domingo, janeiro 27, 2013

Para além do belo e do feio - A morte da arte no Brasil

Milton Simon Pires

Uma das frases que mais  encanta  os brasileiros é “gosto não se discute”. Parece que toda vez que alguém a pronuncia faz na verdade uma profissão de fé. Demonstra, não importa como, que se diferencia de uma verdadeira “legião de fanáticos”: pessoas retrógradas e de “direita” que  sustentam que a música, a pintura, o cinema e a  literatura (só para citar alguns exemplos) tem regras próprias cujo domínio exige por parte do artista uma atividade disciplinada e, em certo aspecto, racional. Proclama-se orgulhosamente que a chamada “inspiração” não tem regras, coisa que me faz recordar gente que, substituindo turismo por estudo, julga-se grande conhecedora de países estrangeiros. É cômico (para não dizer  triste) observar aqueles que,transformando ateliers  e estúdios de gravação em consultórios de psicanálise, misturam os conceitos de beleza e democracia de uma forma tão desonesta.

O objetivo deste pequeno texto é uma ligeira reflexão sob o conceito de beleza e da própria arte no Brasil dos dias de hoje. Antes de começar; algumas rápidas observações. Estética é um campo próprio da filosofia. Seu domínio está muito além da capacidade de alguém que aborda o assunto como amador porque encontrou na Medicina uma profissão e na Filosofia um hobby. Decorre daí a necessidade de um aviso – que ninguém perca tempo achando que vai aqui uma definição clara daquilo que é ou não é “arte verdadeira”. O enfoque é muito mais modesto. Trata-se de apresentar a confusão existente entre os conceitos de beleza e justiça e sustentar que, uma vez proprietária do discurso que diz o que é a verdade na História, uma “elite cultural” passou também a definir o que é ou não a verdadeira Arte. 

Foi na década de 1960 que isto ocorreu. Na filosofia imperava a desconstrução. Derrida, Deleuze, Foucault, entre outros questionando a própria linguagem, reduziram aquilo que havia de racional na comunicação a  uma simples manifestação de uma verdade maior – uma verdade simbólica incapaz de ser alcançada tanto pelo homem comum quanto pelo intelectual “não engajado”. Só era considerada arte aquela manifestação capaz de promover “transformação social”. Foi dessa linha de pensamento que surgiram as condições necessárias para que  Sabiá, em 1968 fosse vaiada por uma plateia que preferiu um hino maoísta, Para não dizer que não falei de Flores, como vencedor do Terceiro Festival Internacional da Canção. Esse foi, na minha opinião, um momento crucial na história da arte brasileira. Ao vaiar a obra-prima de Tom Jobim, o público brasileiro fazia uma profecia – dali em diante poderia se esperar de tudo: desde Valesca Popozuda até o Bonde do Tigrão abriu-se a lata de lixo da MPB. Ao mesmo tempo agonizavam o cinema, o teatro e as artes plásticas. A geração de 1968 conseguiu acabar com toda necessidade de recolhimento e do esforço de um verdadeiro artista quando pretende alcançar o belo e desde aquela época até hoje o que se assiste num país com a riqueza cultural do Brasil é um festival de obscenidades e uma mediocridade incrível que prima por chocar e agredir. 

Essa “nova geração”, sendo incapaz de saber o que o belo, define de forma magistral o que é o feio. Ex-prostitutas, assaltantes e traficantes lotam estádios inteiros com o charme de pertencerem “a comunidade”, “ao mundo real”, e de cantarem e atuarem “sem preconceitos” porque são “gente do povo” - como se isso fosse pré-requisito mínimo para “ser artista”. Cantam, não as ruas, mas o lixo delas nas grandes cidades porque fazem a apologia da maconha, do crack e da iniciação sexual precoce da mulher brasileira. 

Nossa literatura toda prima pela pornografia e desabafos de escritoras que fracassaram no casamento e na criação dos filhos. Nossos “grandes escritores” são uma vergonha num país que deu ao mundo gente como Machado de Assis, Érico Veríssimo e Mário Quintana, além de pensadores como Gilberto Freire ou Mário Ferreira dos Santos. Seu único dado de currículo é  literalmente terem sobrevivido  ao uso fanático de drogas e as tais “experiências místicas” dos anos 60.  Nossos artistas plásticos flertam com a esquizofrenia a ponto de, ao entrarmos em uma exposição, não sabermos o que é a “obra” e o que pertence a parte do ambiente onde não passou o serviço de limpeza. Na mesma linha, o cinema nacional leva as telas a vida de uma prostituta viciada em cocaína como alguém que “venceu na vida”. 

Tudo lixo...tudo mentira..e pior financiado por um Governo Federal corrupto que insiste em promover esse tipo de gente sempre, é claro, roubando tudo que pode,  inaugurando todo tipo de obra com cantoras nordestinas de minissaias tão curtas quanto suas ideias e bobalhões com cabelo moicano cheio de gel cantando com sotaque de Ribeirão Preto.

Encerro aqui meus amigos. Que vergonha ser brasileiro nessa hora! Nietzsche achava que deveríamos buscar uma vida além do bem e do mal. Ele jamais conseguiu e morreu louco por causa disso mas o Brasil alcançou algo impressionante – uma arte além do belo e do feio, uma imundície tão grande que não representa nada mais do que a morte da própria arte. 

Milton Pires é médico em Porto Alegre - RS

15 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns,doutor, pelo desabafo!
É exatamente isso!
A subcultura já tomou conta faz muito tempo.

O ANTIPETRALHA disse...

Caro Rodrigo,

Sei de sua luta contra os abusos do estado e, por isso, peço licença para que você publique e leia o breve artigo que eu fiz sobre a tragédia no RS (peço desde já desculpas por não ter a ver com o seu post):

"MATAR MAIS DE 200 É MENOS GRAVE DO QUE NÃO PAGAR IMPOSTOS

Segundo o noticiário, os dados divulgados no dia de hoje registram as mortes de mais de 200 cidadãos brasileiros num incêndio em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, na boate Kiss. Lamentável! Como dificilmente restará comprovado o dolo dos responsáveis, isto é, a intenção de matar, eles serão condenados por homicídio culposo, cuja pena é a seguinte:

“Art 121. Matar alguém:
(...)
Homicídio culposo

§ 3º Se o homicídio é culposo:
Pena - detenção, de um a três anos. ” (Código Penal)


Mas a pena é maior se o cidadão quiser enganar o Fisco, não pagando tributos:


“Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;


II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;


III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;


IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;


V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.


Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.” (Lei 8137 de 1990)


A pergunta que não quer calar é a seguinte: por que os congressistas brasileiros não arrumam as leis? O que os impede de mudá-las?"

http://oantipetralha.blogspot.com.br/

O ANTIPETRALHA.

Anônimo disse...

Cara! Esse comentario ja valeu um post!
Perfeito, e oportuno.

Jony disse...

Concordo com o Dr.Milton, e lembro de uma musica de Caetano Veloso, da qual gosto muito que diz: "No Brasil, tudo ainda é construção, mas tudo já é ruina...".
Aqui a gente ja avacalhou tudo, antes que tivessemos uma verdadeira produção cultural de alto nivel.

É claro que ha coisas interessantes na cultura popular de varias regiões do pais, mas o que se apresenta na tv, teatro, cinema e musica, é o que de pior se produz. Aliás, não consigo entender qual o interesse em divulgarem essa quantidade de lixo cultural totalmente descartavel, quando poderiam buscar produção realmente autentica e de maior valor, inclusive valor de mercado.


Por outro lado, tanto na web quanto no mundo real, percebo um cansaço das pessoas em relação a esse tipo de sub-sub-lixo cultural, e acredito que o mercado vai reagir positivamente a essa busca das pessoas por conteudos de bom nivel intelectual, mesmo sendo mais popular, renovadora e instigante.

Anônimo disse...

Graças a Deus ainda se lê coisas que valem a pena. Grata pelo texto, sempre admiro a facilidade que algumas pessoas têm ao expor as suas ideias de maneira clara e sucinta. Mais grata fico quando descubro que não estou sozinha na sensação de que a vulgaridade é sinônimo de "vanguarda" e que quem não concorda com isso é retrógrado e mal resolvido.

Anônimo disse...

Concordo com a parte desse Governo corrupto financiar, isso é um absurdo. Agora, querer impor nosso gosto para a população sou contra, ateh concordo que o que produzimos eh em sua grande maioria uma porcaria, mas isso é o meu gosto e não posso querer que meu gosto seja imposto, o que sugere então o Doutor autor, que os gostos dele sejam impostos a população?

Anônimo disse...

Quem é o Sr. Milton para dizer que livros a população deve comprar ou a musica que devem escutar?

Parece que o motivo que ele fica irritado é com O QUE o governo financia e não com O FINANCIAMENTO em si (lembrando o artigo Mecenas do Rodrigo).

Ah, só pra lembrar, o Michel Telo foi recusado de captar recursos na Lei Rouanet...

O ANTIPETRALHA disse...

Quanto ao post, o Doutor Milton fez uma boa reflexão. Lembrei até do artigo do João Pereira Coutinho, em que ele faz uma reflexão sobre o mundo contemporâneo. Eu penso que o problema descrito pelo Milton não é exclusividade do Brasil. Talvez aqui o problema seja mais aparente. Mas basta olhar os filmes e músicas mais assistidos neste mês no mundo para constatar que o problema é mundial.

O ANTIPETRALHA.

rodrigo disse...

Pra não deixar o Nelson Rodrigues sozinho, vamos de Roberto Campos: "A idiotice tem no Brasil um passado glorioso, e um futuro promissor" !!!

Anônimo disse...

A popularização da música e da arte é um processo que acontece desde sempre.

O chorinho já foi tratado desta mesma forma.
Vinícius de Moraes era considerado um poeta menor pois resolveu escrever música.

A questão é que a humanidade está ficando pior, isso a nossos olhos, que estamos envelhecendo.

Na grande mídia a música segue este caminho, mas na internet temos acesso a muita musica boa, como os velhos da época do chorinho que continuavam ouvindo suas músicas clássicas e óperas...

André disse...

Então a Filosofia foi reduzida a um hobby... Faço minhas as palavras do autor: Que vergonha de ser brasileiro nessa hora! Quando ainda acreditamos que profissão e trabalho sérios são médico, advogado e engenheiro - continuamos no século XIX, achando que só existe isto e é o suficiente. Se eu fizer da Filosofia minha profissão e medicina meu hobby, eu acabo preso.

Anônimo disse...

Hoje em dia, as grandes editoras não privilegiam o talento. Talento é o que é "vendível" , assim BRUNA SURFISTINHA conseguiu editar um livro numa boa editora e o grande poeta FABRICIO CARPINEJAR teve que se transformar em conselheiro matrimonial de um jornal de PORTO ALEGRE para não morrer de fome...

Almir disse...

Detalhe para as chiliquentas, o cara não impôs nada, só ridicularizou essa imundícies "populares". E com muita razão diga-se de passagem.

Se o cara tentar forçar qualquer gosto que seja, por meio da violência, aí é outra história. Senão ele pode achar ridículo e criticar o que quiser e o quanto quiser.

Se estão ofendidos escrevam alguma coisa ridicularizando a obra de Mozart ou o Franz Liszt, ou até mesmo Michelangelo ou Rembrandt, se puderem...

Marcos disse...

Contundente. Lavou minha alma e escreveu o que eu gostaria de ter escrito com a mesma competência. O talento, o mérito, o capricho, a sensação de olhar a obra pronta e pensar que foi tão difícil de fazer que repetir a proeza parece impossível, isso já era. O bom, o belo e o justo já não são mais valorizados. Qualquer lixo com muito investimento em propaganda cola!

Anônimo disse...

Gosto não se discute mas desgosto se discute sim porque é o que mais tem.

Quem tem gosto e quer ficar do lado do seu gosto precisa, de certa forma, saber reconhecer o desgosto alheio a fim de evitá-lo.