segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Dinamarca e Fanatismo




Rodrigo Constantino

“Não é possível discutir racionalmente com alguém que prefere matar-nos a ser convencido pelos nossos argumentos.” (Karl Popper)

O artigo vem um pouco atrasado, para falar das charges de Maomé e da reação alucinada que geraram entre muçulmanos fanáticos. Mas não tem problema. Afinal, a reação dos extremistas também veio bastante atrasada. Na verdade, levaram meses para mostrar revolta insana com uns simples desenhos, curiosamente em um momento que muito interessava ao Irã. O que está por trás dessa suposta loucura? Quem tem razão nesse episódio?

Muitas pessoas, talvez por medo do Islã ou por relativismo moral hipócrita, condenaram o próprio Ocidente e sua liberdade de expressão. Querem voltar aos tempos onde era proibido ir contra a fé e a religião. Acham que os jornais não tinham nada que desrespeitar as crenças dos muçulmanos. Essas mesmas pessoas nada falam quando o lado de lá diz que Israel deve ser exterminado do mapa, ou que o Holocausto nem existiu. Também não fazem coro contrário quando filmes ou charges ironizam a figura de Cristo. O respeito da fé acima de tudo, aparentemente, tem dois pesos e duas medidas, como todas as demais formas de relativismo. É só o Ocidente que tem obrigação de respeitar a fé do Oriente. Este pode declarar a Jihad contra nós, pregando a morte dos infiéis, sob um silêncio complacente até mesmo dos moderados, que não tem problema algum.

Uma das possíveis causas do fanatismo islâmico pode ser encontrada no maior achatamento do mundo, com os avanços tecnológicos reduzindo a distância entre os povos. É a opinião do colunista Thomas Friedman, em seu livro O Mundo é Plano. O autor defende a tese de que, com a maior globalização e progresso da Internet, não é mais possível fechar os olhos dos muçulmanos para a realidade mundo afora. Fica mais evidente o atraso deles, o quanto ficaram para trás em relação ao Ocidente. Vários terroristas, em suas declarações, deixam claro esse ressentimento, uma busca de vingar a humilhação perante o sucesso ocidental. Essas paixões viram um prato cheio para o oportunismo de líderes inescrupulosos, que abusam de bodes expiatórios externos para justificarem as atrocidades domésticas. Com uma população extremamente jovem, economia dependente do ouro negro e sem geração de novos empregos, ausência de liberdades individuais e miséria crescente visível pelo choque de civilizações, há ambiente fértil para uma fábrica de terroristas fanáticos. Não há como lutar contra isso usando apenas a razão, afinal, tamanho fanatismo cria uma barreira intransponível à lógica. Estamos diante de um caso claro de rigidez cognitiva.

A cura de tal doença levará tempo. Será preciso democratizar as atuais teocracias, separar a fé religiosa do Estado, aumentar o grau de liberdade individual, reduzir a dependência econômica do petróleo etc. Nada disso será da noite para o dia. Mas é fundamental, para tanto, que os formadores de opinião não se curvem diante do medo ou da hipocrisia. Achar que o problema está na liberdade de expressão ocidental, em vez do fanatismo religioso dos muçulmanos, é trocar totalmente as bolas. O mundo necessita de um julgamento objetivo sobre esses acontecimentos, para o bem dos próprios muçulmanos que não compactuam com as barbaridades perpetradas em nome do seu deus. Apelar ao relativismo moral e culpar a liberdade de imprensa dinamarquesa pela reação dos fanáticos é assassinar o bom senso. Devemos ser livres até mesmo para blasfemar!

Marcelo, um oficial do reino da Dinamarca na mais famosa peça de Shakespeare, afirma que “há algo de podre no Estado da Dinamarca”, ao ver, espantado, o fantasma do Rei Hamlet. Eram outros tempos. Talvez no começo do século XVII havia mesmo algo de podre no reino da Dinamarca. Mas atualmente, o país conta com ampla liberdade individual. A imprensa é livre, a economia é livre, e a Dinamarca está na oitava posição no ranking de liberdade econômica do Heritage. A renda per capita beira os US$ 40 mil. Trata-se de um país avançado em todos os sentidos. O jornal dinamarquês tem total direito de desenhar uma charge de quem quiser, seja Maomé, Jesus, Buda ou o Papa. Os muçulmanos fanáticos é que não têm direito de incendiar embaixadas e matar gente por causa disso. Se Shakespeare vivesse nos dias atuais, provavelmente escreveria que há algo de muito podre nas teocracias islâmicas...

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