quinta-feira, fevereiro 03, 2011

Bônus Demográfico: Até Quando?



Rodrigo Constantino, para a revista Voto

“Os defensores do status quo em matéria previdenciária tiveram a oportunidade de escolher entre o sacrifício e o progresso fácil; escolheram o progresso fácil; terão o sacrifício.” (Fábio Giambiagi)

Será que um pai que ama de verdade seu filho faria vista grossa para um problema seu com drogas, na esperança de que aquilo que os olhos não vêem o coração não sente? Parece evidente que enfrentar a realidade, por mais dura que ela possa ser, é uma medida mais racional e adequada para quem realmente ama o filho. Infelizmente, quando o assunto é a Previdência Social, de profunda relevância para o futuro dos nossos filhos, muitos preferem agir como se o problema sequer existisse. Não é nada racional.

O chamado “bônus demográfico” tem ajudado países “jovens” como o Brasil há muito tempo. Os países mais “velhos”, como os europeus, enfrentam desafios homéricos com seus sistemas de pensão pública consumindo cada vez mais da produção nacional. Mas até quando esta situação favorável vai durar? Por quanto tempo mais os governantes brasileiros conseguirão fugir desta delicada questão? Os números mostram que reformas são necessárias com certa urgência. Protelar as medidas irá apenas aumentar os problemas no futuro. “No longo prazo estaremos todos mortos”, disse Keynes, máxima que muitos seguidores seus utilizam para a irresponsabilidade no presente. Mas o futuro já está chegando, e é preciso agir para evitar uma catástrofe.

Quem tem batido bastante nesta tecla é o economista Fábio Giambiagi, que trabalha com enorme cuidado o delicado tema da necessidade de reformas mais estruturais na Previdência. O ideal, para os liberais, seria o modelo de capitalização individual, onde cada indivíduo recebe de acordo com sua própria poupança. É o modelo mais justo, mas politicamente complicado de ser aprovado. O Chile é um claro exemplo que vem à mente, cujo sucesso é estudado no mundo todo. Mas em política, o ótimo é muitas vezes inimigo do bom. Com isso em mente, Giambiagi parte para um pragmatismo maior, fazendo concessões e lembrando o ensinamento de Amyr Klink, de que “no mar, o menor caminho entre dois pontos não é necessariamente o mais curto, mas aquele que conta com o máximo de condições favoráveis”.

Em seu livro “Reforma da Previdência: O Encontro Marcado”, Giambiagi enriquece o debate sobre a Previdência com fartos dados – muitos assustadores – e uma lógica inquestionável. Derruba inúmeros mitos sobre o problema, repetidos de forma automática sem a devida reflexão ou conhecimento. Alguns dados deixam claro que, se nada sério for feito, a tendência é explosiva e insustentável. O INSS, por exemplo, gastava com aposentadoria e pensões 2,5% do PIB em 1988, quando foi sancionada a nova Constituição. Vinte anos depois já gastava quase 8% do PIB. A velocidade do crescimento da população de idosos no Brasil deve acelerar bastante nos próximos anos, agravando muito o problema. Segundo o IBGE, existem atualmente quase 12 milhões de idosos no país, pessoas com 65 anos ou mais. Em 2030, esse número deve chegar a quase 25 milhões de pessoas, mais que o dobro. A demografia nacional não mais ajudará a ocultar a irresponsabilidade do modelo previdenciário. A Previdência é uma bomba-relógio, um acidente esperando para acontecer.

Muitos falam das fraudes como causas principais do rombo, mas tais teses não se sustentam com os dados. Desvios milionários podem parecer somas astronômicas do ponto de vista individual, mas significam pouco frente ao gasto de mais de R$ 250 bilhões com a Previdência. As raízes do problema são estruturais, encontram-se no modelo previdenciário em si, na distribuição de direitos sem a devida contrapartida, na idade média baixa das aposentadorias no Brasil, nos privilégios absurdos para funcionários públicos etc. Alguns, temendo um confronto com a realidade, repetem que o déficit da Previdência nem mesmo existe, apelando para malabarismos contábeis, como se alterando o nome da despesa ela deixasse de existir. O rombo existe, é crescente, e se nada for feito para alterar tal curso, as futuras gerações pagarão um elevado preço. Os aposentados de hoje estão hipotecando o futuro de seus filhos e netos.

A expectativa média de vida no Brasil pode ser mais baixa que a de países desenvolvidos, mas isso se deve, em boa parte, à elevada taxa de mortalidade infantil e de jovens. Entretanto, se a pessoa chega viva aos 60 anos, sua expectativa de vida passa da média de 72 anos ao nascimento para 81 anos. Ou seja, se um “garotão” de meia idade se aposenta com 50 anos, provavelmente ainda viverá uns 30 anos, sustentado por uma população ativa cada vez mais penalizada pelos pesados impostos necessários para fechar a conta. Na média, as pessoas no Brasil que se aposentam por tempo de contribuição vivem apenas em torno de um a dois anos menos do que na Suécia, mas se aposentam oito anos antes.

As aposentadorias atreladas ao salário mínimo geram um rombo ainda mais crescente, posto que este teve um aumento significativo desde o Plano Real. Some-se a isso o fato de cada vez mais mulheres estarem se aposentando, e a participação de idosos estar aumentando no total da população, e fica claro que a situação não é sustentável. O Brasil, quando comparado a outros países do mundo, encontra-se claramente num caso sui generis, com população ainda muito jovem, mas com gasto previdenciário relativamente elevado, a pior combinação possível. Como conclui Giambiagi, “um quadro em que seis de cada dez pessoas se aposentam com menos de 55 anos, em um país com todas as carências que o Brasil tem, é algo que faz qualquer estrangeiro arregalar os olhos de incredulidade”.

Giambiagi retorna ao tema no livro “Brasil: Raízes do Atraso”, onde aborda as “vacas sagradas” que funcionam como entraves ao crescimento da economia nacional. Entre essas “vacas”, uma das mais pesadas é justamente a questão previdenciária. Ele é enfático ao afirmar que “ou o Brasil acaba com a generosidade do seu sistema previdenciário, ou a generosidade do seu sistema previdenciário acaba com o Brasil”. Ele lembra, uma vez mais, que somos os campeões mundiais em gasto previdenciário, especialmente considerando a demografia. Enquanto os Estados Unidos gastam aproximadamente 6% do PIB para 12% de idosos na população, o Brasil é o inverso, gastando 12% do PIB para apenas 6% de idosos. Os países da OECD gastam, na média, pouco mais de 7% do PIB com aposentadorias, e mais de 16% da população está na faixa dos idosos. Quando o Brasil tiver esta parcela de idosos, quanto do PIB será destinado para pensões? Ninguém quer assumir o problema. Como Giambiagi coloca, “é como se tivéssemos um elefante na sala e todos fingissem que está tudo normal”.

O debate sobre a Previdência mexe com muitas emoções, e por isso acaba gerando mais calor que luz. Entretanto, as leis inexoráveis da economia não aceitam mágicas, tampouco toleram irresponsabilidade. Abdicar da razão e deixar a retórica dominar o debate é o caminho da desgraça. Sabemos que politicamente é muito complicado defender as reformas necessárias, pois os custos são imediatos enquanto os benefícios ficam dispersos no tempo. Mas a trajetória para este encontro certo pode ser melhor ou não, e isso fará toda a diferença do mundo, tanto para os que viverão até lá, como para seus descendentes. Deixar de fazer os sacrifícios necessários no presente é irresponsabilidade total. De nada irá adiantar negarmos os fatos. Eles continuarão existindo. Temos um encontro marcado com a reforma da Previdência, queiramos ou não. Quanto antes, melhor. Os esforços e sacrifícios serão infinitamente maiores depois, quando o bônus demográfico desaparecer.

2 comentários:

Anônimo disse...

Rodrigo

Eis o busilis:
"O ideal, para os liberais, seria o modelo de capitalização individual, onde cada indivíduo recebe de acordo com sua própria poupança. É o modelo mais justo, mas politicamente complicado de ser aprovado. O Chile é um claro exemplo que vem à mente, cujo sucesso é estudado no mundo todo."
O desconto das contribuições previdenciárias deveriam ser capitalizados pelo governo e não são. Ou são?
A previdência abriga gastos de gestão social (loas, aposentadoria rural) sem que tivesse havido pelos beneficiários do regime qualquer contriubição.
Se o brasil ou no brasil se pretende "acabar com a miséria" e usa-se para isso contabilizar o gasto como previdenciário vai dar no fim do mundo o déficit.(tenha-se em conta o bolsa família: já está faltando mão de obra)
É preciso que o governo abra uma conta para esses gastos sociais e isole das aposentadoiras daqueles que contribuiram para o inss e cuja contribuição não é/foi capitalizada.
Haveria então duas previdências: aquela de quem contribuiu e foi capitalizado (previdência trabalhista); 2) aquela de quem não contribuiu(previdência social propriamente dita). Esta última deveria ser registrada em outra conta e não na previdência. Porque com o rolo que se faz das contas aqueles que efetivamente contribuiram acabam prejudicados.

Georges disse...

Anonymous, acho que mudar o nome do rombo não ajuda muito. O ponto é quanto o setor produtivo (que é quem paga a conta no fim das contas) vai aguentar bancar uma parcela significativa de população inativa. Me lembra o monumento dos Bandeirantes em SP, um monte de gente puxando um barco por terra com cordas. Agora temos cada vez mais gente no barco e menos nas cordas...