Rodrigo Constantino, Valor Econômico
O pânico se instalou nos mercados nos últimos dias. O Sr. Mercado, sempre bipolar, está na fase em que o medo domina a ganância. E, assim como ocorre nas bolhas, há fundamentos para justificar a elevada aversão ao risco: governos muito endividados, baixo crescimento econômico e lideranças políticas medíocres em todo lugar.
Da mesma forma que comprar na euforia é irresponsabilidade, vender durante o pânico pode ser um tiro no pé. Este espaço tem trazido bons artigos nessa linha, argumentando como os ativos de risco ficaram baratos. Qualquer indicador técnico mostra que a bolsa brasileira, por exemplo, está "oversold". A máxima de mercado manda comprar quando tiver "sangue nas ruas", e este parece ser o caso. Para quem tem estômago para aguentar a volatilidade, esta parece uma oportunidade interessante.
Mas, como não poderia deixar de ser, existem riscos grandes no radar ainda. Pode ser interessante aos investidores buscar algum tipo de "hedge". Com esta volatilidade, comprar seguro não é barato. Um ativo, porém, chama mais a atenção, por parecer fora de preço: a moeda europeia.
As bolsas dos principais países europeus despencaram no ano. O CAC francês já cai mais de 20%, e o Société Générale cai quase 40%. O CDS (Credit Default Swap) da França passou de 170 pontos-base, o nível de risco que a Itália apresentava há poucas semanas. E, talvez o dado mais preocupante, o mercado interbancário na Europa está travando. O spread cobrado entre os bancos para zeragem sobe sem parar, e já está na faixa dos 70 pontos-base. A desconfiança no setor bancário europeu é total.
Não obstante esse cenário sombrio, o euro segue firme acima de US$ 1,40. Já escrevi neste espaço as possíveis explanações, entre elas a intervenção estatal, o diferencial de juros e os riscos do dólar. Mas, se a situação nos EUA é precária, ela parece ainda mais feia na Europa. O rebaixamento dos títulos americanos pela S&P tem foco político se os títulos da França não forem rebaixados também. O quadro fiscal francês é ainda pior.
O país tem déficit nominal de 7% do PIB, uma dívida sobre PIB acima de 80%, desemprego próximo de 10% e o governo já arrecada 55% do PIB em impostos, deixando pouca margem de manobra. Sua economia não tem competitividade para compensar o fortalecimento da moeda. E os bancos apresentam elevada exposição aos títulos de países em situação ainda pior, como a Itália.
O BCE, diante disso tudo, ainda não reduziu a taxa de juros, enquanto o Fed acaba de anunciar juros reais negativos por mais 24 meses. Mas até quando a Europa aguenta nessas condições? O presidente do BCE, Trichet, tem feito concessões à ortodoxia tradicional do Bundesbank, e chegou a anunciar a compra de títulos espanhóis e italianos. Mas é muito pouco para reverter o quadro europeu.
Quanto mais se estuda o cenário da Europa, mais difícil fica encontrar uma solução. A criação da moeda foi uma decisão política, e suas inúmeras falhas agora ficam evidentes. O cabo de guerra entre o Bundesbank e a França nos remete à origem do euro. A França, cansada de ser humilhada pelas constantes desvalorizações de sua moeda frente ao marco alemão, fez de tudo para criar o euro e unificar a política monetária. O que fazer agora?
Já há quem pense que a Alemanha poderá sair do euro, cansada de carregar o peso dos demais nas costas. Se o BCE consumar sua transformação em um banco central "dovish", rasgando seu mandato único de cuidar da inflação, não se pode prever a reação dos alemães. Imprimir moeda e salvar bancos e governos quebrados será a morte definitiva do Bundesbank, e o euro certamente sofreria muito. O BCE seria igual ao Fed de Bernanke.
Mas se o Bundesbank vencer a batalha e o BCE evitar a tentação da "solução americana", então o sistema bancário poderá implodir. Para evitar isso, seria necessário fazer tantas reformas, cortando gastos públicos e flexibilizando as leis trabalhistas, que parece impossível crer nessa saída. Ela seria dolorosa demais no curto prazo, para povos já muito acostumados com as regalias do "welfare state" camarada. Haveria ainda mais tensão social e revolta nas ruas.
Por qualquer ângulo observado, os maiores riscos parecem vir da Europa no momento. Crises financeiras são como pescaria com dinamites: primeiro emergem os peixes menores para depois surgirem as baleias mortas. Creio, então, que ainda falta aparecer alguma baleia boiando. E arriscaria dizer que ela será europeia.
Rodrigo Constantino é sócio da Graphus Capital
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