quinta-feira, abril 13, 2006

O Despertar Chinês



Rodrigo Constantino

A ideologia é uma máquina que trucida fatos quando estes incomodam. Por décadas, a China foi um país escravo do socialismo. Tudo que a “revolução cultural” de Mao conseguiu foi muita miséria, terror e escravidão. O “grande salto” era um pulo do precipício. Algo começava a mudar na era mais pragmática de Deng Xiaoping, onde a cor do gato importava menos que caçar o rato. Desde então, as reformas adotadas distanciaram um pouco a China da utopia comunista. Esta pequena aproximação do capitalismo já foi suficiente para uma enorme revolução, que trouxe mais riqueza para um povo tão sofrido.

Claro que a China ainda está longe de ser um ícone do capitalismo. A herança comunista ainda pesa muito sobre os ombros da população. A alocação de recursos ainda é bastante ineficiente por conta da influência política. A ausência de liberdade econômica tolhe muito a criatividade empresarial. Vários “abacaxis” ainda terão que ser digeridos ao longo do tempo, fruto do legado comunista. Mas o fato é que privatizações ocorreram, direitos de propriedade foram reconhecidos, investimentos estrangeiros foram bem recebidos, fronteiras comerciais foram abertas e o lucro deixou de ser o caminho para o inferno. As decisões passaram a ser delegadas aos governos locais, descentralizando o poder e estimulando a competição por investimentos. A participação estatal nos negócios caiu 13 pontos percentuais, para 33%, desde 1998. Bastaram estas mudanças de caráter liberal para lançar a China em uma nova trajetória.

Ainda falta um longo caminho a ser percorrido. A China conta com cerca de 20% da população mundial mas corresponde a apenas 3% do consumo global. Mas, na margem, profundas mudanças começam a ocorrer. Acordaram o gigante que hibernava no pesadelo comunista. A economia vem crescendo a taxas bastante elevadas, próximas de 10% ao ano. O dragão tem fome!

Alguns números demonstram bem o significado desse despertar chinês, ainda repleto de desafios pela frente. São algo como 300 mil milionários chineses atualmente, enquanto quase metade da população ainda trabalha na agricultura. O ganho anual médio na indústria chega a US$ 3.000 enquanto na agricultura corresponde a 10% desse valor. A parcela de manufaturados no total do PIB vem aumentando, hoje já em 32%. Do total mundial, a China já responde por quase 10% da produção de manufaturados, contra algo perto de 1% em 1950. A produção de veículos saiu de 2 milhões em 2000 para mais de 5 milhões em 2004. Boa parte desse avanço deve-se à entrada de multinacionais, “explorando” os trabalhadores chineses, pela ótica marxista. Os trabalhadores chineses agradecem tal “exploração”. Desde 2001, algo como 10 milhões de chineses foram contratados por empresas estrangeiras, que pagam salários maiores que a média local.

Uma pesquisa do Gallup mostrou recentemente o verdadeiro “grande salto” chinês. De 1994 para 2004, a proporção de casas com aparelho de TV colorida dobrou, para 82%. O total de casas com refrigerador saiu de 25% para 41% no mesmo período. Eram apenas 3% das casas com microondas em 1994, comparado a 18% em 2004. A quantidade de casas com telefone saltou de 10% para 63%. Em termos de computadores, o salto foi de 2% para 13%, ainda que o governo controle o conteúdo. O consumo chinês ainda é tímido. Mas os avanços têm sido fantásticos.

O investimento direto na China tem sido cerca de US$ 50 bilhões por ano. O superávit comercial ultrapassou os US$ 100 bilhões. Empresas como Nokia, Ericsson e Phillips já contam com 10% da receita provenientes da China. O país acumulou mais de US$ 1 trilhão em reservas internacionais, passando o Japão e atingindo o primeiro lugar no mundo. A China é o maior comprador na margem das principais commodities industriais. Antes do despertar chinês era viável simplesmente ignorar o mastodonte. Atualmente, todos precisam levar em conta o destino chinês em suas avaliações estratégicas. Jack Welch, ex-CEO da GE, fez questão de frisar isto em sua autobiografia. O mundo jamais será o mesmo após a tardia revolução industrial chinesa.

7 comentários:

Marco Aurélio Antunes disse...

Estou lendo o último livro do Thomas Friedman. Ele trata das mudanças na China. É um país que está aproveitando as vantagens da globalização. E ainda há gente (Olavão & Cia.) que pensa que a China é um país comunista...

Rodrigo Constantino disse...

Eu li o livro. Tenho inclusive um artigo sobre o caso indiano, O Milagre de Bangalore. De fato, creio que a maior abertura econômica irá plantar rachaduras permanentes nos pilares políticos. É questão de tempo. Viva a globalização!

Anônimo disse...

Caro Rodrigo,

Confesso-lhe que somente hoje, agora, descobri o seu blog. Coloquei-o imediatamente nos meus favoritos. Leio todos os seus artigos e remeto-os com o maior prazer para vários amigos, alguns esquerdóides, o que me dá um prazer incomensurável ao pensar no ódio que ficam no momento da leitura. Estou precisando urgentemente de dados sobre o Peru, na área econômica. Sei que o Peru cresceu por força do trabalho liberal ali implantado pelo atual presidente. Todavia, as esquerdas, nacionalista de Huntala, e maoista de Alan Garcia, cantam de galo e fazem a imprensa mundial esquecer o crescimento peruano sob a inspiração liberal. Posso esperar do ilustre economista mais um belo trabalho, desta vez sobre o Peru? Antecipadamente, meus agradecimentos.

Anônimo disse...

Claro que a abertura da China é algo que só pode trazer benefícios a China. O governo chinês é comunista mas não é burro. São coisas diferentes.

Acho que um dos principais fatores que levaram ao crescimento da China foi a ausênia de impunidade e a leveza do governo, que apesar de ter regalias não consome o país como um parasita. Troca-se os políticos chineses pelos políticos brasileiros e no dia seguinte a situação da China começa a mudar. Para a pior.

Na China se vc mete a mão no dinheiro público leva uma bala. Lá pra roubar, além de ser político, tem que ser macho, no sentido corajoso da palavra. Já no Brasil...

Rodrigo Braga Alonso disse...

O trabalho semi-escravo das fábricas chinesas não tem alguma participação nesse crescimento não?

Rodrigo Constantino disse...

Creio que não. Afinal, o trabalho lá sempre foi assim, ou pior. No entanto, havia apenas miséria. E veja que os trabalhadores rurais QUEREM, voluntariamente, migrar para as cidades para ralar horas e receber os baixos salários. Afinal, isto ainda é melhor que a realidade dura do campo, herança comunista.

Anônimo disse...

eSTOU LOUCA, A cHINA É OU NÃO É COMUNISTA?