sexta-feira, setembro 02, 2011

A decisão do Copom: medida ousada ou irresponsável?

Por Rodrigo Constantino, Valor Econômico

Em uma decisão que surpreendeu quase todos os agentes do mercado - à exceção de alguns bancos que montaram grandes apostas na véspera do evento -, o Copom cortou a taxa básica de juros em 0,5 ponto porcentual na quarta-feira.

Trata-se de medida inesperada, principalmente quando levamos em conta a comunicação com o mercado pelas atas anteriores e o fato de que a inflação, corrente e esperada, encontra-se acima da meta.

Foi uma virada repentina no rumo da Selic, celebrada ontem pelos investidores, que partiram para as compras de ações brasileiras, especialmente as mais sensíveis ao patamar de juros, como as construtoras. O Ibovespa subiu quase 3% no dia, descolando-se das bolsas internacionais. Mas se tal decisão se mostrará correta no longo prazo, ainda é muito cedo para dizer.

O mercado ainda terá de aguardar a nova ata para saber dos pormenores da decisão, que contou com duas dissidências. Mas a linha de argumentação parece ser a deterioração do quadro externo. Afinal, o arrefecimento da economia brasileira não foi forte o suficiente para justificar tal medida. Ou será que o Banco Central sabe de mais coisa que o mercado ignora? Essa leitura, comum quando ocorre dissonância entre o que se espera e o que é feito, produz novas incertezas no mercado. Por isso a transparência do BC é vista como um importante ativo em sua credibilidade.

Aceitando-se a versão de que o foco foi mesmo a piora do cenário internacional, trata-se de muita ousadia do BC. Alguns dados, de fato, mostraram aumento no risco de um duplo mergulho da economia americana, e os fundamentos da Europa também apresentaram piora. Mas ainda é cedo para afirmar que o desenrolar dos fatos será na direção catastrófica. O Copom, portanto, teria especulado ao apostar suas fichas nesse cenário, claramente se antecipando aos possíveis eventos. Será que o BC agora virou um "hedge fund" com Tombini à frente?

Há um fator que não pode ser ignorado de forma alguma nesta equação: a pressão política. Não passou despercebido por ninguém o fato de que a presidente Dilma, na véspera da decisão, afirmou que gostaria de ver uma redução na taxa de juros. A imagem que fica, verdadeira ou não, é a de um BC politizado, sem independência de ação. Institucionalmente, trata-se de algo preocupante, que poderá cobrar elevado preço no futuro. Poucas coisas são tão perigosas para a inflação quanto um BC capturado pelos interesses do governo. O guardião da moeda se transforma em cúmplice do populismo eleitoreiro, alimentando o dragão inflacionário.

Os recentes discursos da presidente apontam na direção correta de maior austeridade fiscal e reformas. Mas, por enquanto, tudo que se tem é pura retórica e intenção anunciada. Se o corte da Selic se deu por conta dessas promessas, então a medida deixa de ser ousada e passa a ser irresponsável. Primeiro, porque sabemos como há um abismo de distância entre desejar o corte de gastos e aprová-lo no Congresso. Ainda mais num Congresso cada vez mais hostil por causa da "faxina" na corrupção. Segundo, porque aquilo colocado na mesa está muito aquém do necessário.

Foi feito grande alarde por causa de R$ 10 bilhões de aumento no superávit primário esperado pelo governo. Isso se levando em conta que houve receita extra quase do mesmo montante, ou seja, é somente uma economia daquilo que entrou a mais. Sem falar que a magnitude da economia é pífia quando se observa o montante dos gastos públicos. Um governo que gasta mais de R$ 1 trilhão falar em economizar R$ 10 bilhões extras é como uma família que gasta R$ 10 mil tentar convencer o credor que será responsável por poupar R$ 100 a mais. É uma piada de mau gosto!

Quanto às reformas, parecem seguir na direção certa, especialmente no que diz respeito à aposentadoria dos funcionários públicos. Mas, novamente, ainda é muito pouco perto do necessário, sem mencionar os enormes obstáculos políticos para sua aprovação. A Previdência Social continua sendo uma bomba-relógio que não explodiu apenas por causa da demografia favorável. Mas a população está envelhecendo, e o governo precisa agir rápido.

O que o afrouxamento monetário prematuro fez foi colocar enorme pressão no Congresso e no Executivo por maior austeridade fiscal. Mas contar com isso é mais do que arriscado; é irresponsável. A decisão do Copom só terá se mostrado acertada se a economia mundial realmente mergulhar em recessão. Caso contrário, foi um grande passo na direção errada, elevando os riscos do descontrole inflacionário. Remediar o erro será bem mais doloroso depois.

Rodrigo Constantino é sócio da Graphus Capital

4 comentários:

Anônimo disse...

Qualquer decisão do BC seria questionável. O BC não tem capacidade maior que o mercado para definir a taxa de juros real.

Francisco disse...

"Um governo que gasta mais de R$ 1 trilhão falar em economizar R$ 10 bilhões extras é como uma família que gasta R$ 10 mil tentar convencer o credor que será responsável por poupar R$ 100 a mais. É uma piada de mau gosto!"

Perfeito! Tem de se mostrar o óbvio.

Blog para receber econoespaco disse...

Não consigo entender essa queda de 0,5 pontos na SELIC. A pressão inflacionária ainda permanece e das taxas acumuladas dos 12 últimos meses estão longe de confortável.

Se a presidente nem sabe como se faz uma boa faxina, o que dizer de táticas para enfrentar o dragão da inflação.

Anônimo disse...

...aos juros altos temos uma grita geral...à queda dos juros temos a mesma gritaria...as coisas não são tão simples...mas o que transparece é a falta de racionalismo...

...ou a questão econômica não é dominada a contento, ou o que prevalece é a falta de um quantitativo razoável de informações, suficientes, para um prognóstico ou posicionamento próximo da realidade do cenário seguinte da economia mundial...


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