quarta-feira, abril 11, 2012

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Alexandre Schwartsman, Folha de SP

Todos conhecem a história do sapo na panela, aquele que não pula, mesmo quando a temperatura se torna insuportável, desde que a água vá esquentando bem devagarinho. Ao final do conto o anfíbio entorpecido morre escaldado, incapaz de perceber as mudanças que afetaram o ambiente ao seu redor.

É difícil não pensar a fábula do sapo como uma metáfora para a mudança do padrão de política econômica no país de uns anos para cá. O tripé macroeconômico – câmbio flutuante, metas para a inflação e superávits primários – se tornou praticamente irreconhecível. Só alguém muito desatento poderia crer que o regime cambial no Brasil é flutuante quando ministros de Estado afirmam “não administrar o câmbio” ao mesmo tempo em que prometem “tentar manter essa taxa aí [R$ 1,80/dólar]”.

Da mesma forma, nem a lendária Velhinha de Taubaté acreditaria que o BC – que, otimista, prevê a inflação quase um ponto acima da meta no próximo ano, mas mesmo assim estimula a economia – segue de fato um regime de metas para a inflação.

Já do lado fiscal as notícias não são melhores. Trabalho recente dos economistas do Itaú revela, por exemplo, que o superávit primário “estrutural” do setor público (livre da contabilidade criativa, particularmente intensa nos últimos anos, assim como dos efeitos do ciclo econômico sobre despesas e receitas públicas) caiu persistentemente comparado aos níveis registrados entre 2003-05. Enquanto naquele período a diferença “estrutural” entre receitas e despesas não financeiras superou o equivalente a 4% do PIB, nos últimos quatro anos teria atingido cerca de 2% do PIB em média, uma expansão fiscal considerável.

Por onde quer que se olhe, é inevitável perceber que a água fica mais quente a cada dia, muito embora o sapo tenha permanecido, pelo menos até agora, confortavelmente chapado. A água, porém, vai se aquecer ainda mais caso se materializem as propostas ventiladas neste final de semana acerca da possibilidade da re-renegociação das dívidas dos estados.

Não é segredo que a reestruturação das dívidas estaduais na segunda metade dos anos 90 foi, em conjunto com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a pedra fundamental na mudança da sua postura fiscal. Os estados, é bom que se diga, foram pesadamente subsidiados quando a União assumiu suas dívidas (cujo custo era bastante superior ao pago pelo governo federal) e lhes emprestou a taxas muito favoráveis.

Em contrapartida, contudo, foram obrigados a ajustar suas contas, resultado não muito diferente daquele que ocorreria na Europa, caso os países da Zona do Euro enveredassem por este caminho. Não por acaso, os estados – deficitários até 1998 – têm contribuído regularmente para o superávit primário do setor público após a reestruturação.

Também não é segredo que, a despeito do imenso subsídio, governadores tentaram desde o início sabotar este acordo, sem, é claro, ameaçar as condições favoráveis para si, mas buscando solapar exclusivamente sua obrigação de pagar o que devem para a União. Sempre quiseram, a todo custo, se livrar da camisa-de-força fiscal que os obriga a gerar superávits primários.

Este sonho ancestral está prestes a virar realidade. O governo federal acena com alterações nas regras do jogo que, se postas em prática, não apenas permitirão que os estados reduzam seus saldos fiscais, mas também representarão a primeira modificação relevante na LRF, abrindo a porteira para novas mudanças. Não é preciso muito para concluir que isto levará à deterioração adicional das contas públicas.

Não se trata da primeira (nem segunda) vez que este problema aparece, nem é meu primeiro artigo a respeito. A novidade é que, desta vez, as chances de uma derrapada fiscal estão se tornando bem maiores. Já disse não nutrir ilusões sobre a capacidade de artigos de jornal mudarem o mundo, mas, por Tutatis, como gostaria de estar enganado.

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