segunda-feira, maio 07, 2012

Não, eu não estou disponível

Luli Radfahrer, Folha de SP

Há mais ou menos um século, em uma Viena tão ou mais cosmopolita do que qualquer uma das novas cidadelas virtuais, são Freud tentava explicar um fenômeno que já incomodava muita gente: o esquartejamento do homem contemporâneo entre duas forças antagônicas, o corpo e o outro.

Chamadas na época de id e superego, essas demandas ganharam dezenas de nomes ao longo das décadas, mas não perderam importância. Ao contrário, à medida que a superconexão das redes concatena boa parte dos ambientes de interação, cresce a pressão social para um comportamento mais pragmático, funcional, onipresente, onisciente, onipotente e disponível.

Não é mais permitido a um indivíduo razoavelmente integrado estar desconectado ou alheio aos fatos, ignorante de acontecimentos, incapaz de realizar uma tarefa.

O acesso móvel propiciado por tablets e smartphones e o conhecimento instantâneo disponibilizado nos vídeos no YouTube e nos verbetes da Wikipédia acabaram com a época do "não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe". Hoje todos são compelidos a saber, opinar, compartilhar, blogar e retuitar, mesmo que não façam a mais pálida ideia do assunto abordado.

A angústia perante a impossibilidade da empreitada é natural. A ignorância, antes considerada uma bênção, foi transformada em maldição, obrigando a todos que nasçam prontos, especialistas. O resultado, previsível, é um enorme conflito entre demandas e capacidades, obrigando cada indivíduo a empacotar a informação que recebe o mais rápido possível e transmiti-la para grupos cada vez maiores de pessoas que fazem o mesmo, em um tsunami de meias-verdades, preconceitos, informações rasas e citações fora de contexto.

Por mais que entusiastas de mídias sociais classifiquem essa prática como uma formação de opinião mais democrática, inovadora e aberta, a realidade a transforma em um tipo vicioso de fofoca, terreno fértil para todo tipo de boataria, casa de doidos em que todos falam para ninguém escutar.

Na velocidade e na pressão das redes de compartilhamento, a informação gratuita perde seu valor. Sem tempo, foco ou referências de qualidade, não há como estabelecer uma reflexão sólida. O resultado é uma espécie de histeria coletiva, combustível social à espera do primeiro estopim que a incendeie.
A história mostra vários momentos cuja energia foi inversamente proporcional à razão. Por mais que tivessem potencial construtivo, a maioria foi aniquilada ou acabou em regimes totalitários.

Dicionários e enciclopédias foram feitos para serem consultados, não decorados. Quando a opinião de especialistas é trocada pela voz coletiva das ruas, corre-se o risco de ignorar os fatos para perpetuar mitos e falsas verdades. Não há revista científica que comprove os malefícios do leite com manga, mas todos ouvimos essa história "em algum lugar" parecido com o Google.

A única saída possível para preservar a sanidade está em desenvolver o espírito crítico. Isso não demanda atitudes reacionárias, mas uma seleção da informação recebida, da relevância de sua fonte e, acima de tudo, se cabe a você tomar alguma atitude com relação a ela ou se é mais saudável ignorá-la.

2 comentários:

João disse...

Excelente. E um bom antídoto a uma recente asneira postada no mesmo site da Folha:

http://f5.folha.uol.com.br/colunistas/tonygoes/1038112-nao-carlos-nascimento-nao-estamos-mais-burros.shtml

Nesse artigo, o coluista Tony Goes responde ao questionamento do jornalista Carlos Nascimento sobre se a internet estaria nos deixando mais burros. Goes alega que "A circulação de informação, a possibilidade de resposta imediata, a capacidade de mobilização, tudo isto só nos deixa mais inteligentes".

Como se resposta e mobilização imediata fossem sinônimos de inteligência. Se fosse assim, os ratos de laboratório estariam na vanguarda do QI animal.

Esse colunista citado por ti – a quem até hoje eu ainda não conhecia – põe as coisas em seus devidos lugares, lembrando o potencial histérico alimentado pelas tais "redes sociais" – basta lembrar da mobilização contra o "estupro" que não houve no BBB.


Explicações psicológicas freudianas ainda são sofisticadas demais para as histeria instantânea dos netheads, que não merecem nada além de um behaviorsismo.

Anônimo disse...

off:

Há como assinar suas atualizações no facebook?

O lado negativo é de não poder comentar as suas atualizações.

O lado positivo é que você não precisa adicionar todo mundo evitando assim perfis incovenientes.

Mas aí é com vc! É só uma sugestão! Abs.