sábado, julho 21, 2012

Um tiro na nuca da nação

Guilherme Fiuza, O GLOBO

Carlinhos Cachoeira disse que vai à CPI quando quiser, porque a CPI é dele. Quase simultaneamente, um dos agentes federais que o investigaram é executado num cemitério, enquanto visitava o túmulo dos pais. Al Pacino e Marlon Brando não precisam entrar em cena para o país entender que há uma gangue atentando contra o Estado brasileiro. Em qualquer lugar supostamente civilizado, os dois tiros profissionais na nuca e na têmpora do policial Wilton Tapajós poriam sob suspeita, imediatamente, os investigados pela Operação Monte Carlo - alvos do agente assassinado. Mas no Brasil progressista é diferente.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se pronunciou sobre o crime. Declarou que "é leviano" fazer qualquer ligação entre a execução do policial federal e a operação da qual ele fazia parte. E mais não disse. Tapajós foi enterrado no lugar onde foi morto. Se fosse filme de máfia, iam dizer que esses roteiristas exageram. No enterro, alguém de bom-senso poderia ter soprado ao ouvido do ministro: dizer que é leviano suspeitar dos investigados pela vítima, excelência, é uma leviandade.

Mas ninguém fez isso, e nem poderia. O ministro da Justiça não foi ao enterro. Wilton Tapajós era subordinado ao seu ministério, atuava na principal investigação da Polícia Federal e foi executado em plena capital da República, mas José Eduardo Cardozo devia estar com a agenda cheia. (Talvez seja mais fácil desvendar o crime do que a agenda do ministro.) Por outro lado, o advogado de Cachoeira, investigado pelo agente assassinado, é antecessor de Cardozo no cargo de xerife do governo popular. Seria leviano contrariar o companheiro Thomaz Bastos.

Assim como o consultor Fernando Pimentel (ministro vegetativo do Desenvolvimento) e Fernando Haddad (o príncipe do Enem), Cardozo é militante político de Dilma Rousseff e ministro nas horas vagas. O projeto de permanência petista no poder é a prioridade de todos eles, daí os resultados nulos de suas pastas. Cardozo anunciara que ia se aposentar da política, e em seguida virou ministro. Lançou então seu ambicioso plano de espalhar UPPs pelo país e se aposentou (da função de cumpri-lo). Deixou de lado o abacaxi do plano nacional de segurança, que não dá voto a ninguém, e foi fazer política, que ninguém é de ferro. Para bater boca com a oposição e acusá-la de politizar a operação da PF, por exemplo, o ministro não se sente leviano.

Carlinhos Cachoeira era comparsa da Delta, a construtora queridinha do PAC. O bicheiro mandava e desmandava no Dnit, órgão que, além de acobertar as jogadas da Delta, intermediava doações para campanhas políticas, segundo seu ex-diretor Luiz Antonio Pagot. Entre essas campanhas estava a de Dilma Rousseff, da qual Cardozo fazia parte. O policial federal assassinado estava entre os homens que começaram a desmontar o esquema Cachoeira-Delta, e seus tentáculos palacianos. O mínimo que qualquer autoridade responsável deveria dizer é que um caçador da máfia foi eliminado de forma mafiosa. Mas o falante ministro da Justiça preferiu ficar neutro, como se a vítima fosse o sorveteiro da esquina. Haja neutralidade.

Montar golpes contra o Estado brasileiro é, cada vez mais, um crime que compensa. Especialmente se o golpe é montado dentro do próprio Estado, com os padrinhos certos. Exemplo: às vésperas do julgamento do mensalão, um conhecido agente do valerioduto acaba de ser inocentado, candidamente, à luz do dia.

Graças a uma providencial decisão do Tribunal de Contas da União - contrariando parecer técnico anterior do próprio TCU -, Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil que permitiu repasses milionários à agência de Marcos Valério, não deve mais nada a ninguém. Os famosos contratos fantasmas de publicidade, que permitiram o escoamento sistemático de dinheiro público para o caixa do PT, acabam de ser, por assim dizer, legalizados. Nesse ritmo, o Brasil ainda descobrirá que Lula tinha razão: o mensalão não existiu (e Marcos Valério se sacrificou por este país).

O melhor de tudo é que uma lavagem de reputação como essa acontece tranquilamente, sem nem uma vaia da arquibancada. No mesmo embalo ético, Delúbio Soares já mandou seu advogado gritar que ele é inocente e jamais subornou ninguém. O máximo que fez foi operar um pouquinho no caixa dois, o que, como já declarou o próprio Lula, todo mundo faz. Nesse clima geral de compreensão e tolerância, o ministro do Supremo Tribunal Federal que passou a vida advogando para o PT já dá sinais de que não vai se declarar impedido de julgar o mensalão. O Brasil progressista há de confiar no seu voto.

Esses ventos indulgentes naturalmente batem na cela de Cachoeira, que se enche de otimismo e fala grosso com a CPI. Se o esquema de Marcos Valério está repleto de inocentes, seria leviano deixar o bicheiro de fora dessa festa.

5 comentários:

samuel disse...

Duarante a feijoada de hoje me informaram que a esposa atual do Cachoeira foi esposa do atual substituto de Demóstenes no Senado.
A esposa do vice de Demostenes e por consequencia o Senador atual foi marido da esposa atual do Cachoeira.
Arreh que o autor do texto tem pra lá de razão:

Anônimo disse...

Ou seja, nosso velho país de merda de sempre a olhos vistos e povão ignorantão aplaudindo!

Anônimo disse...

Investigador de policia vitima do sorveteiro da esquina! kkkk o rodrigo tava inspirado demais nesse post. rs Aquele colunista é que ta certo, esse é o pais da piada pronta.

rafernandes disse...

Rodrigo,

A arquibancada não vaia porque a arquibancada é constituída de idiotas. A idiotia é a característica mais geral do Brasil e o problema é estatístico. É claro que, mesmo sendo uma população predominantemente idiota, há sempre uns mais idiotas e outros menos. Coitados destes! Acho também que, na média, não há razão para queixas. O País está mas mãos daqueles que foram legitimamente eleitos. Pela idiotia média, é claro!Então, dizer o quê? Fazer o quê?

Vivendo há anos no exterior, outro dia assisti a algumas horas da programação da TV Globo: novelas, programas humorísticos e de auditório. Foi um espanto pois, embora as cenas fossem muito parecidas com as das minhas lembranças do cotidiano no Brasil, foi chocante a constatação de uma cafajestice generalizada. A temática, o modo de se expressar, a linguagem corporal, tudo fundamentalmente cafajeste. Não que a TV européia ou americana seja lá um primor, mas é incomparavelmente mais decente. Senti alivio por estar fora mas, ao mesmo tempo, fiquei profundamente triste por ver a que ponto chegou o meu Brasil.

Anônimo disse...

Bom dia Rodrigo,

Para pensar.

O jogo do bicho existe a 120 anos.

Os bicheiros sempre foram doadores universais. Toda eleição os políticos de partidos variados tomam a benção.

O que os bicheiros querem é que tudo fique como está.

Jogo é contravenção, portanto não é crime, eles tem uma enorme barreira de entrada a novos competidores, não recolhem impostos sobre sua atividade e trabalham com reserva de mercado em suas áreas de atuação.


Com grande liquidez aproveitam as oportunidades de negócios que o dinheiro vivo proporciona.

EM 2002 o Cachoeira sócio de uma empresa de jogo Coreana, estava trabalhando pela regulamentação do jogo no Brasil. Foi achacado pelo PT e Waldomiro Diniz.

Como foi doador da campanha de Lula de 2002, se sentiu traido pelo PT.

Como homem de negócios faria sentido mandar matar quem quer que seja nesse momento?