sexta-feira, junho 29, 2007

Os Golpistas



Rodrigo Constantino

"Os jornais são armas; eis porque é necessário proibir a circulação de jornais burgueses; é uma medida de legítima defesa!" (Trotsky)

Os petistas costumam criar vários bodes expiatórios para evitar a dolorosa mea culpa. Fiéis ao rebanho bovino, e não a princípios e valores sólidos, tudo vale para aliviar a barra dos "camaradas" corruptos – e são muitos! Os fins justificam quaisquer meios. Fogem dos fatos como o diabo foge da cruz, e abusam dos dois pesos e duas medidas, tudo para evitar um julgamento imparcial e objetivo dos atos de seus aliados. É nesse contexto de perfídia que a mídia tem sido caluniada pelos petistas, escolhida como um dos principais alvos de seu veneno. Claro! Os petistas, aturdidos com os fatos que chegam a cada instante, precisam culpar o mensageiro, para não enfrentar a mensagem. São vítimas de dissonância cognitiva, e a verdade sobre seus líderes machuca profundamente. É mais fácil culpar a mídia, especialmente a revista VEJA, a mais lida e respeitada do país.

Assim, a VEJA pratica, na cabeça oca dos inocentes úteis, uma perseguição injusta aos petistas. Ela não passa de um veículo de propaganda "neoliberal", controlada pelo PSDB (como se este partido fosse liberal!) e que luta para dar um golpe no governo Lula. Todo veículo de informação que informa as maracutaias infindáveis do PT é golpista! Revista séria somente aquelas que desenformam, de preferência recebendo muitas verbas públicas em propaganda. A Caros Amigos ou a Carta Capital passam a ser encaradas como revistas sérias, enquanto a VEJA é tachada de golpista, pois mostra os fatos sobre o governo. Para os bolcheviques, o Pravda era sério, enquanto a The Economist não passava de um instrumento da CIA, que deveria ser banido do país, como todos os demais jornais e revistas "burgueses". Assim funciona a cabeça de um "revolucionário", como a frase de Trotsky, na epígrafe, deixa claro.

A memória dos petistas costuma ser bem curta, sem alcance algum. Por isso esquecem tudo que pregavam poucos meses antes da vitória de Lula. E não conseguem lembrar também como a revista VEJA se portava durante o governo FHC ou Collor. Uma rápida pesquisa, portanto, pode ajudar a refrescar a memória dos petistas. O Google deve ser detestado pelos petistas, pois ficou cada vez mais fácil achar arquivos que derrubam as teorias conspiratórias do PT, assim como desmascaram suas mentiras. O intenso trabalho de lavagem cerebral feito para demonizar a revista e enganar o povo pode ser desfeito com poucos cliques. Vejamos algumas matérias de capa da revista VEJA nos anos que antecederam o governo Lula:
  • Propina na Privatização: Ricardo Sérgio de Oliveira, o homem dos fundos de pensão, ex-caixa de campanha do tucanato, e a história dos 15 milhões pedidos ao consórcio que comprou a estatal Vale do Rio Doce. Dois ministros confirmam a história;
  • A Sombra em FHC: As ligações e os negócios do ex-acessor que estão fazendo um estrago na imagem do presidente;
  • Fisgado pela Boca: O escândalo das fitas deixa Mendonça de Barros com um pé fora do governo;
  • A Radiografia do Escândalo: Chico Lopes tem 1,6 milhão de dólares no exterior e não declarou à Receita; Extratos bancários mostram que ele tinha um laranja na Macrométrica; Crescem as suspeitas de que a Macrométrica vendia informação ao BC;
  • O Corvo é Graziano: O acessor de FHC está por trás da espionagem no Planalto;
  • O Senador de 30 Milhões de Reais: O presidente (Jader Barbalho) do maior partido do país nunca se afastou da política; E mesmo assim fez uma fortuna surpreendente;
  • Senador, Milionário, Suspeito: A CPI pede ao Ministério Público que investigue o grande amigo de Collor (Luiz Estevão) por negócios fraudulentos de 34 milhões de dólares;
  • Os Dólares no Buraco Negro: Inépcia do governo, vazamento de informações e brigas internas na semana em que o Banco Central torrou 7 bilhões de dólares;
  • Eles Encolheram o Congresso: Como o Senado se transformou na Casa da Mentira com Jader, Arruda e ACM;

Muitos outros exemplos poderiam ser mostrados, mas creio ter deixado evidente que o PT não é vítima de perseguição por parte da revista VEJA, que sempre informou os podres dos governos, justiça seja feita. Se o PT aparece mais nas capas da revista, é somente porque rouba mais, e porque mais escândalos têm vindo à tona. "Nunca antes nesse país", como gosta de dizer o nosso presidente, tanta podridão apareceu. É um escândalo atrás do outro, inclusive dificultando a tarefa da mídia, que fica perdida sem saber onde focar. Se o PT não está satisfeito com os fatos que a mídia mostra, seria mais honesto mudar os fatos, e não condenar a mídia.


Um país livre necessita de uma mídia livre e independente do governo, que busque informar ou mesmo investigar qualquer escândalo político. Os americanos sempre compreenderam isso. Os socialistas, que muito influenciaram os petistas, sempre compreenderam isso também. E por isso mesmo lutam para calar a mídia, como aconteceu em todo país socialista, e como lamentavelmente vemos ocorrer na Venezuela de Chávez, com os aplausos de muitos petistas. Não é a mídia que é golpista; são os petistas! Mas para eles, eu devo ser apenas um agente da CIA infiltrado aqui, defendendo a VEJA porque sou um "lacaio do império" ou estou recebendo algum por fora. Os petistas têm essa mania de achar que todos são como eles, sem escrúpulos e incapazes de defender a verdade dos fatos. Eles olham no espelho e partem para os ataques, bem como o "guru" Lênin ensinou. E por este motivo acusam a mídia de golpista, enquanto o risco de golpe, tanto para a democracia como a liberdade, vem justamente dessa estratégia de desqualificar a mídia que mostra os podres do governo.

quinta-feira, junho 28, 2007

Impunidade


Rodrigo Constantino

"A complacência de hoje é paga com a angústia de amanhã; e se ela persiste, com o sangue de depois de amanhã." (Suzanne Labin)

O caso dos delinqüentes de classe média que agrediram uma empregada doméstica na madrugada carioca gerou, com toda razão, muita revolta na população. As absurdas declarações, tanto dos agressores como do pai de um deles foram chocantes. Pensaram que se tratava de uma prostituta, e por isso espancaram a coitada, como se bater em prostituta fosse algo normal e aceitável. E o pai alegou que "crianças" que estudam e trabalham não deveriam ir para a cadeia. A sensação de que o crime ficará impune é angustiante, como sempre. Nos remete ao lamentável caso do índio queimado enquanto dormia por assassinos que logo estavam soltos, de volta à sociedade. A impunidade é, sem dúvida alguma, um dos principais problemas do país, se não o principal.

Muitos automaticamente afirmam que os ricos não são presos no Brasil. É verdade, mas os pobres também não são! Falar que há muito mais pobre que rico nas cadeias é confundir correlação com causalidade. Ora, há mais pobre que rico no país! O fato triste é que existe uma enorme impunidade, tanto para ricos como para pobres. Por acaso os invasores de propriedade privada do MST estão na cadeia? Os pobres que assaltam nos locais já conhecidos por todos no Rio de Janeiro estão presos? Os corruptos do "mensalão" estão presos? Quem dos 40 membros da quadrilha montada pelo PT está na cadeia? Seja rico ou seja pobre, o fato é que tem muito criminoso solto no Brasil, pois o império da lei simplesmente não existe.

O caso do espancamento da doméstica deveria servir para a reflexão de muitos "intelectuais" e políticos que, imbuídos do ranço marxista, definem como critério de criminalidade a conta bancária das pessoas, chamando todo pobre de potencial assassino. Colocando como principal causa da criminalidade a miséria, e não a impunidade, estão tratando todo favelado como potencial bandido, ignorando que a ampla maioria das favelas é feita por gente honesta. A lição que a doméstica espancada tem para dar a esses "intelectuais", como os membros da ONG Viva Rio, é muito valiosa. Uma mulher humilde, mas que nem por isso ignora os valores corretos da vida. O caráter das pessoas não é medido pelo saldo no banco, e esses ricos "intelectuais" saberiam disso se olhassem com sinceridade para um espelho!

Aqueles que culpam a pobreza pela criminalidade ignoram que vários criminosos são de classe média ou mesmo alta. Em Brasília, por exemplo, existe talvez a maior concentração de ladrões por metro quadrado no país, especialmente mais perto do Planalto. São pessoas ricas, que gastam fortunas para serem eleitas, mas que roubam como ninguém. O próprio Marcola, líder do PCC, não era um miserável. Os indivíduos reagem a incentivos, sem falar que certas figuras são "frutos podres" mesmo, algo que infelizmente sempre irá existir, por inúmeras causas diferentes. Para lidar com bandidos é preciso a lei, a punição. Passar a mão na cabeça de marmanjos delinqüentes não é a solução. Isso vale para esses garotos de classe média, assim como vale para os mais pobres. A esquerda parece desejar a punição somente para os primeiros, sendo inexplicavelmente complacente com os últimos. Se alguém de classe média ou alta pratica um ato criminoso, os esquerdistas querem punição severa, com razão. Mas são os primeiros a inocentar todos os bandidos mais pobres, como se a pobreza justificasse a criminalidade.

O liberalismo defende o império da lei, o que significa isonomia de tratamento, igualdade perante as leis. Não importa se o criminoso é alto ou baixo, gordo ou magro, negro ou branco, crente ou ateu, homem ou mulher, rico ou pobre, ele deverá ser punido pelo ato criminoso em si, como qualquer outro seria. Quem enxerga o mundo pelas lentes da parcialidade e preconceito são os esquerdistas, que disseminam o ódio de classes, raças, sexo etc. Defendem cotas raciais, afirmam que ricos exploram pobres, enfim, vivem de colocar uns contra os outros em falsas dicotomias, ignorando justamente a igualdade perante a lei, um dos mais importantes valores da sociedade.

Se o Brasil pretende ser um país civilizado e avançado, precisa entender a relevância do império da lei. A impunidade é o maior convite ao crime. Privilégio vem de privi leges, ou leis privadas, feitas para beneficiar algum grupo sempre em detrimento de outro. Isso é o oposto do conceito objetivo de justiça, presente no liberalismo, que defende o fim de todos os privilégios. A justiça é cega, ou seja, ela não deve enxergar a cor, a "raça", o sexo e, sim!, também a renda. Não deveria importar o saldo da conta bancária, apenas o ato cometido. A revolta contra a impunidade dos "filhinhos de papai" é absolutamente justificável e correta. O que não dá para entender é a complacência com os crimes dos políticos de esquerda e do MST, por exemplo. O uso de dois pesos e duas medidas é contraditório ao conceito de justiça. O próprio termo "justiça social" é contrário ao conceito de justiça. Vamos dar um basta à impunidade!

terça-feira, junho 26, 2007

As Falhas do Positivismo


Rodrigo Constantino

"O que sempre fez do Estado um verdadeiro inferno foram justamente as tentativas de torná-lo um paraíso." (Hoelderlin)

O francês Auguste Comte desenvolveu a idéia de que o progresso é um processo deliberado e racional, e que autoridades centrais podem, portanto, identificar as leis inexoráveis que governam as sociedades, acelerando o desenvolvimento através da engenharia social. O positivismo, como ficou conhecida esta ideologia, influenciou muito a mentalidade na América Latina, em contraste com a postura anglo-saxã, que acreditava mais na ordem espontânea do povo. Basta lembrar que o slogan da bandeira brasileira, "Ordem e Progresso", foi herança desse positivismo. De um lado, a crença de que o progresso material pode e deve ser imposto de cima para baixo, através do governo; do outro, a noção de que o avanço se dá pela livre interação dos indivíduos, respeitando-se algumas regras básicas. Em suma, Comte versus Hayek.

O escritor Álvaro Vargas Llosa mostrou, no livro Liberty for Latin America, como a obsessão dos intelectuais pelo positivismo deixou um rastro de opressão e miséria na América Latina. Ele considera o positivismo como um dos cinco princípios de opressão na região, ao lado do corporativismo, do mercantilismo, do privilégio, e da transferência de riqueza pelo Estado. O positivismo servia perfeitamente para os interesses das elites, partindo da premissa de que o progresso é um fenômeno científico, e que o Estado teria um papel de liderança no processo, funcionando como a locomotiva da economia. Vários foram os governantes que servem como símbolos dessa mentalidade, tais como Porfirio Díaz no México, Juan Vicente Gomez na Venezuela e a ditadura brasileira após Castello Branco.

Para os positivistas, a centralização do poder político e a subordinação das instituições aos interesses particulares não era um obstáculo, mas sim uma condição para a criação de riqueza. As falhas dessa crença são várias. Em primeiro lugar, ela considera o desenvolvimento como uma conquista nacional deliberada, e não como uma conseqüência natural da ação humana individual na busca por objetivos independentes. Vai contra toda a evidência empírica que a história fornece nesse sentido. Os incentivos econômicos eram, então, moldados de acordo com uma decisão política de cima para baixo, em vez de instituições que surgem da cooperação voluntária.

Em segundo lugar, está presente no positivismo a idéia de que a liberdade pode ser tratada como compartimentos isolados e não como um todo. Criara-se uma falsa dicotomia, já que a verdadeira escolha não deveria ser entre uma ditadura estável ou uma democracia instável, e sim entre um sistema político que protegesse ou não os direitos individuais. O positivismo acabou comprometendo o futuro da região, pois as ditaduras foram seguidas por democracias, mas não pelo império da lei. A mentalidade predominante na América Latina demonstra extrema confusão entre os dois conceitos, assumindo que democracia já é um fim em si, independente da proteção dos direitos individuais.

Em terceiro lugar, o positivismo trazia a idéia de que o desenvolvimento estava associado a alguns sinais externos, como determinadas máquinas, algumas indústrias em particular, setores "estratégicos" etc., ao invés de um ambiente geral propício ao progresso. Assim, os incentivos foram completamente distorcidos, e alguns setores puderam florescer, enquanto aquilo que não se vê de imediato foi penalizado e marginalizado. O governo fazia algumas indústrias experimentarem forte crescimento artificial, mas sempre às expensas de outros setores. Essas indústrias privilegiadas sobreviviam somente enquanto o governo tivesse capacidade de garantir suporte, retirando dos pagadores de impostos e demais produtores. Além disso, não havia incentivo para investir na competitividade, já que a "benção" estatal que era responsável pelo sucesso. A rede de contatos no meio político era o principal ativo de um empresário, não sua eficiência em atender a demanda dos consumidores.

Como explica Vargas Llosa, a história do capitalismo mostra que o processo deve ser espontâneo, o resultado não planejado de milhões de indivíduos em busca da metas particulares através da alocação de recursos baseada no livre mercado, assim como na disseminação da informação. A experiência positivista, em contrapartida, mostrou que o desenvolvimento imposto na marra, de cima para baixo, resulta em subdesenvolvimento, na verdade. O progresso não é um programa de governo. Não foi o capitalismo que falhou na América Latina; foram os obstáculos criados para seu livre funcionamento que impediram o avanço. Entre eles, um dos mais perversos foi, sem dúvida, o positivismo.

quinta-feira, junho 21, 2007

A Natureza do Processo



Rodrigo Constantino

"Em uma sociedade em desenvolvimento, qualquer restrição à liberdade reduz o número de coisas testadas e, portanto, reduz a taxa de progresso." (H. B. Phillips)

Entre os grandes defensores da liberdade que o país já teve, encontra-se José Guilherme Merquior, que foi diplomata, sociólogo, filósofo e membro da Academia Brasileira de Letras. Ele se considerava um "social-liberal", defensor do que chamava de "liberalismo moderno". No livro A Natureza do Processo, o escritor aborda o tema do progresso, com foco na economia e na liberdade. Ele compara também o sistema de mercado com o socialista, trata da democracia e critica o papel de certos intelectuais na modernidade. O livro foi dedicado ao "fantasma" de Irineu Evangelista de Souza, o barão de Mauá, um dos maiores ícones do empreendedorismo nacional. É importante destacar que a obra foi escrita no começo da década de 1980, antes da queda do Muro de Berlim e quando as idéias socialistas ainda eram muito populares por aqui. Isso apenas aumenta o valor do autor, pela sua defesa da liberdade em um ambiente hostil a ela.

Merquior começa o livro destacando o extraordinário avanço da técnica, capaz de reduzir o desconforto dos homens e aumentar excepcionalmente as taxas de sobrevivência e longevidade. Esse bem-estar, produto da era vitoriana industrial, tornava-se então algo partilhado, no essencial, pelas classes médias do mundo. "O luxo de ontem virou o conforto ao alcance de muitos", como ele explica. A liquidez, ou disponibilidade de recursos financeiros em países enriquecidos pelo comércio, ao lado da ciência, ou o avanço do conhecimento, dirigiram o norte da Europa para a mecanização da indústria, permitindo tal progresso. Na sociedade industrial, passou a ocorrer muito mais mobilidade social, diferente da Idade Média, onde todos os ricos eram herdeiros. Merquior conclui: "Na sociedade moderna, a posição do indivíduo não é predeterminada; a desigualdade deixou de ser um destino".

Muitos criticam os duros anos de trabalho pesado durante a Revolução Industrial, ignorando que a grande massa, antes, estava entregue à desocupação e à maior penúria. Esquecem que o salto populacional durante esse período ocorreu justamente pela maior criação de riqueza, e que muitos críticos do capitalismo nem mesmo estariam vivos não fosse por ele. Para Merquior, "não há como idealizar a cultura camponesa tradicional", já que longe de ser idílica, ela "era geralmente uma coleção de carências, obscurantismo e violências". Os filmes românticos que tratam do passado costumam ocultar essa triste realidade. Se viver era duro nos primeiros anos da industrialização, sobreviver era muito complicado antes dela. Os críticos do progresso, conforme compara Merquior, seriam como aquela definição do conservador: alguém que é pessimista quanto ao futuro, mas muito otimista quanto ao passado...

O progresso, é preciso lembrar, não é uma necessidade da natureza, parte de um processo evolutivo inexorável. Merquior, seguindo a linha de Hayek, acreditava que o progresso "sempre dependeu muitíssimo do fato de que o homem não é capaz de controlar plenamente a conduta social". Cada indivíduo, ao perseguir seus próprios objetivos, faz uso de muito mais conhecimento do que adquiriu sozinho. Há que se confiar, portanto, na liberdade individual, sem que possamos ter previsibilidade das conseqüências de todos os nossos atos. Isso vai contra a idéia nefasta de submeter todo o processo social a uma prévia determinação, supostamente inspirada em nobres ideais e sábios "iluminados". Em resumo, "o progresso é um crescimento cumulativo que jamais poderia ser totalmente planejado". Nesse sentido, o progresso é um processo de adaptação bem sucedida, não um "construto laboratorial".

O livro condena também os ambientalistas alarmistas, assunto cada vez mais em voga. Merquior entendia que a ecologia responsável nada tem a ver com a mentalidade anti-progresso do ecologismo, definida por ele como "ideologia primitivista cheia de animosidade arcaizante contra a civilização tecnológica". A angústia ecológica condena o progresso e repudia a civilização moderna, enquanto a técnica vai libertando as massas de tantas carências básicas. Se antes muitos anti-capitalistas condenavam o regime pelo seu suposto fracasso em tirar as massas da miséria, agora muitos atacam o capitalismo, paradoxalmente, pelo seu sucesso. Ele geraria riqueza demais para que o planeta possa suportar. O compromisso com os fatos não é regra nesses neo-malthusianos, ainda que seja curioso imaginar como Malthus reagiria se lhe dissessem que o planeta teria seis bilhões de habitantes no futuro, sem que faltasse comida. Aqueles que profetizam o constante apocalipse costumam ignorar a capacidade humana de adaptação e o avanço da técnica.

Na questão econômica, Merquior é claro ao condenar o dirigismo estatal praticado pelo socialismo contemporâneo. A economia tem sido a mola principal do progresso, e para o autor, não basta condenar o autoritarismo do estado totalitário; "é preciso denunciar também o antieconomismo de sua ideologia". O "princípio do comércio", muito mais que o "princípio da conquista", tem sido o grande responsável pelos saltos de produtividade. A economia, e não a guerra, "foi o veículo institucional do salto para o progresso enquanto condição permanente da civilização". O livre mercado é que garante o uso mais efetivo dos fatores de produção, sendo o meio mais racional de distribuir recursos e dirigir investimentos. O lucro é "o melhor indicador da minimização dos custos". A escolha dos consumidores entre vários produtos é o que garante a evolução constante. Nenhum plano econômico, por mais sofisticado que seja, consegue acompanhar o ritmo da inovação tecnológica e os movimentos flutuantes da demanda.

Merquior condena a visão comum de que a propaganda é onipotente, enganando os consumidores. Ele lembra da quantidade de campanhas publicitárias fracassadas, e afirma que a evidência empírica não confirma os temores dos críticos do mercado quanto à manipulação da consciência individual na sociedade de consumo. Isso para não falar que a via política estaria ainda mais sujeita a este tipo de manipulação, e o remédio para um suposto mal seria muito pior que o próprio mal. Merquior conclui que "a história econômica dá razão a von Mises: geralmente falando, numa economia de comando, os governos nunca asseguram decisões econômicas racionais".

O autor segue sua análise criticando diferentes vertentes da mentalidade dirigista, alegando que a teoria da dependência, comum em seu tempo, é "claramente ideológica", sendo apenas uma transferência da visão marxista de luta de classes para o âmbito internacional. Merquior condena os igualitários também, aqueles que acreditam que justiça é realizar uma sociedade de iguais, e não de homens livres. Ele diz: "O igualitarismo da retórica dos regimes socialistas não agüenta a acareação com a realidade". Cita a nomenklatura soviética para reforçar o mito por trás dessa crença. Como conclusão, o igualitarismo pratica o que a distopia de Orwell enfatiza: todos são iguais, mas uns são bem mais iguais que os outros...

Outra questão atual abordada no livro diz respeito ao aspecto da democracia. Merquior era um democrata, mas compreendia que a democracia não deve ser apenas um processo decisório da maioria. Como precondições da democracia estão, por exemplo, as liberdades de expressão e associação, os mecanismos institucionais de controle do governo e de sucessão etc. O princípio da subsidiariedade e a desconfiança em relação ao governo estavam presentes na cabeça de Merquior, que citou a frase de Lord Acton onde este diz que "é mais fácil encontrar gente apta a governar-se a si mesma do que gente apta a governar os outros". O constitucionalismo estaria na base do liberalismo, portanto, reconhecendo a constante necessidade de limitar o fenômeno do poder. A importância do império da lei é total, e no debate entre governo platônico de sábios ou governo aristotélico das leis, Merquior não mostrava dúvida de qual lado defendia: "o império da lei é justamente o que compatibiliza o princípio da ordem com o ânimo individualista da cultura moderna".

O último capítulo do livro é dedicado ao ataque que os pensadores famosos da contracultura fazem ao progresso e à razão. Como alvo de uma análise mais profunda foi escolhido o "primeiro guru da contracultura", Marcuse. Mas Merquior engloba na crítica toda a Escola de Frankfurt, os novos marxistas que condenam o "sistema" de forma irresponsável e especulativa. Para Merquior, esse tipo de ataque amplo e vago poupa o trabalho de analisar criticamente os componentes, parte por parte, circunstância por circunstância. Esses "profetas" abstrusos não têm compromisso algum com a objetividade e a verdade. Merquior desabafa: "Nosso tempo necessita de Voltaires, não de Marcuses".

Em resumo, a liberdade vem aumentando, mas esse processo não é uma garantia da natureza. Houve um aumento quantitativo e qualitativo da liberdade. Temos liberdade para muitos mais do que antes, e uma liberdade múltipla e diversificada. Mais liberdade e mais gente livre. "A natureza do processo é o progresso da liberdade", diz Merquior. Os homens precisam aguçar o espírito crítico e abandonar a mentalidade niilista em que o mundo mergulhou. De forma geral, como explica Merquior, os homens se dotam dos mecanismos do progresso selecionando, criando e adaptando instituições. A liberdade individual é crucial nesse processo.

segunda-feira, junho 18, 2007

As Falhas Intrínsecas do Comunismo



Rodrigo Constantino

“O comunismo não foi uma boa idéia que deu errado; foi uma má idéia.” (Richard Pipes)

Nenhuma ideologia trouxe tanta desgraça ao mundo como o comunismo, influenciado pelas teorias marxistas. Não obstante este fato, muitos ainda defendem, em diferentes graus, idéias que remetem ao comunismo. Alegam que o comunismo “verdadeiro” jamais existiu, e que houve “apenas” um problema de implantação do regime. Os homens falharam, em suma, e não a própria ideologia. O historiador especialista em Rússia, Richard Pipes, demonstra o contrário em seu livro O Comunismo, onde discorre de forma simplificada pela trajetória comunista no século XX.

O cerne da teoria comunista, conforme resumida por Marx e Engels no Manifesto Comunista, é a abolição da propriedade privada. A tentativa de adotar esta idéia leva, inexoravelmente, ao terror, miséria e escravidão. O ideal de uma Idade de Ouro sem propriedades é um mito. Como explica Pipes, “todas as criaturas vivas, das mais primitivas às mais avançadas, para sobreviver, devem ter o acesso ao alimento garantido e, para assegurar esse acesso, reivindicam a posse do território”. Mao escreveu: “Em uma folha de papel em branco, sem nenhuma marca, as letras mais frescas e belas podem ser escritas, os quadros mais belos e frescos podem ser pintados”. Ao tratar o homem como uma “tabula rasa” e tentar criar um “novo homem”, os comunistas conseguem apenas tingir essa folha de vermelho, do sangue que escorre das suas vítimas. Os herdeiros do comunismo ignoram toda a experiência comunista, afirmando que os fins utópicos ainda são válidos e ignorando que os meios para tanto não podem levar a outro lugar que não aquele experimentado pelos soviéticos, chineses, norte-coreanos, cubanos etc.

O principal caso apresentado por Pipes é, naturalmente, o soviético. Ele afirma que o “totalitarismo soviético desenvolveu-se a partir das sementes marxistas plantadas no solo do patrimonialismo czarista”. Lênin teve um papel fundamental na revolução que instalou a ditadura comunista. Filho de um alto funcionário na hierarquia russa, Lênin devia nutrir um sentimento de culpa em relação aos privilégios que gozava, algo comum na época. Seu irmão, um radical acusado de estar envolvido num atentado contra o czar, foi assassinado pelo regime czarista. Lênin pagou um alto preço por isso, sendo punido com a expulsão da universidade por uma infração insignificante, por ser identificado como o irmão de um terrorista. Foi forçado à inatividade por três anos, e desenvolveu forte ressentimento em relação tanto ao czarismo como à burguesia. Tornou-se um revolucionário fanático disposto a destruir a ordem social vigente. Foi motivado por um anseio de vingança, e Struve, um antigo colaborador seu, escreveu anos depois que a principal característica da personalidade de Lênin era o ódio.

Muitos são os que condenam a crueldade de Stalin, mas esquecem de Lênin, considerado por Molotov, funcionário de confiança que serviu a ambos, o mais severo dos dois. Lênin demonstrou uma frieza monstruosa quando se opôs à ajuda humanitária aos camponeses famintos em 1891 no Volga, argumentando que a fome servia para a causa comunista. Quando tomou o poder, fez de tudo para transformar a guerra em guerra civil, útil para seus planos revolucionários. Pipes reconhece que os “bolcheviques tomaram o poder na Rússia para fazerem a guerra civil”. Lênin defendeu a morte de todos os “especuladores” e ordenou o enforcamento de centenas de kulaks, pequenos proprietários de terra, de forma que todos pudessem ver. O comunismo sob o comando de Lênin conseguiu em poucos meses matar mais gente do que o regime czarista em décadas!

Com a morte de Lênin, Stalin assumiu o poder, instalando em seguida o Grande Terror, que chegou a executar cerca de mil pessoas por dia, mandando outros milhões para os campos de concentração, já introduzidos por Lênin. O slogan da luta de classes foi abandonado por Stalin, que lançou a Rússia em um nacionalismo semelhante ao de Hitler. Stalin considerava que conflitos e guerras eram os maiores aliados do comunismo soviético e, seguindo este raciocínio, de 1920 a 1933 a União Soviética envolveu-se em colaboração secreta com os militares alemães para que pudessem evitar as provisões do Tratado de Versalhes. Em 1932, Stalin ajudou Hitler a chegar ao poder, proibindo comunistas alemães de se aliarem aos social-democratas contra os nazistas nas eleições parlamentares. Assinou ainda um tratado de não-agressão com Berlim em 1939, que incluía um protocolo secreto dividindo a Polônia entre a Rússia e a Alemanha. Molotov, o confidente mais próximo de Stalin, chegou a declarar que aceitar ou rejeitar o hitlerismo é uma “questão de opinião política”. Em 1940, quando Hitler esmagou os exércitos aliados na França, Stalin fez aliança com a Alemanha nazista, fornecendo alimentos, metais e outros materiais escassos.

Tanto o nazismo como o comunismo tinham um inimigo comum – a democracia liberal com seus direitos civis e propriedade privada de fato. Além disso, ambos consideravam os seres humanos meios descartáveis para a construção de uma nova ordem e um “novo homem”. Curiosamente, muitos ainda acreditam que Stalin e Hitler, ou o comunismo e o nazismo, eram diametralmente opostos desde sempre.

Os soviéticos defendiam a “globalização”, mas não a democrática de livre mercado como conhecemos hoje, e sim a exportação do regime revolucionário comunista. Em 1919 fundaram a Terceira Internacional, ou Comintern, com a missão de infiltrar-se e assumir o controle de todas as organizações de massa nos diferentes países. Lênin deixara claro que, em caso de necessidade, era para “recorrer a todo tipo de ardil, astúcia, expediente ilegal, dissimulação, supressão da verdade”. Os comunistas de Moscou, de fato, exportaram o regime para inúmeros países em vários continentes. A Guerra Fria foi fruto dessa estratégia comunista. Em todos os casos onde os americanos não interromperam a escalada comunista, sem uma única exceção, o resultado foi a miséria, a escravidão e muitas mortes desnecessárias. Um dos casos de maior atrocidade foi o de Camboja, onde os líderes do Khmer Vermelho, que aprenderam sobre o marxismo em Paris, instalaram um regime que trucidou sem piedade quase um terço da população, tudo em busca da igualdade marxista.

Apesar da propaganda comunista, que chamava de “fascista” tudo que não era comunista, inclusive os social-democratas europeus, o próprio fascismo teve influência comunista. Benito Mussolini, o ditador italiano, bebeu da fonte leninista, e em um discurso de 1921, afirmou que existia uma afinidade intelectual entre fascistas e comunistas. A grande diferença estaria no fato de os comunistas pregarem o Estado centralizado por meio do conceito de classe, enquanto os fascistas o faziam pelo conceito de nação. O próprio Hitler declarou ter tido forte influência de Marx.

O filósofo Nietzsche descreveu bem o socialismo em vista de seus meios: “O socialismo é o visionário irmão mais novo do quase extinto despotismo, do qual quer ser herdeiro; seus esforços, portanto, são reacionários no sentido mais profundo. Pois ele deseja uma plenitude de poder estatal como até hoje somente o despotismo teve, e até mesmo supera o que houve no passado, por aspirar ao aniquilamento formal do indivíduo: o qual ele vê como um luxo injustificado da natureza, que deve aprimorar e transformar num pertinente órgão da comunidade”. E continua: “Por isso ele se prepara secretamente para governos de terror, e empurra a palavra ‘justiça’ como um prego na cabeça das massas semicultas, para despojá-las totalmente de sua compreensão”.

Para Richard Pipes, a idéia básica do marxismo, de que a propriedade privada é um fenômeno histórico transitório, é completamente falsa. A propriedade privada, na verdade, é “uma característica permanente da vida social e, como tal, indestrutível”. A noção marxista de que a natureza humana é infinitamente maleável é igualmente falha. Essa realidade faz com que o regime comunista tenha sempre que apelar para a violência como meio rotineiro de governar. Os comunistas esquecem que a abstração chamada “Estado” é composta por indivíduos que também seguem seus interesses particulares. O comunismo sempre evolui, portanto, para a criação de uma nomenklatura poderosa, uma casta privilegiada que coloca fim ao ideal de igualdade presente no comunismo. Como Pipes explica, “a contradição entre fins e meios está inserida no comunismo e em todo país em que o Estado é o dono dos bens de produção”.

Logo, tanto a liberdade como a igualdade, fins presentes na ideologia comunista, são totalmente inatingíveis através dos meios adotados pelo regime. O comunismo não passa de uma pseudo-religião, dogmático e rígido, e sua meta – a abolição da propriedade privada – leva inevitavelmente à abolição da liberdade. Tal utopia já sacrificou algo como cem milhões de vidas inocentes. Seria loucura adotar os mesmos meios e esperar um fim diferente. O defeito do comunismo não se encontra apenas nos comunistas revolucionários, mas nas próprias premissas do comunismo. São essas que devem ser veementemente abandonadas, tal como foram no caso do nazismo.

O Valor das Instituições


Rodrigo Constantino

"Nós não podemos entender onde estamos indo sem um entendimento de onde estivemos." (Douglass North)

O economista prêmio Nobel Douglass North é conhecido pelo valor que deposita na qualidade das instituições que sustentam os mercados para a determinação do desempenho econômico de um país. Em contraste com a teoria da evolução de Darwin, a chave para a evolução humana está na intencionalidade dos indivíduos. As mudanças econômicas são, portanto, na sua maior parte, um processo deliberado criado pelas percepções dos atores sobre as conseqüências de suas ações.

Os humanos tentam usar suas percepções sobre o mundo para reduzir as incertezas na interação humana. Instituições que fornecem uma maior previsibilidade dessa interação garantem maior ordem, implicando na redução das incertezas. Uma característica geral da história humana tem sido a sistemática redução da incerteza percebida associada ao ambiente físico e, portanto, uma redução nas fontes de incerteza a serem explicadas por crenças calcadas na magia, superstição ou religião. Ainda assim, a parcela não-racional das crenças sobre o mundo exerce forte influência no curso da humanidade. Entretanto, isso não anula o fato de que as incertezas podem ser reduzidas por instituições criadas pelos homens, através da razão e da experiência.

As crenças que os homens mantêm determinam as escolhas que eles fazem, e que, por sua vez, estruturam as mudanças no cenário humano. O reconhecimento de padrões parece ser a base pela qual a mente humana opera. Somos bons em compreender se o tema for suficientemente similar a outros eventos que ocorreram em nossa experiência. A busca de padrões parece ser o caminho pelo qual aprendemos, é a chave para nossa habilidade em generalizar e usar analogias. A mente estaria então inseparavelmente conectada ao ambiente. A cultura seria um processo adaptativo que acumula soluções parciais para problemas freqüentemente encontrados no passado. Com o tempo, quanto mais rico o contexto cultural em termos de oferecer múltiplas experiências e criação competitiva, maior a probabilidade de sucesso e sobrevivência da sociedade. A complexa interação entre as predisposições genéticas e essas variadas experiências que nos dá um ponto de partida para a compreensão do processo de mudanças das sociedades. A diversidade institucional que permite um escopo maior de escolhas seria um instrumento melhor para a sobrevivência, conforme Hayek já dizia.

As três grandes fontes de mudança econômica seriam a demografia, o estoque de conhecimento e as instituições. O crescimento populacional levou ao mundo externalidades, pelo fato de forçar os homens a uma proximidade cada vez maior uns com os outros. A força por trás do desenvolvimento do ambiente humano tem sido o crescimento no estoque de conhecimento, que revolucionou as tecnologias de produção e forneceu o potencial para um mundo de abundância. Igualmente, é importante notar, possibilitou a criação de armas de destruição em massa. As instituições, por sua vez, funcionam como estruturas que induzem aos investimentos, expansão, e aplicação deste crescente conhecimento na solução de problemas da escassez humana.

Assim, a estrutura que os homens criam para ordenar seu ambiente político-econômico é a determinante básica do desempenho da economia. Ela fornece os incentivos que moldam as escolhas que os homens fazem. Essa estrutura institucional reflete as crenças acumuladas pela sociedade através do tempo, e mudanças institucionais costumam representar um processo incremental refletindo as limitações que o passado impõe ao presente e ao futuro. Ou seja, os sistemas de crenças seriam uma representação interna e as instituições seriam a manifestação externa dessa representação. Há uma inter-relação íntima entre as crenças e as instituições, principalmente as informais, como as normas, convenções e códigos de conduta. Enquanto instituições formais podem ser alteradas por decreto, as informais envolvem maiores complexidades e não podem ser facilmente manipuladas pelos homens.

As instituições são a regra do jogo, enquanto as organizações são os jogadores. É a interação entre ambos que determina as mudanças institucionais. A taxa de acúmulo de conhecimento é claramente ligada ao mecanismo de incentivos. As firmas, partidos políticos e demais organizações competem entre si e precisam melhorar a eficiência para sobreviver. Se a taxa de retorno mais elevada em uma economia for a pirataria, pode-se esperar que as organizações investirão suas habilidades e conhecimento de forma a torná-las melhores piratas. Daí a importância da qualidade das instituições, que dependem em parte do sistema de crenças da sociedade.

O estoque de conhecimento que os indivíduos possuem numa sociedade é o grande determinante da performance das economias, e mudanças no estoque de conhecimento são a chave para a evolução das economias. O aprendizado dos indivíduos e organizações é a maior influência na evolução das instituições. O segredo para melhorar o desempenho é alguma combinação de regras formais com restrições informais, e o desafio é alcançar uma compreensão melhor acerca desta combinação, de qual iria produzir os melhores resultados no momento e no futuro.

David Hume já havia destacado a importância das instituições em seus ensaios, quando disse: "Tão pouca dependência tem essa questão do caráter e da educação dos indivíduos que é possível que uma parte determinada de uma mesma república seja sabiamente governada, e que outra o seja de forma deficiente, pelos mesmos homens, em função simplesmente da diferença das formas e instituições que regulam essas partes". Quando pensamos nas diferentes partes da Coréia, isso fica mais evidente. Ainda assim, Hume, um adepto do empirismo, não era de forma alguma construtivista, e compreendia muito bem a relevância dos costumes da sociedade, condenando veementemente qualquer forma de ruptura com os hábitos enraizados. Ele acreditava que utopias como as de Thomas More ou Platão estavam fadadas ao fracasso. Portanto, respeitar os costumes adquiridos pela sociedade seria fundamental também, o que não anula a extrema necessidade de boas instituições.

Douglass North afirma que o modelo econômico ideal abriga certas instituições que fornecem incentivos para indivíduos e organizações engajarem-se em atividade produtiva. Como exemplo, tem-se um sistema de direito de propriedade que oferece baixo custo de transação na produção e troca de bens e serviços. Faz-se mister a existência de uma gama de instituições que possam ser testadas, e é crucial um meio efetivo de eliminar por tentativa e erro as soluções mal-sucedidas. Em resumo, ter boas instituições que ofereçam os incentivos adequados é fundamental para o desenvolvimento econômico. Tais instituições dependem do sistema de crenças da sociedade, mas são artificialmente criadas, fruto da intencionalidade humana. Os homens precisam olhar para trás, aprender com os erros passados, e poder criar assim um ambiente favorável para o progresso. Não é aconselhável subestimar o valor das instituições neste processo.

quinta-feira, junho 14, 2007

As Sete Maravilhas


Rodrigo Constantino

"A individualidade sobrepuja em muito a nacionalidade e, num determinado homem, aquela merece mil vezes mais consideração do que esta". (Arthur Schopenhauer)

Recebi uma enxurrada de emails fazendo campanha pelo Cristo Redentor nessa eleição das “sete maravilhas do mundo”. Não ia comentar nada, ainda que ache isso uma grande besteira. Mas agora que o presidente Lula aderiu à causa, não posso mais ficar calado. Tenho que comentar algo, mesmo que seja apenas para implicar com o Nosso Guia. Há um critério quase certo – eu diria científico – de julgar uma causa: se o Lula é favorável a ela, não deve prestar.

O patriotismo exacerbado, in extremis, é não ter orgulho das conquistas pessoais. Muitos fogem de seus fracassos para se esconder atrás do patriotismo, tendo orgulho de algo maior, projetando seu sucesso nas conquistas alheias. Se você tem orgulho de sua trajetória, se considera ter vivido de acordo com seus valores racionais, por que deveria ofuscar isso com uma admiração – ou vergonha – de um grupo de desconhecidos, acidentalmente nascidos no mesmo local do mapa? Isso é coletivismo puro! Eu não sinto orgulho do fato de o Pelé ser brasileiro, assim como não sinto vergonha pelo fato de o Lula ser brasileiro. É indiferente para mim. Costumo admirar ou enojar indivíduos, por suas características particulares. Quem julga a colônia e ignora os indivíduos são os cupins!

Dito isso, pergunto: por que deveria eu me orgulhar de um monumento feito por outras pessoas? Somente porque está na cidade onde nasci? Não faz muito sentido. Nem mesmo um católico praticante eu sou, para louvar ao menos o símbolo da estátua em si. Acho, inclusive, a estátua da liberdade, em Nova Iorque, mais bonita, e prefiro seu significado também. Apenas por expressar essa preferência individual, inúmeros “cupins” já vão me condenar como “lacaio do império”. Vejam só! Sou obrigado a achar mais bonito um monumento somente porque ele está localizado na minha cidade! Eis o que o coletivismo faz com as pessoas. Os passos seguintes são escutar música local somente porque é local, ver filmes nacionais apenas porque são nacionais e, claro, defender que o controle de empresas seja de brasileiros, somente porque são brasileiros. Totalmente sem sentido. Onde fica a liberdade de escolha individual? Onde fica a imparcialidade do julgamento? Quantos preferem o falido Gurgel em vez de uma BMW? Os soviéticos, ícones dessa mentalidade coletivista, tinham que se contentar com aquele Lada terrível mesmo...

O único argumento que aceito para votar no Cristo é que seria vantajoso para nossa economia, para nosso turismo. Isso sim é uma colocação racional. Ocorre que os ganhos são irrisórios, e muito mais sentido faria usar essa mobilização toda para pressionar os governos a melhorar nossa realidade, investindo em segurança, por exemplo. É preciso lembrar que o Cristo, de braços abertos para nossa cidade, tem como vista infindáveis favelas, muita miséria e criminalidade fora de controle. Eis a realidade que essa votação boba não pode ocultar. E eis o verdadeiro motivo da “cidade maravilhosa” ficar cada vez menos maravilhosa, e deixar de arrecadar bilhões com o turismo. Acabamos atraindo aventureiros que vão a uma espécie de “safari” conhecer nossas favelas e gente em busca de sexo barato. Podemos eleger o Cristo como uma das sete maravilhas, mas isso não vai alterar nada dessa calamitosa situação.

Quando alguém começa a tratar a nação como um ente concreto e passa a falar no plural o tempo todo, como se fosse “nosso” Cristo ou “nosso” Pelé, eu tenho calafrios. O próximo passo natural é falar que é “nossa” culpa o bandido que arrasta um garoto pelas ruas. Ora, minha culpa que não é! A sociedade não passa de um somatório de indivíduos, e seria mais saudável que as pessoas passassem a julgar – para o bem e para o mal – atos individuais. Eu tenho mais respeito e afinidade por um australiano distante que defenda a liberdade individual do que por um vizinho marxista. Por esses motivos acima, não quero saber de voto em Cristo Redentor!

quarta-feira, junho 13, 2007

O Custo Social


Rodrigo Constantino

"Mercados são instituições que existem para facilitar trocas, isto é, eles existem de forma a reduzir o custo de executar transações de troca." (Ronald Coase)

Ronald H. Coase é um economista britânico graduado pela London School of Economics que migrou para os Estados Unidos e acabou virando professor da respeitada Universidade de Chicago. Ele recebeu o prêmio Nobel de economia em 1991, e sua fama é derivada basicamente de seus estudos sobre os custos de transação para explicar o tamanho das firmas. Além disso, defendeu os direitos de propriedade bem definidos como um mecanismo eficiente para lidar com as externalidades econômicas. A seguir veremos alguns pontos importantes defendidos pelo economista.

A visão dominante sobre a natureza da economia é que ela é a ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre fins e meios escassos que possuem usos alternativos. Em última instância, trata-se de uma análise da escolha humana, e podemos assumir que os seres humanos, em quase todas as circunstâncias, demandarão menos quanto maior for o preço relativo do bem. Coase afirma que sem o conceito de custos de transação é impossível compreender o funcionamento do sistema econômico, analisar vários problemas de forma prática ou ter a base necessária para definir uma política econômica.

Conforme a frase da epígrafe, Coase define os mercados como mecanismos de redução desses custos de transação. Um sistema de regras e regulações é necessário para reduzir esses custos e, com isso, aumentar o volume de negócios. Um sistema bem definido de direitos de propriedade reduz bastante os custos de transação, facilitando o processo e aumentando a eficiência do mercado. Para Coase, se os direitos de executar certas ações podem ser vendidos ou comprados, eles tenderão a ser adquiridos por aqueles que os consideram mais valiosos. Assim, as ações são levadas a um resultado onde o maior valor possível no mercado é atingido. Não há diferença, segundo Coase, entre os direitos que determinam como um pedaço de terra deve ser usado ou aqueles que permitem que alguém possa emitir fumaça num determinado lugar. Ele argumenta que, se assumirmos que o efeito negativo da poluição é a morte de peixes, por exemplo, a questão a ser decidida é se o valor da perda dos peixes é maior ou menor que o valor da produção que causa a poluição.

Em um mundo sem custos de transação, conforme assumido no que George Stigler chamou de Teorema de Coase, não faria diferença a alocação inicial dos direitos de propriedade, pois tais direitos iriam acabar onde o maior valor pudesse ser gerado no mercado. O exemplo de freqüência de rádio entre duas estações explica melhor a tese. Sem custos de transação, a estação de rádio que atribuísse o maior valor para a freqüência acabaria adquirindo esse direito de propriedade. Mas no mundo real existem os custos de transação, e por isso é que faz toda a diferença quem larga com os direitos de propriedade. Os direitos de propriedade deveriam, em teoria, ser designados aos agentes que atribuem o maior valor a eles. O problema na vida real é que o governo nem sempre – ou quase nunca – sabe ex ante o uso mais valioso de um recurso. Os governos deveriam então criar instituições que minimizassem os custos de transação, permitindo assim que as alocações ineficientes dos recursos possam ser corrigidas da maneira mais barata possível. A barganha entre as partes permitirá que a alocação seja mais eficiente.

Muitos economistas assumem que a existência de externalidades constitui um caso prima facie para a intervenção do governo na economia de mercado. Coase não concorda com isso, e acrescenta ainda que a autoridade pública costuma ser ignorante, sujeita a pressões e corrupta. Para Coase, os tais efeitos negativos podem ser tratados como qualquer outro fator de produção, sendo desnecessário usar o conceito de "externalidade" na análise para obter o resultado correto. A poluição de uma indústria, como no caso já citado, pode ser encarada como mais um custo, e o próprio mercado chegará à conclusão se compensa ou não tal poluição, através do mecanismo de preços. Pescadores poderiam pagar para que a indústria não polua tanto, caso isso fizesse sentido econômico, ou então a indústria poderia pagar para compensar pela poluição que gera. Os custos dessa "externalidade" passam a ser internalizados e mensuráveis, como parte dos custos totais de produção. De fato, essa parece ser a lógica por trás do mecanismo recentemente adotado no mercado de cotas de poluição, onde as indústrias que desejam continuar com o mesmo nível de emissão de gases deverão pagar mais por isso. O custo social que elas geram passa a ser mais bem conhecido, e entra no cálculo dos custos totais da firma.

Outro exemplo usado por Coase que ficou famoso foi o dos faróis, no qual ele mostrou empiricamente que, contrário à crença de muitos economistas, o serviço de farol pode ser fornecido pelo setor privado, como foi na Inglaterra. Muitos economistas consideravam impossível isso, já que o farol tem um custo fixo para ser produzido, mas depois apresenta um custo marginal zero para beneficiar mais navegadores. Na Inglaterra, a cobrança direta do serviço fazia com que ele fosse mais bem adaptado às demandas dos navegadores do que no caso de financiá-lo através de impostos gerais. O próprio mercado desenvolveu um mecanismo de cobrança melhor atrelado ao uso efetivo do serviço. O mesmo poderíamos dizer sobre estradas, melhor administradas pelo pagamento de pedágios por aqueles diretamente interessados em seu uso do que pelos impostos de todos.

Em resumo, o problema que enfrentamos ao lidar com ações que geram efeitos negativos não se limita a restringir os responsáveis. É preciso decidir se os ganhos provenientes da prevenção desses efeitos negativos são maiores ou menores que as perdas sofridas pelo resultado do término da ação que produzia o efeito. No mundo real, onde existem custos de transação para redistribuir os direitos estabelecidos pelo sistema legal, as cortes estão tomando uma decisão sobre um problema essencialmente econômico, determinando como os recursos deveriam ser utilizados. Muitos problemas onde há demanda por ações corretivas do governo são, normalmente, resultado justamente da ação governamental. Existe um perigo real de que a intervenção excessiva do governo no sistema econômico leve a uma proteção exagerada daqueles responsáveis pelo efeito social negativo. Seria quase sempre mais eficiente permitir que o próprio mercado pudesse definir livremente essa alocação.

terça-feira, junho 12, 2007

A Teoria da Exploração


Rodrigo Constantino

"O sistema econômico marxista, tão elogiado por hostes de pretensos intelectuais, não passa de um emaranhado confuso de afirmações arbitrárias e conflitantes." (Ludwig Von Mises)

Poucas teorias exerceram tanta influência como a teoria socialista de juro, ou mais conhecida como "teoria da exploração". De forma resumida, ela diz que todos os bens de valor são produtos do trabalho humano, mas que o trabalhador não recebe o produto integral do que produziu, pois os capitalistas tomam para si parte do produto dos trabalhadores. O juro do capital consistiria, pois, numa parte do produto de trabalho alheio que se obtém através da exploração da condição de oprimidos dos trabalhadores. Os dois grandes expoentes dessa teoria foram Rodbertus e Marx, e um dos primeiros economistas a apresentar uma sólida refutação dela foi o austríaco Eugen Von Böhm-Bawerk. Mises definiu a sua obra como "a mais poderosa arma intelectual que se tem para a grande batalha da vida ocidental contra o princípio destrutivo do barbarismo soviético". Segue um resumo dos principais pontos abordados por ele, com especial foco na teoria marxista.

Um dos primeiros pontos onde se pode atacar essa teoria é no que diz respeito à afirmação de que todos os bens, do ponto de vista econômico, são apenas produtos de trabalho. Se fosse verdade que um produto vale somente aquilo que custou de trabalho para produzi-lo, as pessoas não iriam atribuir um valor diferente a um magnífico barril de vinho de uma região nobre vis-à-vis o vinho de outra região pior. Uma fruta achada não teria valor algum também. Outro ponto importante é que a teoria comumente ignora a diferença entre valor presente e valor futuro, como se fosse indiferente consumir um bem agora ou daqui a dez anos. O trabalhador deveria receber, segundo os seguidores de Rodbertus, o valor total do produto. Mas eles esquecem que o produto pode levar tempo para ser produzido, e o salário de agora tem que refletir esse custo de espera, sendo, portanto, menor que o valor futuro do bem. Böhm-Bawerk diz sobre isso: "O que os socialistas desejam é, usando das palavras certas, que os trabalhadores recebam através do contrato de trabalho mais do que trabalharam, mais do que receberiam se fossem empresários, mais do que produzem para o empresário com quem firmaram contrato de trabalho".

Partindo mais especificamente para a teoria marxista, acredita-se que o valor de toda mercadoria depende unicamente da quantidade de trabalho empregada em sua produção. Marx dá mais ênfase a esse princípio do que Rodbertus. Marx vai direto ao ponto em sua obra O Capital: "Como valores, todas as mercadorias são apenas medidas de tempo de trabalho cristalizado". No limite, uma fábrica de gelo construída no Alaska teria o mesmo valor que uma fábrica de gelo construída no mesmo tempo e pela mesma quantidade de trabalho no deserto do Saara. A teoria marxista de valor ignora totalmente o fator de subjetividade e utilidade do lado da demanda. Ela não leva em conta que o fato de trabalho árduo ter sido empreendido não é garantia de que o resultado terá valor pela ótica do consumidor. Ou, ao contrário, ignora que muitas vezes pouco esforço ou trabalho pode gerar algo de muito valor para os outros, como no caso de uma idéia brilhante. Isso sem falar da diferença de produtividade entre as pessoas, pois é difícil imaginar quem diria que uma hora de trabalho de um grande artista é equivalente a uma hora de trabalho de um simples pintor de parede. Se fosse preciso a mesma quantidade de tempo para caçar um gambá fétido e um cervo, alguém diria que eles valem a mesma coisa?

Böhm-Bawerk demonstra os erros de metodologia de Marx em sua teoria. Na busca do fator "comum" que explicaria o valor de troca, Marx elimina todos os casos que não correspondem àquilo que ele pretende "provar". O objetivo, desde o começo, é só colocar na peneira aquelas coisas trocáveis que têm a característica que ele finalmente deseja extrair como sendo a "característica comum", deixando de fora todas as outras que não têm. Böhm-Bawerk diz que ele faz isso como alguém que, "desejando ardentemente tirar da urna uma bola branca, por precaução coloca na urna apenas bolas brancas". Excluir então os bens trocáveis que não sejam bens de trabalho seria um pecado mortal metodológico. Procedendo desta forma, ele poderia ter usado praticamente qualquer característica, concluindo talvez que o peso é o fator comum que explica o valor de troca. Böhm-Bawerk conclui: "Expresso minha admiração sincera pela habilidade com que Marx apresentou de maneira aceitável um processo tão errado, o que, sem dúvida, não o exime de ter sido inteiramente falso".

Para Marx, a "mais-valia" seria uma conseqüência do fato de o capitalista fazer o trabalhador trabalhar para ele sem pagar uma parte do trabalho. Na primeira parte do dia, o trabalhador estaria trabalhando para sua subsistência, e a partir disso haveria um "superávit de trabalho", onde ele seria explorado, trabalhando sem receber por isso. Marx diz então: "Toda a mais-valia, seja qual for a forma em que vá se cristalizar mais tarde – lucro, juro, renda etc. – é, substancialmente, materialização de trabalho não pago". Por esta estranha ótica marxista, um capitalista dono de uma barraca de pipoca que contrata um assistente é um explorador, enquanto um diretor assalariado contratado pelos acionistas de uma grande multinacional é um explorado. Böhm-Bawerk não duvidava de que Marx estivesse sinceramente convencido de sua tese. Mas os motivos de sua convicção seriam, segundo o austríaco, diferentes daqueles apresentados em seus sistemas. Marx, diz ele, "acreditava na sua tese como um fanático acredita num dogma". Jamais teria alimentado dúvida honesta pelo sistema, questionando de verdade a sua lógica e buscando contradições que derrubassem a teoria. Böhm-Bawerk diz: "Seu princípio tinha, para ele próprio, a solidez de um axioma".

Afinal, um pouco mais de bom senso e escrutínio não deixaria pedra sobre pedra da teoria marxista de valor. Em primeiro lugar, todos os bens "raros" são excluídos do princípio do trabalho. Nem mesmo um marxista tentaria defender que um quadro de Picasso vale somente o tempo de trabalho. Em segundo lugar, todos os bens que não se produzem por trabalho comum, mas qualificado, são considerados exceção também. Somente essa exceção já abrange quase todos os casos reais de trabalho, onde cada vez mais a divisão especializada leva ao aprimoramento do trabalho qualificado. No fundo, essas exceções "deixam para a lei do valor do trabalho apenas aqueles bens para cuja reprodução não há qualquer limite, e que nada exigem para sua criação além de trabalho". E mesmo nesse campo restrito existirão exceções! Logo, a tal "lei" marxista que tenta explicar o valor de troca de todos os bens não passa, na prática, de uma pequena exceção de alguma outra explicação qualquer. Essa "lei", não custa lembrar, é um dos mais importantes alicerces das teorias marxistas. Ainda assim, os marxistas ignoram as "exceções" da teoria e defendem sua universalidade, negando a resposta quando se trata de troca de mercadorias isoladas, justamente onde uma teoria de valor se faz necessária. Para tanto, abusam de inúmeras falácias conhecidas, já que quando os fatos contrariam a teoria, preferem mudar os fatos.

Não obstante as gritantes falhas do pensamento marxista e sua teoria de valor, nenhuma outra doutrina influenciou tanto o pensamento e as emoções de tantas pessoas. Uma multidão encara o lucro como exploração do trabalho, o juro como trabalho não pago pelo parasita rentier etc. Para Böhm-Bawerk, a teoria marxista sobre juros conta com erros graves como "presunção, leviandade, pressa, dialética falseada, contradição interna e cegueira diante dos fatos reais". A razão para que tanto absurdo tenha conquistado tanta gente está, segundo Böhm-Bawerk, no fato de acreditarmos com muita facilidade naquilo em que desejamos acreditar. Uma teoria que vende conforto e promete um caminho fácil para reduzir a miséria, fruto apenas dessa "exploração", conquista muitos adeptos. Segundo Böhm-Bawerk, "as massas não buscam a reflexão crítica: simplesmente, seguem suas próprias emoções". Acreditam na teoria porque a teoria lhes agrada. O economista conclui: "Acreditariam nela mesmo que sua fundamentação fosse ainda pior do que é".

segunda-feira, junho 11, 2007

O Milagre do Emprego

Rodrigo Constantino

"O poder sindical é essencialmente o poder de privar alguém de trabalhar aos salários que estaria disposto a aceitar." (Hayek)

Qualquer liberal entende que, por mais bem intencionada que seja, uma lei que tenta estabelecer um patamar artificial de retorno está fadada ao insucesso. É justamente este o caso do salário mínimo. Parece natural que as pessoas de bem observem os baixos salários de certas funções e fiquem revoltadas, defendendo que o governo passe a intervir para desfazer tal injustiça. Infelizmente, o inferno está cheio de boas intenções, e este é apenas mais um caso onde a boa intenção não consegue alterar a lógica econômica. O tiro sai pela culatra.

Todo preço será definido pela lei da oferta e demanda, não há como escapar disso. O salário é mais um preço, e segue o mesmo princípio. Os empresários assumem um risco pela incerteza do futuro, e antecipam parte dos ganhos aos trabalhadores, através de salários fixados independente do lucro do negócio. Em outras palavras, os empresários estão reduzindo as incertezas dos trabalhadores, definindo a priori seus ganhos, enquanto o resultado dos acionistas é totalmente incerto, podendo variar de um prejuízo que leva à bancarrota até um lucro extraordinário. Neste ambiente de riscos e incertezas, os empregadores procuram pagar o mínimo possível aos empregados, e este preço será totalmente dependente da produtividade do trabalho. Por outro lado, os empregados estarão buscando maximizar seus ganhos, como qualquer indivíduo. No encontro dessa oferta de trabalho com essa demanda pelo trabalho, ocorrerá uma troca voluntária, significando que aquele preço estabelece uma transação mutuamente benéfica, dado as circunstâncias. Fica claro que quanto maior a demanda por trabalho, ou seja, quanto mais competição houver entre empregadores, mais alto tende a ser o preço do salário. Em contrapartida, quanto maior for a oferta de trabalho, menor tende a ser o salário.

Com isso em mente, fica mais fácil entender porque o salário mínimo não ajuda os mais pobres. Ele costuma ser definido sempre acima deste nível de mercado, caso contrário não faria sentido existir. Mas isso faz com que empregadores desistam de contratar empregados com baixa produtividade, pois passa a não ser vantajosa tal contratação. Em A Solução Liberal, Guy Sorman trata do tema, explicando que "os que trabalham e não querem dividir construíram em torno da cidadela uma muralha, a mais alta possível: ela se chama ‘salário mínimo’". Os trabalhadores ficam assim protegidos contra todos aqueles cuja produtividade não vale o salário mínimo, isto é, os mais jovens e os menos qualificados. Ele continua: "Os sindicatos só protegem os sitiados que constituem sua clientela principal, não os desempregados, que não militam e nem são contribuintes". Além disso, "esses defensores dos direitos dos trabalhadores criaram uma técnica que mantém os sitiantes à distância: o seguro-desemprego". Quanto mais alto for este, menos os assaltantes mostram agressividade. Em resumo, o salário mínimo seria uma conquista dos sindicatos e seus aliados à custa de todo restante, principalmente dos desempregados que aceitariam trabalhar por um pouco menos.

Sendo Guy Sorman um francês, ele escreve com conhecimento de causa. A rigidez das leis trabalhistas na França é enorme, e os sindicatos são muito poderosos. Recentemente, o desemprego entre os jovens estava na faixa dos 20%, e entre os jovens imigrantes chegava a 50%. O caso brasileiro também é muito útil para exemplificar esta teoria. Com leis trabalhistas que datam dos tempos fascistas, além de sindicatos muito poderosos, o desemprego é elevado e a informalidade chega a praticamente metade do total de empregos. É o resultado claro do excesso de encargos e privilégios artificiais, eufemisticamente chamados de "conquistas trabalhistas". São conquistas sim, mas apenas daqueles dentro do sistema, que criam regras através do governo dificultando o acesso dos demais, mantidos no desemprego ou informalidade, sem benefício algum. Enquanto isso, as leis trabalhistas dos Estados Unidos são consideradas como uma das piores do ponto de vista de direitos legais, por serem flexíveis demais, e no entando os trabalhadores ganham muito mais que a média do resto do mundo.

Isso faz Guy Sorman concluir que "a chave do pleno emprego reside, pois, realmente na flexibilidade dos salários, o que não significa sua redução geral, mas sua adaptação, caso por caso, à situação da empresa". Ele compara a situação no Silicon Valley, com muita flexibilidade e praticamente sem desemprego, com a de Detroit, com regras rígidas, mas 12% de desemprego na época que o livro foi escrito, na década de 1980. Ainda assim, Sorman separa a solução liberal em duas vertentes, a do velho liberalismo e a do novo. Para o velho, bastaria "demolir as paredes da cidadela do emprego, reduzir o seguro-desemprego, suprimir o salário mínimo, colocar de novo todo mundo na concorrência, e a flexibilidade geral dos salários restabelecerá automaticamente o pleno emprego". Ele entende que isso está perfeito na teoria, mas considera politicamente absurdo, inalcançável. Os assalariados não teriam como ver de imediato os benefícios, e se organizariam para impedir tais mudanças.

Isso leva Guy Sorman à solução proposta pelo novo liberalismo, que seria defender uma espécie de "emprego para a vida toda". Em outras palavras, uma participação dos empregados nos negócios. Os empregados passariam a aceitar que os salários fossem tributários dos resultados de cada empresa. Sorman acredita que esta talvez seja a única condição para que a flexibilidade seja aceita. Os empregados estariam mais claramente unidos aos acionistas no risco do negócio. Teriam que aceitar as maiores incertezas e, portanto, maior volatilidade dos ganhos também. De fato, nos Estados Unidos vem ocorrendo algo deste tipo, já que o capital das corporações é totalmente pulverizado entre milhares de empregados através dos fundos de pensão e plano de opções de ações. Trata-se nitidamente de uma saída liberal, decidida entre empregados e empregadores, independente do governo. Este, no fundo, passa a ser visto como o inimigo comum tanto de trabalhadores como patrões, tributando pesadamente os ganhos da empresa.

De forma geral, o mais importante é entender que o "milagre" do emprego não tem nada de milagre na verdade, tampouco através da caneta estatal. Ele é fruto de uma lógica econômica, e o melhor caminho para valorizar o emprego é torná-lo realmente valioso. Isso é possível pelo aumento da produtividade do trabalho, de uma ampla competição entre empresas e de grande flexibilidade das leis trabalhistas.

quinta-feira, junho 07, 2007

Profetas do Apocalipse


Rodrigo Constantino

“O que aprendemos com a história é que as pessoas não aprendem com a história.” (Warren Buffett)

Desde os tempos do Antigo Testamento que pregar o caos iminente conquista muitos seguidores. As pessoas, ignorantes acerca de um futuro desconhecido e muitas vezes até imprevisível, ficam facilmente impressionadas com as previsões catastróficas de certos “especialistas”. Creio que isso explica muito da fama de um Nostradamus, por exemplo. Entre os ambientalistas, vemos muitos alarmistas desse tipo atualmente. No mercado financeiro não é diferente, e muitos são os estrategistas que conquistam a atenção do público – e seu dinheiro – pela insistente previsão de uma grande crise iminente. Ora, é preciso lembrar que até mesmo um relógio quebrado irá acertar as horas duas vezes por dia. Esses “profetas do apocalipse” devem ter previsto umas mil crises das últimas dez que ocorreram! É basicamente para apresentar contra-argumentos a estes “profetas” atuais que a equipe do GaveKal Research escreveu seu novo livro, The End is Not Nigh, no qual defende que os fundamentos por trás da bonança econômica atual são sustentáveis. Veremos de forma simplificada os principais pontos abordados no livro.

Com a crise asiática no final dos anos 90, os governos locais aprenderam uma lição: uma moeda sobrevalorizada, reservas caindo, déficit na conta corrente crescendo e o FMI por perto são coisas que devem ser evitadas a todo custo. Uma vez mordido por uma cobra, a visão de uma simples corda gera pânico. Com isso em mente, os governos asiáticos tentam hoje manipular suas taxas de câmbio, fazendo com que elas não se apreciem muito, apesar dos sólidos fundamentos. Com as moedas artificialmente desvalorizadas, a produção na Ásia está sendo subsidiada em detrimento ao consumo, e o consumo fora da Ásia, especialmente nos Estados Unidos e Europa, está sendo subsidiado em detrimento à produção fora da Ásia. O que todos observam como resultado disso é a pujança dos consumidores americanos, apontada como um excesso insustentável. O que poucos enxergam, em contrapartida, é o crescimento dos gastos governamentais da Europa, infinitamente menos sustentáveis. Se, por um lado, esse subsídio vai parar no setor privado nos Estados Unidos, ele acaba no setor público na Europa, sempre mais ineficiente.

Analisando apenas o crescente déficit comercial americano não é possível entender o quadro real da economia. À primeira vista, fica parecendo que os americanos estão promovendo uma grande festa com dinheiro emprestado de fora. Mas olhando mais de perto, verifica-se que o déficit, medido pelas vendas, não captura corretamente a verdadeira parcela de ganhos das empresas. Quando a Dell vende um computador de US$ 500 nos Estados Unidos, contabilizado como importação da China, as empresas americanas ficam com cerca de US$ 200 de lucro, enquanto as indústrias chinesas, com sorte, ficam com US$ 50. O valor agregado vem das empresas americanas, e o déficit comercial não mede isso direito. A China quer empregos, as empresas americanas querem o lucro. Uma troca mutuamente benéfica ocorre, sendo muitas vezes ignorada pelas estatísticas oficiais.

Além disso, muito da riqueza criada no mundo emergente retorna para os Estados Unidos, pois este país oferece muito mais segurança aos poupadores, através do império das leis e da previsibilidade maior. O mundo emergente pode ser selvagem para credores, como todo brasileiro bem sabe. Os investidores aceitam um retorno menor pela maior segurança. Assim, os Estados Unidos apresentam dívida líquida de US$ 2,5 trilhões, mas um ganho líquido próximo de US$ 30 bilhões por ano. Ou seja, recebem mais do que pagam pelo que devem, mesmo que a dívida seja maior que o crédito. Os Estados Unidos estão funcionando como uma espécie de banco comercial, pegando dinheiro de quem está preocupado com a segurança e investindo esse montante em ativos mais rentáveis, ficando com a diferença. Por fim, comparar o déficit comercial com o PIB pode ser enganador. Os ativos totais líquidos do setor privado americano chegam a US$ 52 trilhões, logo, o déficit comercial é cerca de 1,2% dos ativos. Em outras palavras, o fluxo negativo anual é pequeno se comparado ao estoque de riqueza dos americanos. E ainda mais importante: esse estoque é dinâmico, não estático, e vem crescendo ano após ano a taxas elevadas. Isso explica porque o déficit comercial, usado como grande bode expiatório pelos “profetas do apocalipse” vem crescendo nos últimos 20 anos, sempre denunciado como insustentável. É preciso confiar muito na teoria para ignorar duas décadas de fatos contraditórios!

No mercado financeiro, uma das expressões mais perigosas que existe é “dessa vez é diferente”. Pois é exatamente o que o GaveKal Research defende tanto no livro novo, como no antigo, Our Brave New World, no qual expõe a teoria das “empresas plataformas”. A revolução tecnológica está multiplicando a força intelectual dos homens, assim como a revolução industrial multiplicou a força física. A diferença é que informação pode ser dividida instantaneamente por muitos, e praticamente sem custo! A revolução financeira está colocando capital ao alcance de um número cada vez maior de potenciais empreendedores. O mundo está mais plano, para usar a expressão de Thomas Friedman. O fim do comunismo acrescentou cerca de três bilhões de novos produtores e consumidores ao mundo capitalista. No mundo desenvolvido, as economias caminham cada vez mais da fase industrial para a era dos serviços. Como resultado disso tudo, que são mudanças estruturais que vieram para ficar, ocorreu uma queda drástica na volatilidade econômica. Com menor volatilidade nos ciclos, há maior previsibilidade, e isso exige menor prêmio de risco. O trabalhador, mais seguro com seu emprego, pode aumentar sua alavancagem. No meio rural, o clima pode fazer toda a diferença, e poupar para os dias ruins é questão de sobrevivência. No mundo moderno, com o setor de serviços responsável por quase 80% do PIB americano, a necessidade dessa poupança de emergência é menor.

A quantidade de pessoas que passa a trabalhar por conta própria ou em pequenas empresas aumenta, e a poupança dessa gente se dá através do investimento no próprio negócio. Este tipo de poupança não é computado pelas contas nacionais, passando a impressão errada de que os americanos não poupam nada. Muito da queda nos últimos anos da taxa de poupança americana se deve ao fato de os americanos estarem deixando de ser empregados para se tornarem empresários. A quantidade de pequenas e médias empresas cresce em parar nos Estados Unidos. Os gastos individuais levam em conta quanto dinheiro se ganha, o valor dos ativos e a performance recente desses ativos. Um economista não deve considerar a poupança apenas em relação aos salários e bônus. Os ganhos de capital, ainda mais no mundo moderno, são tão ou mais importantes para o consumo. Levando esse efeito riqueza em conta, o fato de a China poupar mais que os Estados Unidos em relação ao PIB pode significar apenas que metade de sua população ainda trabalha no campo, não há rede de proteção nem uma indústria desenvolvida de seguros, e a estrutura demográfica é bem diferente. Países mais jovens poupam menos normalmente.

Juntando muito do que foi dito acima, verificamos que a taxa de lucratividade das empresas americanas está crescendo há anos. Muitos “profetas do apocalipse” garantem que isso não é sustentável, e que uma regressão à média é questão de pouco tempo. Ocorre que a média é crescente também! Não há porque a parcela de lucro sobre o PIB retornar a algum patamar histórico, já que as condições são bem diferentes hoje. Desde os cortes de imposto da era Reagan, o governo toma menos dinheiro das empresas, e isso deixa mais no bolso dos acionistas. Com a queda da inflação e por conseqüência dos juros, as empresas gastam menos no serviço da dívida, o que também deixa mais no bolso dos sócios. As empresas estão migrando do setor industrial para o setor de serviços, com maiores margens. Produzir idéias pode ser altamente rentável. E por fim, a globalização é uma ferramenta fantástica para as empresas competitivas. Transferindo a parcela mais volátil e de menor margem para o mundo em desenvolvimento, ávido para gerar empregos e com mão-de-obra mais barata e farta, as empresas americanas focam no maior valor agregado, obtendo margens maiores. Nada disso para ser insustentável. As elevadas margens de lucro das empresas americanas não devem despencar para algum patamar histórico, ao que tudo indica.

O economista austríaco Schumpeter cunhou o termo “destruição criativa”, para explicar o fenômeno do dinamismo capitalista, onde inovações estão sempre colocando fora do negócio competidores obsoletos. Países que permitem esse tipo de dinâmica apresentam melhores resultados. Para tanto, é preciso barrar o protecionismo estatal, aceitar que disparidades de renda serão uma realidade, respeitar a propriedade intelectual etc. Hong Kong é um bom exemplo de um lugar que abraçou essas características e prosperou. Países que não aceitam esses fundamentos liberais acabam prejudicados. O mundo atual está colocando em xeque o modelo de welfare state. O capital está mais eficiente, buscando locais mais amigáveis, com menores impostos. Basta verificar os grandes compradores de ações nas bolsas mundiais, provenientes dos tradicionais paraísos fiscais. A própria sede das grandes empresas pode ser mais facilmente transferida para países com mais segurança e menores impostos. A globalização vai acabar matando o welfare state. Isso, claro, se os governos forem se adaptando à nova realidade e deixando o mercado agir. Mas sempre há o risco de tomarem o rumo errado e partirem para o protecionismo. Nesse caso, terão o total ostracismo que merecem, relegados à insignificância global.

Justamente nesse ponto é que o livro trata daquilo que é considerado o “elo fraco” do sistema atual: os governos europeus. Se algo parece insustentável no cenário atual, é justamente o crescente endividamento dos governos da Europa. Os investidores têm comprado títulos europeus e o Euro recentemente, em parte pelo diferencial de juros – que praticamente não existe mais, pela diversificação de moedas nas reservas – especialmente pelos produtores de petróleo, e pelo receio do déficit comercial americano. Nos últimos 10 anos, a dívida pública francesa saiu de 35% do PIB, em francos, para 67% do PIB, em euros. O governo tem conquistado uma parcela crescente da economia francesa, uma trajetória que poderá facilmente levar a uma crise política séria. Muitos franceses – especialmente os empreendedores, estão saindo do país para lugares menos hostis ao empreendimento privado. Já passa de um milhão a quantidade de franceses morando fora. A situação da Itália é ainda mais dramática, com uma dívida de 105% do PIB, claramente insustentável sem reformas estruturais, que dificilmente o governo esquerdista terá coragem de fazer. Junte-se a isso o envelhecimento da população européia, com um modelo de previdência irrealista, e não é difícil perceber que existe uma bomba-relógio pronta para explodir.

Contrário a “sabedoria convencional”, portanto, o foco dos investidores deveria estar no problema europeu, mascarado em parte pelo bom desempenho de sua moeda. O consumo “excessivo” dos americanos ou o déficit comercial dos Estados Unidos são coisas bem menos preocupantes que o crescente endividamento dos governos europeus. Não obstante, o GaveKal Research acredita na continuidade do momento fantástico que a economia global está vivendo, sustentando esta visão com os argumentos expostos acima de maneira simplificada. Há anos que os “profetas do apocalipse” pregam um grande crash da economia mundial e dos principais ativos financeiros. A alta nos preços, por si só, gera mesmo vertigem. Mas nada aponta para uma inflexão próxima, ainda que correções sejam absolutamente naturais numa tendência de longo prazo. Ainda assim, muitos vivem de pregar a derrocada americana sempre iminente. Um dia esses “profetas” acertam, não resta dúvida. Entretanto, não deverá ser tão cedo. Apostar contra a força do touro não tem sido bom negócio. O fim não está próximo ainda!

terça-feira, junho 05, 2007

Reagan: Um Grande Líder


Rodrigo Constantino

"Liberdade é uma das mais profundas e nobres aspirações do espírito humano." (Ronald Reagan)

No dia 5 de Junho de 2004, falecia aquele que foi talvez o melhor presidente moderno que os americanos já tiveram. Ronald Reagan tinha muitas falhas, sem dúvida, e errou em alguns pontos durante seu governo. Mas o resultado líquido é altamente positivo, especialmente no que concerne à recuperação tanto da economia como da moral do povo. Não custa lembrar que ele assumiu a presidência após os catastróficos anos de Jimmy Carter, numa era de estagflação por conta dos excessivos gastos do governo, prejudicada ainda mais pela crise do petróleo. O objetivo aqui é resgatar um pouco da história desse grande líder que a América teve. Utilizo como principal fonte a excelente biografia de Dinesh D’Souza, que mostra justamente como um homem comum se tornou um líder extraordinário.

De família pobre e com pai alcoólatra, Reagan teve uma infância difícil. Mas ainda assim aprendeu valores básicos, como a crença nos direitos individuais, a desconfiança da autoridade estabelecida, a capacidade de manter uma postura positiva mesmo diante de más notícias e uma autoconfiança derivada da noção de que o conhecimento mais importante está em distinguir o certo e o errado. Ele não usou sua infância difícil como justificativa para posar de vítima, e sim para aprender lições e superar os obstáculos na vida. Um traço importante de sua personalidade que veio a ser muito útil depois era não se importar muito com quem fica com os créditos de uma boa ação, e sim com a ação em si. A potencialidade humana tende ao infinito quando não nos importamos com os créditos de nossos atos corretos, quando estamos mais focados em fazer o certo do que receber aplausos da platéia. Reagan era assim, e tinha uma frase com essa mensagem em seu escritório durante seu mandato.

Um dos grandes méritos de Reagan, que havia sido ator, era a simplicidade de sua linguagem, a forma direta e objetiva com a qual expressava suas idéias. Não por acaso os "intelectuais" detestavam Reagan, considerado um idiota por boa parte da elite americana. Em 1981, por exemplo, falando para estudantes, ele foi categórico ao afirmar que o ocidente iria dispensar o comunismo como um capítulo bizarro da história humana, cujas últimas páginas estariam naquele momento sendo escritas. Isso foi dito numa época em que muitos desses "intelectuais" ainda defendiam o regime comunista. Reagan era um sujeito objetivo e sincero, e tachou de "império maligno" a União Soviética, o que mais tarde ficou evidente ser o caso. Ele era capaz de separar com clareza o certo do errado, algo que muitos relativistas ainda hoje condenam. Sua convicção moral o afastou muitas vezes do pragmatismo presente no mundo da política. Ele não costumava contemporizar muito com o lado podre, ainda que se visse forçado a escolher o ruim para evitar o péssimo de vez em quando. Ele pode ser considerado uma espécie de visionário, focando no futuro enquanto todos pensavam no imediato.

Apesar de divorciado, Reagan sempre enfatizou muito a importância dos valores familiares. Para Dinesh, ele conquistou a afeição do povo americano por parecer um sujeito comum, e o povo se identificava com ele. Por oito anos consecutivos, a pesquisa da Gallup mostrou Reagan como o homem mais admirado no país, e quando ele deixou o cargo de presidente, sua taxa de aprovação estava em 70%, a mais alta de qualquer presidente americano moderno. Sua característica de grande comunicador, somada ao sucesso econômico, explicam boa parte dessa popularidade também.

Sua política econômica ficou conhecida como "Reaganomics", e consistia basicamente em redução de impostos, desregulamentação e maiores gastos com defesa. Quando assumiu o poder, a inflação estava em dois dígitos, próxima dos 12% ao ano. A firme atuação de Paul Volcker no Federal Reserve, apoiada por Reagan, foi fundamental para conter a espiral inflacionária. Houve uma fase necessária de ajuste, como a ressaca inevitável de um bêbado, mas logo depois o país entrou num período de sete anos de crescimento ininterrupto. A retomada do crescimento econômico gerou quase 20 milhões de novos postos de emprego, e Reagan dizia que não há melhor programa social que o emprego. O propósito de um programa de governo deveria ser justamente eliminar a necessidade de sua própria existência, o oposto do que ocorre no assistencialismo do welfare state. O objetivo de seu governo era criar um ambiente estimulante para a energia criativa dos empreendedores. Uma de suas primeiras medidas foi acabar com o controle de preços da gasolina, vigente por uma década. Isso contribuiu muito para o fim da crise de energia. Ele condenava o protecionismo, considerando a abertura comercial uma grande força americana, enquanto muitos temiam a "invasão" dos produtos importados. O grande erro econômico de Reagan foi não ter cortado os gastos públicos. Na verdade, a dívida pública triplicou durante seu mandato. Este foi, sem dúvida, seu grande pecado como presidente, ainda que seja muito mais fácil criticar do que fazer.

Quando seu plano estratégico de defesa na guerra fria foi anunciado, seus críticos logo o apelidaram de "Guerra nas Estrelas", por causa do famoso filme de mesmo nome. No entanto, o tempo mostrou que o plano fazia sentido, e os soviéticos ficaram pressionados por não terem a menor condição de acompanhar a escalada de investimentos militares. Isso fez com que Thatcher concluísse que Reagan venceu a guerra fria sem disparar um único tiro. Quem credita Gorbachev em vez de Reagan pelo colapso comunista o faz ou por má fé ou por ignorância. O líder soviético, apoiado pelo Politburo, objetivava, na verdade, salvar o regime falido. Foi Reagan que, com seu programa militar, colocou de vez um ponto final na guerra fria, levando à queda do muro de Berlim em 1989, assim como à democratização de várias ditaduras, principalmente na América Latina. Reagan deu o empurrão final no regime que vinha desmoronando por suas próprias falhas intrínsecas.

O grande tema abordado freqüentemente por Reagan era a intromissão e incompetência do governo, além de sua completa inabilidade para resolver os problemas das pessoas. Para ele, o approach do governo na economia poderia ser resumido assim: "Se algo se move, taxe-o; se ele continua se movendo, regule-o; e se ele parar de se mexer, subsidie-o". Um governo central grande era visto por ele como um grande obstáculo para a liberdade, e um instrumento ruim para garantir a justiça. A lição que ele extraía da era moderna é que colocar poder demais nas mãos do Estado coercitivo era muito perigoso. Ele se opunha ao coletivismo comum de seu tempo. Não é possível controlar a economia sem controlar as pessoas, e Reagan entendia isso. Os elevados impostos e a burocracia incompetente foram seus grandes inimigos internos, enquanto o comunismo era seu alvo externo.

Reagan fazia analogias simples, mas que passavam bem sua mensagem. Certa vez ele comparou o governo a um bebê, com um canal de alimentação com apetite enorme de um lado e nenhum senso de responsabilidade do outro. Em sua gestão, tentando melhorar a eficiência do governo, tentou colocar as melhores pessoas no comando e delegar autoridade. Sua equipe era formada por pessoas que muitas vezes nem mesmo compartilhavam de suas visões gerais, e para Reagan, era importante que o funcionário tivesse que ser persuadido a ir para o governo, em vez de ser alguém em busca de um cargo público. Era um homem de ação, e por tudo isso somado, foi sem dúvida um grande líder. Não obstante seus defeitos como pessoa e seus erros enquanto presidente, Ronald Reagan merece respeito e admiração por todos aqueles que defendem a liberdade individual. Recordar de suas principais mensagens e aprender as lições básicas que ele tentou passar é a melhor homenagem que pode ser feita a Reagan nessa data.

sábado, junho 02, 2007

O Direito dos Animais


Rodrigo Constantino

“É correto explorar a natureza para promover nossas próprias vidas e felicidade; não há razão para se sentir culpado ou envergonhado por isso.” (Tibor Machan)

Será que os animais devem ter direitos tais como os homens? Muitos são os que advogam em prol de uma igualdade de direitos entre todos os animais do planeta, ou pelo menos entre os mais desenvolvidos (seria talvez um exagero defender o direito das amebas, parasitas e vírus). Vamos analisar então os argumentos prós e contras dessa proposta. Como base, uso o livro do professor de filosofia Tibor R. Machan, Putting Humans First. No livro, o autor tenta argumentar porque os homens são os favoritos da natureza, o que lhe dá autonomia sobre os demais animais.

Em primeiro lugar, é preciso derrubar a idéia romântica de que os animais são “bonzinhos” enquanto o homem é cruel. Os ursos mais velhos, por exemplo, costumam perseguir os mais novos e matá-los para ficar com mais comida. Ninguém diria que isso é uma atitude muito escrupulosa. Dizem que os animais matam apenas para comer, mas há casos de predadores que nitidamente brincam com suas presas antes de devorá-las. Alguns macacos perturbam tigres somente pelo prazer de vê-los desesperados tentando revidar, em vão. Em resumo, os animais não são como a Disney os desenha, mas sim vivem num reino selvagem onde não existem regras de conduta adequada tal como os homens criaram para si.

Isto é muito óbvio, mas muitos defensores dos direitos dos animais ignoram essa obviedade. Se os animais não têm escolha consciente de como agir, então ninguém pode racionalmente julgá-los do ponto de vista moral ou legal. Falar em direito dos animais implicaria em condenar um tubarão legal e moralmente por destroçar sua presa. Afinal, para ter direitos iguais aos homens, teria que ter as mesmas obrigações de respeitar o direito alheio. Quando um ser humano age com brutalidade contra outro ser humano, não hesitamos em condená-lo. A premissa por trás disso é que sabemos que existe o livre-arbítrio, e que, portanto, ele poderia ter escolhido outro rumo de ação. Só podemos falar em moralidade quando há escolha consciente, caso contrário está-se diante de um determinismo, de algo que simplesmente não poderia ser de outra maneira, e, portanto, não é nem moral nem imoral. O argumento pelos direitos humanos parte principalmente daquilo que Ayn Rand chamou de “consciência volitiva”. Sabe-se que é imoral um homem estuprar uma garota, pois ele poderia ter agido diferente. Mas quem pode falar em imoralidade no ato de um animal irracional matar outro animal?

Alguns falam que a natureza como um todo deveria ser o objeto de preocupação geral, e que o foco dos homens em melhorar suas próprias vidas seria ruim, um “egoísmo de espécie”. Mas o homem só chegou aonde chegou porque lutou contra a natureza, assim como a usou em seu favor. Os “ambientalistas” que condenam a ganância humana e o lucro, ignorando que este serve para nosso desenvolvimento econômico que salva vidas humanas e melhora nossas condições de vida, seriam capazes de vetar um projeto industrial que iria gerar inúmeros empregos apenas para salvar a vida de alguns sapos, por exemplo. Esquecem que esses empregos salvam vidas humanas, ou seja, estão colocando a vida de outros animais acima da humana na hierarquia de valores. Para esses radicais, mais vale salvar alguns ursos do que levar petróleo para as cidades e aquecer os humanos que podem estar literalmente morrendo de frio. Quando tentam proibir o uso de macacos em testes finais de importantes remédios, ignoram que podem estar condenando à morte milhares de seres humanos, que poderão não mais ter acesso a um remédio que salvaria suas vidas.

Normalmente, essas idéias partem de intelectuais que vivem no conforto da civilização moderna, inclusive usando tudo que a exploração da natureza pelo homem permite, e não dos miseráveis que lutam na natureza por sua sobrevivência mais básica. É um grande luxo poder se preocupar tanto com a vida do mico leão-dourado, luxo esse que quem não tem ainda o básico de conforto que o progresso gera não se permite ter. O radical líder do People for the Ethical Treatment of Animals (PETA), Ingrid Newkirk, chegou a condenar qualquer uso de animais como inaceitável, e afirmou que “o mundo seria um lugar infinitamente melhor sem humanos nele”. No fundo, muitos desses defensores dos animais são apenas pessoas que odeiam a humanidade, provavelmente a própria pessoa, e gostariam de ver a sua destruição. Quem odeia a humanidade está dando um atestado de que se odeia, ou então parte de uma extrema arrogância de que é muito melhor que todos os outros seres humanos. Posso estar enganado, mas sempre fico com a impressão de que aqueles que condenam toda a humanidade como podre estão olhando para um espelho!

Concordo que uma parte da humanidade consegue ser muito pior que muitos animais, justamente por ter consciência de seus atos bárbaros. Mas acredito que é uma minoria, e que o joio não deve estragar o trigo. Se alguns homens são capazes de coisas terríveis, muitos outros repudiam tais coisas, tanto que os chamamos de “marginais”. Não devemos partir das exceções para inferir uma regra. Devemos enaltecer o que os homens têm de melhor, e não achar que ratos são igualmente merecedores de respeito, admiração e direitos. A própria consciência de muitos em relação aos horrores de que alguns homens são capazes de fazer é prova de nossa superioridade moral. Os outros animais simplesmente não se importam!

Com certeza não é correto abusar dos animais sem o propósito vital. Não é preciso defender o direito dos animais para condenar uma criança que tortura animais. Desrespeito pela vida dos animais denota uma falha de caráter, de sensibilidade. O sofrimento dos animais deveria ser objeto de preocupação de todos os seres humanos conscientes, mas não ao ponto de sacrificar os próprios benefícios humanos significativos. Aqui reside toda a diferença entre os que colocam os humanos primeiro e os que odeiam a própria humanidade. Podemos adorar nosso cão de estimação e detestar as touradas espanholas, mas isso não implica em transferir direitos aos animais, como se eles estivessem num mesmo patamar que os humanos. Nossos direitos são oriundos justamente de nossa capacidade racional, que falta nos demais animais. Podemos colocar os homens em primeiro lugar com uma consciência limpa. A prova disso é que até uma parte de vida humana vale mais que uma vida animal inteira, já que dificilmente alguém defenderia o direito à vida de um tubarão prestes a devorar o braço de um garoto. Matem o tubarão, deixem o garoto viver inteiro. Isso é colocar os homens à frente do “direito” dos animais.