de pizza não aumenta, mas a sensação de que há mais comida disponível pode gerar uma doce ilusão no faminto. Da mesma forma, a quantidade de dinheiro que o empregador está disposto a pagar ao empregado não muda após tantos encargos, tais como férias e licenças remuneradas, 13o salário, vales para transporte e alimentação, contribuição para o Sistema S, FGTS e INSS.
O único efeito prático é que o salário será dividido em mais partes para abrigar todos estes direitos, com o agravante de que o empregado agora dispõe de menor grau de liberdade para escolher como gastar seu dinheiro. Outro efeito nefasto é que os trabalhadores com menor produtividade acabam sem emprego formal, tendo que buscar refúgio justamente na ilegalidade e ficando, portanto, sem nenhum dos direitos trabalhistas.
O austríaco Hayek, vencedor do Prêmio Nobel de economia, chegou a afirmar que “o poder sindical é essencialmente o poder de privar alguém de trabalhar aos salários que estaria disposto a aceitar”. O economista francês Guy Sorman também percebeu que muitas das conquistas sindicais não passavam de uma reserva de mercado para os já empregados e sindicalizados. Ele escreveu: “Os sindicatos só protegem os sitiados que constituem sua clientela principal, não os desempregados, que não militam e nem são contribuintes”.
Quando se entende melhor esta lógica econômica, fica claro porque deve ser aplaudida a meta da presidente Dilma de desonerar a folha de pagamento das empresas, reduzindo assim o custo do setor produtivo. Não há mágica quando se trata de melhorar a competitividade das empresas brasileiras: seus encargos devem ser reduzidos, e a produtividade do trabalho deve aumentar. Isso só será possível com melhor educação e treinamento técnico, não com decretos estatais. Foi o caminho que países como Chile e Coréia do Sul trilharam, com evidente sucesso. A alternativa é continuar sonhando com fantasias, acreditando que haverá mais comida se a pizza for cortada em mais pedaços.
A necessária reforma trabalhista esbarra, porém, em obstáculos criados pelos antigos aliados do partido da presidente. Os poderosos sindicatos, afinal, sempre fizeram parte do quadro de apoio do PT. Além disso, há a questão fiscal, pois os menores encargos podem significar menor receita tributária no primeiro momento, até que a base ampliada de trabalhadores formais compense a redução dos encargos. Para viabilizar a reforma, o governo deve adotar um programa de austeridade fiscal, reduzindo seus gastos de forma significativa. Economicamente, isso faz todo sentido, até porque houve grande inchaço da máquina estatal durante o governo Lula. Politicamente é que a coisa complica mais.
O governo Lula se mostrou totalmente incapaz de realizar a reforma trabalhista durante seus oito anos de mandato. O modelo sindical concebido ainda na era Vargas seguiu praticamente intocado. É chegada a hora de a presidente mostrar se fala realmente sério quando diz que pretende reduzir os encargos trabalhistas. Pelo bem da nossa competitividade econômica e, portanto, dos próprios trabalhadores, espera-se que seu governo consiga levar adiante este desafio. Seria uma derrota das máfias sindicais, mas uma vitória de todo o país.
A informalidade é o ar rarefeito que indivíduos e empresas precisam respirar devido à asfixia causada pela hipertrofia estatal. Com tantos encargos incidindo sobre a folha de pagamento das empresas, dobrando o custo efetivo do trabalhador em relação ao seu salário, ninguém deveria estranhar o fato de que metade dos empregos está na ilegalidade no país. As tais “conquistas trabalhistas” celebradas pelos sindicatos representam, na prática, um problema grave para a competitividade nacional e, por conseguinte, para os próprios trabalhadores.
Em uma economia dinâmica, as empresas terão total interesse em pagar salários atrelados à produtividade do trabalhador. Caso isso não ocorra, o concorrente sempre poderá pagar um pouco mais e ainda assim obter bons lucros com a contratação do empregado. A melhor garantia de bons salários, portanto, não está na caneta mágica do governo, mas na elevada produtividade do trabalho e na livre concorrência entre empregadores. Trabalhadores de países com tais características possuem qualidade de vida bem melhor que a dos brasileiros, mesmo com nossas inúmeras regalias legais.
A enorme quantidade de direitos trabalhistas no Brasil nos remete àquela piada do sujeito que pede para a pizza ser cortada em vários pedaços, pois está com muita fome. A quantidade de pizza não aumenta, mas a sensação de que há mais comida disponível pode gerar uma doce ilusão no faminto. Da mesma forma, a quantidade de dinheiro que o empregador está disposto a pagar ao empregado não muda após tantos encargos, tais como férias e licenças remuneradas, 13o salário, vales para transporte e alimentação, contribuição para o Sistema S, FGTS e INSS.
O único efeito prático é que o salário será dividido em mais partes para abrigar todos estes direitos, com o agravante de que o empregado agora dispõe de menor grau de liberdade para escolher como gastar seu dinheiro. Outro efeito nefasto é que os trabalhadores com menor produtividade acabam sem emprego formal, tendo que buscar refúgio justamente na ilegalidade e ficando, portanto, sem nenhum dos direitos trabalhistas.
O austríaco Hayek, vencedor do Prêmio Nobel de economia, chegou a afirmar que “o poder sindical é essencialmente o poder de privar alguém de trabalhar aos salários que estaria disposto a aceitar”. O economista francês Guy Sorman também percebeu que muitas das conquistas sindicais não passavam de uma reserva de mercado para os já empregados e sindicalizados. Ele escreveu: “Os sindicatos só protegem os sitiados que constituem sua clientela principal, não os desempregados, que não militam e nem são contribuintes”.
Quando se entende melhor esta lógica econômica, fica claro porque deve ser aplaudida a meta da presidente Dilma de desonerar a folha de pagamento das empresas, reduzindo assim o custo do setor produtivo. Não há mágica quando se trata de melhorar a competitividade das empresas brasileiras: seus encargos devem ser reduzidos, e a produtividade do trabalho deve aumentar. Isso só será possível com melhor educação e treinamento técnico, não com decretos estatais. Foi o caminho que países como Chile e Coréia do Sul trilharam, com evidente sucesso. A alternativa é continuar sonhando com fantasias, acreditando que haverá mais comida se a pizza for cortada em mais pedaços.
A necessária reforma trabalhista esbarra, porém, em obstáculos criados pelos antigos aliados do partido da presidente. Os poderosos sindicatos, afinal, sempre fizeram parte do quadro de apoio do PT. Além disso, há a questão fiscal, pois os menores encargos podem significar menor receita tributária no primeiro momento, até que a base ampliada de trabalhadores formais compense a redução dos encargos. Para viabilizar a reforma, o governo deve adotar um programa de austeridade fiscal, reduzindo seus gastos de forma significativa. Economicamente, isso faz todo sentido, até porque houve grande inchaço da máquina estatal durante o governo Lula. Politicamente é que a coisa complica mais.
O governo Lula se mostrou totalmente incapaz de realizar a reforma trabalhista durante seus oito anos de mandato. O modelo sindical concebido ainda na era Vargas seguiu praticamente intocado. É chegada a hora de a presidente mostrar se fala realmente sério quando diz que pretende reduzir os encargos trabalhistas. Pelo bem da nossa competitividade econômica e, portanto, dos próprios trabalhadores, espera-se que seu governo consiga levar adiante este desafio. Seria uma derrota das máfias sindicais, mas uma vitória de todo o país.
Otimismo com recuperação americana é justificável?
Rodrigo Constantino, Jornal Valor Econômico (Palavra do Gestor)
Dados recentes nos Estados Unidos mostraram razoável recuperação da maior economia do mundo, e muitos investidores e analistas atualizaram suas expectativas para o crescimento dos próximos anos.
O Goldman Sachs, por exemplo, já fala em crescimento de 3,4% para o PIB americano este ano, aumentando para 3,8% em 2012. O banco chamou 2011 de "o ano da recuperação", após o "ano da dúvida" em 2010, em que muitos questionavam o risco de um duplo mergulho americano, e o "ano da sobrevivência" em 2009, quando o mercado precificou o risco de uma depressão.
Parte desse otimismo crescente foi claramente incorporada no preço dos ativos. O S&P 500 já subiu mais de 20% desde agosto de 2010. O risco de um duplo mergulho parece cada vez mais distante. Alguns analistas já começam a questionar quando o Fed terá que subir novamente os juros.
Entretanto, ainda há bastante ceticismo no ar, e muitos investidores adotaram a postura de São Tomé: querem ver números econômicos mais concretos para crer numa recuperação sustentável. O risco desta postura é perder o rali e entrar quando já for tarde demais. Não custa lembrar que os mercados antecipam as expectativas futuras.
Para quem defende um cenário mais otimista para os EUA, ao menos no curto prazo, existem alguns sólidos argumentos. Em primeiro lugar, o caminhão de liquidez que foi injetado pelo Fed nos mercados. Essa montanha de dinheiro tem que ir para algum lugar. Nada garante que será o destino mais adequado para um horizonte de longo prazo. Mas surge o risco de novas bolhas em determinados ativos. Não devemos esquecer que a bolha imobiliária foi, em parte, criada justamente por medidas expansivas do Fed, no afã de combater o estouro da bolha de tecnologia.
O Fed acaba empurrando o problema com a barriga, jogando-o para frente, ganhando tempo para ajustes mais estruturais. Entrementes, novas bolhas podem ser criadas, gerando a ilusão de que uma nova fase de crescimento sustentável começou.
Dificilmente pode-se falar em nova bolha para o mercado de ações americanas a esta altura. O S&P 500 está negociando a algo próximo de 13,5 vezes o lucro esperado para este ano, o que não é absurdo algum em relação ao seu padrão histórico. Ao contrário, se o crescimento de lucro realmente se concretizar, o S&P 500 ainda parece atraente nestes níveis. Afinal de contas, ele está no mesmo patamar nominal que estava no começo de 1999, há doze anos!
O grande risco para esse cenário seria justamente uma recuperação acelerada demais ou uma inflação galopante como resultado das medidas frouxas do Fed. Dessa forma, o Fed teria que subir as taxas de juros rápido demais, podendo matar a "bolha" em seu nascimento. Mas dificilmente Ben Bernanke agiria dessa forma preventiva. Não é seu perfil, além de que o Fed possui um mandato duplo: cuidar da inflação e do nível de emprego. Este, por sua característica de defasagem, ainda está muito aquém do desejado.
A probabilidade maior é de o Fed ficar "atrás da curva", aguardando uma recuperação significativa dos empregos antes de agir. Esse quadro é perigoso para a economia americana, mas vantajoso para uma aposta com horizonte mais curto no mercado de ações.
O "concurso de beleza" keynesiano explica o motivo: o importante é antecipar quem os jurados vão considerar mais bela, e não acertar quem de fato é a mais bela. À medida que dados econômicos mais fortes forem saindo e o Fed mantiver a política monetária frouxa, os investidores tenderão a comprar mais o cenário de recuperação sustentável, migrando em massa para a bolsa.
Quando e se isso ocorrer, aí será o momento de recuar e aumentar a cautela, pois os pilares da recuperação ainda serão muito frágeis, dependentes dos estímulos do governo. Os problemas acumulados na última década de bonança irresponsável ainda estão intocados. A grande derrota dos democratas para os republicanos no Congresso aumenta as chances de reformas mais estruturais na direção correta, invertendo um pouco o ímpeto quase socialista do governo Obama. Mas o abacaxi a ser digerido é grande e indigesto demais para se apostar em medidas realmente eficazes no curto prazo. Os americanos ainda têm um encontro marcado com a dura realidade à frente.
Mas isso não quer dizer que o S&P 500 não possa experimentar um expressivo rali nos próximos meses. É compreensível apostar na alta das ações americanas no futuro próximo, mesmo estando pessimista com o cenário num prazo mais longo. O risco não é desprezível, mas, afinal, não existe almoço grátis.
Dados recentes nos Estados Unidos mostraram razoável recuperação da maior economia do mundo, e muitos investidores e analistas atualizaram suas expectativas para o crescimento dos próximos anos.
O Goldman Sachs, por exemplo, já fala em crescimento de 3,4% para o PIB americano este ano, aumentando para 3,8% em 2012. O banco chamou 2011 de "o ano da recuperação", após o "ano da dúvida" em 2010, em que muitos questionavam o risco de um duplo mergulho americano, e o "ano da sobrevivência" em 2009, quando o mercado precificou o risco de uma depressão.
Parte desse otimismo crescente foi claramente incorporada no preço dos ativos. O S&P 500 já subiu mais de 20% desde agosto de 2010. O risco de um duplo mergulho parece cada vez mais distante. Alguns analistas já começam a questionar quando o Fed terá que subir novamente os juros.
Entretanto, ainda há bastante ceticismo no ar, e muitos investidores adotaram a postura de São Tomé: querem ver números econômicos mais concretos para crer numa recuperação sustentável. O risco desta postura é perder o rali e entrar quando já for tarde demais. Não custa lembrar que os mercados antecipam as expectativas futuras.
Para quem defende um cenário mais otimista para os EUA, ao menos no curto prazo, existem alguns sólidos argumentos. Em primeiro lugar, o caminhão de liquidez que foi injetado pelo Fed nos mercados. Essa montanha de dinheiro tem que ir para algum lugar. Nada garante que será o destino mais adequado para um horizonte de longo prazo. Mas surge o risco de novas bolhas em determinados ativos. Não devemos esquecer que a bolha imobiliária foi, em parte, criada justamente por medidas expansivas do Fed, no afã de combater o estouro da bolha de tecnologia.
O Fed acaba empurrando o problema com a barriga, jogando-o para frente, ganhando tempo para ajustes mais estruturais. Entrementes, novas bolhas podem ser criadas, gerando a ilusão de que uma nova fase de crescimento sustentável começou.
Dificilmente pode-se falar em nova bolha para o mercado de ações americanas a esta altura. O S&P 500 está negociando a algo próximo de 13,5 vezes o lucro esperado para este ano, o que não é absurdo algum em relação ao seu padrão histórico. Ao contrário, se o crescimento de lucro realmente se concretizar, o S&P 500 ainda parece atraente nestes níveis. Afinal de contas, ele está no mesmo patamar nominal que estava no começo de 1999, há doze anos!
O grande risco para esse cenário seria justamente uma recuperação acelerada demais ou uma inflação galopante como resultado das medidas frouxas do Fed. Dessa forma, o Fed teria que subir as taxas de juros rápido demais, podendo matar a "bolha" em seu nascimento. Mas dificilmente Ben Bernanke agiria dessa forma preventiva. Não é seu perfil, além de que o Fed possui um mandato duplo: cuidar da inflação e do nível de emprego. Este, por sua característica de defasagem, ainda está muito aquém do desejado.
A probabilidade maior é de o Fed ficar "atrás da curva", aguardando uma recuperação significativa dos empregos antes de agir. Esse quadro é perigoso para a economia americana, mas vantajoso para uma aposta com horizonte mais curto no mercado de ações.
O "concurso de beleza" keynesiano explica o motivo: o importante é antecipar quem os jurados vão considerar mais bela, e não acertar quem de fato é a mais bela. À medida que dados econômicos mais fortes forem saindo e o Fed mantiver a política monetária frouxa, os investidores tenderão a comprar mais o cenário de recuperação sustentável, migrando em massa para a bolsa.
Quando e se isso ocorrer, aí será o momento de recuar e aumentar a cautela, pois os pilares da recuperação ainda serão muito frágeis, dependentes dos estímulos do governo. Os problemas acumulados na última década de bonança irresponsável ainda estão intocados. A grande derrota dos democratas para os republicanos no Congresso aumenta as chances de reformas mais estruturais na direção correta, invertendo um pouco o ímpeto quase socialista do governo Obama. Mas o abacaxi a ser digerido é grande e indigesto demais para se apostar em medidas realmente eficazes no curto prazo. Os americanos ainda têm um encontro marcado com a dura realidade à frente.
Mas isso não quer dizer que o S&P 500 não possa experimentar um expressivo rali nos próximos meses. É compreensível apostar na alta das ações americanas no futuro próximo, mesmo estando pessimista com o cenário num prazo mais longo. O risco não é desprezível, mas, afinal, não existe almoço grátis.
segunda-feira, janeiro 10, 2011
Nojento!
A única palavra que me vem à mente quando observo o uso político que alguns democratas estão fazendo do atentado contra a deputada Gabrielle Giffords é esta: nojento! A que ponto chega a frieza de alguns políticos? A mulher levou um tiro na cabeça, está em recuperação, e oportunistas da esquerda americana aproveitam o caso para explorá-lo politicamente, tentando associar um doente mental ao movimento Tea Party. É absurdo! É de embrulhar o estômago de qualquer pessoa minimamente decente. Que raça desprezível...
Segue o editorial sóbrio do WSJ sobre o assunto:
Murder in Tucson
On all available evidence, Jared Lee Loughner is a mentally disturbed man who targeted Congresswoman Gabrielle Giffords and anyone near her in Tucson on Saturday because she was prominent and they were tragically accessible. He joins Sirhan Sirhan, John Hinckley Jr. and many others whose derangement led them to horrible acts of violence. Whatever confused political motives he expressed seem merely to be part of the maelstrom of his mental sickness.
In a better world, no one would attempt to exploit his madness for political gain. We would instead focus on the contributions of Ms. Giffords, by all accounts a laudable public servant. We would celebrate the lives of the other victims, and we would praise the survivors who intervened to tackle Mr. Loughner and disarm him before he could kill others—like 74-year-old retiree Bill Badger, who was grazed in the head by a bullet before helping to restrain the shooter.
But the shooting news had barely hit the wires on Saturday before the media's instant psychoanalysis put the American body politic on the couch instead of Mr. Loughner. "Bloodshed Puts New Focus on Vitriol in Politics," declared a story in the New York Times, which focused primarily on the tea party and Sarah Palin in the context of mass murder. The story even hauled in opposition to health-care reform.
Politico, the Beltway website, chimed in by quoting a "veteran Democratic operative" advising the White House "to deftly pin this on the tea partiers," just as "the Clinton White House deftly pinned the Oklahoma City bombing on the militia and anti-government people" in 1995.
Shouldn't a publication insist that someone urging the exploitation of murder at least put his name on the record? The same goes for the anonymous Republican Senator quoted by Politico denouncing "town halls and cable TV and talk radio" in relation to Mr. Loughner.
Consider the kind of rhetoric that is being implicated as incendiary and beyond the pale. Mrs. Palin is being scored for having put contested Congressional seats such as Ms. Giffords's in cross hairs on her website before the last election. This is supposed to be an incitement to murder?
At least one left-wing site also put Ms. Giffords on such a "target" list because she is one of the Blue Dog Democrats who doesn't vote the party line. And yesterday right-wing websites were reprising this or that quote from Democrats and even President Obama invoking some martial or weapons metaphor to suggest they are as culpable. This is as offensive as the blame-Republican implications in the New York Times.
Judging from Mr. Loughner's own website, his mind was a mess of conspiracy theories, influenced by tracts like "Mein Kampf" and the "Communist Manifesto." His main complaint about government seems to be that he believes it is trying to control American "grammar." Yet this becomes an excuse for the media to throw him in with the tea partiers as "anti-government."
Perhaps we will learn more as the investigation unfolds. But so far this case couldn't be more different than that of Nidal Hasan, the Fort Hood killer who was motivated by Islamist hatred of America. Yet it is notable that the press corps was more restrained in identifying Major Hasan's Islamist role models than in immediately stretching to link Mr. Loughner with American politicians who universally denounce such violence.
Ponder the implication of this. A deranged soul shoots a public figure and we are supposed to change our political discourse and rule certain people and opinions out of bounds based on whatever incoherent ramblings Mr. Loughner published on his website?
Every two years we hold elections so that sane Americans can make a judgment on the policies of President Obama, John Boehner, tea party candidates and so on. But even though the people have recently had their say, in a typically raucous but entirely nonviolent fashion, we are supposed to put that aside and assess what a murderer with a mental illness has to tell us about the state of American politics, government and our national dialogue.
This line of argument is itself an attack on democratic discourse, and it is amazing that it even needs to be rebutted. Taking such an argument seriously will only encourage more crazy people to believe they can trigger a national soul-searching if they shoot at a political target. We should denounce the murders and the murderer, rather than doing him the honor of suggesting that his violence flows in any explainable fashion from democratic debate.
President Obama does have an opportunity here, but it is not to link—"deftly" or otherwise—his political opponents to Mr. Loughner. This would only further poison and polarize our public debate. Mr. Obama can lift the level of public discourse by explaining the reality of Mr. Loughner's illness and calling out those on the right and left who want to blame the other side for murder. That would be a genuinely Presidential act of leadership, and it would have the added advantage of being honest about the murders in Tucson.
Segue o editorial sóbrio do WSJ sobre o assunto:
Murder in Tucson
On all available evidence, Jared Lee Loughner is a mentally disturbed man who targeted Congresswoman Gabrielle Giffords and anyone near her in Tucson on Saturday because she was prominent and they were tragically accessible. He joins Sirhan Sirhan, John Hinckley Jr. and many others whose derangement led them to horrible acts of violence. Whatever confused political motives he expressed seem merely to be part of the maelstrom of his mental sickness.
In a better world, no one would attempt to exploit his madness for political gain. We would instead focus on the contributions of Ms. Giffords, by all accounts a laudable public servant. We would celebrate the lives of the other victims, and we would praise the survivors who intervened to tackle Mr. Loughner and disarm him before he could kill others—like 74-year-old retiree Bill Badger, who was grazed in the head by a bullet before helping to restrain the shooter.
But the shooting news had barely hit the wires on Saturday before the media's instant psychoanalysis put the American body politic on the couch instead of Mr. Loughner. "Bloodshed Puts New Focus on Vitriol in Politics," declared a story in the New York Times, which focused primarily on the tea party and Sarah Palin in the context of mass murder. The story even hauled in opposition to health-care reform.
Politico, the Beltway website, chimed in by quoting a "veteran Democratic operative" advising the White House "to deftly pin this on the tea partiers," just as "the Clinton White House deftly pinned the Oklahoma City bombing on the militia and anti-government people" in 1995.
Shouldn't a publication insist that someone urging the exploitation of murder at least put his name on the record? The same goes for the anonymous Republican Senator quoted by Politico denouncing "town halls and cable TV and talk radio" in relation to Mr. Loughner.
Consider the kind of rhetoric that is being implicated as incendiary and beyond the pale. Mrs. Palin is being scored for having put contested Congressional seats such as Ms. Giffords's in cross hairs on her website before the last election. This is supposed to be an incitement to murder?
At least one left-wing site also put Ms. Giffords on such a "target" list because she is one of the Blue Dog Democrats who doesn't vote the party line. And yesterday right-wing websites were reprising this or that quote from Democrats and even President Obama invoking some martial or weapons metaphor to suggest they are as culpable. This is as offensive as the blame-Republican implications in the New York Times.
Judging from Mr. Loughner's own website, his mind was a mess of conspiracy theories, influenced by tracts like "Mein Kampf" and the "Communist Manifesto." His main complaint about government seems to be that he believes it is trying to control American "grammar." Yet this becomes an excuse for the media to throw him in with the tea partiers as "anti-government."
Perhaps we will learn more as the investigation unfolds. But so far this case couldn't be more different than that of Nidal Hasan, the Fort Hood killer who was motivated by Islamist hatred of America. Yet it is notable that the press corps was more restrained in identifying Major Hasan's Islamist role models than in immediately stretching to link Mr. Loughner with American politicians who universally denounce such violence.
Ponder the implication of this. A deranged soul shoots a public figure and we are supposed to change our political discourse and rule certain people and opinions out of bounds based on whatever incoherent ramblings Mr. Loughner published on his website?
Every two years we hold elections so that sane Americans can make a judgment on the policies of President Obama, John Boehner, tea party candidates and so on. But even though the people have recently had their say, in a typically raucous but entirely nonviolent fashion, we are supposed to put that aside and assess what a murderer with a mental illness has to tell us about the state of American politics, government and our national dialogue.
This line of argument is itself an attack on democratic discourse, and it is amazing that it even needs to be rebutted. Taking such an argument seriously will only encourage more crazy people to believe they can trigger a national soul-searching if they shoot at a political target. We should denounce the murders and the murderer, rather than doing him the honor of suggesting that his violence flows in any explainable fashion from democratic debate.
President Obama does have an opportunity here, but it is not to link—"deftly" or otherwise—his political opponents to Mr. Loughner. This would only further poison and polarize our public debate. Mr. Obama can lift the level of public discourse by explaining the reality of Mr. Loughner's illness and calling out those on the right and left who want to blame the other side for murder. That would be a genuinely Presidential act of leadership, and it would have the added advantage of being honest about the murders in Tucson.
sexta-feira, janeiro 07, 2011
A disputa pela Vale
Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal
Segundo o jornal Valor Econômico, o sentimento dos sócios controladores da Vale é o de que Roger Agnelli, atual presidente executivo da empresa, já “esgotou um ciclo na mineradora”, e deverá ser substituído em março, quando acaba seu contrato com a mineradora. A matéria fala que o processo de escolha do substituto não deverá ser politizado, mas não há certeza alguma disso no mercado. O receio ainda existe, e com razão.
Todos sabem das diferenças entre a presidente Dilma e Roger Agnelli, assim como é conhecido o apetite do PT pelo comando da maior empresa privada do país. A cabeça de Roger Agnelli está em jogo faz tempo, e parece que os próprios controladores da Vale, entre eles o Bradesco, decidiram que não compensa mais comprar esta briga e se indispor com o governo. Afinal, nosso governo concentra um poder quase ditatorial, e ainda há a questão da revisão dos royalties de minério em pauta. A Vale não quer um inimigo como Dilma, e com razão.
Ao que parece, os controladores estão se antecipando e sugerindo novos nomes, justamente para evitar que o governo decida, por meio dos fundos de pensão, politizar de vez o comando da empresa. Alguns desses nomes vazaram para o jornal, entre eles Rossano Maranhão, Octávio Azevedo, Fábio Barbosa, Wilson Brumer e Luciano Coutinho. Destes, apenas o último parece fora de lugar, por sua ligação próxima com o governo (Cotinho é o atual presidente do BNDES). Talvez o nome tenha sido colocado ao lado dos demais para evitar um avanço ainda pior do governo, com sugestões de políticos do partido ou coisa do tipo. As “boquinhas” do governo são infindáveis, mas a fome dos governantes e seus apaniguados é ainda maior!
Não sabemos ainda como esta batalha pelo comando da Vale vai terminar. O que está claro é que o jogo já está rolando nos bastidores, e deve ser barra pesada. A Vale tem feito inserções na mídia com freqüência assustadora, falando de suas conquistas, investimentos e importância para o progresso do país. Sem dúvida se trata de propaganda para mostrar quanto a empresa melhorou e ajudou o país após sua privatização. Seria de fato lamentável um retrocesso com sua politização pelo governo Dilma.
quinta-feira, janeiro 06, 2011
Battisti: Lula é cúmplice de terrorista
Meu vídeo antigo (mas ainda atual) sobre o caso Cesare Battisti, que o ex-presidente Lula, no último dia de seu governo, vergonhosamente decidiu manter no país em vez de extraditá-lo para cumprir prisão perpétua na Itália.
Dilma, interrompida
Demétrio Magnoli - O Estado de S.Paulo
Ah, o exagero - a sombra monstruosa do exagero. "Lula estará conosco." "Sei que a distância de um cargo nada significa para um homem de tamanha grandeza e generosidade": "o maior líder que este país já teve." "Seu nome já está cravado no coração do povo." Não é o elogio incisivo, mesmo mais que protocolar, ao presidente que saiu, companheiro de partido, responsável por seu triunfo. É a louvação desmedida, o adjetivo incontido, o culto despropositado, a metáfora de ressonâncias religiosas. "Sob sua liderança, o povo brasileiro fez a travessia para uma outra margem da história." É Moisés, na travessia das águas e na jornada pelo deserto. Nos seus dois discursos de posse, Dilma Rousseff apalpou a linguagem das tiranias personificadas.
Condutor? Comandante? Eterno Presidente? Líder Genial dos Povos? Grande Timoneiro? A linguagem faz diferença, pois a política, em tempos de paz, é feita de palavras. Democracia é o regime das instituições, não dos líderes. Nas Repúblicas democráticas, nenhum líder sintetiza o povo - e exatamente por isso existem oposições legais. Delinquindo nos interstícios da lei, a Petrobrás batizou com o nome de Lula o campo petrolífero de Tupi. O culto a Lula é uma ferida na alma da democracia. Dilma subiu a rampa fazendo as orações desse culto bizarro.
Os discursos de posse de Dilma devem ser lidos como harmonias interrompidas. A presidente tenta desabrochar, insinua-se e esboça um aceno; ansiosa, tropeça e cai. Aqui e ali, por todos os lados, encontram-se os indícios da sua vontade de governar "para todos os brasileiros e brasileiras". Mas o propósito se estiola no caminho, sempre que colide com um dogma do lulismo.
Há o desejo discernível e, contudo, frustrado de construir uma narrativa realista do período pós-ditadura militar. "Um governo se alicerça no acúmulo de conquistas realizadas ao longo da história. Por isso, ao saudar os avanços extraordinários recentes, é justo lembrar que muitos, a seu tempo e seu modo, deram grandes contribuições às conquistas do Brasil de hoje." Ela poderia ter dito: José Sarney consolidou as liberdades políticas, Fernando Collor iniciou a abertura comercial, Itamar Franco fez o Plano Real, FHC ergueu o edifício da estabilidade econômica. Mas não disse, pois pronunciar o nome de um predecessor seria incorrer no pecado da apostasia: a negação da primazia de Lula.
Lula falou quase sempre como chefe de uma facção - e, no dia de passar a faixa, referiu-se ainda aos opositores como "inimigos". Dilma, ao contrário, almeja falar como a "presidente de todos". Ela estendeu a mão aos partidos de oposição, sem pedir a ninguém "que abdique de suas convicções". Com o olho posto nas lições da campanha eleitoral, enfatizou o imperativo do combate à corrupção e declarou um compromisso "inegociável" com as liberdades individuais, de religião, de imprensa e de opinião. "Prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras", assegurou, reproduzindo a fórmula empregada no discurso de vitória. A declaração será posta à prova logo mais, quando a presidente abrir a gaveta onde repousa o projeto de controle estatal de conteúdos dos meios de comunicação, um presente de grego deixado por Franklin Martins, em nome de Lula.
Dilma prometeu uma política externa "baseada nos valores clássicos da diplomacia brasileira", oferecendo uma justificativa cifrada para o afastamento de Celso Amorim. Recitou, um a um, os princípios inscritos na Constituição: promoção da paz, não intervenção, defesa dos direitos humanos. "Direitos humanos", ela disse! É uma censura indireta a Lula, que elogiava ditaduras e traçava paralelos abomináveis entre presos políticos e criminosos comuns.
Entretanto, os interditos pontilham a estrada como campos minados. Logo depois dos direitos humanos, apartando-se do texto constitucional, Dilma mencionou o "multilateralismo". Em tese, o termo significa, apenas, o fortalecimento das instituições multilaterais, como a ONU, o FMI e o G-20. Na linguagem codificada do lulismo, condensa o impulso antiamericano que moldou a desastrada aproximação com o Irã. O "multilateralismo", nessa acepção pervertida, combina com a permanência de Marco Aurélio Garcia no posto de chanceler fantasma. "Lula estará conosco", lembrou a presidente que se sabe tutelada.
"Eu troquei meu nome e coloquei Dilma lá na cédula", avisou Lula na campanha eleitoral. O ex-presidente interpreta o novo governo como seu terceiro mandato e para exercer a tutela nomeou dois primeiros-ministros informais: Antônio Palocci, tutor externo, e Gilberto Carvalho, tutor interno. Ambos cometeram atos falhos antes do encerramento do primeiro dia de governo. Palocci dirigiu um pedido aos ministros: "Tenham-me como um de vocês, um da equipe, um do time." Ninguém que é "um de vocês" fala assim. Carvalho declarou em entrevista: "Lula não precisa de mim. Seria muita pretensão querer ser o espião do Lula no Planalto." O sarcasmo involuntário continua a ser sarcasmo.
Marta Suplicy nunca aprendeu a arte política da sublimação do desejo: a senadora proclama, gritando, o que deve ser sussurrado. Certa vez, nos bastidores de uma reunião da Direção Nacional do PT, incorporou a persona da rainha de Alice para exigir, aos berros, a expulsão imediata de uma corrente minoritária. Agora, na posse da presidente, alertou para a presença perene de Lula - "ele estará sempre disposto a ajudar Dilma no que ela precisar" - e enviou uma mensagem a interlocutores genéricos: "Há uma parceria entre Dilma e Lula que ninguém quebra."
Ninguém quebra? Se Marta tiver razão, Dilma não será, jamais, a "presidente de todos" - e não será nem mesmo a chefe de uma facção. Mas ela pode estar errada, pois a infalibilidade é um atributo exclusivo de Lula. Nessa hipótese, para o bem da democracia, o Brasil terá uma presidente, não um governo subterrâneo.
SOCIÓLOGO, É DOUTOR EM GEOGRAFIA HUMANA PELA USP. E-MAIL: DEMETRIO.MAGNOLI@TERRA.COM.BR
Ah, o exagero - a sombra monstruosa do exagero. "Lula estará conosco." "Sei que a distância de um cargo nada significa para um homem de tamanha grandeza e generosidade": "o maior líder que este país já teve." "Seu nome já está cravado no coração do povo." Não é o elogio incisivo, mesmo mais que protocolar, ao presidente que saiu, companheiro de partido, responsável por seu triunfo. É a louvação desmedida, o adjetivo incontido, o culto despropositado, a metáfora de ressonâncias religiosas. "Sob sua liderança, o povo brasileiro fez a travessia para uma outra margem da história." É Moisés, na travessia das águas e na jornada pelo deserto. Nos seus dois discursos de posse, Dilma Rousseff apalpou a linguagem das tiranias personificadas.
Condutor? Comandante? Eterno Presidente? Líder Genial dos Povos? Grande Timoneiro? A linguagem faz diferença, pois a política, em tempos de paz, é feita de palavras. Democracia é o regime das instituições, não dos líderes. Nas Repúblicas democráticas, nenhum líder sintetiza o povo - e exatamente por isso existem oposições legais. Delinquindo nos interstícios da lei, a Petrobrás batizou com o nome de Lula o campo petrolífero de Tupi. O culto a Lula é uma ferida na alma da democracia. Dilma subiu a rampa fazendo as orações desse culto bizarro.
Os discursos de posse de Dilma devem ser lidos como harmonias interrompidas. A presidente tenta desabrochar, insinua-se e esboça um aceno; ansiosa, tropeça e cai. Aqui e ali, por todos os lados, encontram-se os indícios da sua vontade de governar "para todos os brasileiros e brasileiras". Mas o propósito se estiola no caminho, sempre que colide com um dogma do lulismo.
Há o desejo discernível e, contudo, frustrado de construir uma narrativa realista do período pós-ditadura militar. "Um governo se alicerça no acúmulo de conquistas realizadas ao longo da história. Por isso, ao saudar os avanços extraordinários recentes, é justo lembrar que muitos, a seu tempo e seu modo, deram grandes contribuições às conquistas do Brasil de hoje." Ela poderia ter dito: José Sarney consolidou as liberdades políticas, Fernando Collor iniciou a abertura comercial, Itamar Franco fez o Plano Real, FHC ergueu o edifício da estabilidade econômica. Mas não disse, pois pronunciar o nome de um predecessor seria incorrer no pecado da apostasia: a negação da primazia de Lula.
Lula falou quase sempre como chefe de uma facção - e, no dia de passar a faixa, referiu-se ainda aos opositores como "inimigos". Dilma, ao contrário, almeja falar como a "presidente de todos". Ela estendeu a mão aos partidos de oposição, sem pedir a ninguém "que abdique de suas convicções". Com o olho posto nas lições da campanha eleitoral, enfatizou o imperativo do combate à corrupção e declarou um compromisso "inegociável" com as liberdades individuais, de religião, de imprensa e de opinião. "Prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras", assegurou, reproduzindo a fórmula empregada no discurso de vitória. A declaração será posta à prova logo mais, quando a presidente abrir a gaveta onde repousa o projeto de controle estatal de conteúdos dos meios de comunicação, um presente de grego deixado por Franklin Martins, em nome de Lula.
Dilma prometeu uma política externa "baseada nos valores clássicos da diplomacia brasileira", oferecendo uma justificativa cifrada para o afastamento de Celso Amorim. Recitou, um a um, os princípios inscritos na Constituição: promoção da paz, não intervenção, defesa dos direitos humanos. "Direitos humanos", ela disse! É uma censura indireta a Lula, que elogiava ditaduras e traçava paralelos abomináveis entre presos políticos e criminosos comuns.
Entretanto, os interditos pontilham a estrada como campos minados. Logo depois dos direitos humanos, apartando-se do texto constitucional, Dilma mencionou o "multilateralismo". Em tese, o termo significa, apenas, o fortalecimento das instituições multilaterais, como a ONU, o FMI e o G-20. Na linguagem codificada do lulismo, condensa o impulso antiamericano que moldou a desastrada aproximação com o Irã. O "multilateralismo", nessa acepção pervertida, combina com a permanência de Marco Aurélio Garcia no posto de chanceler fantasma. "Lula estará conosco", lembrou a presidente que se sabe tutelada.
"Eu troquei meu nome e coloquei Dilma lá na cédula", avisou Lula na campanha eleitoral. O ex-presidente interpreta o novo governo como seu terceiro mandato e para exercer a tutela nomeou dois primeiros-ministros informais: Antônio Palocci, tutor externo, e Gilberto Carvalho, tutor interno. Ambos cometeram atos falhos antes do encerramento do primeiro dia de governo. Palocci dirigiu um pedido aos ministros: "Tenham-me como um de vocês, um da equipe, um do time." Ninguém que é "um de vocês" fala assim. Carvalho declarou em entrevista: "Lula não precisa de mim. Seria muita pretensão querer ser o espião do Lula no Planalto." O sarcasmo involuntário continua a ser sarcasmo.
Marta Suplicy nunca aprendeu a arte política da sublimação do desejo: a senadora proclama, gritando, o que deve ser sussurrado. Certa vez, nos bastidores de uma reunião da Direção Nacional do PT, incorporou a persona da rainha de Alice para exigir, aos berros, a expulsão imediata de uma corrente minoritária. Agora, na posse da presidente, alertou para a presença perene de Lula - "ele estará sempre disposto a ajudar Dilma no que ela precisar" - e enviou uma mensagem a interlocutores genéricos: "Há uma parceria entre Dilma e Lula que ninguém quebra."
Ninguém quebra? Se Marta tiver razão, Dilma não será, jamais, a "presidente de todos" - e não será nem mesmo a chefe de uma facção. Mas ela pode estar errada, pois a infalibilidade é um atributo exclusivo de Lula. Nessa hipótese, para o bem da democracia, o Brasil terá uma presidente, não um governo subterrâneo.
SOCIÓLOGO, É DOUTOR EM GEOGRAFIA HUMANA PELA USP. E-MAIL: DEMETRIO.MAGNOLI@TERRA.COM.BR
Inundado pelo QE2
Benn Steil, Valor Econômico
Imagine a cena: você entra no chuveiro, abre a torneira, e nada. Você chamar um encanador que lhe diz que existem furos na tubulação e que o conserto vai custar US$ 1 mil. Você lhe diz para, em vez de consertar, aumentar a pressão da água.
Isso soa sensato? Bem, essa é a lógica por trás da segunda rodada de "afrouxamento quantitativo" - o "quantitative easing", ou ou QE2 na sigla em inglês - do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), a sua estratégia para manter a canalização inundada de dinheiro até que o crédito comece a fluir livremente de novo dos bancos para as empresas.
Você não esperaria que isso desse certo com seu chuveiro e há pouca razão para esperar que funcione no mercado de financiamento empresarial. O mecanismo de transmissão de crédito nos EUA - e em outros países - está gravemente danificado desde 2007. Nos EUA, as pequenas e médias empresas dependem de bancos de pequeno e médio porte para obter acesso a crédito vital, porém muitos desses bancos continuam zumbis, incapazes de emprestar porque seus balanços patrimoniais estão repletos de empréstimos comerciais e imobiliários incobráveis orginados nos anos de boom.
O Programa de Socorro a Ativos Problemáticos (Tarp, na sigla em inglês) americano foi uma oportunidade para forçar os bancos a se desfazerem de ativos podres - e assim reparar a canalização do crédito. Em vez disso, os bancos só ficaram obrigados a tomar injeções de capital do governo, o que consideram politicamente tóxico. Como resultado, os bancos têm se concentrado em devolver os fundos de socorro o mais rapidamente possível, em vez de empregá-los para aumentar os empréstimos.
O resultado líquido disso é que, embora o Fed tenha levado a taxa de juros para empréstimos de curto prazo para abaixo de zero, a maioria dos bancos só empresta com base em garantias muito maiores e a juros reais muito maiores do que os praticados antes da recessão. Então, agora os EUA continuam penando sob a opção barata: inundando as tubulações para ver no que isso vai dar.
Não nos enganemos: alguma coisa vai jorrar, embora não necessariamente onde deveria. Já vimos a liquidez destinada a aumentar os empréstimos bancários nos EUA vazar, em vez disso, pelas rachaduras, para mercados tão diversos como de commodities agrícolas, metais e dívida de países pobres.
Paul Krugman, ganhador do Prêmio Nobel, que repreende o Fed por não abrir muito mais a eclusa monetária, mostrou as loucuras da bruta abordagem keynesiana quase uma década atrás. Em agosto de 2001, ele escreveu: "A força motriz por trás da atual desaceleração é uma queda no investimento empresarial". Mas, "para reaquecer a economia", nos disse ele, "o Fed não tem de restaurar o investimento no setor privado; qualquer tipo de aumento na demanda servirá. Em especial o setor habitacional, que é extremamente sensível às taxas de juro, poderia ajudar a puxar uma recuperação".
Um ano depois, como o Fed não havia se mexido com suficiente agressividade, em sua opinião, Krugman intuiu que "é preciso um grande aumento nos gastos das famílias para compensar o moribundo investimento das empresas. E para fazer isso (o Fed) precisa criar uma bolha imobiliária para substituir a bolha da Nasdaq". Desejo atendido.
Porém, tanto os EUA como o mundo não podem passar novamente por tudo isso. Não se pode esperar que o mundo fora dos EUA, que depende do dólar como seu principal veículo de comércio e, portanto, como ativo de reserva, assista passivamente enquanto dólares continuam sendo despejados em seus mercados de câmbio, commodities e ativos, sem um fim claro à vista.
A Alemanha tem criticado a abordagem americana, que põe seu banco central no centro da estratégia de recuperação. Mas a zona do euro está fazendo o mesmo.
Veja a feitiçaria do socorro à Irlanda. A irlandesa Nacional Asset Management Agency (Nama) foi criada em 2009 para fazer uma limpeza nos balanços patrimoniais dos bancos irlandeses. Mas ela faz isso dando "notas promissórias" recém-criadas - e não euros - aos bancos, em troca de créditos de cobrança duvidosa. Os bancos então descarregam as promissórias no Banco Central Europeu, que fornece, então, o dinheiro de verdade.
Uma vez que a Nama troca as promissórias por dívida bancária a apenas metade de seu valor de face, essa operação triangular pode resultar numa perda de capital de €1 para cada euro que os bancos recebem do BCE. Evidentemente, as promissórias agora apresentadas ao BCE têm de ser depreciadas, o que ameaça destruir o balanço patrimonial do próprio BCE.
Qual é a lógica dessa ciranda maluca? Os bancos alemães detêm pelo menos €48 bilhões de dívida bancária irlandesa, os bancos britânicos têm outros €31 bilhões e os bancos franceses mais €19 bilhões. Desde junho de 2008, bancos alemães, britânicos e franceses retiraram o equivalente a €253 bilhões em crédito de bancos irlandeses e de outros tomadores irlandeses de empréstimos - correspondentes a 70% do total dos fundos estrangeiros sacados. As autoridades desses países estão agora tentando proteger seus bancos contra prejuízos, fingindo preocupação de boa vizinhança em relação ao governo irlandês.
Durante décadas, os Estados Unidos e a Europa ditaram ao mundo regras sobre a importância da limpeza de casa depois de uma crise financeira: especialmente no que diz respeito a corrigir ou dar um fim a bancos zumbis. É hora de engolir o nosso próprio remédio e retomar o difícil trabalho de consertar nossos sistemas bancários. Confiar em que os bancos centrais desencalhem os EUA e as economias europeias é uma abdicação de responsabilidade que nos vai custar muito caro no futuro.
Benn Steil é diretor de Economia Internacional no Council on Foreign Relations e coautor de "Money, Markets, and Sovereignty" (Dinheiro, mercados e soberania). Foi vencedor do Hayek Book Prize em 2010. Copyright: Project Syndicate, 2011.
Imagine a cena: você entra no chuveiro, abre a torneira, e nada. Você chamar um encanador que lhe diz que existem furos na tubulação e que o conserto vai custar US$ 1 mil. Você lhe diz para, em vez de consertar, aumentar a pressão da água.
Isso soa sensato? Bem, essa é a lógica por trás da segunda rodada de "afrouxamento quantitativo" - o "quantitative easing", ou ou QE2 na sigla em inglês - do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), a sua estratégia para manter a canalização inundada de dinheiro até que o crédito comece a fluir livremente de novo dos bancos para as empresas.
Você não esperaria que isso desse certo com seu chuveiro e há pouca razão para esperar que funcione no mercado de financiamento empresarial. O mecanismo de transmissão de crédito nos EUA - e em outros países - está gravemente danificado desde 2007. Nos EUA, as pequenas e médias empresas dependem de bancos de pequeno e médio porte para obter acesso a crédito vital, porém muitos desses bancos continuam zumbis, incapazes de emprestar porque seus balanços patrimoniais estão repletos de empréstimos comerciais e imobiliários incobráveis orginados nos anos de boom.
O Programa de Socorro a Ativos Problemáticos (Tarp, na sigla em inglês) americano foi uma oportunidade para forçar os bancos a se desfazerem de ativos podres - e assim reparar a canalização do crédito. Em vez disso, os bancos só ficaram obrigados a tomar injeções de capital do governo, o que consideram politicamente tóxico. Como resultado, os bancos têm se concentrado em devolver os fundos de socorro o mais rapidamente possível, em vez de empregá-los para aumentar os empréstimos.
O resultado líquido disso é que, embora o Fed tenha levado a taxa de juros para empréstimos de curto prazo para abaixo de zero, a maioria dos bancos só empresta com base em garantias muito maiores e a juros reais muito maiores do que os praticados antes da recessão. Então, agora os EUA continuam penando sob a opção barata: inundando as tubulações para ver no que isso vai dar.
Não nos enganemos: alguma coisa vai jorrar, embora não necessariamente onde deveria. Já vimos a liquidez destinada a aumentar os empréstimos bancários nos EUA vazar, em vez disso, pelas rachaduras, para mercados tão diversos como de commodities agrícolas, metais e dívida de países pobres.
Paul Krugman, ganhador do Prêmio Nobel, que repreende o Fed por não abrir muito mais a eclusa monetária, mostrou as loucuras da bruta abordagem keynesiana quase uma década atrás. Em agosto de 2001, ele escreveu: "A força motriz por trás da atual desaceleração é uma queda no investimento empresarial". Mas, "para reaquecer a economia", nos disse ele, "o Fed não tem de restaurar o investimento no setor privado; qualquer tipo de aumento na demanda servirá. Em especial o setor habitacional, que é extremamente sensível às taxas de juro, poderia ajudar a puxar uma recuperação".
Um ano depois, como o Fed não havia se mexido com suficiente agressividade, em sua opinião, Krugman intuiu que "é preciso um grande aumento nos gastos das famílias para compensar o moribundo investimento das empresas. E para fazer isso (o Fed) precisa criar uma bolha imobiliária para substituir a bolha da Nasdaq". Desejo atendido.
Porém, tanto os EUA como o mundo não podem passar novamente por tudo isso. Não se pode esperar que o mundo fora dos EUA, que depende do dólar como seu principal veículo de comércio e, portanto, como ativo de reserva, assista passivamente enquanto dólares continuam sendo despejados em seus mercados de câmbio, commodities e ativos, sem um fim claro à vista.
A Alemanha tem criticado a abordagem americana, que põe seu banco central no centro da estratégia de recuperação. Mas a zona do euro está fazendo o mesmo.
Veja a feitiçaria do socorro à Irlanda. A irlandesa Nacional Asset Management Agency (Nama) foi criada em 2009 para fazer uma limpeza nos balanços patrimoniais dos bancos irlandeses. Mas ela faz isso dando "notas promissórias" recém-criadas - e não euros - aos bancos, em troca de créditos de cobrança duvidosa. Os bancos então descarregam as promissórias no Banco Central Europeu, que fornece, então, o dinheiro de verdade.
Uma vez que a Nama troca as promissórias por dívida bancária a apenas metade de seu valor de face, essa operação triangular pode resultar numa perda de capital de €1 para cada euro que os bancos recebem do BCE. Evidentemente, as promissórias agora apresentadas ao BCE têm de ser depreciadas, o que ameaça destruir o balanço patrimonial do próprio BCE.
Qual é a lógica dessa ciranda maluca? Os bancos alemães detêm pelo menos €48 bilhões de dívida bancária irlandesa, os bancos britânicos têm outros €31 bilhões e os bancos franceses mais €19 bilhões. Desde junho de 2008, bancos alemães, britânicos e franceses retiraram o equivalente a €253 bilhões em crédito de bancos irlandeses e de outros tomadores irlandeses de empréstimos - correspondentes a 70% do total dos fundos estrangeiros sacados. As autoridades desses países estão agora tentando proteger seus bancos contra prejuízos, fingindo preocupação de boa vizinhança em relação ao governo irlandês.
Durante décadas, os Estados Unidos e a Europa ditaram ao mundo regras sobre a importância da limpeza de casa depois de uma crise financeira: especialmente no que diz respeito a corrigir ou dar um fim a bancos zumbis. É hora de engolir o nosso próprio remédio e retomar o difícil trabalho de consertar nossos sistemas bancários. Confiar em que os bancos centrais desencalhem os EUA e as economias europeias é uma abdicação de responsabilidade que nos vai custar muito caro no futuro.
Benn Steil é diretor de Economia Internacional no Council on Foreign Relations e coautor de "Money, Markets, and Sovereignty" (Dinheiro, mercados e soberania). Foi vencedor do Hayek Book Prize em 2010. Copyright: Project Syndicate, 2011.
segunda-feira, janeiro 03, 2011
O fanatismo de Rousseau
Meu artigo de estréia no OrdemLivre.org, sobre o fanatismo de Rousseau analisado pelo filósofo Isaiah Berlin.
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