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domingo, julho 07, 2013

O verdadeiro plebiscito

Rodrigo Constantino

Tenho dito que um dos grandes problemas de plebiscito, além dessa questão da "democracia direta" descambar quase sempre para demagogia e populismo, é que quem controla as perguntas controla boa parte do processo. A forma de perguntar faz diferença, assim como o que é perguntado. 

Por isso gostei da provocação da revista VEJA, que preparou seu próprio plebiscito, sugerido para o governo. Seguem as dez questões recomendadas:

1. Os brasileiros trabalham cinco meses do ano só para pagar impostos e agora o governo quer que paguemos também todas as campanhas eleitorais dos políticos? Você concorda?

2. Se bem gasto, o dinheiro dos impostos seria mais do que suficiente para prover de educação, saúde e segurança os brasileiros. No entanto, a população tem de pagar uma segunda vez por escolas privadas, médicos e segurança. Você concorda?

3. Você concorda em proibir o uso de jatinhos da FAB por políticos e autoridades e, com o dinheiro economizado, investir na melhoria do transporte coletivo urbano e na saúde?

4. Aos 16 anos, um(a) brasileiro(a) já pode votar e se casar. Caso ele(a) cometa crimes bárbaros, deve ser julgado(a) como se fosse uma criança?

5. Você concorda que Brasília deveria abandonar a galáxia distante onde está e voltar para o Brasil?

6. Você concorda que deveria acabar a alegação de "réu primário", uma vez que isso beneficia quem mata pela primeira vez, mesmo que de maneira cruel e sem chance de defesa para a vítima?

7. Você aceita ceder aos caciques dos partidos políticos seu direito de escolher o candidato em quem votar?

8. Você concorda que deveriam ser fechadas as embaixadas brasileiras na Coreia do Norte, Cuba, Azerbaijão, Mali, Timo-Leste, Guiné Equatorial, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, Botsuana, Nepal, Barbados e em outros países sem a menor expressão, e o dinheiro gasto com elas investido nos hospitais públicos brasileiros?

9. Você concorda que quem recebe dinheiro do governo federal poderia ter o direito de se declarar impedido de votar por óbvio conflito de interesses?

10. O governo tem 39 ministérios e nenhum deles resolveu sequer um problema relevante do Brasil. Você fecharia a maioria deles?

Esse plebiscito sim, seria um sonho! Mas sabemos que não passa de mera ficção, pois o governo jamais vai perguntar ao povo tais coisas, por motivos óbvios. Por essas e outras é que não devemos aplaudir, em hipótese alguma, um plebiscito, especialmente coordenado pelo governo petista. Tal plebiscito visa apenas a concentrar ainda mais poder no PT e seus caciques. Xô, plebiscito!

PS: As sugestões da VEJA dariam um ótimo foco para os protestos vagos, difusos, cacofônicos que tomaram as ruas do país...

sábado, março 09, 2013

Entrevista nas páginas amarelas da VEJA

A vida lhe dá o que você merece, não o que você precisa. Não é "Precise e colherás", mas sim "Plante e colherás". Se você realmente precisa colher, então realmente precisa plantar. (Jim Rohn)

É com muita satisfação que recebo essa publicação da entrevista que concedi às páginas amarelas da VEJA. Acredito que devemos focar sempre em nossas convicções, mantendo a honestidade intelectual e a integridade. O resultado, o sucesso, se segue disso. Se desejamos colher os frutos de um país melhor, mais próspero e mais livre, então precisamos plantar as sementes que levarão a isso. Espero estar fazendo bem minha parte. E obrigado a todos pelo fundamental apoio.





sexta-feira, março 16, 2012

Valor entrevista Roberto Civita

O caderno Eu & Fim de Semana do jornal Valor Econômico entrevistou Roberto Civita, controlador do Grupo Abril e criador da revista VEJA. Recomendo a todos a leitura na íntegra. Abaixo, alguns trechos:

"Se você não está gerando reações fortes, está fazendo algo errado. Não acredito em imprensa que quer agradar a todo mundo. Por que você faz uma revista? Só para ganhar dinheiro? Eu acho que vem junto uma responsabilidade. Eu falo isso há 50 anos... Para todo mundo. Para os meus filhos. Eles não gostam, mas eu falo. Se você não quer ter a responsabilidade, vai fazer álcool, vai plantar batata."

"Acreditamos, nesta empresa, na livre-iniciativa e somos contra a estatização, socialização, por achar que não funciona. Não é visão filosófica. E o capitalismo sem regras também não funciona. Tem que ter equilíbrio. Nós defendemos essa posição com firmeza. Se vem alguém dizendo que não, que a solução é a socialização de tudo, a gente briga. E acaba tendo um sabor editorial na matéria."

- O senhor não acha importante ter em "Veja" também o lado contrário?

"Não, acho que não. Espera. Quando é uma questão de fato, acho que sim. Se você tem duas ou três ou mais versões de uma mesma coisa, aí é obrigação ouvir, não pode dar um lado só. Mas na posição editorial não precisa levar em conta [o contrário]. Senão, você faz um jornal, uma revista, uma TV anódinos, sem cor, sem posição."

"Os outros que comprem outra coisa. Não preciso agradar a todo mundo."

- Qual é a sua visão da elite brasileira?

"Acho que precisa levar mais a sério, muito mais a sério, a sua responsabilidade. Não pode ficar pensando apenas no que lhe convém. Por exemplo: na frente empresarial, você tem que ter uma responsabilidade. As pessoas têm que pensar... não é só ganhar dinheiro."

"Metade dos brasileiros acha que não paga impostos. Na luz, na conta telefônica, no feijão, no arroz, na farinha, na gasolina... em tudo eles pagam imposto. E acham que não é problema deles. E nós queremos que eles se deem conta, que achem que é problema deles."

"Queremos que o governo seja um bom gestor, que seja eficaz, econômico, que não jogue dinheiro fora, que não roube. Essa coisa de entrar na vida pública para ficar rico me irrita. Não é que me irrita um pouquinho, me irrita muito. Eu fico p... com isso."

sábado, outubro 01, 2011

Entrevista com Ian Bremmer

Ótima entrevista nas páginas amarelas da revista VEJA esta semana, com o cientista político Ian Bremmer, presidente da consultoria Eurasia Group. Seguem alguns trechos de destaque:

"O grande risco que as economias emergentes correm é cair na tentação estatizante. Existe sempre o perigo de, a pretexto da crise global, os emergentes se deixarem levar pelo ímpeto de intervir mais fortemente na economia. Como se sabe, a qualidade dessas ingerências cedo ou tarde se deteriora e elas passam a ser motivadas por interesses políticos e empresariais localizados ou, pior, por bandeiras ideológicas. É na interferência excessiva do estado que reside o maior de todos os perigos para os países emergentes. Nos momentos de crise, isso pode parecer justificável, pois tem-se a impressão de que há alguém no comando enfrentando a turbulência econômica. Nessas horas, a idéia estatizante fica ainda mais perigosa."

"Espero que as autoridades dos países emergentes resistam à tentação de ampliar seus tentáculos pretextando a necessidade de ter mais poderes para enfrentar a crise externa. Espero que segurem o ímpeto desastroso de instrumentalizar as estatais, os bancos públicos ou os fundos soberanos - e, o que seria ainda mais ruinoso, bulir com o destino das empresas privadas que recebem alguma forma de ajuda financeira do estado. Na crise, sob a justificativa de estimular o crescimento e criar mais empregos, esses movimentos podem parecer naturais e necessários. Mas são fatais. O capitalismo de estado desencoraja a competição e, por isso, é insustentável as longo prazo."

"O atual capitalismo de estado nada mais é do que a expressão nova do velho e arcaico nacionalismo. [...] O viés nacionalista é um elemento integrante da cultura nas nações hoje emergentes. Esse componente histórico torna mais fácil o trabalho de convencimento dos governantes que desejam intervir excessivamente na economia, oferecendo ao povo diversas modalidades de protecionismo. Isso precisa ser superado pelos países emergentes."

"Adotar a verdadeira economia de mercado é o único caminho que os chineses têm para continuar a enriquecer e a sobressair na competição global."

"Falta ao governo brasileiro uma reflexão mais aprofundada e menos ideológica sobre as consequências de optar por esse rumo intervencionista."

"Será que a ajuda estatal não acabará criando uma relação de dependência do setor privado em relação à máquina pública? Até que ponto as verbas do governo não criam um ambiente de negócios artificial, em que as empresas se tornam incapazes de sobreviver pelas próprias pernas? Para mim, existe um balizamento claro para todas essas indagações: o mercado livre das amarras do estado será sempre mais eficaz."

"O cenário é favorável. Mas o Brasil precisa se livrar de vez de anacronismos ideológicos que convergem para um aparelho estatal grande, pouco eficiente e burocrático. Só isso pode sabotar o avanço do Brasil."

E claro que a presidente Dilma está se esforçando ao máximo para tornar tal sabotagem uma realidade...

segunda-feira, julho 11, 2011

Santos entre taças de vinho


Entrevista de Luiz Felipe Pondé à Jerônimo Teixeira, da VEJA

Luiz Felipe Pondé (foto), 52, é um raro exemplo de filósofo brasileiro que consegue conversar com o mundo para além dos muros da academia. Seja na sua coluna semanal na Folha de S.Paulo, seja em livros como o recém-lançado O Catolicismo Hoje (Benvirá), ele sabe se comunicar como o grande público sem baratear suas ideias. Mais rara ainda é sua disposição para criticar certezas e lugares-comuns bem estabelecidos entre seus pares. Pondé é um crítico da dominância burra que a esquerda assumiu sobre a cultura brasileira. Professor da Faap e da PUC, em São Paulo, Pondé, em seus ensaios, conseguiu definir ironicamente o espírito dos tempos descrevendo um cenário comum na classe média intelectualizada: o jantar inteligente, no qual os comensais, entre uma e outra taça de vinho chileno, se cumprimentam mutuamente por sua “consciência social”. Diz Pondé: “Sou filósofo casado com psicanalista. Somos convidados para muitos jantares assim. Há até jantares inteligentes para falar mal de jantares inteligentes. Estudioso de teologia, Pondé considera o ateísmo filosoficamente raso, mas não é seguidor de nenhuma religião em particular. Eis um pensador capaz de surpreender quem valoriza o rigor na troca de ideias.

Em seus ensaios, o senhor delineou um cenário exemplar do mundo atual: o jantar inteligente. O que vem a ser isso?
É uma reunião na qual há uma adesão geral a pacotes de ideias e comportamentos. Pode ser visto como a versão contemporânea das festas luteranas nas Dinamarca do Século 19, que o filósofo Soren Kierkegaard criticava por sua hipocrisia. Esse vício migor de um cenário no qual o cristianismo era base da hipocrisia para uma falsa espiritualidade de esquerda. Como a esquerda não tem a tensão do pecado, ela é pior do que o cristianismo.

Como assim?
A esquerda é menos completa como ferramenta cultural para produzir uma visão de si mesma. A espiritualidade de esquerda é rasa. Aloca toda a responsabilidade do mal fora de você: o mal está na classe social, no capital, no estado, na elite. Isso infantiliza o ser humano. Ninguém sai de um jantar inteligente para se olhar no espelho e ver um demônio. Não: todos se veem como heróis que estão salvando o mundo por andar de bicicleta.

Quais são os temas mais comuns da conversa em um jantar desses?
Filhos são um tema recorrente. Todos falam de como seus filhos são diferentes dos outros porque frequentam uma escola que cobra R$ 2.000 por mês, mas é de esquerda e estuda a sério o inviável modelo econômico cubano. Ou dizem que a filha já tem consciência ambiental e trabalha e uma ong que ajuda as crianças da África. Também se fala sempre de algum filme chatíssimo de que todos fingem ter gostado para mostrar como têm repertório. Mais timidamente, há certa preocupação com a saúde e o corpo. Reciclar lixo, e mais recentemente, andar de bicicleta também são temas valorizados. Sempre se fala mal dos Estados Unidos, mas Barack Obama é um deus. Fala-se mal de Israel, sem conhecer patativa da história do conflito israelo-palestino. Mas, claro, é obrigatório enfatizar que você é antissionista, mas não antissemita, pois em jantar inteligente muito provavelmente haverá um judeu – apesar de serem muitas vezes judeus em crise consigo mesmos, o que é bem típico dos judeus.

Que assuntos são tabus?
Imagine dizer em uma reunião na Dinamarca luterana de Kierkegaard que algumas mulheres são infelizes porque não chegam ao orgasmo. Seria um escândalo. Simetricamente, hoje é um escândalo dizer que as mulheres emancipadas e donas de seu nariz estão mesmo é loucas de solidão. No jantar inteligente, você tem sempre de dizer que a emancipação feminina criou problemas para as mulheres, que os homens aprenderam a ser sensíveis e que uma mulher nunca vai dar um pé no homem que se mostre sensível demais. Os jantares inteligentes misturam cardápios interessantes -- pratos peruanos ou, sei lá, vietnamitas – como papo-cabeça, mas servem à mesma função que os jantares dos pais dessas pessoas cumpriam: passar o tempo. Os problemas amorosos, sexuais e profissionais são os mesmos, mas todos se acham bem resolvidos. Costumo provocar dizendo que há 100 anos se fazia sexo melhor. Tinha mais culpa e pecado, o que deve ser uma excitação tremenda. Hoje, todos mundo diz que tem um desempenho maravilhoso, e que vive uma relação de troca plena com o seu parceiro ou parceira. Eu considero a revolução sexual um dos maiores engodos da história recente. Criou uma dimensão de indústria, no sentido da quantidade, das relações sexuais – mas na maioria elas são muito ruins, porque as pessoas são complicadas.

Quando começaram os jantares inteligentes?
A matriz histórica são os filósofos da França pré-revolucionária. Os saraus, os jantares em casa de condessas e marquesas eram então uma atividade da burguesia, ou de uma aristocracia falida, aburguesada. Eram uma das formas que a burguesia usava para constituir sua identidade, para mostrar que tinha cultura e opiniões. Mas era um grupo de vanguarda, que discutia a fratura e crises do pensamento. Nos jantares de hoje, a inteligência tem a mesma função do vinho chileno.

Não há lugar para um pensamento alternativo nem na hora da sobremesa?
Não. A gente anos de ditadura no Brasil. Mas, quando ela acabou, a esquerda estava em sua plenitude. Tomou conta das universidades, dos institutos culturais, das redações de jornal. Você pode ver nas universidades, por exemplo, cartazes de um ciclo de palestras sobre o pensamento de Trotsky e sua atualidade, mas não se veem cartazes anunciando conferência sobre a crítica à Revolução Francesa de Edmund Burke, filósofo irlandês fundamental para entender as origens do conservadorismo. Não há um pensamento alternativo à tradição de Rousseau, de Hegel e de Marx. Tenho um amigo que é dono de uma grande indústria e cuja filha estuda em um colégio de São Paulo que nem é desses chiques de esquerda. É uma escola bastante tradicional. Um dia, uma professora falava da Revolução Cubana, como se esse fosse um grande tema. Ela citou Che Guevara, e a menina perguntou: “Ele não matou muita gente?” A professora se vira para a menina e responde: “O seu pai também mata muita gente de fome”. O que autorizou uma professora usar esse tipo de argumento é o status quo que se instalou também nas escolas, e não só na universidade. O infantilismo político dá vazão e legitima esse tipo de julgamento moral sumário.

Como essa tendência se manifesta na universidade?
O mundo das ciências humanos, em que há pouco dinheiro e se faz pouca coisa, é dominado pela esquerda aguada. Há muitos corporativismo e a tendência geral de excluir, por manobras institucionais, aqueles que não se identificam com a esquerda. Existe ainda a nova esquerda, para a qual não é mais o proletariado que carrega o sentido da história, como queria Marx. Os novos esquerdistas acreditam que esse papel hoje cabe às mulheres oprimidas, aos índios, aos aborígenes, aos imigrantes ilegais. Esses segmentos formariam a nova classe sobre a qual estaria depositada a graça redentora. Eu detesto política como redenção.

Por que a política não pode ser redentora?
O cristianismo, que é uma religião hegemônica no Ocidente, fala do pecador, de sua busca e de seu conflito interior. É uma espiritualidade riquíssima, pouco conhecida por causa do estrago feito pelo secularismo extremado. Al lado de sua vocação repressora institucional, o cristianismo reconhece que o homem é fraco, é frágil. As redenções políticas não têm isso. Esse é um aspecto do pensamento de esquerda que eu acho brega. Essa visão do homem se responsabilidade moral. O mal está sempre na classe social, na relação econômica, na opressão do poder. Na visão medieval, é a graça de Deus que redime o mundo. É um conceito complexo e fugidio. Não se sabe se alguém é capaz de ganhar a graça por seus próprios méritos, ou se é Deus na sua perfeição que concede a graça. Em qualquer hipótese, a graça não depende de um movimento positivo de um grupo. Na redenção política, é sempre o coletivo, o grupo, que assume o papel de redentor. O grupo, como a história do século 20 nos mostrou, é sempre opressivo.

Em que o cristianismo é superior ao pensamento de esquerda?
Pegue a ideia de santidade. Ninguém, em nenhuma teologia da tradição cristã – nem da judaica ou islâmica --, pode dizer-se santo. Nunca. Isso na verdade vem desde Aristóteles: ninguém pode enunciar a própria virtude. A virtude de um homem é anunciada pelos outros homens. Na tradição católica – o protestantismo não tem santos --, o santo é sempre alguém que, o tempo todo, reconhece o mal em si mesmo. O clero da esquerda, ao contrário, é movido por um sentimento de pureza. Considera sempre o outro como o porco capitalista, o burguês. Ele próprio não. Ele está salvo, porque reclica lixo, porque vota no PT, ou em algum partido que se acha mais puro ainda, como o PSOL, até porque o PT já está meio melado. Não há contradição interior na moral esquerdista. As pessoas se autointitulam santas e ficam indignadas com o mal do outro.

Quando o cristianismo cruza o pensamento de esquerda, como no caso da Teologia da Libertação, a humildade se perde?
Sim. Eu vejo isso empiricamente em colegas da Teologia da Libertação. Eles se acham puros. Tecnicamente, a Teologia da Libertação é, por um lado, uma fiel herdeira da tradição cristã. Ela vem da crítica social que está nos profetas de Israel, no Antigo Testamento. Esses profetas falam mal do rei, mas em idealizar o povo. O cristianismo é descendente principalmente desse viés do judaísmo. Também o cristianismo nasceu questionando a estrutura social. Até aqui, isso não me parece um erro teológico. Só que a Teologia da Libertação toma como ferramenta o marxismo, e isso sim é um erro. Um cristão que recorre a Marx, ou a Nietzsche – a quem admiro --, é como uma criança que entra na jaula do leão e faz bilu-bilu na cara dele. É natural que a Teologia da Libertação, no Brasil, tenha evoluído para Leonardo Boff, que já não tem nada de cristão. Boff evoluiu para um certo paganismo Nova Era – e já nem é marxista tampouco. A Teologia da Libertação é ruim de marketing. É como já se disse: enquanto a Teologia da Libertação fez a opção pelo pobre, o pobre fez a opção pelo pentecostalismo.

O senhor acredita em Deus?
Sim. Mas já fui ateu por muito tempo. Quando digo que acredito em Deus, é porque acho essa uma das hipóteses mais elegantes em relação, por exemplo, à origem do universo. Não é que eu rejeite o acaso ou a violência implícitos no darwinismo – pelo contrário. Mas considero que o conceito de Deus na tradição ocidental é, em termos filosóficos, muito sofisticado. Lembro-me sempre de algo que o escritor inglês Chesterton dizia: não há problema em não acreditar em Deus; o problema é que quem deixa de acreditar em Deus começa a acreditar em qualquer outra bobagem, seja na história, na ciência ou sem si mesmo, que é a coisa mais brega de todas. Só alguém muito alienado pode acreditar em si mesmo. Minha posição teológica não é óbvia e confunde muito as pessoas. Opero no debate público assumindo os riscos do niilista. Quase nunca lanço a hipótese de Deus no debate moral, filosófico ou político. Do ponto de vista político, a importância que vejo na religião é outra. Para mim, ela é uma fonte de hábitos morais, e historicamente oferece resistência à tendência do Estado moderno de querer fazer a cura das almas, como se dizia na Idade Média – querer se meter na vida moral das pessoas.

Por que o senhor deixou de ser ateu?
Comecei a achar o ateísmo aborrecido, do ponto de vista filosófico. A hipótese de Deus bíblico, na qual estamos ligados a um enredo e um drama morais muito maiores do que o átomo, me atraiu. Sou basicamente pessimista, cético, descrente, quase na fronteira da melancolia. Mas tenho sorte sem merecê-la. Percebo uma certa beleza, uma certa misericórdia no mundo, que não consigo deduzir a partir dos seres humanos, tampouco de mim mesmo. Tenho a clara sensação de que às vezes acontecem milagres. Só encontro isso na tradição teológica.