terça-feira, maio 29, 2012

Criação coletiva

DORA KRAMER, Estadão

Não, o ex-presidente Lula não perdeu o juízo como sugere em princípio o relato da pressão explícita sobre ministros do Supremo Tribunal Federal para influir no julgamento do mensalão, em particular da conversa com o ministro Gilmar Mendes eivada de impropriedades por parte de todas as partes.
Lula não está fora de si. Está, isto sim, cada vez mais senhor de si. Investido no figurino do personagem autorizado a desrespeitar a tudo e a todos no cumprimento de suas vontades.
E por que o faz? Porque sente que pode. E pode mesmo porque deixam que faça. A exacerbação desse rude atrevimento é fruto de criação coletiva e não surgiu da noite para o dia.
A obra vem sendo construída gradativamente no terreno da permissividade geral onde se assentam fatores diversos e interesses múltiplos, cuja conjugação conferiu a Lula o diploma de inimputável no qual ele se encontra em pleno usufruto.
Nesse último e bastante assombroso caso, produto direto da condescendência institucional – para dizer de modo leve – de dois ex-presidentes da Corte guardiã da Constituição: o advogado Nelson Jobim, que convidou, e o ministro Gilmar Mendes, que aceitou ir ao encontro do ex-presidente.
Nenhum dos dois dispõe da prerrogativa da inocência. Podiam até não imaginar que Lula chegaria ao ponto da desfaçatez extrema de explicitar a intenção de influir no processo, aconselhando o tribunal a adiar o julgamento e ainda insinuar oferta de “proteção” ao ministro.
Inverossímil é que não desconfiassem da motivação do ex-presidente que anunciou disposição de se dedicar diuturnamente ao desmonte da “farsa do mensalão” e provou isso ao alimentar a criação de uma comissão parlamentar de inquérito no intuito de embaralhar as cartas e embananar o jogo.
Mas, apenas para raciocinar aceitemos o pressuposto da ingenuidade, compremos a versão do encontro entre amigos e consideremos natural tanto o convite quanto a anuência.
À primeira questão posta – “é inconveniente julgar esse processo agora” –, à primeira pergunta feita pelo ex-presidente – “não tem como adiar o julgamento?” –, se o ministro Gilmar Mendes tivesse agradecido ao convite e polidamente se retirado, não teria ouvido o que viria a seguir, segundo o relato que fez depois ao presidente do STF, ao procurador-geral da República e ao advogado-geral da União.
Narrativa esta que se pressupõe verdadeira. Se aceitarmos a versão do desmentido apresentada por Nelson Jobim teremos de aceitar a existência de um caluniador com assento no Supremo Tribunal Federal e de esperar contra ele algum tipo de interpelação.
Tivesse dado por encerrado o encontro logo de início, o ministro Gilmar Mendes não teria ficado “perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do presidente Lula”.
Não teria ouvido alusões ao seu possível envolvimento com o esquema Cachoeira – razão da oferta de proteção na CPMI –, não teria escutado o ex-presidente chamar o ministro Joaquim Barbosa de “complexado”.
Não teria testemunhado Lula desqualificar ao mesmo tempo o ex-ministro Sepúlveda Pertence e a ministra Cármen Lúcia ao sugerir a existência de uma cadeia de comando com a frase “vou falar para o Pertence cuidar dela”.
É verdade que se tivesse ido embora o ministro Gilmar Mendes teria poupado a si um enorme constrangimento.
Mas não daria ao País a oportunidade de saber que o ex-presidente tem acesso a informações de um inquérito na data da conversa (26 de abril) ainda protegido por sigilo de Justiça.
Não saberíamos que Lula diz orientar a conduta do ministro Dias Toffoli – “eu falei que ele tem que participar do julgamento”– e que afirma acompanhar de perto os passos do ministro revisor do processo do mensalão, Ricardo Lewandowski – “ele só iria apresentar o relatório no semestre que vem”.
Em suma, ninguém fica bem nessa história, mas Lula fica pior ao deixar que a soberba e o ressentimento o façam porta-voz do pior combate: a desqualificação das instituições. Entre elas o papel de ex-presidente da República.

7 comentários:

Sonia disse...

Perfeito! Sensacional!
Por isso sou agradecida ao Ministro por ter aceito o convite, sejam la quais foram as razoes que o fizeram aceitar.
Esse mentiroso contumaz tinha que ser desmascarado um dia. Demorou, mas chegou.
Intimamente devo agradecer tambem ao Dirceu, pois acredito que ai tem o dedo dele.
E o Ministro nao eh o safado que eles pensavam ser.
Enfim, PERDEU!
- 51, PEDE PRA SAIR.

Felipe disse...

Quem se importa com liberdade, instituições, etc não vota nem nunca votou no Lula. O grosso dos eleitores dele não poderiam se importar menos - para eles, democracia, instituições, são palavras chiques que não fazem parte de um universo marcado pela miséria material e intelectual. Lula é simplesmente visto como um provedor, um de "nós" que vai lutar por nós contra "eles" (a elite), dando vazão ao ressentimento infinito que existe na sociedade brasileira. E não consideram que roubar o erário, por exemplo, seja algo execrável - o fariam se estivessem em posição de fazê-lo. Uma chance de ser desonesto é algo que boa parte das pessoas queriam - e a indignação contra os corruptos pode ser melhor comparada ao rancor contra uma festa para a qual não se foi convidado. Nós nos indignamos nos blogs, mas se você perguntar pra uma pessoa por aí na rua, Lula foi sim um bom governante, a escola do filho é sim de boa qualidade, o país está sim no rumo certo, etc.

Anônimo disse...

O Felipe tem certa razão. O povão do Brasil é assim mesmo. Mas tem outra característica: é covarde e bajulador de qualquer um que esteja no poder. Se o PT perder o poder, não pense que terá o apoio do povo. O brasileiro em geral é um vira-casaca atávico. Se houvesse uma reviravolta militar, por exemplo, a maioria seria militarista desde criancinha.

Anônimo disse...

O medo do Lula é por que ele é o centro e chefe da matilha.

Anônimo disse...

O anônimo de 10:10 matou a pau. E digo mais: se houvesse um golpe militar, não seria só o povão, não.

O que ia ter de "jornalista-progressista-engajado" doido para lamber as botas da milicada não iria estar no gibi.

Anônimo disse...

'O anônimo da 10:10 matou a pau'[2]

E além do povão, dos aXtistas e de jornalista, um monte de ricasso como o Eike Batista e o pai dele, ministro da ditadura, iam puxar o saco deles na hora

Anônimo disse...

Não adianta nada, o povão bunda mole e ignorante desse país vai continuar ovacionando o apedeuta. Os demais (a exceção desse povão), não são abençoados com a ignorância e vão continuar chorando e rangendo os dentes. Enquanto a ignorância imperar, nada vai mudar. Mas isso é bom pro apedeuta e cia.