Mostrando postagens com marcador Roger Scruton. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Roger Scruton. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, maio 09, 2013

O conservadorismo pela lente de um liberal

Ensaio escrito para a revista Dicta & Contradicta. Edição de Joel Pinheiro da Fonseca.

Rodrigo Constantino

Para falar sobre filosofia política, o primeiro problema que surge é a definição dos rótulos. Eles são úteis na vida, não resta dúvida, pois ajudam a simplificar conceitos complexos e a estreitar grupos de pensamento com base em semelhanças e divergências. Mas podem ser perigosos, justamente por seu simplismo. Como encaixar em uma única palavra tantos valores e princípios, tantas crenças?

Dito isso, não terei como fugir dos rótulos em um ensaio sobre conservadorismo e liberalismo. O que entendo por conservadorismo? Em primeiro lugar, talvez seja melhor dizer o que não será alvo de análise neste ensaio: o neoconservadorismo do Partido Republicano nos Estados Unidos, tão bem representado pelo ex-presidente George W. Bush. Sua visão messiânica de exportar, por meio de armas, a democracia para o mundo não combina com o conservadorismo tradicional. Tampouco trataremos de um conservadorismo verde e amarelo, até porque faltariam representantes legítimos desse pensamento no Brasil moderno. Inclusive considero estes dois ícones da “direita” – os imperialistas messiânicos e os meros reacionários – como culpados pela má reputação do conservadorismo. Se seus representantes são Bush e Bolsonaro, então não há muito de admirável nessa linha de pensamento político. O anticomunismo é muito pouco para torná-la respeitável.

O conservadorismo aqui abordado é aquele que ganhou corpo teórico a partir de Edmund Burke e suas reflexões sobre a Revolução Francesa. Outros vieram depois acrescentando suas próprias visões, mas sem transfigurar os pilares essenciais traçados por Burke. Tocqueville, John Adams, Michael Oakeshott, Russell Kirk, Roger Scruton e tantos outros contribuíram para a preservação e o avanço de suas principais características.

E quais seriam elas? Tentemos definir os principais pontos do conservadorismo; tarefa ingrata, mas necessária. Com relutância, enfrentarei o desafio, sabendo de antemão que pecarei pelo simplismo. Pedirei ajuda a Russell Kirk, que se debruçou sobre o assunto em The Conservative Mind.  

O conservadorismo não é um dogma imutável ou fixo, e se adapta ao tempo sem trair suas convicções. Em sua essência, porém, representa a tentativa de preservar o que é familiar, e daí decorre o respeito pelas tradições assimiladas e testadas pela sociedade ao longo do tempo, pela sabedoria dos antepassados. Alguns pilares costumam estar presentes em todo pensamento conservador. São eles: 1) A crença de que há uma intenção divina que governa a sociedade e a consciência individual, criando um elo eterno que liga os vivos e os mortos; 2) afeição pela enorme variedade e mistério presentes na vida, ao contrário da visão mais uniforme e limitada dos sistemas radicais; 3) convicção de que a sociedade civil necessita de ordem e classes, de lideranças naturais que, uma vez abolidas, deixarão um vácuo a ser ocupado por ditadores; 4) noção de que propriedade e liberdade estão conectadas de forma inseparável; 5) descrença em modelos racionalistas que ignoram o fato de que os homens são governados mais pelas emoções que pela razão; 6) reconhecimento de que reforma e inovação revolucionária não são a mesma coisa, sendo esta normalmente arriscada demais para a manutenção da sociedade.

Em minha interpretação da leitura dos textos conservadores, eis o que ficou de mais relevante: uma cautela contra tudo que é extremista e utópico; a preferência por reformas graduais em vez de saltos revolucionários; uma abordagem humilde com base na falibilidade de nossa razão; um foco nas virtudes atemporais desenvolvidas por nossos ancestrais; a valorização da cultura e da família tradicional; a defesa de uma aristocracia natural; profunda desconfiança da democracia igualitária; uma visão trágica do ser humano, cuja evolução moral não acompanha a material; um realismo ao lidar com a política, a arte do possível; e o respeito pela ordem social contra o risco de anomia. Desenvolverei esses pontos a seguir.  

Ceticismo vs. fanatismo

Comecemos pela cautela contra radicalismos. Talvez esta seja uma das mais importantes características de um típico conservador, e sem dúvida a que mais me atrai. Todo conservador é cético por natureza e experiência. Ele compreende que a vida em sociedade é por demais complexa para ser enquadrada em modelos paridos em uma Torre de Marfim. O conservador rejeita abstrações, por desconfiar de sua viabilidade, porque estas tendem a uniformizar de forma centralizada os comportamentos para que o projeto político possa ser construído. Ele jamais irá abraçar movimentos revolucionários, que têm a pretensão de criar um “novo mundo” a partir de uma tábula rasa, descartando todo o estoque de conhecimento existente.

Há em todo conservador uma boa dose de respeito pelo árduo processo de tentativa e erro ao longo dos tempos, que serviu para moldar instituições úteis a nossa sobrevivência. E o mais importante: tais instituições nem sempre podem ser perfeitamente compreendidas pela nossa razão. O liberal Friedrich Hayek tinha postura semelhante, apesar de não se considerar conservador. Mas sua visão era tão parecida com o conservadorismo em alguns aspectos que ele teve que escrever um texto explicando porque não era um deles. 

Hayek, de fato, tinha muitos pontos de convergência com o conservadorismo. Ele desconfiava do racionalismo cartesiano, e achava que a própria razão poderia nos mostrar seus limites, demandando maior humildade frente à complexidade da vida social. Chegou a cunhar a expressão “arrogância fatal” para se referir a esta pretensão humana de desenhar modelos racionais perfeitos e justos de sociedade. Hayek era contra o “abuso da razão”. Seguindo a idéia de Vico, Mandeville e dos iluministas escoceses, acreditava em uma ordem espontânea, advinda de consequências não intencionais dos agentes. Sua maior divergência com os conservadores era no que diz respeito ao otimismo. Para Hayek, faltava aos conservadores a coragem de aceitar as mudanças não programadas pelas quais novas conquistas humanas irão surgir.

No aspecto de nosso interesse aqui, Hayek sem dúvida estava do lado conservador. Curiosamente, mesmo desconfiando da razão e respeitando o estoque de conhecimento acumulado, Hayek chegou a defender uma postura mais ousada dos liberais. Escreveu que era preciso transformar o liberalismo em uma empreitada radical e até utópica, uma aventura intelectual. Ironicamente, não viveu o suficiente para ver os seguidores modernos de Rothbard, que levaram seu conselho ao extremo, acusando-lhe de “socialista”.

O fanatismo dos seguidores de Rothbard foi um dos fatores que me afastaram da visão libertária radical. Jovens imbuídos de uma crença intransigente no princípio “absoluto” da não-agressão acabaram por criar uma seita fechada, intolerante com qualquer divergência. Seguros da descoberta dessa “pedra filosofal”, reduzem a questão ética a uma máxima que uma criança compreenderia. Pensam que, com ela, respondem todos os complexos problemas sociais. Juram falar em nome da Razão contra os alienados (todos que discordam). Acabam adotando postura incompatível com o liberalismo plural e humilde que defendo. Assim como Oscar Wilde, “não sou jovem o suficiente para saber tudo”.  

Conservadores dão mais ênfase à tradição que ao racionalismo dogmático. A civilização não é herdada biologicamente; ela precisa ser aprendida e conquistada por cada nova geração, inclusive por meio de ideias e valores pré-concebidos (ninguém teria como submeter tudo ao crivo de sua razão). Se a transmissão fosse interrompida por um século, seríamos selvagens novamente. O homem não cria, apenas com base em sua razão, os pilares que sustentam a civilização. Ela é o acúmulo de um processo ininterrupto e que pode ser desfeito a qualquer momento.

Uma das críticas comuns que os racionalistas fazem a esta postura é ilustrada pela história dos macacos enjaulados. Conta-se que cientistas colocaram cinco macacos na jaula, com uma escada que dava acesso a um cacho de bananas. Assim que um macaco tentava subir a escada, todos recebiam uma ducha de água fria. Quando um deles se aventurava em direção à escada, os demais o espancavam, receosos do castigo geral. Trocaram então um dos macacos, e o novato rapidamente tentou subir a escada, sendo logo espancado pelos outros quatro.

Os cientistas foram então trocando os macacos antigos um a um, e cada novo macaco que tentava pegar o cacho de bananas era impedido pelos outros, inclusive pelos que não estavam no começo e nunca tinham levado a ducha. Ao fim do processo, os cinco macacos presentes na jaula eram todos novatos, ou seja, nenhum deles estivera presente quando a ducha fria impediu o acesso ao prêmio. Ainda assim, quando algum recém-chegado se dirigia à escada, eles o impediam. Se alguém pudesse perguntar a estes macacos porque batiam no novato, provavelmente responderiam: “Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui”.

A história é interessante; mas serve para ambos os lados. Sim, é verdade que muitas vezes seguimos tradições somente porque nossos pais faziam assim, e antes deles seus pais também. Só que isso não quer dizer que a tradição seja inútil, ou que possamos julgá-la racionalmente. Basta substituir o prêmio das bananas no exemplo por uma armadilha que detona uma explosão nuclear, para concluir que é positivo o fato de nenhum macaco deixar outro chegar ao topo da escada, ainda que não saiba exatamente o motivo de sua ação.

Nesse caso, seria temerário permitir o acesso a qualquer macaco, e a tradição teria uma função fundamental na preservação daquela comunidade. O conservador, portanto, não precisa defender cegamente as tradições, ou ser avesso a qualquer mudança. Ele adota uma postura cautelosa. Defende uma abordagem gradual, repleta de cuidados e precauções. Não abraça a mudança pela mudança em si. Contra o excesso de otimismo dos aventureiros, alerta para os riscos envolvidos.

Conta Edmund Burke em suas reflexões: "Não estamos restritos à alternativa de destruir completamente as instituições ou de deixá-las subsistir sem nenhuma reforma. [...] É-me impossível compreender como certas pessoas são tão pretensiosas, a ponto de considerarem um país como se fosse uma tábula rasa onde pudessem escrever aquilo que melhor lhes convêm. No plano meramente teórico é concebível que se deseje que a sociedade tal qual existe fosse estruturada de uma maneira totalmente diferente, mas um bom patriota e um verdadeiro político procura tirar o melhor partido possível daquilo que existe de material na sua sociedade".

O sistema monárquico dos Bourbon precisava de reformas drásticas; mas será que a revolução jacobina traria o paraíso pregado? Não deixa de ser curioso o fato de que Thomas Paine, autor de The Age of Reason e Common Sense, tenha se empolgado tanto com esse movimento revolucionário que tinha tão pouco de racional e nada de bom senso. Por sorte, a Revolução Americana, ao contrário da Francesa, contava com importantes figuras mais pessimistas, como John Adams, para contrapor o otimismo radical de Paine e Jefferson.

Isso nos remete ao outro ponto de divergência entre liberais radicais e conservadores: estes são, via de regra, mais pessimistas. Para Rothbard, por exemplo, a “atitude adequada ao libertário é a de inextinguível otimismo quanto aos resultados finais”, enquanto o “erro do pessimismo é o primeiro passo descendente na escorregadia ladeira que leva ao conservadorismo”. Mas será que o pessimismo (ou realismo, diriam alguns) é mesmo um erro?

Em The Uses of Pessmism, Roger Scruton defende que doses de pessimismo são cruciais para se evitar catástrofes. Segundo ele, pessoas escrupulosas misturam um pouco de pessimismo a suas esperanças, reconhecendo que a vida possui limites, não apenas obstáculos. Ele vai além, e afirma que há uma forma de vício na irrealidade que cria uma das formas mais destrutivas de otimismo: o desejo de substituir a realidade por um sistema de ilusões.

Tom Wolfe sintetizou ironicamente a questão quando disse que um conservador é um liberal que foi assaltado. Sonhar é bom, até indispensável para o progresso. Adotar uma postura mais otimista diante da vida é parte essencial dos empreendimentos que mudam o mundo para melhor. Mas o sonho impossível, otimista em demasia, pode ser fatal. Quando se diz que não há limites intransponíveis, que a vida não é feita de trade-offs, mas apenas de obstáculos que precisam ser superados, se está a um passo da utopia.

Essa é outra característica dos conservadores: uma profunda ojeriza ao pensamento utópico, à crença de que os males do mundo podem ser extintos. O pensamento utópico é redentor, oferece uma visão de completude, um ponto de chegada, o “fim da história”. Utopias são visões teleológicas que aplacam a angústia de uma vida sem sentido ou destino. O utópico não aceita restrições e imperfeições; ele quer uma “solução”. Tampouco aceita que valores podem viver em conflito insolúvel, sem uma resposta “certa” e única.

Modelos utópicos desembocam em sistemas fechados, prontos, acabados, e sempre intolerantes. Como o utópico sequer reconhece que podem existir valores incomensuráveis, ele tende ao fanatismo, pois “sabe” o que é certo ou justo em todos os casos. Os sábios carregam muitas dúvidas, enquanto os tolos e fanáticos estão sempre certos de si, embora suas utopias não possam se concretizar, coisa que, no fundo, eles sabem. É por isso que se negam a descrever em detalhes e de forma crítica o que exatamente têm em mente. As utopias acabam empacotadas de forma vaga, mesmo quando têm roupagem científica. Essa meta inalcançável serve como poderosa arma para negar o que é real. A utopia é uma condenação abstrata de tudo que nos cerca, e justifica a postura intransigente e violenta do utópico.

O utópico é, em todos os sentidos, o avesso do conservador. Ele não aceita contemporização alguma, não alimenta um saudável ceticismo quanto às “soluções” pregadas, não tolera divergências, não respeita as experiências históricas, não convive com as restrições impostas pela vida em sociedade, não encara a possibilidade de sua “receita mágica” levar a um resultado terrível. Como mecanismo de defesa, monopoliza os fins nobres e rejeita qualquer experimento concreto como derivado de sua utopia. Para tanto, ele teria que reconhecer suas imperfeições.

O Papel da religião

Muitos conservadores atribuem relevância gigantesca à religião como instrumento da preservação dos valores morais. As religiões oferecem, além disso, uma visão redentora pós-morte, o que ajudaria a suportar as angústias da vida. Retire-se isso das pessoas, especialmente das massas, e alguma coisa será colocada em seu lugar. Em Tempos Modernos, Paul Johnson considera que o colapso do impulso religioso deixou um vácuo de grandes proporções. Ele diz: “A história dos tempos modernos é, em grande parte, a história de como aquele vácuo foi preenchido”. No lugar da crença religiosa, haveria a ideologia secular. As utopias seriam, desta forma, substitutos das religiões. A grande diferença é que a seita ideológica promete um paraíso terrestre, o que é ainda mais perigoso.

Confesso que este é um tema que gera muitas dúvidas em mim. Até que ponto as pessoas em geral necessitam das religiões para preencher este vácuo, evitando assim o risco de colocarem em seu lugar seitas seculares ainda mais perigosas? Em outras palavras: até que ponto a “morte de Deus” não abriu espaço para o nascimento do “Deus Estado” e, com ele, dos totalitarismos modernos? Não tenho a pretensão de saber a resposta, mas reconheço que há aqui uma importante divergência entre liberais e conservadores. Se estes afirmam a religião como garantidora do tecido social, aqueles preferem a defesa secular das liberdades.

Há conservadores seculares, como Oakeshott. Mas talvez seja um ponto fraco do conservadorismo moderno esta enorme dependência da religião. Talvez a filosofia, as artes e a literatura possam substituir a religião neste encanto pelo mistério do universo, nesta contemplação pelo desconhecido, eterno e indizível. Mas talvez os conservadores, apelando para o argumento utilitarista da fé, tenham um ponto quando alegam que, sem o freio religioso, as massas demandarão algum outro “Pai” em seu lugar. As rotas de fuga alternativas e mais sofisticadas talvez sejam privilégio de uma minoria esclarecida. Sei que é uma visão elitista, mas eis outro aspecto que alguns liberais clássicos e conservadores compartilham: a existência de uma aristocracia natural que carrega o mundo nas costas.

Elite e massa

A multidão conta com a vantagem numérica. Nas massas, a sensação predominante é a de ser “como todo mundo”, e não há angústia nisso; ao contrário, sente-se bem por ser idêntico aos demais. A característica moderna, apontada em A Rebelião das Massas por Ortega y Gasset, é que esta “alma vulgar, sabendo que é vulgar, tem a coragem de afirmar o direito da vulgaridade e o impõe em toda parte”. A hiperdemocracia criou o império das massas, que precisa destruir o diferente, o melhor.

De gustibus non est disputandum. Esta, que é uma máxima ao agrado de muitos liberais, seria a nova regra geral. É verdade que, se gosto não se discute, há ao menos um apelo à tolerância, tão cara aos liberais. Só que existe outro lado da moeda: a crença inabalável nas preferências subjetivas acabou produzindo um excessivo relativismo. A música clássica e o funk das favelas, os quadros de Caravaggio ou o tubarão de Damien Hirst, Dostoievski ou Dan Brown, tudo simples questão de gosto. E o “melhor” será julgado pela maioria. Vox populi, Vox Dei.

Os conservadores demonstram enorme desconforto diante deste cenário. Eles entendem que a democracia não é critério estético. E o mesmo vale para a política. Por isso conservadores costumam desconfiar das escolhas democráticas, cientes de que não serão os melhores que chegarão ao poder, e sim os mais populares, ou seja, os demagogos. Esta desconfiança com a democracia não é sinônimo de defesa de regimes autoritários. Muitos liberais, como Ludwig von Mises e Karl Popper, reconheceram que a principal vantagem da democracia não é o resultado ótimo de sua escolha, e sim seu método pacífico de eliminar as piores escolhas. Os conservadores fazem coro aqui, alertando para os riscos do modelo democrático, sem, entretanto, rejeitá-lo completamente.

Os conservadores tiveram importante papel no necessário alerta de que regimes democráticos podem se tornar despóticos. E, quando isso ocorre, costuma ser a pior forma de tirania: aquela da maioria que aniquila o indivíduo. Este receio é fundamental para a própria defesa da liberdade, possível somente em um governo de leis, e não de homens com desejos arbitrários impostos aos demais. Os conservadores defendem, então, um amplo mecanismo de pesos e contrapesos, o respeito às instituições estabelecidas, o Common Law obtido pela experiência local de inúmeros casos passados. Eles rejeitam as mudanças radicais e nunca testadas, a total substituição de costumes estabelecidos por sistemas paridos nas cabeças de idealistas que falam em nome do povo.   

Michael Oakeshott fez a distinção entre a “política de fé” e a “política do ceticismo”. A primeira entende que o governo deve buscar a perfeição humana, que para todo problema há uma única solução racional, enquanto a última entende o governo não como entidade benigna e perfectibilista, mas apenas necessária, e que é impossível construir uma sociedade perfeita. No âmbito individual, cada um buscará a perfeição à sua maneira, e não devemos colocar o governo ou a sociedade como agentes dessa busca de perfeição.

Individualismo moderado

Os liberais são mais enfáticos na defesa do individualismo, ou seja, do indivíduo como um fim em si mesmo, e não um meio sacrificável por um bem maior. Os conservadores, se não aderem ao coletivismo, também não apreciam o individualismo extremo. Ou seja, quando individualismo é confundido com “sociopatia”, quando liberdade individual é confundida com licença para fazer qualquer coisa desde que não agrida (fisicamente) o outro, aí o conservador se torna um crítico do “liberalismo” radical.

Indivíduos não devem ser tratados como átomos totalmente independentes, como ilhas. O conservador dá valor à comunidade local, à narrativa histórica que caracteriza o próprio indivíduo. O apetite individual sem qualquer restrição pode representar uma ameaça de desintegração da ordem social e, com ela, da própria liberdade individual. Seria o caos anárquico. O psicopata, não custa lembrar, não peca por falta de coerência, e sim por falta de remorso, culpa, empatia.

Confesso que tenho simpatia por este alerta, pois a lógica individualista levada ao extremo da coerência pode significar até a destruição do núcleo familiar. Os filhos não assinaram contrato algum com os pais e, portanto, devem ser livres para fazerem o que quiserem, em qualquer idade?. Qualquer restrição seria uma coerção ao indivíduo livre, pela ótica libertária. Considero esta conclusão absurda. “Refreia as tuas paixões, mas toma cuidado para não dar rédeas soltas à tua razão”. 

Roger Scruton, falando sobre os limites da liberdade, explica que os conservadores lutam para restringir de alguma forma o comportamento adulto de olho nos interesses das gerações futuras, enquanto alguns liberais alegam que a única coisa importante é a liberdade destes adultos aproveitarem como quiserem o aqui e agora. Traçar esta linha divisória é tarefa quase impossível, mas podemos pensar em casos que ilustram a divergência. Um deles é o aborto. Existem diversos argumentos contra e a favor, e por inúmeros pontos de vista. De nosso interesse aqui, porém, basta dizer que há quem defenda a prática com base somente no “direito” da mãe fazer o que quiser com seu corpo. Já os conservadores, mesmo os que não se limitam à base estritamente religiosa, questionam até que ponto a banalização do aborto não afeta valores importantes para preservar a sociedade.

Costumo manter a equidistância entre libertários e conservadores religiosos aqui. Os primeiros alegam que o feto é como um “parasita” (Rothbard usou o termo) no corpo da mulher, que faz o que quiser com ele. O aborto seria legítimo até o fim da gestação. Os últimos acreditam que o feto, desde o milésimo da concepção, é exatamente como um ser humano em direitos. A pílula do dia seguinte seria equivalente a assassinato. Encaro ambas as visões extremas como um erro. Para cada problema complexo, há uma resposta clara, simples e errada.

Outro exemplo seria o consumo de drogas. O liberal radical diria que esta é uma questão exclusivamente individual, de liberdade de escolha, enquanto o conservador estaria mais preocupado com os possíveis impactos desta liberação geral no seu entorno. O conservador, em geral, prefere não misturar liberdade com libertinagem, pois esta coloca em risco aquela. Talvez seja possível uma contemporização aqui, com a liberação de drogas leves como a maconha, sem apelar para o “liberou geral”, enquanto o consumo é combatido por campanhas de persuasão.

Construindo pontes

Estamos chegando perto do fim deste ensaio, e ainda há muito que dizer sobre conservadorismo. Não tenho a pretensão de esgotar o assunto em espaço tão reduzido.  Gostaria agora, contudo, de tentar construir uma ponte ligando liberais a conservadores. 

O ceticismo e a cautela dos conservadores são excelentes ferramentas para amainarem um pouco o excesso de otimismo dos liberais. Fazendo uma analogia, os liberais seriam a juventude impetuosa, sonhadora, que quer tudo para ontem, enquanto os conservadores seriam o adulto maduro e calejado, desconfiado de toda grande empolgação. Um equilíbrio entre ambos talvez seja o ideal.

O tradicionalismo serve para não jogarmos no lixo a sabedoria dos antigos, sem cair no reacionarismo. O peso colocado nas emoções serve para frear um pouco a arrogância de nossa limitada razão. A desconfiança em relação ao ser humano nos leva a reconhecer que há sempre um monstro interior que o progresso material não é capaz de eliminar. A preocupação com certos valores lembra-nos que libertinagem não é liberdade. O respeito às virtudes contrabalanceia a tendência iconoclasta e subversiva dos libertários. Até o aspecto religioso pode, ao menos, nos mostrar que nem só de pão vive o homem, em um mundo cada vez mais materialista onde tudo é mercadoria, inclusive o amor. Por fim, o foco comunitário pode temperar nosso individualismo. A liberdade individual existe em função da sociedade, e embora a cultura seja fonte de mal-estar, como sabia Freud, é preciso renunciar a parte da satisfação pessoal em prol dos ideais civilizatórios.

Pois ainda não inventaram nada melhor que a civilização, e nem vão, posto que ela é o resultado de séculos de aperfeiçoamento, sem jamais tocar a perfeição. Uma formação natural, se preferir, e não uma criação artificial. Preservar os pilares que sustentam esta civilização, conservar tais alicerces, sem saudosismo de um passado idealizado, mas sabendo avançar sempre que possível e com cautela, eis a ponte que liga liberais a conservadores.  

segunda-feira, julho 23, 2012

A falácia da utopia


Rodrigo Constantino, para a revista VOTO

Poucas coisas são tão perigosas para a liberdade como uma mentalidade utópica. Os utópicos não se caracterizam simplesmente por erros pontuais de raciocínio lógico; eles adotam todo um método mental que de uma forma misteriosa é indiferente à verdade. De certa forma, a utopia pode ser um substituto laico da religião para aqueles inconformados e incapazes de lidar com as limitações da vida imperfeita.

Em seu livro The Uses of Pessimism, Roger Scruton dedica um capítulo para derrubar a falácia da utopia e mostrar como ela está a um passo do totalitarismo. Parte da explicação para movimentos utópicos seria, segundo o autor, um resíduo de heresia religiosa em um mundo sem religião, ou seja, a expectativa de criar um paraíso terrestre, colocando um fim nas imperfeições do mundo.

Os utópicos podem ignorar a aprendizagem com experiências passadas e até o bom senso, abraçando um projeto absurdo e impraticável. Nada pode refutar uma utopia, e nisso reside seu fascínio. As milhões de vidas perdidas ou escravizadas nas tentativas de tornar a utopia realidade não negam a utopia; apenas provam que maquinações perversas ficaram no caminho como obstáculos indesejados. É preciso redobrar o esforço.

É exatamente com esta postura que socialistas podem ignorar todas as desgraças causadas em nome de sua utopia. A União Soviética nunca foi comunista, eles alegam. Era um “socialismo real”, ou pior, um “capitalismo de estado” (assim conseguem jogar a culpa para o lado do capitalismo). O fim, sendo inviável, jamais chega. A utopia está, desta maneira, totalmente imune a qualquer tipo de refutação.

Utopias são visões de um futuro em que todos os conflitos e problemas da vida humana são resolvidos completamente. As pessoas viverão em harmonia, felizes. O desejo dos utópicos é por uma “solução final”, não para alguns problemas, mas para todos os problemas. Tudo aquilo que cria conflitos e tensões será eliminado. A raça será pura, não haverá mais classes ou hierarquia, o mundo será um lugar de “liberdade, igualdade e fraternidade”. Cada utopia tem sua versão.

Mas o ponto importante das utopias, como frisa Scruton, é o fato de que elas não podem se concretizar. No fundo, talvez de forma subliminar, os utópicos sabem disso, e por isso se negam a descrever em maiores detalhes e de forma crítica o que exatamente eles têm em mente. As utopias acabam empacotadas de forma vaga, ainda que com a embalagem “científica”.

Karl Marx, que criticava o socialismo utópico e considerava o seu científico, jamais foi capaz de entrar em detalhes sobre o funcionamento de seu modelo. Todos poderiam atender a seus múltiplos desejos, caçar pela manhã, pescar na parte da tarde e até virar crítico literário de noite, pois não haveria mais divisão de trabalho nem propriedade privada. Como exatamente fazer isso sem tais mecanismos não vem ao caso. Quem produz as ferramentas necessárias para a caça e a pesca? Marx não responde. Talvez elas brotassem do solo.

Esta meta inalcançável serve como poderosa arma para negar tudo aquilo que é real. Se eu defendo algo que não pode existir, que jamais existiu e que sequer pode ser refutado, então coloco-me em uma Torre de Marfim e, do alto de minha utopia, passo a atirar em todos os modelos atuais. Qualquer defeito, qualquer problema existente passa a ser indício de que o modelo vigente fracassou. A utopia serve como uma condenação abstrata de tudo que nos cerca, e justifica a postura intransigente e violenta do utópico.

O ideal dos utópicos jamais é refutado, jamais é testado. Ele permanece para sempre como um horizonte distante, imaculado, oferecendo um julgamento rigoroso de tudo que existe, como um sol que não pode ser observado mas que cria uma sombra em tudo aquilo que ele lança seu brilho. E as sombras são os inimigos da pureza do sol, que precisam ser eliminados do caminho para que venha a luz.

Utópicos costumam aderir facilmente às teorias conspiratórias e simplistas, que dividem de forma maniqueísta o mundo entre bom e mau. Todos aqueles que recusam a utopia são seus inimigos. Eles não podem discordar por convicção; devem ser traidores, opressores ou, na melhor das hipóteses, alienados.

Foi assim que os jacobinos encararam todos que criticavam a Revolução Francesa, como “inimigos do povo”. Hugo Chávez, em busca de seu “socialismo do século 21”, adota a mesma tática.

Os inimigos variam de acordo com a utopia. Para os nazistas eram os judeus; para os comunistas, os burgueses; para os anarquistas, os políticos. O importante é ter um bode expiatório, de preferência bem definido, aquele que impede a realização da utopia. O crime, a violência e a destruição são justificáveis como meios para um sonho tão puro e lindo como o utópico.

A revolta e o desejo de vingança contra a realidade alimentam a utopia revolucionária. Esta sede destrutiva costuma derivar de um profundo ressentimento direcionado àqueles que, de alguma forma, conseguem contemporizar com as restrições da vida. O caminho do totalitarismo está aberto se os utópicos conseguem chegar ao poder.  

sábado, abril 14, 2012

Roger Scruton: Want to Save the Planet? Turn Right


By RAYMOND ZHONG

Brinkworth, England

Environmentalists might think they've scored an unlikely ally in Roger Scruton, arguably Britain's most famous philosopher—and a proud conservative. But Mr. Scruton's case for environmentalism is classically conservative, centered on the love of home, the importance of local institutions, and especially the suspicion of state power.

With "How to Think Seriously About the Planet" (out next month in the U.S.), Mr. Scruton casts his lot with environmentalism but not with the contemporary environmentalist movement. The book is something of a cry in the wilderness, keeping wary distance from all sides of the current political debate. "It's an attempt," as he puts it, "to say, 'Look, wake up, here is what it's all about really.'"

On a radiant spring afternoon, I have tea with Mr. Scruton at his farmhouse in the Cotswolds. Over more than four decades, he has written tracts on Spinoza and Kant, among other heavyweight subjects from sexual desire to music and hunting. But Mr. Scruton seems most at home fighting to defend traditional culture against its despoilers: fragmentation, nihilism, disenchantment, postmodernism.

Dressed in a rumpled sweater and corduroy trousers, his craggy face crowned by an unruly thicket of dust-colored hair, Mr. Scruton certainly looks the part of weathered back-country scholar. Lush hills spill in all directions outside the windows in his living room, where the 68-year-old is settled into an easy chair. The culture warrior is in his element.

Not that Mr. Scruton, ever the anti-radical, would describe what he wages from his desk in rural Wiltshire as "warfare." His practice is to tear through liberal convictions without abandoning his calm erudition.

On immigration policy: "The real cure to immigration, obviously, is to make sure that there is prosperity around the world so that people don't have the motive. Not just prosperity, but freedom."

On pornography's effect on young men: "Most people are not sexually attractive. Certainly they don't have…what the people on the screen have—all the attractions. And so they just think, 'Oh God, I'm out of all that game. It's just something to look at.'"

On climate scientists: "Many of the people who brand themselves as climatologists are not in the first rank of scientific minds, you know? I'm not really entitled to say that. But you do have a sense that these are guys who are not particularly good at mathematical modeling, they're not particularly good at computer science, they're not particularly good at physics, not particularly good at chemistry, but who put all those together . . . [and] become an 'expert.'"

Mr. Scruton became a conservative in May 1968 among the student rioters in Paris, where two centuries earlier another group of agitators helped crystallize the thoughts of British philosopher and statesman Edmund Burke on political change and social order. By publishing "The Meaning of Conservatism" in 1980, he outed himself within academia—he was teaching at Birkbeck College in London at the time—and became persona non grata among his British peers. America suits him much better, and he's now a visiting scholar at Washington's American Enterprise Institute when he isn't teaching part time in Britain.

"The Meaning of Conservatism," however, may be as explosive to some American conservatives today as it was to the London intelligentsia in 1980. Conservatism, Mr. Scruton wrote, had been "betrayed by the free marketeers" and misunderstood by almost everyone on the left and right. Conservatism's relationship to capitalism is tenuous, he argued. And conservatism takes no position on liberty, individual or otherwise.

Rather, conservatism is a rejection of utopia for reality—a preference for improving society bit by bit over fixing society by rubbing it out. If conservatives maintain any principled allegiances at all, they are to one's own people and place, and to the rituals, customs and social knowledge contained therein. Anything beyond that depends on the circumstances.

A friend once told him, as he recounted in a 2005 essay, that "Conservatism is a political practice, the legacy of a long tradition of pragmatic decision making and high-toned contempt for human folly. To try to encapsulate it in a philosophy was the kind of naïve project an American might undertake."

What of liberalism? "My own view," he tells me, "is that left-wing positions largely come about from resentment—I agree with Nietzsche about this—a resentment about the surrounding social order. They have privileges, I don't. Or, I have them and I can't live up to them. Things should be organized differently.

"And there's always some sense on the left that power is in the wrong hands. You know, that the world is misgoverned. And in particular, the nearer something is to yourself, the more you feel that on the left. There's this rejection of your own country, of your own government."

"That emotion is very strong," he continues. "I think it's the fundamental source of left-wing politics throughout the 20th century. And when it turns itself into an environmental movement, the resentment remains."

Mr. Scruton's alternative is an environmentalism based on localism and reform, not alarmism and radical upheaval. He notes that the first modern environmentalists were English Tories who resisted industrialization and the imposition of the railways on the countryside. But reverence for our surroundings and love of home—or oikophilia, as Mr. Scruton prefers—go deeper. There is a basic human impulse, he says, to derive significance from the places we settle. We make them into homes; we give them names.

It isn't just that we like to keep our hedges well-trimmed. Long-term political order, he says, depends on responsible stewardship. Here Mr. Scruton calls upon Burke's concept of trusteeship, which broadens Rousseau's social contract to encompass not only current members of society, but the dead and unborn too. Our responsibility to them offers us a natural incentive to conserve our habitats—one that strong, centralized states usually crowd out, as the environmental devastation in Russia and China suggests.

The temptation for transnational solutions to environmental ruin is equally apparent. "But of course they never work," Mr. Scruton says, "unless the people who subscribe to them have a motive for obeying the result. It's finding that motive that is the real problem."

In other words, while it's straightforward for most people to see why they shouldn't litter, it's harder to attach importance to treaties concluded faraway by mostly unelected officials, the effects of which will be felt only indirectly. The environmental movement's task, Mr. Scruton argues, is to remind people why they should want clean air and green land in the first place—and to empower them to make the change themselves.

Part of the problem today, says Mr. Scruton, is that even if people want a stable habitat they aren't always willing to do what's necessary to conserve it. It's too easy for individuals and big businesses to externalize their costs: We dislike the accumulation of plastic in landfills and public spaces, but we aren't willing to give up the convenience of grocery bags. We dislike air pollution but won't stand for higher fuel taxes or reduce our driving and flying.

Here, decrying addictions to "fast food, tourism, luxury and waste," Mr. Scruton sounds familiar notes. I suggest that there's a fine line separating this sort of position from the old left's resentment of bourgeois lifestyles.

Mr. Scruton says the Marxists objected to those things because of the inequality they saw in people's ability to access them. He, on the other hand, objects to the things themselves. They "are eroding something important in the human condition—that actually human life is not just about consumption, it isn't just about enjoying yourself and having fun." With that last phrase, his face crinkles.

"There are goals in life of a more spiritual and moral kind, which actually require us to control our appetites. I think this is an old religious idea, which is there in Christianity, in Islam, at least some forms of Islam, and of course in Confucianism as well. . . . And that is not a lefty position. It's rather an old-fashioned moral and spiritual position, which isn't asking governments to do something about it. It's asking individuals to clean their own souls."

He continues: "I think this whole environmental movement has arisen because people recognize that we do need that spiritual discipline, and they're looking for it, partly in the wrong place by trying to get the government to do that discipline for us."

Mr. Scruton is hopeful that environmental degradation will be reversed from the bottom up, as countless other problems have: through civic associations, community groups and local organizations. Even larger, international outfits like the Red Cross and Doctors Without Borders get credit, he says, for not being "career structures" like the European Union. "What is to be done," he says, "is essentially a work of education, opening the space for volunteering, reminding people in one way or another that the responsibility is theirs, and not confiscating the space in which they can act."

None of that can happen without the love and transcendent bonds that sustain any society, Mr. Scruton says. And so we circle back to the matter of home and country, and to a world in which those old allegiances are dissipating rapidly. But less so in America, says Mr. Scruton: "America has this wonderful ability to recover from its own mistakes, which is why it's so hugely superior to China. People worry that China is going to take over, but there is no reverse gear in China, there's no corrective procedure. . . . It will always come up against a wall."

The philosopher of the English countryside knows that most of his intellectual kindred are to be found across the Atlantic—and probably across much of the coastal U.S., too. "America is the one place," he says, "where you can talk of 'this nation' and everyone knows exactly what you think. People put a flag on their porch, and they do have a desire to localize everything and celebrate things locally.

"You know" that, he says, "if you go to a rodeo in the West, or a point-to-point race in Virginia or somewhere like that, or a pigeon-shoot . . . where you see ordinary people getting together to have a beer or celebrate their community. It's happening all over America just the way it always did."

Mr. Zhong is an editorial page writer for The Wall Street Journal Europe.

domingo, setembro 18, 2011

Baderneiros e mimados

Imperdível a entrevista das páginas amarelas da revista VEJA desta semana, com o filósofo inglês Roger Scruton. Sem medo da patrulha politicamente correta, ele mete o dedo em algumas feridas. Abaixo, alguns trechos da entrevista:

"Ninguém mencionou como uma das causas da baderna a deformação causada nesses jovens pelas políticas de estado do bem-estar social. Diversos estudos mostram como clareza a vinculação desses programas assistencialistas com a proliferação de uma classe baixa ressentida, raivosa e dependente. Não quero ser leviano e culpar apenas as políticas socialistas pelos tumultos. As pessoas promovem arruaças por inúmeras razões. Entre os jovens, a revolta é uma condição inerente, um padrão de comportamento. Mas é preciso um pouco mais de honestidade intelectual para buscar uma resposta mais concreta sobre o que ocorreu em Londres. Por debaixo do verniz civilizatório, todo homem tem dentro de si um animal à espreita. Infelizmente, se este verniz for arrancado, o animal vai mostrar a sua cara. A promessa de concessão de direitos sem a obrigatoriedade de deveres e de recompensas sem méritos foi o que arrancou o verniz nessa recente eclosão de episódios de vandalismo na Inglaterra."

"Desculpe-me, mas é resultado de exclusão depredar uma cidade porque você tem só um carro, um apartamento pequeno pelo qual não paga aluguel, recebe mesada do governo sem ter de fazer nada para embolsá-la, compra três cervejas, mas gostaria de beber quatro, e acha que ter apenas um televisor em casa é pouco? Não. Ver exclusão nesses episódios só faz sentido na cabeça de um professor de sociologia."

"O otimismo prejudicial é o desmedido ou, como disse o filósofo Arthur Schopenhauer, o otimismo mal-intencionado, inescrupuloso. É o tipo de pensamento que está por trás de todas as tentativas radicais de transformar o mundo, de superar as dificuldades e perturbações típicas da humanidade por meio de um ajuste em larga escala, de uma solução ingênua e utópica, como o comunismo, o fascismo e o nazismo. Otimismo e utopia em excesso geralmente acabam em nada, ou, pior, dão em totalitarismo."

"Como impor a mesma moeda, o mesmo sistema e o mesmo modo de vida ao alemão trabalhador, cumpridor das leis, respeitador da hierarquia, e ao grego fanfarrão e avesso às normas? Arrisco-me a dizer que a União Europeia é um fracasso porque contém as insanidades institucionais do velho experimento comunista."

"O pensamento utópico sobrevive porque não se trata de uma idéia de fato, mas de um substituto de uma idéia, algo que serve de alívio para a difícil - e geralmente depressiva - tarefa de ver as coisas como elas são realmente. É uma forma de vício, um curto-circuito que afasta os indivíduos da razão e do questionamento racional efetivo. O pensamento utópico nos remete diretamente para um objetivo, passando por cima da viabilidade do projeto. É fácil digeri-lo e se embeber do seu otimismo mal-intencionado e sem fundamento. O problema vem depois, quando a utopia termina em fiasco."

"O problema é que a questão ambiental foi parar nas mãos erradas. A esquerda transformou a proteção ao meio ambiente em uma causa, em um movimento que necessita de intervenções estatais, em um assunto no qual há culpados e vítimas. No caso, os culpados são os capitalistas e a vítima é o planeta. A esquerda adora o culto à vítima."

"Os Estados Unidos, a maior economia do mundo, o maior poderio militar, se tornaram o alvo principal dos ressentidos, dos que se consideram fracassados por causa do sucesso alheio. O ataque às Torres Gêmeas, há dez anos, é uma mostra do que o ressentimento coletivo estimulado pela falácia da soma zero é capaz de causar."

"Eu acordei do meu delírio socialista durante os tumultos de maio de 1968, em Paris. No meio da destruição, das barricadas e das janelas quebradas, percebi que aqueles estudantes estavam intoxicados pelo simples desejo de destruir coisas e idéias, sem a mínima preocupação em colocar algo relevante no lugar. [...] quando uma pessoa começa a pensar sobre as grandes questões que afligem o homem e a sociedade, tende a aceitar as posições da esquerda, pois elas parecem oferecer soluções. Ao pensar além, ao se aprofundar, a pessoa aprende a duvidar e rejeita o argumento esquerdista."

"O conservador reflete sobre coisas reais e sabe que a liberdade verdadeira é obtida sob leis e regras, pois sem instituições não há liberdade, mas selvageria."