segunda-feira, julho 25, 2011

Aeroportos fantasmas simbolizam derrocada da economia espanhola

Associated Press, Valor

Quem se aproxima do Aeroporto Central de Ciudad Real nota algo estranho. Não se avista aviões. Na verdade, não há ninguém. À distância, ouve-se carros passando.

Trata-se de um dos "aeroportos fantasmas" da Espanha, projetos ambiciosos financiados pelos contribuintes que ajudaram a gerar a onda de expansão econômica e agora são símbolo do desperdício que contribuiu para a débâcle.

Foi imaginado como um aeroporto auxiliar para Madri. Tem uma das pistas mais longas da Europa e, no entanto, praticamente não há marcas de pneus. Recebe apenas um punhado de voos por semana. Seu enorme terminal, pelo qual deveriam passar 2,5 milhões de passageiros por ano, é uma caixa de ressonância, que a qualquer som gera eco.

A derrocada da economia espanhola marcou a sorte do Central, mas alguns dizem que o projeto estava condenado ao fracasso de antemão, por estar demasiado longe da capital.

A Espanha agora luta para superar a crise, que trouxe desemprego de 21% e foi decorrente principalmente da decadência da indústria de construção. O Central é um exemplo do que acontece quando as coisas não saem bem.

Há indícios de sobra, contudo, de que a Espanha não aprendeu as lições deixadas pela crise. Há pouco, anunciou-se a construção de um trem de alta velocidade na Galícia, norte da Espanha, em uma região pouco povoada. Alguns economistas consideram o projeto uma extravagância. Estradas e pontes, no entanto, continuam sendo projetadas, apesar de não haver dinheiro para essas iniciativas.

"Tínhamos grandes esperanças no Central, acreditávamos nele. Pensamos que seria a salvação da região", comentou o taxista Enrique Buendia, de Ciudad Real. "Mas não se pode misturar política com negócios."

De fato, foi a combinação pouco salutar de política e negócios que resultou em elefantes brancos como o aeroporto de Ciudad Real, uma cidade com 74 mil habitantes. A Espanha tem um longo histórico de projetos duvidosos financiados pelo Estado, que alimentam ambições de políticos e empresários.

Aeroportos e outras iniciativas ilustram como governos regionais e instituições de poupança vinculadas ao governo contraíram dívidas que levarão anos para saldar.

Analistas dizem que as dívidas regionais são um dos fatores que mais afetam as possibilidades de redução do déficit da Espanha, que em 2009 chegou a 11,2% do Produto Interno Bruto (PIB). A União Europeia estipulou que até 2013 não supere os 3%.

O Central é um aeroporto até bem movimentado em comparação ao de Huesca, construído há dois anos no norte da Espanha e cujos funcionários não verão um voo sequer por seis meses. O restaurante funciona, mas atendendo a pessoas da região atraídas por suas boas refeições.

Outro caso é o do Castellón, construído em uma região onde há aeroportos de sobra. Custou € 150 milhões e foi inaugurado em março. Ainda não recebeu um só voo. Provavelmente, não receberá por muito tempo, já que ainda precisa conseguir licença para operar.

Castellón foi construído porque um parque temático de diversões seria instalado na área, projeto que ainda não saiu do papel e cujo futuro não é promissor.

Em sua entrada, pretendiam instalar uma estátua, com 24 metros, do presidente provincial de Castellón, Carlos Fabra, que encomendou o projeto e já foi investigado várias vezes por suspeita de corrupção.

"Substituímos nossa obsessão por tijolos e construção de casas por uma obsessão por tijolos, estradas e trens de alta velocidade, mas é tudo a mesma história", afirmou Fernando Fernández, professor de macroeconomia na IE Business School, de Madri.

"É como um viciado em drogas que tenta se desintoxicar", acrescentou. "A economia esteve crescendo graças à construção nos últimos dez anos e isso cria todo tipo de maus hábitos."

León, a cidade do primeiro-ministro, José Luis Rodríguez Zapatero, passou a usar um aeroporto militar para fins comerciais, mas são poucos os voos que chegam a cada semana.

A cidade de 200 mil habitantes conta com modernas estradas e receberá um trem-bala a ser construído em Galícia.

Murcia, ao sul, conta com um segundo aeroporto a meia hora do primeiro, que não só bastava como sobrava. Agora, se fala em também construir um em Toledo, a uma hora de Ciudad Real.

Boa parte do problema deriva do fato de a Espanha ter 17 regiões semiautônomas.

"Este é um país de feudos, como na Idade Média", declarou Stephen Matlin, diretor-executivo da empresa de investimentos Matlin Associates, em Madri. "Todos querem seu aeroporto, seu centro de convenções e seu trem rápido."

"Um ou dois aeroportos não são um problema. "O problema surge quando temos centenas de milhares de projetos e comprometemos bilhões de dólares por todos os lados."

Os dois principais partidos políticos da Espanha defendem os projetos de infraestrutura e acusam-se mutuamente pelos excessos.

Ambos alegam que, quando os projetos mais questionáveis foram elaborados, ninguém previa a crise que estava por chegar.

Rafael Simancas, porta-voz do Partido Socialista, diz que nos últimos 20 anos a Espanha embarcou em muitos mais projetos de infraestrutura que vizinhos mais ricos porque havia perdido terreno durante a ditadura de Francisco Franco, que durou até 1978.

Alguns analistas afirmam que um desastre pode acontecer, a menos que a Espanha comece a investir em novos modelos econômicos, educação, pesquisa e desenvolvimento.

"Estamos mantendo a velha estrutura econômica do país", disse Fernández. "Em vez de investir em novas habilidades, gastamos dinheiro para tentar manter as pessoas ocupadas e dar a impressão de que estamos reduzindo o desemprego."

2 comentários:

Anônimo disse...

podiam mandar uns aeroportos pra gente aqui...

samuel disse...

Este texto é um déjá vue do qual os governantes parecem nunca se aborrecer de repetir.
A Espanha de hoje é o Brasil... de amanhã