terça-feira, fevereiro 07, 2012

Os pequenos príncipes

JOÃO PEREIRA COUTINHO, Folha de SP

Viajo de trem todas as semanas. Pode ser a melhor viagem do mundo. Ou a pior. Depende das crianças. Da existência delas.
Quando não há crianças a bordo, são três horas de puro hedonismo pessoal. Entro na carruagem, desligo o celular, sento-me. Descalço os sapatos. Leio um pouco, escrevo um pouco. Bebo também um pouco -um uísque de malte, tolerável, embora em copo de plástico (não há mundos perfeitos). Escuto música, assisto a um filme antigo no laptop.
E durmo -20 minutos, 30 minutos de meditação profunda, só para restaurar a minha beleza natural. Já pensei em levar duas rodelas de pepino no bolso só para colocar sobre as pálpebras exaustas.
Quando chego ao destino, sinto-me tão relaxado que a minha vontade é comprar uma passagem de volta e repetir o spa ferroviário.
São as crianças que estragam tudo. Minto. São os pais das crianças. Existem dois grupo nas minhas experiências ambulantes.
O primeiro é composto por múmias deslumbradas com os filhos. Não se mexem. Contemplam. E contemplam com orgulho a forma como a descendência berra, suja e destrói a carruagem. O amor dos pais-múmia não se manifesta por ação, mas por omissão. Os filhos são tão absolutamente adoráveis que a selvajaria deles é digna de uma bailado de Nijinsky (1890-1950).
O segundo grupo é tão pernicioso quanto o primeiro. Mas onde antes havia deficit de disciplina, agora há excesso. Um gesto brusco dos filhos é mimetizado por um gesto brusco dos pais. Os filhos levantam-se subitamente, os pais levantam-se logo a seguir. Os filhos correm, os pais correm atrás. Os filhos berram, os pais berram com eles. Os filhos destroem a carruagem, os pais destroem os filhos.
Seja como for, o resultado é sempre o mesmo: uma viagem arruinada para terceiros. Certa vez, em desespero de causa, ainda tentei encontrar um compromisso. E perguntei a uma das assistentes de bordo se não seria possível a existência de uma carruagem à parte, só para crianças, como acontece com certos animais de estimação.
A donzela respondeu-me com um trejeito de horror profundo, como se eu fosse o Dr. Mengele a sugerir mais uma experiência médica. Deus meu, serei um monstro?
Pamela Druckerman diz que não. A sra. Druckerman é uma escritora americana a viver em França, mãe de três crianças e admiradora confessa das crianças dos outros. Crianças francesas, entenda-se, que se comportam em público e privado como os seus próprios filhos não se comportam em lado algum.
Como explicar a educação esmerada dos pequenos gauleses por oposição à rebeldia incontrolável dos pequenos americanos?
A resposta pode estar em "Bringing Up Bébé: One American Mother Discovers the Wisdom of French Parenting". O livro é lançado nesta semana, mas o "Wall Street Journal" já avançou com um aperitivo.
O segredo, conta Druckerman, não está no excesso de disciplina; muito menos na escassez dela. Está na forma adulta como os adultos normalmente (não) tratam as crianças. Ou descem ao nível mental delas; ou, pior, procuram elevá-las violentamente ao nível mental deles.
Que cada um tenha um papel específico na relação (a saber: educar e ser educado), eis um pensamento simplório que não passa pela cabeça dos pais modernos.
E, no entanto, é precisamente esse papel que os pais franceses tentam imprimir nos filhos. Como? Mostrando-lhes, de preferência sem berrar ou bater, que "não" é simplesmente "não"; que a frustração e o tédio fazem parte da existência humana; e que, às vezes, é preciso adiar a gratificação instantânea, sobretudo em matéria gastronômica.
Tudo isso é comunicado sem violência ou sentimentalismo; apenas com respeito e firmeza.
O resultado, escreve Druckerman, pode ser visto em restaurantes, lojas, escolas -e nas casas de cada um: paz na hora das refeições; paz nas compras cotidianas; paz na aprendizagem escolar; e paz, também, para amigos ou convidados da família.
Moral da história? Da próxima vez que tomar meu trem, prometo levar na mala alguns exemplares do livro da sra. Druckerman. Para oferecer em caso de emergência.
Se nem isso funcionar, paciência: só me resta abrir a janela e jogar fora pais e filhos.

7 comentários:

Anônimo disse...

"Como? Mostrando-lhes, de preferência sem berrar ou bater, que "não" é simplesmente "não"; que a frustração e o tédio fazem parte da existência humana; e que, às vezes, é preciso adiar a gratificação instantânea, sobretudo em matéria gastronômica."
Ela e ele falam como se fosse fácil né? kkk!

Anônimo disse...

As crianças francesas nao sao assim nao!

André disse...

Adoro o JPC,mas tenho que discordar,pela minha experiência,pelo que vi,as crianças europeias-especialmente as da parte mais latina da Europa-são muito,mas muito mais mal comportadas do que as crianças dos Estados Unidos.

Anônimo disse...

Eu sei o que é esse inferno.
Durante algum tempo trabalhei em Angola.O voo do RJ ou de Lisboa para Angola é pior do que um Ita do Norte.
É criança chorando, é bronca dos pais é criança enchendo saco de tudo que é jeito com a condescendência dos progenitores.
Hoje vim de Porto Alegre para o RJ. Atrás de mim um pentelhinho que não parou de abrir e fechar a porra da mesinha e chutar minha poltrona o tempo todo. Nenhuma possibilidade de descanso. Mas os bostas dos pais devem achar muito normal que o rebento pentelhe os outros.
Ninguém tem que aturar ou ser incomodado pelos filhos dos outros.
Quem pariu Mateus que o embale.

RS Rock'n'Roller disse...

Mais um caso onde a realidade acaba com o discurso. Culpa de quem? Acho que uma das menos culpadas é a dos pais. Acho difícil alguém, em sã consciência, deixar os filhos se tornarem monstrinhos incontroláveis sem ao menos uma (ou várias!) tentativa de controlá-los, ou ao menos amansá-los. O problema é que, como sabemos que as crianças tendem a imitar o comportamento de outras crianças (malditos neurônios espelhos!) como tb fazem os adultos, é só um pimpolho começar seu show-off para mais delas acompanhá-la. Não adianta amaldiçoá-las nessa hora, pergunte a sua mãe como vc era nessa época...

Anônimo disse...

Eu criei três filhos hoje muito bem sucedidos, o mais novo com 27 anos. Todos com formação Universitária e pós graduação, ocupando altas posições (Diretoria e Gerências)com excelentes salários em grandes Corporações.
Nunca obriguei ninguém a estudar e nunca premiei boas notas, era simples obrigação. Mas não se atrevessem a tirar notas baixas.
A partir de 18 anos toda e qualquer mesada ou ajuda financeira foi cortadas, com exceção de mensalidade de faculdade casa e comida. Quer roupa nova,sair com garotas, ir ao cinema, balada etc... trabalhe.Todos estavam nas faculdade e já trabalhavam aos 18 anos.
Nunca usei de violência mas eles sabiam os limites e bastava um olhar para que passassem a se comportar.
Os limites foram estabelecidos desde o dia em que nasceram. Dói ver nenê chorar por querer mamar fora dos horários estabelecidos, mas aprendem rapidinho.
Quando tinham dúvidas se era certo ou errado fazer algo olhavam para mim ou para minha mulher, um gesto de cabeça bastava para saberem se podiam ir adiante ou não e um olhar era o suficiente para pararem qualquer coisa que não estava certo.
Foram ensinados a respeitar não só os pais como as outras pessoas.
Consistência era a regra que adotamos. Se algo era errado era errado sempre e em qualquer lugar, não existiam meias medidas. Ameaças de castigos eram cumpridas à risca e ai de quem quisesse se interpor, tipo Avô ou Avó, eu não admitia.
Sem essa de neurônios espelho.
Essas teorias modernosas é que criam os monstrinhos atuais.
Nem por causa disso são Nerds babacas. Todos foram ou ainda são (com exceção do que é casado) baladeiros, namoradores e já viajaram quase o mundo todo as suas próprias custas.
Criar filhos dá trabalho.Mas criar direito tem suas recompensas.

Anônimo disse...

Certa vez quando proibi meu filho, então com 14 anos de ir á um show gratuito na praia, por questão de segurança, expliquei todos os motivos.
Mas os amigos iam, dialoguei por um tempo e encerrei a conversa.
Ele saiu reclamando que não havia diálogo. Na visão dele diálogo seria me convencer a deixa-lo ir.
Peguei um pincel atômico e uma cinta bem grossa e escrevi: DIÁLOGO.
Avisei que ele teria tanto diálogo quanto minha força pudesse dar.
Acabou a conversa. Duas pessoas foram mortas em tiroteio no Show.
No dia seguinte ele me agradeceu.
Tem que usar a Psicologia Portuguesa de educação.