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quarta-feira, outubro 31, 2012

O duplipensar de Pimentel

Rodrigo Constantino

O ministro de Desenvolvimento, Fernando Pimentel, tem mesmo um uso das palavras bastante diferente do meu. Nesta matéria do site G1, consta que o governo pretende segurar o dólar acima de R$ 2. Ele teria dito:

O câmbio é flutuante mas o Banco Central tem agido usando os instrumentos de mercado no sentido de manter o patamar do câmbio brasileiro num estágio competitivo. Em dois reais por um dólar é um câmbio que traz conforto ao exportador.

O leitor entendeu direito? O câmbio é flutuante, mas deve "flutuar" muito perto de dois reais por dólar, quase imóvel. É um pêndulo que oscila sem sair do lugar, entendem? 

Mas não acabou. Justificando as medidas protecionistas do governo Dilma, que prejudicam os próprios brasileiros, Pimentel inverteu os fatos na maior naturalidade ao afirmar:

Os países desenvolvidos, que são campeões de protecionismo, dizem que nossas medidas são protecionistas quando o Brasil não está fazendo nada mais que proteger o seu mercado de práticas desleais. Nós não vamos admitir práticas predatórias e desleais no comércio internacional.

Ministro, qual fonte o senhor usou para constatar que os países desenvolvidos são mais protecionistas? Gostaria muito de saber, pois todas as fontes que tenho, incluindo a OCDE, mostram que o Brasil é bem mais protecionista do que os países desenvolvidos. Quer alguns exemplos? Verifique quanto custa trazer um carro coreano importado para o Brasil e quanto custa para os Estados Unidos. Faça isso para todos os outros produtos. 

Claro que as tarifas não são o único meio de impor barreiras protecionistas. Existem outras formas, como barreiras sanitárias, burocracia etc. Mas alguém acha realmente que o Brasil utiliza menos tais mecanismos do que os países desenvolvidos? Sério?

Segundo o Índice de Liberdade Econômica do Heritage Foundation, o Brasil está quase em centésimo lugar no ranking geral, e a abertura comercial tem sido responsável pela piora do posicionamento do país. Eis o que diz o estudo:

The trade weighted tariff rate is 7.6 percent. Non-tariff barriers and the use of antidumping measures are a cause for concern. Foreign investors are granted national treatment, but their activity is restricted in some sectors, including communications and mining.

Os Estados Unidos, que acusaram o Brasil de adotar medidas protecionistas, despertando a fúria do nosso governo, possuem tarifa média de apenas 1,8%, contra 7,6% do Brasil. A nota dos EUA em questão de comércio internacional é 86,4 (37º lugar no ranking), comparado a 69,7 do Brasil (126º lugar no ranking). Como acusar os EUA de serem mais protecionistas que o Brasil? Com base em qual critério?

Em suma, fica claro que o ministro Pimentel gosta de abusar do duplipensar orwelliano. Deve ser por tal habilidade que ele conseguiu juntar milhões prestando consultoria fora do governo...

quarta-feira, abril 11, 2012

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Alexandre Schwartsman, Folha de SP

Todos conhecem a história do sapo na panela, aquele que não pula, mesmo quando a temperatura se torna insuportável, desde que a água vá esquentando bem devagarinho. Ao final do conto o anfíbio entorpecido morre escaldado, incapaz de perceber as mudanças que afetaram o ambiente ao seu redor.

É difícil não pensar a fábula do sapo como uma metáfora para a mudança do padrão de política econômica no país de uns anos para cá. O tripé macroeconômico – câmbio flutuante, metas para a inflação e superávits primários – se tornou praticamente irreconhecível. Só alguém muito desatento poderia crer que o regime cambial no Brasil é flutuante quando ministros de Estado afirmam “não administrar o câmbio” ao mesmo tempo em que prometem “tentar manter essa taxa aí [R$ 1,80/dólar]”.

Da mesma forma, nem a lendária Velhinha de Taubaté acreditaria que o BC – que, otimista, prevê a inflação quase um ponto acima da meta no próximo ano, mas mesmo assim estimula a economia – segue de fato um regime de metas para a inflação.

Já do lado fiscal as notícias não são melhores. Trabalho recente dos economistas do Itaú revela, por exemplo, que o superávit primário “estrutural” do setor público (livre da contabilidade criativa, particularmente intensa nos últimos anos, assim como dos efeitos do ciclo econômico sobre despesas e receitas públicas) caiu persistentemente comparado aos níveis registrados entre 2003-05. Enquanto naquele período a diferença “estrutural” entre receitas e despesas não financeiras superou o equivalente a 4% do PIB, nos últimos quatro anos teria atingido cerca de 2% do PIB em média, uma expansão fiscal considerável.

Por onde quer que se olhe, é inevitável perceber que a água fica mais quente a cada dia, muito embora o sapo tenha permanecido, pelo menos até agora, confortavelmente chapado. A água, porém, vai se aquecer ainda mais caso se materializem as propostas ventiladas neste final de semana acerca da possibilidade da re-renegociação das dívidas dos estados.

Não é segredo que a reestruturação das dívidas estaduais na segunda metade dos anos 90 foi, em conjunto com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a pedra fundamental na mudança da sua postura fiscal. Os estados, é bom que se diga, foram pesadamente subsidiados quando a União assumiu suas dívidas (cujo custo era bastante superior ao pago pelo governo federal) e lhes emprestou a taxas muito favoráveis.

Em contrapartida, contudo, foram obrigados a ajustar suas contas, resultado não muito diferente daquele que ocorreria na Europa, caso os países da Zona do Euro enveredassem por este caminho. Não por acaso, os estados – deficitários até 1998 – têm contribuído regularmente para o superávit primário do setor público após a reestruturação.

Também não é segredo que, a despeito do imenso subsídio, governadores tentaram desde o início sabotar este acordo, sem, é claro, ameaçar as condições favoráveis para si, mas buscando solapar exclusivamente sua obrigação de pagar o que devem para a União. Sempre quiseram, a todo custo, se livrar da camisa-de-força fiscal que os obriga a gerar superávits primários.

Este sonho ancestral está prestes a virar realidade. O governo federal acena com alterações nas regras do jogo que, se postas em prática, não apenas permitirão que os estados reduzam seus saldos fiscais, mas também representarão a primeira modificação relevante na LRF, abrindo a porteira para novas mudanças. Não é preciso muito para concluir que isto levará à deterioração adicional das contas públicas.

Não se trata da primeira (nem segunda) vez que este problema aparece, nem é meu primeiro artigo a respeito. A novidade é que, desta vez, as chances de uma derrapada fiscal estão se tornando bem maiores. Já disse não nutrir ilusões sobre a capacidade de artigos de jornal mudarem o mundo, mas, por Tutatis, como gostaria de estar enganado.

quinta-feira, março 15, 2012

Os riscos de uma infecção inflacionária

Por Ricardo Valente, Valor Econômico

O Banco Central do Brasil levou a taxa Selic ao patamar de um dígito, como desejava o governo, com uma aceleração do ritmo de cortes surpreendente. Apesar da incrível ousadia, se ainda há uma notável diferença entre o Brasil e o resto do mundo, ela está na taxa de juros.

Uma vez que os países desenvolvidos lutam para resolver os problemas gerados pelo estouro da bolha imobiliária, com impactos fiscais e sobre o ritmo de atividade econômica, predomina atualmente um quadro de política monetária muito frouxa, com taxas de juros reais negativas e afrouxamento quantitativo.

Assim, o diferencial de juros do Brasil para o mundo ficou ainda mais evidente, pois hoje não há, no País, debilidade fiscal que leve a dúvidas sobre a solvência no curto prazo.

Eis o paradoxo. A taxa de juros que equilibra o fluxo de capitais para o País é muito inferior àquela que equilibra a inflação. De outra maneira, os investidores internacionais estão dispostos a financiar o Brasil (Estado e setor privado) a taxas de juros bem mais baixas que a taxa de juros doméstica de equilíbrio. O problema é que, sempre que baixamos a taxa de juros a níveis inferiores ao de equilíbrio, a economia doméstica cresce em ritmo acelerado e incompatível com a capacidade de curto prazo, elevando as pressões inflacionárias.

Do lado macroeconômico, isso significa que o Brasil poderia usar a poupança externa para complementar a poupança doméstica, elevar o investimento e o potencial de crescimento da economia, para derrubar a taxa de juros permanentemente. Então por que isso não acontece? A absorção de poupança externa é a contraparte da apreciação real do câmbio, o que aprofunda os problemas de competitividade da indústria no País.

Para o câmbio se valorizar ainda mais e garantir a sobrevivência da indústria, seriam necessárias amplas reformas macro e microeconômicas que priorizassem a questão da produtividade da economia. Um exemplo: a nossa carga tributária em percentual do PIB é cerca de 10% superior à média dos emergentes, e escandalosos 20% superior à média dos emergentes asiáticos. O investimento público é próximo a 10% do gasto público primário inferior à média dos emergentes, e, novamente, cerca de 20% do gasto público inferior ao dos emergentes asiáticos. Fora as questões "micro" relevantes, como obter licenças, abrir ou fechar empresas, resolver insolvência, sistema tributário complexo, dificuldade de negociar através de fronteiras, e outras.

O câmbio é a variável que simplesmente esconde as ineficiências do modelo econômico. Mesmo que se tente administrar a taxa nominal, impedindo a apreciação, o câmbio real permanecerá valorizando-se, pois a inflação brasileira ficará acima da verificada nos principais parceiros comerciais.

Assim, quanto menor a taxa de juros, maior será a apreciação real pelo lado inflacionário, o que cria um ambiente fértil para a reindexação da economia, que tanto custou no passado.

O câmbio estável combinado com um mercado de trabalho muito aquecido leva a uma inflação diferente da observada no passado. O que se observa hoje no Brasil é resultado do aumento de salários e não da indexação massiva da economia ou do aumento do preço dos produtos importados. Com o crescente poder de compra do empregado, os incentivos políticos para o combate inflacionário são menores. Enquanto esse processo não levar à efetiva perda de popularidade do governo, a inflação via aumento de salários continuará "desejável". Isso eleva gradualmente as expectativas de inflação de longo prazo, com perda de credibilidade do regime de metas para inflação, o que tornará a inflação permanentemente mais alta, sem ganhos de crescimento.

Em suma, não é possível esperar que a taxa de juros caia subitamente para o nível internacional sem o empenho em fazer reformas no país. Sem elas, dificilmente teremos ganhos de produtividade que possibilitem um potencial de crescimento mais favorável com menor inflação. No dia do "juízo final", teremos de subir ainda mais os juros e jogar a atividade econômica no chão para tratar da infecção inflacionária. O remédio será amargo. Nesse dia, teremos um câmbio depreciado. Com juros muito mais altos, a indústria não terá para quem vender.

Ricardo Valente é gestor dos fundos de renda fixa da Credit Suisse Hedging-Griffo