domingo, abril 17, 2011

O lado negro da internet



Rodrigo Constantino

Há uma crença cada vez mais disseminada de que as novas tecnologias por si só serão capazes de derrubar regimes autoritários e levar a democracia mundo afora. Os recentes acontecimentos no Oriente Médio serviram para reforçar tal crença, quando muitos atribuíram o mérito das revoluções ao Twitter ou Facebook. Mas Evgeny Morozov tem opinião bastante diferente, expressa em seu instigante livro “The Net Delusion”, que tenta mostrar justamente o lado negro da internet.

O autor demonstra maior ceticismo quanto ao potencial libertador das novas tecnologias, combatendo o que chamou de “cyber-utopia”, a idéia de que a internet favorece os oprimidos e não os opressores. Morozov acredita que as expectativas com a internet andam bastante infladas ultimamente, e apresenta argumentos importantes para suscitar mais desconfiança. Ele alega que o papel efetivo da internet na busca pela liberdade é ambíguo, e que creditar as redes sociais como causa das revoluções árabes é altamente questionável. Afinal, Facebook não faz brotar armas nas mãos de rebeldes.

Quanto mais as lideranças ocidentais reforçarem a crença de que a internet é uma poderosa aliada na luta contra regimes autoritários, mais estes vão reagir, encarando a internet como uma arma dos governos ocidentais. Nada garante, segundo o autor, que a própria internet não seja usada pelos opressores de forma eficiente no controle dos cidadãos. O autoritarismo, não custa lembrar, não depende somente da força bruta; religião, cultura, história, nacionalismo, todos são forças potentes e que não necessariamente saem enfraquecidas com o advento da internet.

Por trás do instrumento estão sempre pessoas. E enquanto a internet ajudou a tornar quase tudo mais barato, a estupidez humana ainda é uma commodity que ostenta preço relativamente alto. A visão ocidental de que todas as pessoas aspiram liberdade e que basta retirar alguns obstáculos do caminho que tudo ficará bem parece muito ingênua. O Iraque demonstrou como é mais complicado exportar democracia sem as devidas instituições estabelecidas. Que existam muitas vozes na internet é algo ótimo, mas é preciso também saber quais vozes. Nada garante que serão apenas vozes em prol de mais liberdade.

O que costuma receber mais atenção na internet são bobagens, vídeos tolos, não documentários ou argumentos políticos a favor da liberdade. A tecnologia é importante, mas seu conteúdo ainda depende muito do ambiente cultural da sociedade. Quando a grande preferência é por lixo puro, isso não se traduz em mais pessoas conscientes e dispostas a lutar por mais liberdade. A Stasi descobriu que os alemães orientais com acesso clandestino aos programas de televisão do lado ocidental não queriam saber de notícias da OTAN, mas de seriados americanos para passar o tempo. E acabavam se tornando mais dóceis que os demais, aceitando de forma mais resignada sua situação.

Enquanto Orwell achava que nossos medos iriam nos escravizar, Huxley pensava que nossas paixões fariam isso. Em vez de o “Grande Irmão” de “1984”, o “soma” do “Admirável Mundo Novo” faria com que cidadãos se transformassem em súditos passivos. Ocorre um efeito anestésico, trocando-se a repressão da ditadura pela magia da Louis Vitton. Pode não ter pão o suficiente, mas há muito circo para distrair o público. A ditadura chinesa chegou a suspender um banimento de pornografia na internet, pois notou que ela ajudava a manter o povo mais calmo. A censura estava ajudando a politizar a população. O entretenimento ajuda a mantê-lo hipnotizado.

Além disso, os governos autoritários aprenderam a usar a internet para ludibriar o povo. O PCC possui milhares de blogueiros “chapa-branca”, que recebem dinheiro para postar comentários favoráveis ao regime chinês. São conhecidos como “fifty-cent party”, por receber meio dólar para cada comentário. No Brasil mesmo, vários blogs vivem de verbas públicas, e durante as últimas eleições, a campanha do PT criou um “bunker virtual” para espalhar propaganda pela rede. Com um fluxo absurdo de “informação” na internet, fica difícil separar o joio do trigo, sem falar de teorias conspiratórias e falácias que pululam na rede. Tem muitos que até hoje pensam que o ataque no 11 de setembro de 2001 foi organizado pelo próprio governo americano, e há vasta “evidência” na rede para os que querem acreditar nisso.

Outro ponto abordado pelo autor diz respeito a maior facilidade que os regimes opressores encontram na internet para espiar potenciais dissidentes. Muitos internautas expõem voluntariamente diversos detalhes de suas vidas, num verdadeiro “momento Caras”, e isso é um prato cheio para as autoridades. O trabalho que tinham a KGB e a Stasi para coletar informações sobre suspeitos parece brincadeira quando basta um click no Facebook hoje para tanto. Com uma senha roubada um governo pode ter acesso a todas as mensagens de um dissidente. Novas tecnologias, como reconhecimento facial, podem ajudar governos a encontrar inimigos. Enfim, a internet é apenas uma ferramenta, e pode ser usada para o bem ou para o mal.

Morozov destaca o risco da internet produzir complacência também. Ser um dissidente exige tempo, dedicação e comprometimento. Hoje, em uma sociedade bastante narcísica, ficou muito fácil posar de “bom samaritano”, apoiar as causas mais nobres do mundo, sem, contudo, se implicar de verdade. Basta clicar em “curtir” ou “compartilhar” e todos os seus “amigos” (quem tem 500 amigos de verdade?) da rede saberão como você se preocupa com a fome na África ou com a democracia no Oriente Médio. São, além disso, campanhas demais, causas demais competindo entre si. Elas angariam milhões de adeptos, mas que dificilmente fazem mais do que apertar um botão do mouse. Na hora de contribuir financeiramente, de se arriscar, de se organizar efetivamente pela causa, o vídeo novo do YouTube com o gatinho puxando a descarga conquista mais atenção.

Por fim, o livro refresca a memória dos leitores com as lições da história. No passado, não foram poucos os avanços tecnológicos que produziram um otimismo excessivo nas pessoas. Marx achava que as ferrovias iriam derrubar o regime de castas indiano. Em 1858, a revista “New Englander” estampou: “O telégrafo une por um cordão vital todas as nações da Terra... é impossível que antigos preconceitos e hostilidades possam continuar existindo”. Nos anos 1930 muitos pensaram que o avião iria espalhar a democracia pelo mundo, refinar o gosto das massas e acabar com as guerras. Parece que a Luftwaffe não concordava. O rádio fez pessoas sonharem com a paz sobre a Terra, mas Hitler e Mussolini não compartilhavam deste otimismo. A televisão passou a ser a grande esperança, mas faltou novamente combinar com os inimigos da liberdade ou com os produtores de lixo. Nada prova que assistir a onze “Big Brother Brasil” seguidos contribui na luta pela liberdade de uma sociedade.

Em suma, avanços tecnológicos podem colaborar com a luta por mais democracia e liberdade, mas não há garantia alguma de que o efeito será positivo, muito menos sempre positivo. A complacência apenas serve para aumentar os riscos. Quando muitos passam a crer que basta ter uma rede social que automaticamente mais liberdade será o resultado, aí mesmo é que mora o grande perigo. Inovações tecnológicas estão sempre prometendo demais e entregando de menos quando se trata de mudar a natureza humana. O preço da liberdade é a eterna vigilância. A internet pode ajudar nesta vigilância, mas também ajuda na vigilância do governo sobre nós, ou na organização de terroristas, criminosos e disseminadores de ódio. A luta não está definida. Contra a “cyber-utopia”, o ceticismo de Morozov é muito bem-vindo. Devemos reconhecer o lado negro da internet, pois ele existe.

15 comentários:

Bruno Aguiar disse...

Comparar tv e rádio, meios de comunicação totalmente passivos e vinculados ao Estado com a internet, meio praticamente livre de expressão, é no mínimo errado.

"Afinal, Facebook não faz brotar armas nas mãos de rebeldes."

Quanta armas tinham na Praça Tahrir mesmo???

E o impede que um movimento virtual reverbere no mundo real? Não foi isso que aconteceu no Egito?

http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/02/egito-da-internet-praca-tahrir.html

"O que costuma receber mais atenção na internet são bobagens, vídeos tolos, não documentários ou argumentos políticos a favor da liberdade."

É óbvio, que em qualquer local, em qualquer época, as banalidades sempre recebem mais atenção, mas é novamente no mínimo errado dizer que a internet não aumenta a quantidade de pessoas tendo acesso, e legitimamente acessando e se interessando por temas políticos e relacionados a liberdade.

Você é um exemplo vivo disso, você acha que se vivesse há 30 anos atrás, teria conseguido ser ouvido por tantas pessoas, tão rápido e sem apoio de grandes mídias,(o que exigiria a não-pregação da liberdade) apenas com suas idéias, um teclado e uma webcam? No way!

Você acha que o 'bafafá' que se forma quando da sua chegada em eventos como Seminário de EA e Fórum da Liberdade é fruto de que? Da internet!

Sem ela, nem eu, nem a maioria das pessoas teria contato com leituras e autores liberais, estariamos restrito ao marxismo que impera no meio universitário em geral.

Pessoas pagas por governos pra comentar pró-governo? Se existe isso, é sinal que existe o contrário. Sem a internet, essas críticas nem existiriam, ou você acha que o PCC permite que uma emissora de TV ou rádio transmita qualquer coisa anti-governo?

"Outro ponto abordado pelo autor diz respeito a maior facilidade que os regimes opressores encontram na internet para espiar potenciais dissidentes."

É óbvio que isso só existe em governos aonde não temos esse tipo de uso por parte do aparelhamento estatal. Ou você acha mesmo que o chinês está lá dando 'curtir' em publicações pró-democracia?

Quem quer ficar anônimo fica anônimo, um exemplo é o blog Coturno Noturno, blog de sucesso, e anônimo.

A internet não é a panacéia, mas ajuda.

Anônimo disse...

Rodrigo, nós cremos na internet

está aí a segunda edição do nosso jornal virtual
http://www.newsflip.com.br/pub/resistenciademocratica/

Será que vc nos daria a honra de ser nosso próximo entrevistado?

Creia, Rodrigo, isto é o primeiro passo para as transformações

Unknown disse...

Meu primeiro escrito dos meus Escritos Lisérgicos remete a uma comparação de como antes as pessoas mais comuns até as figuras mais célebres se precaviam no que dizia respeito as suas privacidades. Atualmente com a internet e a geração Big Brother, uma geração que já traz a bagagem de uma vida, onze anos (!) a vida em si se banalizou.
O que antes eram diários fechados a sete chaves, hoje vemos diários abertos de pessoas que, pouco instruídas e com essa ferramenta ao alcance, cometem absurdos com suas próprias vidas indo desde o constrangimento até o risco, os quais muitos internautas permanecem céticos mesmo com tantas evidências.
Tudo há de se ter cautela, mas há muita alienação na web e uma das alienações que ressalto de seu escrito e que reverencio foi a dos "ativistas online", é muito fácil "curtir" um status sobre assuntos sérios e colar no status do seu mural para se sentir ou se passar por herói, do que ser um voluntário e encarar os conflitos atribuídos ao real voluntariado de uma causa.
É muita mentira, e hipocrisia. muito "conteúdo" descartável que não há como absorver.

http://escritoslisergicos.blogspot.com

einsteinnjr disse...

Pode ter certeza que o Reinaldo de Azevedo foi muito bem representado! Uma ótima palestra, Rodrigo! Uma das melhores do Fórum!


abs,

rodrigo disse...

Acredito que a melhor forma de resolver um problema (vamos chamar isso de se libertar), a partir da obtenção de informações, é conversando (ou tendo aula) com a pessoa correta. Claro que as ferramentas virtuais são extremamante úteis, mas quem acha que isso basta está se esquecendo de todo um backgroud adquirido de fontes presenciais, sem o qual de nada valeria a informação virtual. Como dizia um (ótimo) professor meu: nunca vá para a frente de um computador sem antes saber o que está fazendo! O PC é uma ferramenta, tal qual um Compasso Hirtz. Se eu te der um campasso desses vc vai saber o que fazer com ele? (se vc procurar no google vai ver o que é mas vai continuar sem saber como usá-lo!!)

Anônimo disse...

'O que costuma receber mais atenção na internet são bobagens, vídeos tolos...'

Acabei de assistir no youtube uma aula de um professor do MIT, aí venho aqui e encontro essa pérola.Faltou o principal, o que costuma receber mais atenção DE QUEM? O principal são as pessoas, essa generalização (de que todo mundo só procura por besteira) foi uma das coisas mais burras que eu já vi.
E é pior ainda foi que veio de alguém que supostamente está consciente das diferenças individuais.
ntsr.

Anônimo disse...

Rodrigo, será que os libertários querem legalizar isso tb?

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/oxi-um-derivado-de-cocaina-mais-letal-do-que-o-crack-destroi-jovens-e-criancas-no-acre-e-se-espalha-pelo-brasil-perguntem-ao-lider-do-pt-se-ele-quer-liberar-isso-tambem/

Rodrigo Constantino disse...

ntsr, claro que foi uma generalização. O ponto é exatamente esse! Vc pode ver o documentário, mas a grande maioria vai usar para vídeos idiotas. E seu voto vale tanto quanto o deles. Sacou?

Anônimo, eu sou contra a legalização do oxi ou mesmo do crack. É um tema delicado. Mas não creio em liberdade de escolha nesses casos extremos.

Anônimo disse...

"Some critics think the Internet is making us dumb. The Internet fundamentally
changes the opportunity set. All the world’s knowledge and all the world’s
garbage are both just one search away. The Internet appears to exacerbate innate
tendencies — the smart get smarter while others will simply find new ways to
waste time or inflict harm.(Tom Vander Ark)"

Anônimo disse...

Se a maioria das pessoas usa a internet para fins idiotas, o problema é delas. Até pq quem vai julgar a fronteira do que é idiota e não-idiota? Eu não li o texto, apenas os comentários (já estou indo dormir), mas acho que a internet é sim um meio que possibilitou os acontecimentos no mundo árabe. Não é a toa que os regimes ditadores como o chines, cuba, coreia do norte e outros, atuam fortemente pra limitar justamente a internet que é onde as pessoas podem comunicar-se livres do controle do estado.

Ademir disse...

"Sem ela, nem eu, nem a maioria das pessoas teria contato com leituras e autores liberais, estariamos restrito ao marxismo que impera no meio universitário em geral."

Concordo plenamente.

Antes de começar a ler sobre liberalismo na internet eu acreditava que politicas estatais realmente causavam melhoras na economia e também era um defensor de várias políticas de welfare-state, se não fosse pela internet eu não sei em que lugar acharia livros, artigos e textos sobre liberalismo e provavelmente ainda estaria de acordo com essas besteiras que a maioria dos "profissionais" responsáveis pela educação quase totalmente influenciada pelo governo.

Anônimo disse...

A internet foi planejada pra ser livre, sem controle.Por que vcs acham que o governo quer cadastrar as lan houses agora?

Míriam Martinho disse...

Rodrigo,

a Internet é a concretização da visão libertária de que não é preciso um gestor qualquer centralizando tudo para as coisas funcionarem. A Internet funciona sem dono, embora existam muitas tentativas mundo afora de controlá-la, sobretudo de governos.
Agora, a Internet é feita por gente, todo o tipo de gente, e, assim como na vida real, toparemos sempre com pessoais muito legais, legais, péssimas e mesmo meio doidas e suas condizentes produções. Mas concordo quando diz que, como toda a tecnologia, a Internet pode servir para o bem ou para o mal, para fomentar a liberdade ou o autoritarismo.
Melhor então simplesmente pensar em formas de conscientizar as pessoas sobre como separar o luxo do lixo, sem romantismos, e divulgá-las também pela Internet!

Anônimo disse...

' Até pq quem vai julgar a fronteira do que é idiota e não-idiota?'

Exatamente, tudo é bom, tudo é lindo, e essa música devia ser o hino do relativismo cultural:
http://www.youtube.com/watch?v=lYQ4eciL-28

Anônimo disse...

Em resposta ao anonimo das 12.49, nao se trata em dizer que tudo é bom. O problema é quando uma autoridade usa da força para definir o que é bom e o que é ruim para o indivíduo. Se você abre mão da sua liberdade para definir o que você quer ver na internet, então você não merece liberdade nenhuma.