sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Manga com Leite


Rodrigo Constantino

"O importante é não parar de questionar; a curiosidade tem sua própria razão para existir." (Albert Einstein)

Existem inúmeras superstições no mundo, para todo tipo de gosto. As origens das superstições estão normalmente relacionadas à ignorância das pessoas, que adotam tais crendices em busca de uma explicação para o que desconhecem. Inconformados com a incapacidade de entender e controlar determinados eventos, os indivíduos partem para explicações místicas. Acham, por exemplo, que batendo três vezes num pedaço de madeira ou entrando num lugar com determinado pé os acontecimentos serão totalmente diferentes. Como se o destino de um avião pudesse mudar por conta de qual pé um dos passageiros pisou primeiro ao entrar! Mas existe também um outro tipo de superstição, criada deliberadamente para controlar os outros. Vislumbrando a oportunidade de impor medo através de crenças místicas e, com isso, controlar a vida dos demais, algumas pessoas criam mitos que se tornam superstições com o tempo.

Um caso conhecido disso é o consumo de manga com leite, que supostamente poderia ser até fatal. Este mito tolo teria sido espalhado na época colonial pelos próprios senhores de escravos, com o objetivo de evitar o roubo das frutas e do leite pelos famintos escravos. Ignorantes, estes aderiram com facilidade à crendice estúpida. O caso da manga com leite está longe de ser um caso isolado. Várias superstições tiveram origem a partir da descoberta de alguns de que poderiam criar uma coerção nos demais através dessas crenças. Don Melchor, o fundador da vinícola Concha y Toro, atualmente a maior do Chile, criou a lenda do "Casillero del Diablo" para evitar o roubo de vinhos por seus funcionários. Um rumor de que o diabo em pessoa habitava os porões da vinícola foi espalhado entre os membros da fazenda, surtindo o efeito desejado.

Como se pode ver, várias lendas e superstições tiveram uma origem bem prosaica, com interesses racionais por trás. Não obstante, muitos ainda escolhem acreditar nestes mitos tolos, optando voluntariamente pela escravidão mental. Pais ignorantes, por exemplo, adotam o caminho mais fácil – porém absurdo – de "educar" seus filhos com base no terror, inventando que o "homem do saco preto" ou algum bicho-papão qualquer irá pegá-los se não se comportarem bem. Metem esses medos tolos na cabeça indefesa da criança, com seqüelas no futuro, por falta de paciência para educá-la direito, sem ter que apelar para os fantasmas inventados. Educar de verdade dá trabalho. Delegar ao bicho-papão a tarefa é mais fácil, mas pode destruir um ser humano. Afinal, como disse Edmund Burke, "nenhuma paixão rouba tão eficientemente da mente todas as suas forças de agir e raciocinar como o medo".

Um filme que abordou muito bem este tema foi A Vila, que conta a história de um pequeno vilarejo rodeado por uma floresta onde se acredita existir criaturas terríveis habitando o lugar. Os dirigentes da pequena vila tinham uma política dura de repressão, proibindo todos de adentrar a floresta. O pânico das crianças em relação às criaturas inventadas era incentivado, como garantia do isolamento total da vila, já que ninguém entrava e ninguém saía. Nem mesmo citar o nome das criaturas era permitido, e elas eram tratadas apenas como "aquelas-de-quem-não-falamos". O filme mostra toda a hipocrisia por trás dessas crenças. Em primeiro lugar, cada dirigente tinha passado por alguma desgraça nas cidades de origem, tendo buscado a vila como um refúgio. A fantasia criada ali, de uma vida idílica perfeita, era apenas uma fuga, nada mais. As utopias brilham na escuridão, e conquistam adeptos no desespero. Em segundo lugar, a comuna "feliz" era mantida à custa de um enorme gasto do dirigente mais rico, que tinha um parque externo para manter a vila isolada do mundo. A hipocrisia fica exposta.

Por fim, era necessário manter a curiosidade das crianças e dos jovens longe do mundo externo. Para isso surgiu a idéia da criatura terrível. Questionar era pecado. Quando o personagem Lucius começa a questionar sobre o confinamento completo das pessoas na vila, desejando saber o que existia além das florestas, o vilarejo começa a ficar ameaçado. O mais interessante do filme, para mim, é que as crendices tolas que mantinham a vila isolada vieram abaixo através de uma cega. Foi ela que partiu em busca de ajuda externa para medicar um doente, já que o "paraíso" não tinha condições de fornecer um remédio adequado. Para descobrir certas verdades, talvez seja preciso enxergar com outros olhos o mundo, ignorar as aparências das coisas para ver suas essências. A mulher cega foi capaz de "ver" aquilo que os demais não conseguiram: que o bicho-papão não passava de uma invenção humana, demasiada humana.

Quantas coisas no mundo seguem exatamente este padrão? Quantas crenças que metem medo nos ignorantes não surgiram justamente pelo interesse na coerção e controle dessas pessoas? Claro que muitas superstições são inofensivas. Se o sujeito não quiser passar o saleiro para outro ou passar na frente de um gato preto, sua vida não irá sofrer graves conseqüências. É tolice, evidentemente, e existem explicações racionais para todas essas superstições. Sal é condutor de energia, e alguém "carregado" pode, na crença dos supersticiosos, transmitir essa energia negativa. O gato preto, como muitas superstições, teve origem na Idade Média, nos tempos da caça às bruxas (pobres mulheres!). É tudo besteira, mas não afeta tanto a qualidade da vida dos crédulos.

O problema fica mais sério quando a superstição limita drasticamente a liberdade do indivíduo. O exemplo da vila é perfeito. Os crentes eram completos escravos. Mas como este, existem vários casos reais no dia a dia. Quando você acredita que manga com leite pode matar, você perde a oportunidade de consumir algo saboroso. Mas e quando você acha realmente que um bicho-papão pode te pegar se você não se comportar como mandam? E quando você acredita de verdade que pode sofrer uma eternidade no inferno se não seguir certos dogmas impostos pela autoridade religiosa? E quando você morre de medo de questionar sua fé para não perder aquele terreno celeste no paraíso eterno? Uma parte relevante da escravidão mental atual pode ser explicada com o simples exemplo da manga com leite.

PS: Para aqueles que defendem essas crenças supersticiosas com base no argumento de utilidade da coerção, lembro que, mesmo se fosse verdade, utilidade não é garantia de verdade. Ou seja, essas pessoas parecem assumir, ao apelar para a utilidade dos mitos, que eles são falsos no fundo. Além disso, não acredito nem mesmo na utilidade, pois um caminho falso não é útil no longo prazo. Cito Einstein novamente: "O comportamento ético do homem deveria ser baseado efetivamente na simpatia, educação, e laços sociais; nenhuma base religiosa é necessária. O homem estaria de fato num caminho pobre se ele tivesse que ser contido pelo medo da punição e esperança da recompensa após a morte". Qual o mérito daquele que não rouba algo somente pelo medo de arder no inferno quando morrer? Muito mais nobre é aquele que não rouba pois entende que qualquer roubo é imoral, e que deve esperar ser tratado pelos outros como tem os tratado.

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Quanto Vale o Blastocisto?


Rodrigo Constantino

"Mesmo o homem supersticioso tem direitos inalienáveis. Ele tem o direito de defender suas imbecilidades tanto quanto quiser. Mas certamente não tem direito de exigir que elas sejam tratadas como sagradas." (H. L. Mencken)

O debate sobre as pesquisas com células-tronco ganhou força, pois o Supremo Tribunal está para julgar a sua proibição ou não no Brasil. Os avanços científicos obtidos com estas pesquisas podem significar a cura de inúmeras doenças, salvando ou melhorando a vida de milhões de seres humanos. Praticamente todos aqueles que se opõem a estas pesquisas o fazem por motivos religiosos. Ainda que vários crentes tentem conciliar religião e ciência, o fato é que a primeira sempre esteve criando obstáculos para a segunda. Quando um avanço científico esbarra num dogma religioso, é este que deve prevalecer, segundo os crentes. A cruzada contra os avanços científicos com estas pesquisas em embriões garante uma sensação de nobreza a seus adeptos, que buscam o monopólio moral da preocupação com a vida. A questão que surge é: qual vida?

Sam Harris escreve: "Os embriões humanos que são destruídos nas pesquisas com células-tronco não têm cérebro, nem sequer neurônios. Assim, não há razão para acreditar que eles possam sentir qualquer tipo de sofrimento com a sua destruição, de maneira alguma. Nesse contexto, vale lembrar que, quando ocorre a morte cerebral, atualmente julgamos aceitável extrair os órgãos da pessoa (desde que ela os tenha doado para esse fim) e enterrá-la. [...] A verdade moral aqui é óbvia: qualquer pessoa que creia que os interesses de um blastocisto podem prevalecer sobre os interesses de uma criança com uma lesão na espinha dorsal está com seu senso moral cegado pela metafísica religiosa. O vínculo entre a religião e a ‘moral’ – tão proclamado e tão poucas vezes demonstrado – fica aqui totalmente desmascarado, tal como acontece sempre que o dogma religioso prevalece sobre o raciocínio moral e a compaixão genuína".

Parece evidente que esses religiosos não estão tão preocupados assim com a vida humana. O sofrimento desnecessário de milhões de seres humanos não os sensibiliza tanto quanto a vida de um ovo sem qualquer característica atual que o faça ser considerado realmente um ser humano. O argumento que fala do potencial das células não leva a nada, pois uma potência não é uma atualidade, assim como sementes não são ainda uma floresta. Por trás da cruzada religiosa contra as pesquisas está o conceito humano de alma. Mas os religiosos precisam antes explicar algumas coisas importantes. Por exemplo: nesta fase embrionária inicial, o ovo pode se dividir naturalmente. O que ocorre então? A alma também se divide? O The Guf produz mais uma alma em caráter de urgência? Se ocorrer o oposto, a fusão de dois ovos, as almas praticam uma fusão também? Se as pessoas desejam barrar importantes pesquisas científicas em pleno século XXI, será preciso mais do que apelos dogmáticos que usam um conceito humano, demasiado humano, como alma.

Diante da vida de um blastocisto num tubo de ensaio e a vida e a dor de milhões de seres humanos vivos, incluindo crianças, não parece restar muita dúvida do que escolher do ponto de vista ético. Mas os religiosos se mostram intransigentes, pois assumem que o blastocisto já é uma vida humana, e não aceitam o ponto de vista utilitário, de que o bem maior pode justificar alguns sacrifícios individuais. Concordo com a segunda parte, pois os fins não justificam os meios. Mas discordo quanto à vida humana de um blastocisto. E lembro apenas que, para manter a coerência e não cair em hipocrisia, esses religiosos não podem abrir nenhuma exceção. Ou seja, no caso de uma gravidez com risco de vida para a mãe, o aborto deve ser condenado por eles, assim como no caso de um estupro ou feto anencéfalo. Nenhum aborto artificial pode ser defendido por estes religiosos, em hipótese alguma, mesmo que abortos naturais sejam algo extremamente comum (Deus é o maior abortista de todos, sabe-se lá os motivos). Mas quando vamos a tal extremo, é impossível não questionar novamente qual vida essa gente defende. O feto de um centímetro, sem cérebro ou sensação, vale mais que a vida de uma mulher estuprada?

Quando lembramos que o sofrimento humano é visto como nobre por eles, o caminho da salvação, e que a cruz, que vem de tortura (crucificare), é o grande símbolo que admiram, tudo parece mais claro. Não é a vida humana que realmente importa para esses crentes, tampouco uma vida humana feliz. Para eles, viver é sinônimo de sofrer. Logo, o que buscam mesmo é uma sensação de superioridade moral, obtida através da cruzada que empreendem contra os demais. As cruzadas costumam valer mais pela sensação que desperta nos seus membros do que pelos seus resultados concretos. Um bom exemplo é o de madre Teresa de Calcutá. Sam Harris diz: "A compaixão de madre Teresa estava muito mal calibrada, se matar um feto no primeiro trimestre a perturbava mais do que todo o sofrimento que ela testemunhou nesta Terra". Os conservadores religiosos aceitam as perdas acidentais de crianças inocentes na guerra do Iraque, que defendem. São baixas circunstanciais, justificadas por um objetivo maior. Mas não admitem qualquer contemporização quando se trata do blastocisto, cuja vida colocam acima da vida de milhões de crianças.

Se fosse por estes crentes, a ciência estaria num estágio bem menos avançado, e a vida humana seria bem mais dura. Talvez seja isso mesmo que eles colocam como meta. Ajoelhar no milho ou usar o cilício na perna são atos dos mais nobres para eles! Mas não vivemos mais nos tempos da Inquisição, e aqueles que não compartilham desses dogmas, são livres para questionar os reais motivadores dessa cruzada. Que ética é essa que ignora tanto sofrimento humano para salvar um blastocisto? Por mais que eu tente, não consigo entender ou aceitar tal ética, ou falta de ética. Os religiosos falam uma língua própria, compreensível somente para outros religiosos, que temem o "homem invisível", o sofrimento eterno num inferno e acreditam em alma. Para aqueles que estão mais preocupados com esta vida mundana, a única certa, e com os seres humanos vivos, este discurso não faz sentido algum. Se aquilo que buscamos é uma vida feliz, o uso de células-tronco em pesquisas científicas deve ser defendido como um meio bastante razoável para tentarmos melhorar a qualidade da vida humana. Agora, se o objetivo não é esse, mas sim valorizar a dor e o sofrimento como o leitmotiv da nossa existência "passageira" nesta vida "desprezível", então faz sentido colocar o blastocisto acima das crianças doentes. Mas faz ainda mais sentido estes que "pensam" assim procurarem ajuda psicológica com urgência!

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

O Combate ao Trabalho Infantil


Rodrigo Constantino

“Pais pobres, assim como pais ricos, em geral desejam o melhor para seus filhos; a pobreza é o que leva muitos deles, quando forçados a optar, a mandar os filhos para o trabalho e não para a escola.” (Jagdish Bhagwati)

A existência de milhões de crianças tendo que trabalhar para sobreviver, em pleno século XXI, é algo chocante para muitos, com razão. Crianças deveriam ter tempo livre para brincar e investir na sua formação. No entanto, esse é um tema que desperta muito calor, mas pouca luz. Por falta de conhecimento adequado, a maioria foca nos remédios errados, chegando até a atacar os certos. A globalização, por exemplo, é vista por muitos como um incentivo ao trabalho infantil, com a imagem de multinacionais contratando crianças para suas fábricas. Como de praxe, comparam uma realidade muitas vezes dura com um sonho utópico, e apresentam soluções que, no fundo, agravam a situação.

Em primeiro lugar, é importante fazer alguns comentários. Nem todo trabalho infantil deve ser condenado. Creio que ninguém defende a proibição da profissão de ator-mirim, por exemplo. Caso contrário, o astro de Esqueceram de Mim, Macaulay Culkin, não teria tido a chance de ficar rico, como tantos outros atores. Mas não é apenas isso. Mesmo profissões vistas como menos interessantes podem contribuir para a formação das crianças, algumas vezes bem mais do que a doutrinação ideológica de professores marxistas – infelizmente algo muito comum no Brasil. Não vamos esquecer que o Barão de Mauá, o homem mais rico que o país já teve em termos relativos, começou a trabalhar no comércio aos 9 anos de idade. Não resta dúvida de que isso fez mais por seu futuro do que aprender biologia. O revolucionário americano Thomas Paine é outro exemplo, tendo começado a trabalhar aos 13 anos de idade. Como estes, existem vários outros exemplos. Vários jogadores de futebol famosos focavam apenas no esporte desde cedo, como melhor alternativa para um futuro melhor. Sorte deles.

Mas creio que, de forma geral, o trabalho infantil é visto como algo indesejado, principalmente quando dificulta muito a educação das crianças. Mesmo assim, é importante deixar claro que o trabalho infantil não é algo novo, que vem se agravando. Pelo contrário: é uma realidade que acompanha a humanidade desde sempre, e que vem, somente num período mais recente, se reduzindo. Compreender as causas disso, portanto, é fundamental para atacar o problema, e deveria ser o foco de todos aqueles que realmente desejam por um fim na necessidade de se trabalhar enquanto criança. Infelizmente, muitos críticos do trabalho infantil preferem concentrar sua energia no que parece ser o “monopólio da virtude”, assumindo que a finalidade nobre – o término do trabalho infantil – pertence somente a eles. Os demais são vistos como insensíveis, que não ligam para as crianças, colocando o lucro acima da qualidade de vida delas.

Essas pessoas fogem do debate honesto sobre os melhores meios para resolver o problema. Preferem uma visão romântica, alegando que os capitalistas, defensores da revolução industrial, desejam o trabalho infantil, ignorando, assim, que foi justamente o capitalismo que possibilitou a redução drástica do problema. Aqueles que usam a situação precária – aos nossos olhos atuais – da época da revolução industrial, para associar capitalismo ao trabalho infantil, esquecem que antes dela a coisa era muito pior. Ou mesmo durante aquela época, basta comparar a situação na Inglaterra com o caos na Polônia, por exemplo. A premissa dessas pessoas parece ser a de que os pais não davam a mínima para seus próprios filhos. No fundo, é claro que colocar os filhos para trabalhar era uma necessidade, pois a alternativa era morrer de fome. A revolução industrial, ao contrário de inimiga das crianças, foi seu grande aliado. Até 1400, cerca de metade das crianças morria antes de completar 5 anos. O progresso capitalista, que seguiu seu curso, ainda é o melhor amigo das crianças, permitindo cada vez mais uma vida confortável e mais longa, sem a necessidade de trabalho numa idade mais jovem e sem tanto risco de morte prematura.
O professor da University of Columbia, Jagdish Bhagwati, escreveu no livro Em Defesa da Globalização: “A verdade é que a globalização – onde quer que se traduza em maior prosperidade coletiva e em redução da pobreza – tão-somente acelera a redução do trabalho infantil e estimula a matrícula no ensino elementar, gerando instrução, e, como defendo a partir da minha análise do milagre do Leste Asiático, a instrução, por sua vez, permite o crescimento rápido. Temos aqui, assim, um círculo virtuoso”. Devemos assumir, naturalmente, que os pais são, em geral, os mais interessados no futuro dos seus filhos. Parece ingenuidade demais achar que os burocratas do governo serão mais dedicados nessa tarefa que os próprios pais. Logo, parece evidente que os pais vão investir na educação dos filhos sempre que isso for possível e interessante. Se o valor presente da educação é baixo, porque não existem muitas oportunidades de emprego e o mais rentável é investir nos contatos com o governo, então a educação ficará em segundo plano. O problema é quando a educação não compensa muito. Como disse William Easterly, do Banco Mundial, em O Espetáculo do Crescimento, "criar pessoas com elevada qualificação em países onde a atividade mais rentável é pressionar o governo por favores não é uma fórmula de sucesso".
Como explica Bhagwati, “a simples proibição do uso de mão-de-obra infantil dificilmente erradicará o trabalho infantil, fazendo apenas com que os pais pobres mandem clandestinamente seus filhos trabalharem e os façam assumir ‘ocupações’ como a prostituição”. Quem ainda duvida disso, basta ver o que ocorre em Cuba. O “paraíso socialista”, mesmo com a ditadura repressora, é uma fábrica de prostituição infantil. Já os países mais capitalistas e liberais, com toda a ganância na busca pelo lucro, praticamente erradicou o trabalho infantil pesado.

O economista-chefe do Financial Times, Martin Wolf, foi na mesma linha em Why Globalization Works, lembrando que a proporção de crianças de 10 a 14 anos na força de trabalho caiu, segundo o Banco Mundial, de 23% nos países em desenvolvimento em 1980 para 12% em 2000. A queda nos países que abraçaram mais a globalização e fizeram reformas liberais foi mais expressiva. No Leste Asiático a queda foi de 26% para 8%. Na China, foi de 30% para 8%. Já na África Subsaariana a redução foi apenas de 35% para 29%. Como fica claro, o verdadeiro remédio para o mal do trabalho infantil é a globalização, o capitalismo, as reformas liberais. Wolf afirma: “Os pais não colocam seus filhos para trabalhar por maldade ou indiferença, mas somente por necessidade”. Logo, o crescimento econômico é o caminho para o combate ao trabalho infantil.

A redução de crianças trabalhando pesado não se deu por conta de fiscalização de governos, leis duras ou esmolas estatais, mas sim por causa do avanço econômico, fruto do capitalismo global. Aqueles que realmente ficam indignados com a imagem de uma criança trabalhando numa lavoura ou carvoaria, deveriam largar a retórica de lado e procurar entender o que de fato pode combater esse mal. Se fizerem isso com honestidade, irão abandonar o discurso anti-globalização, vão parar de condenar a ganância das empresas pelo lucro, e entenderão que o capitalismo liberal é justamente o único meio para atacar o problema. O resto é papo de quem gosta de posar de nobre, mas não liga muito para resultados concretos.

domingo, fevereiro 24, 2008

A “Mágica” do Mercado


Rodrigo Constantino

“A essência da vida é infinita e misteriosamente multiforme, e, portanto, ela não pode ser contida ou planejada, em sua completude e variabilidade, por qualquer inteligência central.” (Vaclev Havel)

O editor e economista-chefe do Financial Times, Martin Wolf, escreveu um ótimo livro sobre a globalização: Why Globalization Works. O valor do livro está na combinação de inúmeros dados importantes com uma objetividade incrível ao tratar do assunto. Em um dos capítulos, The ‘Magic’ of the Market, Wolf faz um bom resumo da teoria do funcionamento da economia de mercado. Veremos os principais pontos do autor, já que a globalização é apenas a extensão desse funcionamento para além das fronteiras nacionais.

A busca pelo lucro nos negócios é a força ativa que leva à transformação econômica, através das escolhas de investimentos e das inovações tecnológicas. A economia de mercado, como resultado disso, é a única instituição humana que gera uma ‘revolução permanente’. O exemplo citado por Wolf é o da revolução industrial, que pode ser mais bem entendida como uma revolução no uso da energia, saindo do uso da força animal para a energia inanimada: vento, água e combustíveis fósseis. A expectativa de vida na Inglaterra era de 24 anos entre 1300 e 1425, provavelmente muito próxima daquela no Império Romano. Entre 1801 e 1826, o nível já havia saltado para 41 anos, e em 1999 tinha atingido 77 anos. Entre 1820 e 1998, a população mundial se multiplicou por quase seis, e o PIB por quase 50, fazendo a renda per capita saltar quase nove vezes. Muitos encaram estes fatos como uma coisa natural, ignorando o quão extraordinária foi tal conquista. E o mais espantoso é que não havia ninguém no comando. Wolf abraça a metáfora da “mão invisível”, de Adam Smith. O auto-interesse, coordenado através do mercado, motiva as pessoas a inventar, produzir e vender todo tipo de bens, serviços e ativos.

Mas o funcionamento do mercado não ocorre sem certas características. Para um funcionamento sofisticado, é preciso resolver alguns problemas antes, como: o fluxo de informação, que deve ser livre para dar confiança naquilo que se compra; as promessas, que devem ser cumpridas, mesmo que num longo espaço de tempo; a competição, que não deve ser impedida; e os direitos de propriedade, que devem ser protegidos. Em resumo, a confiança é peça fundamental para um bom funcionamento do mercado. Se a trapaça e o roubo são encarados como normais, a sociedade não terá nada além de um tímido e subdesenvolvido mercado. Se o governo pode, de forma arbitrária, alterar as regras no meio do jogo, o mesmo problema surge.

Wolf entende que as companhias são as servas das forças do mercado, não suas mestres. Se as empresas não atendem as demandas no mercado competitivo, elas desaparecem. Logo, são os próprios consumidores que ditam as regras, que definem o que as empresas deverão fazer para sobreviver. Wolf compreende também a crucial relevância dos mercados financeiros para o bom funcionamento do mercado como um todo. São os agentes do mercado financeiro que levam os recursos daqueles que não precisam deles para aqueles que necessitam ou podem usá-los melhor. A ligação causal entre um funcionamento eficiente do sistema financeiro e o crescimento econômico, a estabilidade macroeconômica e a redução da miséria fazem com que devamos sempre buscar a manutenção do primeiro.

O tema da desigualdade não foi ignorado pelo autor. Wolf lembra que as sociedades mais desiguais foram as socialistas, incluindo a nacional-socialista na Alemanha de Hitler. A ironia, segundo ele, é que tais tiranias desiguais foram justificadas pelos horrores alegados da desigualdade capitalista. Para eliminar estas desigualdades, todo poder foi concentrado nas mãos do Estado, que inevitavelmente gerou desigualdades maiores para o benefício daqueles que o controlavam. Wolf lembra ainda que, no passado, os mais poderosos detinham um poder incrível, enquanto por mais bilhões que Gates ou Buffett tenham, eles são apenas cidadãos, empreendedores, investidores e filantropos. O mercado competitivo não elimina necessariamente a desigualdade, mas reduz seu poder. Hitler, Stalin, Fidel, Mao e Pol-Pot detinham um poder que os bilionários americanos jamais sonhariam em ter.

Por fim, uma sociedade mais rica, possível através de uma economia de mercado, permite que os indivíduos possam ser menos guiados por objetivos materiais, ao contrário do que muitos socialistas afirmam, já que isso é impossível em uma sociedade onde a maioria das pessoas vive num estado de subsistência. O maior conforto fornecido pelo capitalismo liberal pode despertar outros interesses não necessariamente motivados pelo material, diferente do que ocorre em sociedades miseráveis. Um dos maiores motivadores pela revolta irracional com a economia de mercado é a comparação de uma realidade complexa com uma sociedade de santos que jamais existiu ou existirá. A “imoralidade” atacada no capitalismo é contraposta a uma utopia, onde seres humanos abnegados se sacrificam somente em prol dos outros. Quando deixamos essa comparação de lado, pois absurda, vemos que o capitalismo liberal é não só o meio mais eficiente de se criar riqueza, como também o mais justo e moral. Devemos deixar o mercado realizar sua “mágica” em paz, sem tanta intervenção do governo.

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Quais Conquistas Sociais?


Rodrigo Constantino

"Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem." (Mário Quintana)

A "renúncia" de Fidel Castro do seu posto de mais antigo ditador do mundo no poder gerou estranhas emoções em muitos "intelectuais". Vários deles, incluindo Miriam Leitão, mostraram-se preocupados com a manutenção das "conquistas sociais" na ilha-presídio após as possíveis mudanças no regime. Essa postura denota um forte ranço socialista. Ainda que muitos desses "pensadores" sintam vergonha de assumir abertamente a admiração que sentem pelo carniceiro, fica claro que ainda nutrem fortes sentimentos pela utopia que desgraçou o século XX. São vermelhos desbotados, no máximo. Tentam apelar para um relativismo, como se nem tudo fosse ruim em Cuba. Falso. Aquele feudo da família Castro é um completo lixo! Mas todos aceitam, sem questionamentos, a "verdade" insistentemente repetida, das tais "conquistas sociais". Ninguém ousa fazer uma simples pergunta: Quais conquistas?

A repetição de que a saúde cubana é excelente não passa de um mito totalmente furado. Os seguidores de Goebbels ficam na esperança de que a repetição ad nauseam dessa mentira a transforme numa verdade. Que saúde maravilhosa é esta se faltam os remédios mais básicos no inferno cubano? Quais foram as grandes contribuições de Cuba à medicina mundial? Creio que a fonte desses "intelectuais" todos é o "confiável" cineasta Michael Moore. Só pode! Os fatos não podem ser ignorados em nome de uma ideologia. A saúde em Cuba é precária, os hospitais são decadentes, faltam remédios necessários e o país não deixou nenhuma grande contribuição para a medicina mundial, à exceção de poucos avanços no tratamento do vitiligo. Quanto aos indicadores de IDH, não custa lembrar que os dados cubanos são monopólio da ditadura, já que observadores imparciais de fora não têm acesso livre ao país. Alguém confia mesmo nos números que o próprio Fidel Castro entrega sobre os "avanços" na ilha? Papai Noel, duendes e gnomos são parte da realidade então, devo supor...

O outro campo predileto dos esquerdistas é a educação. Qual educação? A taxa de analfabetismo é baixa, mas o que os cubanos lêem? A frase na epígrafe deixa claro que os cubanos são os verdadeiros analfabetos. Afinal, o ditador não permite a leitura livre de livros e artigos. O único jornal disponível no cárcere caribenho é da ditadura. Se alguém for pego com um livro de Goerge Orwell, cujo 1984 retrata perfeitamente o que se passa no país, vai preso. As crianças não são educadas, mas sim doutrinadas ideologicamente. "Aprendem" na marra, desde muito cedo, que o socialismo é maravilhoso, não obstante toda a desgraça que enxergam em volta. São fortes candidatos à dissonância cognitiva. São forçados a repetir aquilo que os próprios olhos negam. Que raio de educação é essa? Isso é uma conquista social desde quando? Os cubanos não podem ler esse artigo, não podem acessar livremente a Internet, nada. Mas tem "intelectual" brasileiro que aplaude as "conquistas sociais" da propriedade privada de Castro. Lamentável é pouco.

Mas vamos deixar tudo isso de lado, e fingir que essa grande piada, as "conquistas" de Cuba, é verdadeira. Desde quando os fins justificam os meios? Mesmo assumindo que tantas mentiras fossem verdade, somente alguém com um grave distúrbio de caráter poderia defender o regime de Fidel Castro. Não é mesmo, Niemeyer? Aliás, o arquiteto está cobrando suas obras em Cuba em dólares americanos ou cubanos, que valem 25 vezes menos e é a moeda imposta ao povo? Como alguém poderia justificar tanta atrocidade com base em alguns avanços sociais? Nem vem ao caso mostrar os avanços infinitamente maiores dos países que abraçaram o capitalismo liberal. Não é preciso humilhar tanto assim. Vamos nos ater ao próprio mito do avanço cubano. Quer dizer que para aumentar um pouco a expectativa média de vida e reduzir o analfabetismo vale torturar e matar milhares de inocentes? Quer dizer que para investir pesado no esporte, propaganda para o regime, não tem problema escravizar um povo e impedir sua saída do presídio? Gente com esta mentalidade aplaude a construção de pirâmides para faraós, enquanto milhares sofrem como escravos para tornar este luxo possível. O que importa para o cubano que não tem comida decente nem remédios, tampouco pode sair livremente do país, o fato do país ter um bom time de baiseball? Será que os mesmos "intelectuais" que amenizam as barbaridades em Cuba por causa dos "avanços" adotam a mesma postura em relação ao regime nazista? Se Hitler entregasse alguns bons indicadores sociais, então tudo bem o Holocausto? Defender Cuba não é mais uma questão de ignorância. É mesmo falta de caráter!

E quanto ao receio de tantos "intelectuais" com a manutenção das conquistas sociais inexistentes, resta constatar que jamais uma transição do socialismo para o capitalismo liberal piorou a situação do povo. Pelo contrário: quanto maior o grau de abertura econômica, maior o progresso social. Vide a China. Se Cuba deixar de ser uma ditadura socialista para migrar rumo ao capitalismo de mercado, só há uma possibilidade para os setores de saúde e educação: melhorar drasticamente!

PS: Existem diversos relatos de dissidentes cubanos falando sobre os horrores vividos nas prisões, somente pelo fato de discordar da ditadura comunista de Fidel Castro. Um deles, de Alejandro Gonzales, mostra que não há higiene alguma nas prisões, faltam detergentes, a comida é podre e a cama é infestada de baratas. Vários são torturados. Milhares morreram fuzilados. O grande crime cometido? Desejar mais liberdade. Nada mais. E tem gente com a cara-de-pau de comparar isso com os abusos em Guantánamo, onde terroristas ficaram pelados ou foram arrastados pelos cabelos. Claro que qualquer abuso deve ser condenado – e é, pelos próprios americanos, que são livres para criticar seu governo. Mas somente a demência explica alguém colocar no mesmo patamar o abuso de terroristas assassinos por militares com a tortura e morte de inocentes por uma ditadura cruel.

Lançamento de "Uma Luz na Escuridão"


Save the date! O lançamento do meu quarto livro, "Uma Luz na Escuridão", será dia 13 de Março, às 20h na Livraria da Travessa, Shopping Leblon. O livro é uma coletânea de 115 artigos cobrindo mais de 3 séculos de pensamento liberal, desde John Milton e John Locke até os mais atuais. São 75 autores resenhados no total. Espero você no lançamento!
Lista de pensadores: Milton, Locke, Mandeville, Voltaire, Hume, Adam Smith, Thomas Paine, Humboldt, Benjamin Constant, Bastiat, Tocqueville, John Stuart Mill, Henry David Thoreau, Spencer, Lord Acton, Carl Menger, Böhm-Bawerk, Franz Oppenheimer, Irving Babbitt, Mises, Schumpeter, Ortega y Gasset, Frank Knight, Rose Wilder Lane, Michael Polanyi, Henry Hazlitt, Leonard Read, Hayek, Oakeshott, Popper, Bertrand de Jouvenel, Orwell, Ayn Rand, H. B. Acton, Isaiah Berlin, Ronald Coase, George Stigler, Milton Friedman, Peter Bauer, Arthur Seldon, Meira Penna, Roberto Campos, James Buchanan, Helmut Schoeck, Gordon Tullock, Richard Pipes, Og Leme, Jean-François Revel, Peyrefitte, Rothbard, Greenspan, Paul Johnson, Ralf Dahendorf, Israel Kirzner, Thomas Sowell, Gary Becker, Besançon, Bhagwati, Reisman, Nozick, Merquior, Hernando de Soto, Walter Block, Guy Sorman, Rockwell, Yergin, Hoppe, Mauricio Rojas, Easterly, Giannetti, Thornton, Douglas Irwin, Brink Lindsey, Alvaro Vargas Llosa e Steven Levitt.

terça-feira, fevereiro 19, 2008

O Desespero de Olavo


Rodrigo Constantino

Bateu desespero em Olavo de Carvalho. Depois que eu provei que ele mentiu – ou criticou meu artigo sem nem ter lido, restou ao "filósofo" um ataque desesperado, uma ameaça de uso do Estado como coerção. Tirando os milhões na conta, não resta mais diferença entre Olavo e Bispo Macedo, cuja Igreja Universal tenta apelar para os mesmos artifícios para calar a crítica da mídia. Onde já se viu um filósofo ameaçar usar a lei para impedir que os outros critiquem suas crenças religiosas? Eis o que Olavo escreveu:

"O artigo 208 do Código Penal pune com detenção e multa os atos de ‘escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa’ e ‘vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso’. Os srs. Rodrigo Constantino, Janer Cristaldo e Anselmo Heydrich já cometeram esse crime tantas vezes, que o simples fato de eu me contentar em xingar esses bandidinhos, em vez de denunciá-los à polícia, deveria ser considerado um exagero de caridade. Com bandido não se discute. Lugar de criminoso é na cadeia. Admito, porém, que não é a caridade, e sim a mera distância geográfica, que me impede de tomar contra os referidos as providências judiciais cabíveis."

Fico constrangido e ao mesmo tempo com muita pena do "filósofo". Ele deve estar mesmo em pânico para ter de apelar desse jeito. Logo ele, que xinga tudo e todos, que não respeita a crença de ninguém. Mas fica a pergunta: os não-crentes podem processar os crentes quando estes chamam de idiotas todos os ateus? Quando um crente jura que o ateu vai passar a eternidade no inferno, ele pode ser processado por danos morais? Se Olavo "vilipendiar publicamente objeto de culto religioso" de uma seita diferente, como a cientologia, ele vai se entregar à polícia? Olavo quer me colocar na cadeia por questionar a sua crença religiosa. Para ele, sou um bandido, um criminoso, pois questiono suas crenças. Como eu disse, o sonho dele era viver na Idade Média, e me mandar para a roda ou fogueira. Ainda bem que tivemos o Iluminismo para colocar uma focinheira em tipos como este. Conservadores fanáticos não odeiam o Estado coisa alguma, nem querem reduzir seu poder. Querem apenas se apossar dele, e ai de quem divergir de suas crenças! A dúvida é: será que Olavo vai respeitar a lei quando ela condenar a homofobia?

Parece que Olavo ficou muito irritado de ser chamado de astrólogo também. Vejamos:

"Quanto à insistência obsessiva desses canalhas em me chamar de ‘astrólogo’, com a ênfase que a palavra tem quando associada a tipos como Walter Mercado, é fácil notar que nenhum dos três jamais examinou criticamente e nem mesmo citou de passagem qualquer escrito meu sobre a questão da astrologia. [...] O intuito deliberado de falsificar para melhor difamar não poderia ser mais evidente, e a eventual desculpa de que foi ofensa proferida impensadamente no calor da discussão já está impugnada antecipadamente pelo número de vezes que a ofensa se repetiu."

Mas Olavo não disse o que importa: era ou não um astrólogo? Ainda acredita na astrologia? Fazia ou não mapa-astral? Chamar um astrólogo de astrólogo agora é ofensa? Ora, ofensa é um sujeito que se diz católico ser astrólogo também! O que a Bíblia diz sobre a astrologia? Mas vejamos o que o próprio Olavo disse numa entrevista, quando Roberta Tórtora perguntou como a astrologia contribuiu para sua formação:

"Muito. Não existe possibilidade alguma de entendimento de qualquer civilização antiga sem o conhecimento da Astrologia. O modelo de visão do mundo baseado nos ciclos planetários e nas esferas esteve em vigor durante milênios e isto continua a estar, de certo modo, no ‘inconsciente’ das pessoas. Apesar de algumas deficiências no modelo astrológico, foi ele quem estruturou a humanidade pelo menos a partir do império egípcio-babilônico, o que significa, no mínimo, cinco mil anos de história. A Astrologia é um elemento obrigatório, por isto quem não a estudou, não estudou nada, é um analfabeto, um estúpido."

Não creio que seja necessário fazer qualquer comentário. Melhor voltarmos ao tema das tradições, onde Olavo insiste em ignorar o que eu realmente escrevi. Eis o que ele disse depois que provei sua mentira:

"Constantino reduz o conceito de ‘tradição’ ao de ‘repetição mecanizada’, opondo-o ao do exame racional maduro, mas linhas adiante reconhece que ‘há tradições boas’. Então é claro que, no seu entender, elas não são boas por ser tradições, mas pela coincidência casual do seu conteúdo com algo que o exame racional, feito por ele, aprova."

Será possível que Olavo ainda não tenha entendido mesmo? Sim, para mim uma tradição não é boa apenas por ser tradição. Por isso devemos questionar as tradições! É justamente o "exame racional maduro", ao invés de uma repetição mecanizada. Ora, como Olavo faz para saber quais tradições seguir? Escolhe aleatoriamente, joga um dardo, verifica no seu mapa-astral? Eu não. Eu prefiro justamente questionar se faz mesmo sentido adotar uma tradição. É o julgamento de um costume através da nossa razão, coisa que você vem condenando. Veja meu exemplo de noivas casando de branco: uma tradição. Para Olavo, tradições nunca são repetidas mecanicamente, mas sim compreendidas. As católicas sabem mesmo porque se casam de branco? Quantas podem seguir esta tradição honestamente? Em resumo, eu quero simplesmente questionar racionalmente qualquer costume ou tradição, algo que fez Olavo de Carvalho perder a linha e partir para as agressões. Não deixo nada acima da minha razão, nem as tradições nem a autoridade de algum filósofo. Meu instrumento epistemológico para tentar compreender o mundo em que vivo é a razão. Mas o ódio de alguns "filósofos" à razão é mesmo algo incrível.

Não satisfeito, Olavo fez uma análise psicológica de minha pessoa, não sei com quais credenciais. De astrólogo para comunista, depois filósofo conservador, crente católico e agora psicólogo também. O homem entende de tudo mesmo! Depois, num típico ataque de vaidade megalomaníaca, ele concluiu que tudo que eu escrevo é para "parasitar seus temas e referências". Segundo ele, passei a citar Ortega y Gasset e Viktor Frankl graças aos seus escritos. Não passa por sua cabeça narcisista que eu possa ter lido sobre Fankl no famoso livro de Steven Covey, Os 7 Hábitos de Pessoas Altamente Eficazes, ou ter descoberto Ortega y Gasset, autor renomado mundialmente, por qualquer outra fonte. Não! Tudo que escrevo, até mesmo sobre o multiculturalismo, é para copiar o grande filósofo. O mundo não gira mais em torno da Terra, como os crentes achavam. Gira em torno de Olavo! E um sujeito desses acha que pode dar um diagnóstico psicológico de alguém. Para Olavo, minhas "investidas polêmicas" são um "longo e reiterado pedido de socorro". Olavo deve escrever essas besteiras todas diante de um espelho, só pode!

Quando escrevi meu artigo provando as mentiras de Olavo, algumas pessoas me mandaram a seguinte resposta: "Nunca discuta com um tolo; eles podem não saber a diferença". Eu concordo com o alerta, mas explico que não discuto com Olavo. Se fosse apenas nós dois numa sala fechada, meu tempo seria mais bem gasto lendo gibis da Turma da Mônica. O problema é que Olavo ainda conquista seguidores desavisados. Cada vez menos, é verdade. Mas faz-se necessário desmascarar o embuste. Rebato as mentiras e falácias de Olavo como faço com Verissimo, Sader ou qualquer outro do tipo. Sei que, à exceção dos desesperados que ainda levam Olavo a sério, quase ninguém mais o enxerga como um debatedor honesto, mesmo entre seus pares conservadores. Mas sempre existe um ou outro que ainda pode acordar do entorpecimento da erudição de Olavo. Escrevo para eles.

E por falar nos seguidores de Olavo, nada mais lamentável que ver a bajulação em sua comunidade do Orkut. Os comentários são todos do tipo: "Perfeito, professor", "Muito bom!", "Perfeito!", "Excelentes comentários, Olavo!". Olavo criou uma seita, explorando o desespero dos outros, tal como Bispo Macedo fez. Vaidoso, ele busca puxa-sacos que não questionam, mas apenas aplaudem como focas. A falta de argumentos é diretamente proporcional aos elogios feitos ao "mestre". Olavo, ao comentar a obra de Schopenhauer, Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão, assimilou muito bem todos os estratagemas de erística, que ele usa e abusa. Mas, uma vez desmascarado, entrou em desespero. A ameaça de processo foi a gota d’água, o ato desesperado de alguém que sabe não ter mais argumentos para rebater as críticas que recebe. Como disse Ayn Rand, "o argumento pela intimidação é uma confissão de impotência intelectual". Olavo acaba de confessar a sua.

A Renúncia de Fidel


Rodrigo Constantino

Acordo e a primeira notícia que escuto na televisão fala sobre o fim da era Fidel Castro em Cuba. Comemorei por alguns instantes, acreditando que o genocida finalmente havia batido as botas. Mas não era tão bom assim. Vaso ruim demora a quebrar. Era apenas a renúncia de El Coma Andante, com 81 anos e após quase meio século de abuso de poder, deixando um enorme rastro de desgraça na ilha-presídio. Pode ser um começo de novos tempos, a tão esperada transição para a democracia. Mas nada garante isso, pois o poder foi passado como se transfere um feudo. Cuba é propriedade de Fidel Castro, como um carro é propriedade do seu dono. O povo cubano é formado por escravos, e não está certo que isso mudará rapidamente. Pelo contrário: ao que tudo indica, o irmão do ditador poderá assumir o poder.

Escutei a notícia através da Globo News, teoricamente um canal para pessoas mais esclarecidas. Digo teoricamente pois na prática o ditador assassino é tratado como presidente até por este canal. A reportagem tratou Fidel da seguinte maneira: "para alguns um herói, para outros um ditador". Como assim?! Um genocida pode ser visto como herói por alguns, como Hitler, Stalin e Mao foram. Existem muitos dementes no mundo. Mas que era um ditador, isso é um fato! Não é uma questão de opinião, de gosto pessoal, tal como a preferência por uma cor. Fidel Castro era o mais antigo ditador no poder, ponto. Se até um canal de notícias, focado no público mais educado, parte para um relativismo tosco desses, o que esperar dos demais veículos de comunicação? No Brasil, a mídia doutrina, tal como as universidades. O ditador genocida é tratado como presidente, e reconhecer sua ditadura passa a ser uma simples questão de gosto. Um Engov, por favor!

Mas não foi só isso. A reportagem disse que Cuba passou por uma fase de prosperidade durante os anos 1980, com a ajuda financeira da União Soviética. Prosperidade?! Esses jornalistas precisam rever urgentemente seus conceitos. Sim, Cuba conseguiu sobreviver com as bilionárias mesadas soviéticas, mas não longe da miséria. O feudo comunista sempre foi miserável, não obstante toda a ajuda de fora, antes da União Soviética e depois de Hugo Chavez. Aliás, esse é o resultado inexorável do comunismo. Não há como ser diferente. Comunismo significa miséria, escravidão e terror. Foi assim em Cuba, na União Soviética, China, Camboja, Coréia do Norte etc. Onde as idéias comunistas vingaram, tivemos o caos.

Após praticamente meio século matando e gerando miséria, Fidel Castro resolve que está cansado demais para exercer o poder. Que ato nobre! O ditador abre mão da "presidência", exausto e perto do fim da vida. Quando Pinochet morreu, o presidente Lula disse que chegava ao fim uma "longa noite" na América Latina. Lula "esqueceu" que Cuba ainda é uma ditadura, a pior de todas, a mais cruel e miserável. Lula "esqueceu" também que admira muito o ditador Fidel Castro, e que é seu parceiro no Foro de São Paulo. Esquerdistas são assim mesmo: dois pesos e duas medidas. E por falar em Lula, o presidente garantiu que Fidel Castro estava com a saúde impecável, pronto para voltar ao poder, quando visitou o comandante. Ali estava selado o fim da ditadura de Fidel. Espero que Lula diga agora que Fidel terá uma longa aposentadoria pela frente...
PS: A mesma Globo News entrevistou o coordenador de conjuntura internacional da PUC-SP, que fez uma calorosa defesa de Fidel Castro, quem ele chamou de herói. A culpa dos problemas cubanos, claro!, é do Tio Sam. Com esse andar da carruagem, ficarei sem estoque de Engov.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

A Cidade da Música


Rodrigo Constantino

"Nas favelas, no senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?" (Legião Urbana)

As obras faraônicas do prefeito César Maia na Barra, para a construção de um complexo "cultural", já custaram, segundo matéria dos jornais, quase meio bilhão de reais. O orçamento inicial era de R$ 80 milhões. Em um bairro onde as ruas mais parecem queijos suíços, o transporte é caótico e pivetes intimidam os motoristas em cada sinal de trânsito, eis que o prefeito "blogueiro" resolve gastar uma fortuna com mais uma casa de espetáculos e centro de lazer. As prioridades estão completamente distorcidas. O prefeito, cria antiga de Brizola, mostra cada vez mais que não abandonou suas raízes. O carioca paga a conta.

O problema começa já no modelo político. O superfaturamento é a regra, não a exceção, no setor público. A razão é evidente: governantes gastam o dinheiro dos outros! Ora, quando cada um de nós entra num mercado, há uma preocupação total com o custo e o produto comprado, pois a conta sai do nosso bolso, e o benefício do bem é nosso. Quando vamos comprar um presente para um conhecido, a preocupação dos custos permanece, mas o produto a ser adquirido já não merece tanta atenção. Agora, quando gastamos o dinheiro de outros com outros, não há grande preocupação nem com o custo nem com a qualidade do produto. Eis a natureza dos gastos públicos. Um caso ainda pior é quando gastamos dinheiro dos outros para nós mesmos. Os custos explodem, pois não somos nós quem pagamos a conta, e o benefício é nosso. Os gastos em cartões corporativos do governo, especialmente da presidência, são prova disso.

Logo, a primeira constatação que podemos fazer é que gastos públicos tendem a ser irresponsáveis, gerar corrupção e não criar grandes benefícios a quem paga a conta. O dinheiro é da "viúva". Ninguém cuida bem de um carro alugado, que será devolvido em breve. Portanto, a magnitude dos gastos públicos deve ser mantida num mínimo necessário. Se o governo tivesse que focar apenas na segurança e nos serviços intrinsecamente públicos, com certeza haveria uma qualidade de vida melhor no país. No caso da Barra da Tijuca, o governo estaria focado na qualidade das ruas, no transporte público e na segurança, impedindo os pivetes de abusar do medo dos motoristas. O bairro seria outro, com certeza. Enquanto isso, temos um transporte caótico, falta um metrô para desafogar as avenidas, as ruas são totalmente esburacadas, e ainda temos um prefeito que resolve torrar meio bilhão num empreendimento totalmente desnecessário. Ali perto, há uma casa de espetáculos no shopping Via Parque. Cinemas não faltam na Barra, com o UCI e o Cinemark bem próximos do "elefante" de César Maia. Em resumo, não há nada que justifique a loucura do prefeito.

Não é racional contar com a honestidade dos governantes. Claro que quando aparece um governante maluco ou safado tudo piora, mas o foco deve ser limitar o escopo do governo. Somente assim os pagadores de impostos estarão mais protegidos, independente de quem chega ao poder. Os gastos públicos devem ser reduzidos, e as funções do governo devem ser bem limitadas. Como disse Hayek, "não é a fonte, mas a limitação do poder que o impede de ser arbitrário". Quando não há limites claros para o poder público, temos como resultado a Cidade da Música de César Maia, ou o governo Lula torrando nosso dinheiro em gastos pessoais com os cartões corporativos. A mentalidade do eleitor precisa mudar. Ele deve focar em quem será eleito, claro. Mas, acima de tudo, deve lutar para que qualquer governante tenha limites muito bem definidos para os gastos do dinheiro público. O Estado mínimo, defendido pelos liberais, tem justamente este objetivo. Mas o liberalismo passou longe do Brasil. Que país é esse?

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Uma Vez Embusteiro...


Rodrigo Constantino

O “filósofo” Olavo de Carvalho dedicou mais alguns minutos de seu programa ao vivo para me atacar e mentir novamente, inventando coisas que eu não disse, manipulando o que eu disse e tirando o restante do seu contexto. Expliquei que não costumo perder tempo rebatendo agressões chulas, a especialidade do “filósofo”, mas ele não entendeu, e achou que meu artigo foi para esta finalidade, e não para explicar aos seus ouvintes o que eu realmente tinha escrito antes. O objetivo desse texto agora é apenas provar o que quase todos já sabem – à exceção de sua seita de seguidores fanáticos: que Olavo mente compulsivamente. Ou seja, meu único objetivo aqui é resgatar os fatos, tão destruídos pelo astrólogo.

Em primeiro lugar, Olavo condenou o que chamou de minha “afetação de polidez”, me fazendo de “menino educadinho”. No fundo, qualquer postura mais civilizada, de quem realmente deseja debater idéias e focar nos argumentos, é vista com intenso desdém pelo “filósofo”, que utiliza um palavrão por frase, praticamente. Mandar as pessoas para aquele lugar é o “argumento” preferido de Olavo, uma postura bem filosófica. Como dizia a filósofa Ayn Rand, “o argumento pela intimidação é uma confissão de impotência intelectual”. Olavo adora tentar intimidar as pessoas, soltando seus adjetivos mais chulos. Os adolescentes em busca desesperada por um guru que “pense” por eles aplaudem. O “guru” regozija-se, com sua infinita vaidade. E o debate de idéias é totalmente solapado, cedendo lugar às baixarias que o “filósofo” adora. Em resumo, o que Olavo chama de “afetação de polidez” nada mais é do que a velha e boa educação, conquista da civilização que Olavo detesta, pois com certeza preferiria viver na Idade Média, e quem sabe resolver o “debate” num duelo ou me mandando para a fogueira.

Em segundo lugar, Olavo mente ao afirmar que eu teria dito que todas as tradições são uma estupidez, pois seriam apenas uma repetição mecânica. Gostaria de saber onde foi que afirmei isso. Pois no meu artigo original, A Tradição em Julgamento, eu não digo nada disso hora alguma. O que eu afirmo é que não devemos seguir as tradições de forma mecânica, ou seja, que não é apenas por ser uma tradição que devemos abraçá-la, já que temos a capacidade de questionar. Como fica claro, ou Olavo não leu o meu artigo que detestou, como eu suspeitava, ou é um mentiroso. Olavo disse que eu mudei retroativamente o sentido de tradição, acusando-me de ter alterado a mensagem no artigo que rebati suas mentiras. Para deixar a prova da mentira de Olavo, segue um trecho do meu artigo original, deixando bem claro que eu jamais disse que todas as tradições são uma estupidez e que não passam de repetição mecânica e cega:

“Romper tradições por si só não diz nada sobre ser ou não algo desejável. É evidente que existem tradições boas, que devem ser seguidas. Elas foram criadas, para começo de conversa, por algum motivo, e este ainda pode ser adequado. Mas só há uma maneira de descobrir: questionando.”

Creio que essa prova não deixa a menor sombra de dúvida de que Olavo mentiu. Aliás, refutar espantalhos é uma especialidade do “filósofo”. Não obstante, mentindo na maior cara-de-pau, Olavo partiu para os xingamentos, me chamando de “vigarista vulgar besta” e “batedor de carteira intelectual”. Depois, alegou que sente vergonha por ter que rebater um “merda” como eu. Pois bem, Olavo: fica aqui provado quem mente. E diferente de você, não sinto vergonha de rebater suas mentiras, pois acho fundamental mostrar aos leitores que tipo de pessoa você é. Afinal de contas, e pelo incrível que isso possa parecer, suas mentiras ainda enganam alguns garotos ingênuos, que necessitam de uma muleta para andar. Expor suas falácias passa a ser necessário, tal como expor as falácias de comunistas como Emir Sader. Conservadores fanáticos e comunistas são dois lados da mesma moeda, ambos farinha do mesmo saco podre, inimigos da liberdade individual.

Eis como Olavo inicia seu programa ao vivo em questão:

“Boa noite meus amigos, estamos aqui mais uma vez, iniciando nosso programa, invocando a santíssima virgem Maria, e o santo padre Pio de Pietrelcina, para que roguem a Deus nenhum insulto seja feito nesse programa a pessoas boas e justas, e que aqueles que eventualmente sejam feitos aos maus e injustos não sejam feitos por intenção de ódio irracional, mas com intenção pedagógica.”

Olavo conseguiu o pior de tudo: insultar alguém que estava com a razão, por ódio irracional. Fora isso, Olavo assumiu de vez o tom de pregação religiosa. Será que ele acredita mesmo que uma virgem foi capaz de parir um bebê? Será que ele de fato admira aquele que se imola em nome da fé? Pergunto essas coisas pois não é fácil engolir o novo fanatismo de Olavo. Afinal, ele já foi um astrólogo fanático, que fazia mapa-astral e tudo. Depois virou um comunista fanático, lutando com afinco pela causa que hoje diz abominar. Agora parece um católico fanático. Pelo visto, o lance de Olavo é o fanatismo, mas a crença é uma metamorfose ambulante, tal como a do presidente Lula. Será que a próxima será a cientologia? Ou talvez as Testemunhas de Jeová?
Muitos dos seus seguidores são também ex-comunistas, que mudaram de fé, mas mantiveram o modus operandi. Olavo pode mudar o quanto quiser a cor de sua roupagem, mas sempre estará nu. A erudição não é garantia de sabedoria, tampouco de honestidade intelectual. Noam Chomsky com certeza leu toneladas de livros, como vários outros “intelectuais” que defendem coisas absurdas. Mas a erudição de Olavo impressiona alguns desavisados. E sua postura infantil, sua incrível necessidade de agredir – que Freud explicaria se estivesse vivo, faz com que os garotos fiquem ainda mais impressionados com a “coragem” do “filósofo”. No entanto, nada disso irá alterar a realidade. E esta é: uma vez embusteiro, sempre embusteiro...

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

A Seita dos Assassinos


Rodrigo Constantino

"A maior parte dos muçulmanos não é composta de fundamentalistas e a maior parte desses não é terrorista, mas a maior parte dos terroristas atuais é muçulmana e tem orgulho de se identificar como tal." (Bernard Lewis)

Na Idade Média, uma seita de fanáticos assassinos surgiu no Irã e se espalhou pelas montanhas sírias e libanesas. A fama do grupo se alastrou até o mundo cristão, que ficou surpreso com a fidelidade de seus membros, mais até que com sua ferocidade. Seu líder, conhecido como o Velho da montanha, possuía cerca de 60 mil seguidores, segundo alguns relatos da época especulavam. Para Bernard Lewis, autor de Os Assassinos, os paralelos dessa época com a atualidade são incríveis, e podemos extrair importantes lições analisando a seita medieval. De todas as lições, segundo o autor, "talvez a mais importante seja a do seu fracasso final e completo".

A maioria dos alvos da seita era formada pelos próprios muçulmanos, muitas vezes autoridades estabelecidas. Quando o Velho tinha que matar algum príncipe, escolhia um dos jovens seguidores e dizia: "Vai tu e mata Fulano; e, quando retornares, meus anjos te levarão para o paraíso. E, se acaso morreres, não obstante, ainda assim enviarei meus anjos para carregar-te de volta para o paraíso". Conta-se que o Velho oferecia haxixe como entorpecente para seus jovens seguidores. Ele fazia-os acreditar no seu poder de lhes oferecer o paraíso, e isso possibilitava que os assassinos enfrentassem qualquer perigo. Não é possível saber ao certo o que é fato e o que é fantasia nisso tudo. Alguns querem acreditar que o nome "assassino" deriva desta droga supostamente consumida pelos seguidores da seita. Para Lewis, "muito provavelmente, foi o nome que deu origem à história, e não o contrário". Mas isso não é importante.

Durante o longo reinado do oitavo califa al-Mustansir (1036-94), o império fatímida alcançou o apogeu e caiu em rápido declínio. No século XI, a debilidade interna do mundo islâmico foi revelada por uma série de invasões. Houve importantes mudanças culturais, sociais e econômicas, mudando a história do Islã. A antiga pregação do ismaelismo fracassara e o império fatímida estava agonizando. Como coloca Lewis, "faziam-se necessários ‘nova pregação’ e novo método". O revolucionário que projetaria as mudanças seria Hasã-i Sabá. Para os povos belicosos e descontentes das montanhas de Dailã e Mazandarã, seu credo militante possuía atrativo poderoso. Hasã estabeleceu-se como senhor de Alamut. A vizinhança foi conquistada por seus ardis e propaganda, e quando isso falhava, pelo morticínio, pilhagem, derramamento de sangue e guerra. Era fundada a seita dos assassinos.

Para suas vítimas, eles eram criminosos fanáticos, mas para os ismaelitas, eles eram "um corpo de elite na guerra contra os inimigos do imame". Abatendo os usurpadores e opressores, davam prova suprema de sua fé e lealdade. A guerra santa era o caminho para Alá. Não havia espaço para a flexibilidade na fé. Um dos filhos da Hasã teria sido executado por beber vinho. A seita era temida por todos, e o caráter suicida de seus membros gerava pânico em muitos. Até mesmo Saladino foi vítima de atentados da seita. Na opinião de Lewis, os Assassinos não têm precedentes no uso sistemático, planejado e a longo prazo do terror como arma política. Assassínios anteriores, normalmente, eram obra de indivíduos ou pequenos grupos de conspiradores. Por este motivo, Lewis considera que os Assassinos "podem ser os primeiros terroristas". Havia as condições óbvias presentes: organização e ideologia. A organização permitia planejar os ataques e sobreviver ao contra-ataque. A crença, através do fanatismo religioso, inspirava os atacantes até o momento da morte. Lewis explica: "Sua religião, cada vez mais, adquire as características mágicas e emocionais, as esperanças milenares e de redenção, associada aos cultos dos desapossados, dos destituídos de privilégios e dos instáveis".

Como podemos ver, os fundamentalistas islâmicos modernos são os herdeiros desses Assassinos. A Al-Qaeda liderada por Osama bin Laden se assemelha em vários aspectos à seita de Hasã. Claro que a culpa em si reside no fanatismo, mas não é possível negar que a religião fornece os pretextos adequados. O próprio Lewis escreve em A Crise do Islã: "Segundo a lei islâmica, está de acordo com as escrituras fazer guerra contra quatro tipos de inimigos: infiéis, apóstatas, rebeldes e bandidos". A jihad é uma obrigação religiosa. A comparação com as cruzadas cristãs não é justa nem adequada, pois a jihad está presente desde o início da história islâmica, nos textos sagrados, na vida do Profeta e nas condutas de seus seguidores imediatos. Não obstante, eis o que Lewis comenta: "A cristandade e o islã são duas civilizações definidas a partir de suas religiões, e entraram em conflito não por suas diferenças, mas pelas semelhanças". Raramente as seitas admitem livre concorrência, e quando uma chega ao poder, busca suprimir as outras. As ideologias fanáticas, religiosas ou não, precisam ser intolerantes e autoritárias, pois não pode existir lugar para questionamentos e debates abertos. Seus líderes disputam o mesmo tipo de alma fraca e desesperada, em busca de uma muleta, um sentido para a vida, um conforto imediato, um sonho do paraíso eterno.

A seita dos Assassinos encontrou seu fim na força mongol. Apenas a violência foi capaz de barrar a violência. Fanáticos não costumam reagir aos argumentos da razão. Os seguidores de Bin Laden não entendem a linguagem diplomática. E o fanatismo é alimentado desde muito cedo, tal como era na seita de Hasã. Crianças indefesas sofrem verdadeiras lavagens cerebrais. Quando jovens, já devidamente devotos, alienados diante do mundo global moderno, enfrentando dificuldades e tendo um livro de regras duras impostas pela sua religião, tolhendo enormemente sua liberdade, o terrorismo é uma fuga. Diante da situação mundana lamentável, não apenas financeiramente, mas intelectualmente, o martírio é visto como a saída nobre. Com tanta repressão religiosa, aliada à promessa de um paraíso logo à espera, com virgens e tudo mais, a tentação é grande. Os vikings tinham Valhalla para incentivar as batalhas, onde somente os guerreiros nobres seriam escolhidos para o paraíso com farto banquete e lindas mulheres. Vida infeliz com promessa de paraíso é uma combinação explosiva. Os herdeiros da seita dos Assassinos já ostentam um rastro enorme de sangue inocente em seu histórico. A lista cronológica de alguns eventos demonstra melhor o que isso quer dizer:

1972 – O assassinato pela OLP de atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique;
1973 – A tomada da embaixada saudita em Cartum pela OLP, quando dois norte-americanos e um diplomata belga foram assassinados;
1979 – Oitenta iranianos invadiram a embaixada americana do Teerã e fizeram 52 reféns, durante 444 dias;
1980 – Seis terroristas islâmicos tomaram a embaixada do Irã em Londres e mataram duas pessoas;
1981 – Membros da Al Jihad assassinaram o presidente do Egito;
1983 – Integrantes do Hesbollah, com o apoio da Líbia e Irã, explodiram com bombas suicidas a embaixada americana de Beirute, matando 63 pessoas;
1983 – Novamente o Hesbollah jogou um caminhão com explosivos na embaixada americana, agora do Kwait. Ataques adicionais foram feitos à embaixada francesa, a apartamentos de empregados da Raytheon, com cinco mortos e oitenta feridos;
1984 – Ataque com bombas na embaixada americana no Líbano, matando 24 pessoas;
1985 – A tomada do cruzeiro italiano Achille Lauro pela OLP de Arafat, com o assassinato de um passageiro paralítico;
1985 – Terroristas trabalhando para o governo da Líbia bombardearam o aeroporto de Viena e Roma, matando vinte pessoas;
1988 – Uma bomba explodiu no vôo da Pan Am matando 270 pessoas na Escócia;
1992 – O Hesbollah bombardeia a embaixada israelense em Buenos Aires;
1993 – Um carro-bomba explodiu no World Trade Center, matando sete e ferindo centenas. Bin Laden estava por trás;
1993 – Dezoito membros das tropas americanas em missão humanitária foram mortos na Somália, com envolvimento de Bin Laden;
1994 – O Hesbollah atacou um centro cultural israelense em Buenos Aires;
1995 – Caminhão-bomba explodiu na Arábia Saudita matando sete americanos da Guarda Nacional em treinamento;
1996 – Novo atentado na Arábia Saudita mata 19 militares americanos;
1996 – O Talibã concluiu a conquista do Afeganistão, tomando sua capital Cabul, e criou centros de treinamento terrorista enquanto o mundo ocidental nada fez;
1997 – Bin Laden decretou em entrevista a CNN, a jihad, guerra islâmica, contra os Estados Unidos;
1998 – Bin Laden publica declaração com objetivo claro de que é dever de cada muçulmano matar americanos civis ou militares, assim como seus aliados;
1998 – Um carro-bomba explodiu na embaixada americana da Quênia, e poucas horas depois outra explosão na embaixada da Tanzânia. O total de mortos foi de 224 civis, e mais de cinco mil feridos;
1998 – A ONU (finalmente) reconheceu o massacre no Afeganistão cometido pelo Talibã, por razões étnicas, totalizando cerca de seis mil mortos;
1998 – Bin Laden diz em entrevista que guerra contra América será muito maior que guerra contra União Soviética, e que o futuro dos Estados Unidos é negro;
1999 – Separatistas islâmicos da Chechênia bombardearam prédios em Moscou, matando 212 pessoas;
2000 – Ataque suicida no navio americano USS Cole, no Iêmen, matando 17 tripulantes e deixando 37 feridos;
2001 – Explosão em uma discoteca de Tel Aviv matando 21 adolescentes;
2001 – Ataque ao World Trade Center e Pentágono, com estimativa de um total superior a três mil mortos;
2002 – Atentado terrorista em Bali, com mais de 180 mortos e 300 feridos;
2004 – Explosão em trem mata mais de 200 e fere mais de dois mil em Madri;

Creio que esta lista enfatiza bem o ponto. O terrorismo não é monopólio islâmico, de forma alguma. Mas o fanatismo islâmico tem sido o principal agente terrorista na atualidade. Os próprios adeptos desta religião deveriam ser os primeiros a condenar enfaticamente esses atentados, repudiando estes atos bárbaros em nome de sua fé. A seita dos Assassinos causou pânico na Idade Média, mas foi abolida. O terrorismo islâmico moderno também será. Os próprios muçulmanos precisam definir de qual lado estão: se lutam pela causa da jihad, ou se preferem um mundo tolerante, onde cada um escolhe sua crença religiosa – se alguma, e preserva a liberdade individual. Ambas as opções não é uma possibilidade. O fanatismo religioso não admite a liberdade individual. Jamais irá!

sábado, fevereiro 09, 2008

A Revolta Contra a Consciência


Rodrigo Constantino

“Liberdade significa responsabilidade; é por isso que tanta gente tem medo dela.” (George Bernard Shaw)

O atributo que define o homem, que o distingue de todas as demais espécies, é sua habilidade de raciocinar. Isso significa estender o campo de sua compreensão além dos concretos perceptuais imediatamente confrontando-o, ou seja, abstrair, integrar e assimilar princípios, compreender a realidade no nível conceitual da consciência. Para Nathaniel Branden, adepto do Objetivismo de Ayn Rand, a psicologia seria definida como “a ciência que estuda os atributos e características que o homem possui por virtude de sua faculdade racional”. Cada homem pode experimentar diretamente apenas a sua consciência, e a introspecção é a primeira fonte do conhecimento psicológico de alguém. As manifestações e expressões da atividade mental são os comportamentos. A consciência é quem regula a ação. Ela não pode ser totalmente entendida sem referência ao comportamento, e este não pode ser entendido sem referência à consciência: o homem não é um fantasma incorpóreo nem um robô autômato.

No entanto, muitas são as pessoas que atacam justamente este atributo fundamental do ser humano. Diferentes grupos se revoltam contra a consciência, tentando limitar seu poder ou mesmo anulá-lo por completo. Um dos casos mais extremos está no behaviorismo. Para seus seguidores, devemos dispensar o conceito de consciência, e estudar exclusivamente o comportamento do organismo, ou seja, restringir a psicologia ao estudo dos movimentos físicos. O behaviorismo radical é um materialismo explícito, sustentando que a mente é uma série de respostas corporais, tal como as reações musculares. A metodologia behaviorista implica que o organismo estudado pela psicologia é de tal forma que seu comportamento pode ser entendido sem referência à consciência. Isso é, segundo Branden, claramente uma posição metafísica.

Alguns behavioristas preferem negar que são materialistas reducionistas, mas sua doutrina acaba levando à crença em outra forma de materialismo: o epifenomenalismo. Esta doutrina assume que a consciência é meramente um subproduto acidental de processos físicos. Seus adeptos ficam numa posição delicada de ter que aceitar que a história da espécie humana seria exatamente a mesma se ninguém tivesse jamais tido consciência de algo, se ninguém tivesse tido percepções ou pensamentos. A diferença entre as duas vertentes do behaviorismo é nula, para efeitos práticos. Ambas concordam que a consciência é irrelevante para a psicologia e o comportamento. Eis a essência da posição deles, ainda que o behaviorista fique relutante em anunciar as conclusões a que suas teorias levam. Ele não se sente obrigado, por coerência, a declarar que, partindo de suas premissas de que a consciência é ilusória ou irrelevante para explicar os comportamentos, e que isso inclui o seu comportamento, nada do que ele possa pensar ou entender carrega qualquer relação causal com as coisas que ele faz ou as teorias que ele advoga. Quando alguém defende uma doutrina a qual prega que não há um papel fundamental da consciência no seu próprio comportamento, a tentação irresistível é concordar com ele. Só não é justo extrapolar isto para todos os homens!

O revolucionário americano Ethan Allen explicou o dilema de forma brilhante: “Aqueles que invalidam a razão devem seriamente considerar se estão argumentando contra a razão com ou sem razão. Se é com razão, eles estabelecem o princípio que se esforçam para derrubar; mas, se argumentam sem razão (o que, para ser coerentes consigo mesmos, deveriam fazer), ficam fora do alcance da convicção racional e não merecem uma argumentação racional”. Outro que expôs a contradição determinista foi Leonard Peikoff, um dos herdeiros intelectuais de Ayn Rand:

"Se a consciência do homem fosse automática, se ela reagisse de modo determinista a forças (exteriores ou interiores) que agem sobre ela, então, por definição, um homem não teria escolha no que se refere ao seu conteúdo mental; ele aceitaria tudo que tivesse de aceitar, todas as idéias que as forças determinantes engendrassem nele. Nesse caso, não se poderiam prescrever métodos para orientar o pensamento humano nem se poderia pedir a alguém que justificasse suas idéias; o tema da epistemologia seria inaplicável. Não se pode pedir a uma pessoa que altere ou justifique aquilo que é mentalmente inevitável. Por analogia, em termos físicos, não se pode pedir a alguém que altere ou justifique seu reflexo patelar. Quanto ao involuntário, não há outra alternativa senão submeter-se – fazer o que se deve fazer, seja lá o que for. [...] Uma validação de idéias é necessária e possível apenas porque a consciência humana é volitiva. Isso aplica-se a qualquer idéia, inclusive a defesa do livre-arbítrio: pedir prova do livre-arbítrio é pressupor a realidade do livre-arbítrio."

O ataque behaviorista à consciência representa meramente um extremo de uma tendência mais geral na psicologia moderna e na filosofia: a tendência de considerar a consciência ou mente com uma hostilidade suspeita, como um fenômeno perturbador, distante do campo do conhecimento científico. Por séculos, os místicos alegaram que o fenômeno da consciência estava fora do alcance da razão e da ciência. Os apóstolos modernos da “ciência” anti-mente concordam. Enquanto proclamam ser expoentes da razão, acabam defendendo explicações místicas sobre a consciência, cedendo uma vitória aos místicos que nem eles poderiam ter sonhado. Ambos os lados mantêm algo em comum: a revolta contra a consciência, o ataque à razão humana.

Creio que o principal motivador por trás dessas doutrinas contra a consciência está no medo de assumir as rédeas da própria vida, a responsabilidade pelos próprios atos. Responsabilidade significa habilidade de resposta, e isso gera um fardo para muitos, pois joga o peso das escolhas no ombro do indivíduo. Assumir que “entre o estímulo e a resposta, o homem tem a liberdade de escolha”, como disse Viktor Fankl, mesmo sendo torturado por nazistas, implica na necessidade de enfrentar suas escolhas e, portanto, seus resultados. Claro que o ambiente, o contexto, a cultura, a família e também a genética influenciam estas escolhas. É óbvio que o nosso livre-arbítrio enfrenta certos obstáculos externos. Mas negar essa liberdade de escolha é algo totalmente absurdo. É uma fuga covarde, típica dos que temem olhar para trás e reconhecer seus erros, para poder mudar o destino à frente, fazendo novas escolhas.

Não faz sequer sentido cair numa crença determinista e continuar um debate. Se nossas ações são determinadas por algum fator exógeno qualquer, sem nossa possibilidade de escolher o rumo, então fim de papo, nada mais é possível de se debater racionalmente. Afinal, tudo está determinado mesmo. O determinismo é algo totalmente irracional. Quem nega o poder da escolha racional humana, não pode alegar jamais estar com a razão. Ele não teria como saber, segundo a sua própria crença. Como Peikoff explica, "quando um determinista afirma que o homem é determinado por certos fatores, isto aplica-se também a todas as idéias do homem, inclusive sua própria defesa do determinismo". Como qualquer rejeição de um axioma filosófico, o determinismo se auto-refuta. Não faria sentido também falar em moralidade, já que ninguém teria escolha, nem o estuprador nem o sujeito íntegro. Ambos seriam como são apenas porque tinham que ser assim. O determinismo é a morte da moralidade. Surge de cara a incômoda questão: que tipo de gente pode querer defender o determinismo? Somente aquele coitado que abomina sua própria mente e a moralidade no mundo, ou seja, o ser irracional e imoral. O determinismo é uma fuga.

Pessoas admiráveis aceitam que são os responsáveis por suas escolhas na vida. Entendem, naturalmente, que sofrem influências externas, que o meio-ambiente e a genética exercem seus papéis, que dependendo do contexto, o grau de liberdade de escolha é reduzido. Sabem que para algumas pessoas as escolhas são feitas numa situação mais difícil. Mas são pessoas que não fogem de suas responsabilidades. Só há mérito mesmo onde há escolha. Valorizamos justamente aquilo que escolhemos. Quando partimos para uma fuga desesperada rumo ao determinismo, eximindo-nos de responsabilidade, estamos a um passo do abismo. Não é digno de admiração aquele que acredita que somos como somos simplesmente porque assim tínhamos que ser, negando o poder da consciência, das nossas escolhas racionais. Quem encara o ser humano como uma simples marionete, reagindo de forma inconsciente a todos os impulsos externos, um verdadeiro cão de Pavlov, está dando um atestado e tanto sobre a sua própria pessoa. A revolta contra a consciência é a reação de seres covardes diante do medo de aceitar a liberdade humana. E eles escolheram isso!

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Alucinação ou Revelação?


Rodrigo Constantino

“Assim como as crianças tremem e têm medo de tudo na escuridão cega, também nós, à claridade da luz, às vezes tememos o que não deveria inspirar mais temor do que as coisas que aterrorizam as crianças no escuro...” (Lucrécio)

“Ele acordou de repente, aterrorizado, naquela primeira noite na caverna, todo o seu corpo, todo o seu interior, preso em um aperto semelhante ao de um torno que parecia mantê-lo dentro de um campo de pressão intensa. Mais tarde ele tentaria explicar a sensação: foi como se um anjo o tivesse prendido com um abraço assustador que ameaçava esmagar a vida, expulsando o ar de seus pulmões. Enquanto ele estava deitado ali, exausto, ouviu a ordem: ‘Recita’. Isso ele não sabia fazer: ele não tinha aprendido poesia, não era adivinho nem bardo com uma série de frases bonitas na ponta da língua. De fato, como ele mesmo afirmava, era totalmente analfabeto. O anjo encobriu-o, possuindo-o de novo com tanta força que ele sentiu que ia estourar: ‘Recita!’, ordenou novamente. [...] Assim foi o início do Alcorão, traduzido literalmente como ‘recitação’. É a palavra de Deus pela boca de Maomé. Quem acredita nisso é muçulmano; quem não acredita, não pode ser.”

Eis como o historiador Barnaby Rogerson narra, no livro O Profeta Maomé, a primeira revelação divina supostamente recebida pelo profeta do Islã, em uma caverna nas encostas do Monte Hira, em 610. Em seguida, “ainda tremendo, com muito medo mas decidido, ele saiu da caverna e deixou sua família dormindo. Escalou rápida e resolutamente o pico do Monte Hira. Ele tinha o suicídio em seu coração. No meio do caminho foi parado por uma voz angélica, e a forma ampla e abrangente do Arcanjo Grabriel encheu sua visão, não importando para onde se virasse, dominando todo o horizonte e toda a perspectiva: vasto, contínuo e inescapável. ‘Levantei minha cabeça para olhar o céu e eis que avistei Gabriel na forma de um homem com asas estendidas, ereto no firmamento, com os pés tocando o chão... Então, virei meu rosto para outras partes do céu, mas em qualquer direção que olhasse, lá estava ele’. Maomé voltou cambaleando para a caverna e arrastou-se para o conforto da esposa, a quem implorou: ‘Cubra-me, cubra-me’. Khadija o abraçou, cobriu seu rosto exausto com seu manto, acalmou-o e ouviu sua história. Quando ele acabou de contá-la, ela voltou rápida e furtivamente para a cidade, a fim de conversar com seu guia espiritual, seu respeitado primo Waraqa ibn Nawfal. Tranqüilizada pelo conselho de Waraqa, ela voltou à caverna e foi a primeira a saudar Maomé como um profeta de Deus”.

Era o nascimento do Islã, que iria conquistar vasto território através de muitas guerras e derramamento de sangue. Vários questionamentos surgem imediatamente para todos aqueles que não pertencem desde o nascimento a esta religião. E se houvesse um pouco mais de ceticismo na época, será que acreditariam que Maomé realmente encontrou o anjo, ou adotariam uma visão mais provável de ser tudo obra da própria mente dele? Por que Deus escolheria um intermediário em vez de aparecer logo de uma vez para todos? Por que o intermediário é quase sempre um analfabeto? Por que uma aparição através de um anjo numa caverna isolada? Atualmente, todos acham graça se alguém diz ser um profeta de Deus que recebeu uma mensagem através de uma visão. Não ficam com a menor dúvida de que se trata de um louco ou embusteiro. O engraçado Inri Cristo é prova disso. Mas por que essas mesmas pessoas levam tão a sério o relato de situações exatamente iguais ocorridas, ainda por cima, numa época de mais ignorância? O que é mais provável: que este relato de Maomé, que deu origem ao Islã, uma das maiores religiões da atualidade, seja de fato uma revelação divina, ou o resultado de uma alucinação de um sonolento Maomé, já em busca há algum tempo por um chamado divino?

Como Carl Sagan escreve em O Mundo Assombrado Pelos Demônios, “as alucinações podem ser uma passagem negligenciada para a compreensão científica do sagrado”. Alucinações mundanas são comuns, mais do que muitos gostariam de admitir. Ele explica: “Essas alucinações podem ocorrer com pessoas perfeitamente normais em circunstâncias perfeitamente comuns. Elas também podem ser provocadas: pela fogueira de um acampamento à noite, por estresse emocional, por ataques epilépticos, enxaquecas ou febre alta, por jejum prolongado, insônia ou privação dos sentidos (por exemplo, em reclusão solitária), ou por meio de alucinógenos como LSD, psilocibin, mescalina ou haxixe”. Além disso, não importa quais sejam os antecedentes neurológicos ou moleculares, as alucinações parecem reais.

Se crianças são capazes de fantasiar sobre monstros horripilantes, por que alguns adultos não poderiam, de vez em quando, fantasiar algo parecido? Sagan diz: “Há inúmeros exemplos, em todas as religiões, de patriarcas, profetas ou salvadores que se retiram para o deserto ou para a montanha e, assistidos pela fome e pela privação dos sentidos, encontram deuses ou demônios”. O relato de Maomé tem mais probabilidade de ser apenas um fenômeno deste tipo, ou de fato uma visita de Gabriel? Sobre as revelações, Rogerson escreve que “o processo era tão debilitante que depois dele Maomé freqüentemente precisava ser coberto e protegido por uma colcha enquanto tremia e se sacudia”. Não nos remete justamente aos casos típicos de alucinações?

Depois do relato da primeira visita, Maomé ficou por dois anos sem voz alguma, em silêncio. Após esse período de espera, as revelações continuaram, algumas vezes com um verso repetido, para corrigir um mais antigo. Em 615, a nova ordem era para sair e pregar em público. Islã significa “render-se”, ou “submissão”. O profeta deveria levar a ordem para todos, mesmo que o uso da espada fosse necessário. Maomé começou a ser visto como um perigo pelo poder estabelecido. Foi nesse clima tenso que os “versos satânicos” devem ter ocorrido. Os muçulmanos não gostam de tocar no assunto, que ficou impossível de ser ignorado depois do livro de Salman Rushdie, que recebeu uma sentença de morte de Aiatolá Khomeini por causa dele. Maomé teria contemporizado com o poder local, e dito que Gabriel reconhecia as três deusas adoradas, Al-Lat, Al-Uzzah e Manat, como divinas.

O gesto de conciliação gerou euforia, e os árabes pagãos ficaram encantados com esta referência à intercessão das deusas. Mas depois, talvez por receio de ser traído pelos poderosos, ou qualquer outro motivo, o fato é que Maomé voltou atrás, e concluiu que fora enganado. Recebeu uma nova visita do anjo, e soube que na anterior, era Satã disfarçado, e não Gabriel. Entende-se porque os muçulmanos odeiam esse assunto, e chegam a ameaçar de morte quem o traz à tona. Se Maomé enganou-se uma vez, tendo na verdade a mesma visão do Arcanjo Gabriel em ambas, o que garante que ele não estava errado em outras, em várias outras, em todas as outras? A dúvida é cruel para os crentes, e questionar é pecado, um crime, prova de falta de fé.

Muitos crentes de outras seitas entendem perfeitamente a lógica desses argumentos, e realmente consideram até absurda a escolha da opção “revelação” por alguém, em vez de abraçar a infinitamente mais provável opção de “alucinação”. No entanto, quando chega ao caso da sua própria seita, a razão desaparece, cedendo lugar à necessidade de crença no dogma já enraizado. É o caso dos cristãos, por exemplo, que ignoram as crenças dos muçulmanos, achando bem mais plausível a hipótese de alucinação de Maomé, mas abraçam com fé cega a “hipótese” de que Jesus realmente nasceu de uma virgem e ressuscitou, de fato, após ser crucificado. Ou então nem ousa questionar os “milagres” de curas por simples toque ou multiplicação de pães. Para os adeptos desta seita, tudo isso, profundamente inverossímil e considerado absurdo por qualquer um que faz o uso da lógica, passa a ser visto como “A Verdade”, que não deve ser questionada, mas apenas aceita por um “nobre” ato de fé. Crer porque é absurdo, eis a mensagem!

E assim caminha a humanidade, com cada seita abandonando a razão em prol da alucinação particular, enchendo o mundo de deuses e demônios que assombram, perdoam, matam, punem, observam, controlam, castigam, oferecem recompensas, tudo isso fruto das alucinações humanas, demasiado humanas.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

A Tradição dos Símios


Rodrigo Constantino
“O fato de que a religião pode nos ter servido para alguma função necessária no passado não exclui a possibilidade de que hoje ela seja o maior impedimento para a construção de uma civilização global.” (Sam Harris)

Fiquei sabendo que Olavo de Carvalho comentou um artigo meu em seu último programa ao vivo. Não costumo perder meu precioso tempo rebatendo xingamentos e agressões. Prefiro focar em debates interessantes e construtivos onde posso aprender coisas novas ou mesmo rever meus pontos. Infelizmente, isso quase nunca é possível com Olavo de Carvalho, que prefere ligar uma metralhadora giratória de adjetivos chulos. No entanto, considero útil dedicar algum tempo aqui, não para rebater os ataques pessoais de Olavo, mas sim para explicar melhor meus pontos ao leitor imparcial, já que o “filósofo” ainda consegue manipular muitas mentes desavisadas.

Em primeiro lugar, Olavo faz um patético apelo ao tempo das tradições, ironizando que os judeus devem ficar preocupados porque eu, um ninguém, resolveu questionar suas tradições. Bem, por essa brilhante linha, tudo que for antigo é bom. Só porque um costume sobreviveu por longo período, não se prova que ele deve continuar sendo praticado. Era justamente esse um dos objetivos do meu artigo, tanto que dei como exemplo o hábito dos muçulmanos de não beber vinho, somente por conta de um episódio tolo supostamente ocorrido nos tempos de Maomé. Para Olavo de Carvalho, os seguidores submissos do Islã – que quer dizer exatamente “submissão” – estão certíssimos, pois contam com os séculos da tradição. Eu conto apenas com meu questionamento, o questionamento de um desconhecido qualquer. Meu questionamento me permite degustar dos maravilhosos vinhos. Os muçulmanos, com os seus séculos de tradição, perdem esta oportunidade. Olavo aplaude.

Olavo tentou me ridicularizar por conta do significado do termo “tradição” também. Para ele, eu falava de costume, não de tradição, que teria sua causa claramente compreendida, pois é renovação constante. Como se toda tradição fosse realmente entendida pelos seus adeptos! Vide o caso das católicas que casam de branco, com véu e grinalda, ignorando o detalhe “bobo” da virgindade. Mas bastava ler meu artigo todo – algo que muito provavelmente Olavo nem fez – para saber o que eu estava tentando dizer com o uso do termo. Para ajudar no esclarecimento dos ouvintes de Olavo, aqui vão os conceitos oferecidos pelo dicionário Aurélio:

1. Ato de transmitir ou entregar.
2. Transmissão oral de lendas, fatos, etc., de idade em idade, geração em geração.
3. Transmissão de valores espirituais através de gerações.
4. Conhecimento ou prática resultante de transmissão oral ou de hábitos inveterados.
5. Recordação, memória.
6. E. Ling. O conjunto dos testemunhos, conservados ou desaparecidos, em que se materializou um texto ao longo do tempo.

Como fica claro, várias dessas definições servem exatamente para o sentido que usei no meu artigo. A tradição que coloquei em julgamento foi o ato de transmitir costumes, lendas, fatos, de geração em geração. Os exemplos oferecidos no artigo não deixam margem à dúvida, levando-me a concluir que Olavo criticou o que não leu, já que não acredito que ele seja analfabeto funcional. Bom, resta sempre a opção de desonestidade intelectual, mas melhor não especular sobre isso.

Mesmo depois de se pegar nesse detalhe do sentido da palavra, Olavo não ficou satisfeito, e condenou minha conclusão até mesmo para os casos de simples costumes cegamente seguidos. No exemplo que usei, dos macacos na jaula, Olavo afirmou que os macacos estariam certos, e eu errado. Mas quando foi que disse que uma tradição – ou costume – deve ser ignorada somente por ser uma tradição? Pelo contrário, deixei bem claro no artigo que não era esse o caso, e sim que temos a capacidade de questionar as tradições, para verificar se elas ainda fazem sentido ou não. No caso dos macacos, pode ser que a ducha de água fria fosse sempre usada para quem tentasse pegar as bananas – ou não. O exemplo é amplamente usado justamente para expor o absurdo de fazer algo somente porque todos fazem. Eu não disse no artigo que os macacos sempre levariam a ducha. Eu disse que eles levaram no começo apenas. Olavo acha que os macacos eram mais inteligentes do que eu, pois seguiam um hábito cegamente, enquanto eu perderia algum tempo buscando entender os motivos que levavam os outros a bater nos novatos. Entendo que crentes necessitam de dogmas e que questionar é, para eles, um pecado. Questionar pode levar até mesmo à fogueira, se no poder estiver algum crente fanático. As reações aos meus humildes questionamentos provam o perigo desse fanatismo.

Em resumo, a mensagem do meu artigo era bem clara: não devemos fazer algo somente porque os outros fazem e aqueles antes desses faziam também. Devemos buscar compreender os motivos pelos quais fazemos as coisas. Somente os símios – ou alguns crentes fanáticos – acham maravilhoso repetir um hábito pelo simples fato de que ele foi passado de geração em geração, sem desejar entender se ainda faz sentido racional tal prática. Será que devemos manter a escravidão somente porque ela foi tradicional no passado? Será que a submissão feminina deve ser mantida por ter sido durante tanto tempo um costume comum? Será que adúlteras devem ser apedrejadas por esse hábito ter sido praticado no passado? Os casamentos forçados devem continuar por terem sido uma tradição? As mulheres muçulmanas devem ter seu clitóris cortado em prol da tradição? Índios devem sacrificar crianças aos deuses em nome dos costumes? Judeus devem passar por uma circuncisão sem anestesia somente porque era a tradição? Devemos continuar praticando touradas somente porque são uma tradição? Os indianos devem evitar carne de vaca porque, segundo sua tradição, o animal é sagrado? Os exemplos seriam infindáveis.

Quem tem interesse em disseminar tal comportamento nas pessoas, a obediência cega aos dogmas, a repetição mecânica dos costumes, a crença fanática numa tradição, somente por ser uma tradição? Normalmente, os líderes de seitas, que criam seguidores autômatos, escravos fiéis, membros cegos de um rebanho fanático.

PS1: Olavo ainda comentou a quantidade de coisas que escrevo, como se isso fosse prova da falta de qualidade dos textos. Curioso isso, vindo de alguém que escreve tanto quanto ele e que ainda se diz um filósofo, que deveria focar apenas nos argumentos.

PS2: Em um artigo recente, Olavo escreveu que a doutrina darwiniana coloca o ser humano no “cume da evolução animal”, demonstrando profunda falta de conhecimento sobre o darwinismo. Talvez ele pudesse evitar tais declarações se, em vez de agredir tanto os outros, ele procurasse aprender mais sobre o tema que critica.