terça-feira, julho 10, 2012

O fator ideológico

Rodrigo Constantino, O GLOBO

O ano era 2002. Lula tinha sido eleito e escolhera Dilma para o Ministério de Minas e Energia. Os futuros ministros faziam reuniões com investidores para acalmar os tensos mercados. Eu trabalhava em uma grande gestora carioca. Estive em uma dessas reuniões com Dilma. Foi meu único encontro com a atual presidente.

Um dos presentes perguntou como o governo faria para atrair os necessários investimentos ao setor, uma vez que o discurso corrente era de que a rentabilidade não deveria ser elevada. Com dedo em riste e tom autoritário, Dilma disparou: “Quem foi que disse que é preciso ter alto retorno nesse setor?”

Eis o que eu queria dizer: desde então tenho como certo o fator ideológico entranhado em Dilma. Muitos falam em gestora eficiente, pragmática, mas eu só consigo enxergar ideologia.

Até mesmo o Itamaraty foi infectado pelo vírus ideológico, como ficou claro no caso do Paraguai. O Barão do Rio Branco, ao assumir o ministério das Relações Exteriores, declarou: "Não venho servir a um partido político: venho servir ao Brasil, que todos desejam ver unido íntegro, forte e respeitado". Ele não teria vez no governo Dilma, que se mostra apenas um capacho de Hugo Chávez.

O prêmio Nobel de Economia Friedrich Hayek chamava a atenção para a “arrogância fatal” de certas ideologias. Ela seria basicamente a crença de que é possível controlar tudo nos mínimos detalhes, de cima para baixo. Planejadores centrais que desprezam os sinais do mercado e pensam ser possível ignorá-lo para sempre: são os arrogantes. O fatal fica por conta dos estragos que costumam causar na economia.

Pois bem. A economia brasileira seguiu nos últimos anos um modelo claramente insustentável, calcado em crédito e consumo. O governo ignorou a necessidade de reformas estruturais que aumentassem a nossa produtividade. A farra foi boa enquanto durou, financiada pela acelerada expansão do crédito, possível pela alta no preço das commodities que exportamos para a China.

Esta fase de bonança se esgotou. O PIB cresceu apenas 2,7% em 2011, e esse ano mal deve chegar a 2%, muito longe dos 4,5% que o ministro Mantega projetava. Para piorar, a inflação ainda segue acima do centro da elevada meta. Qual tem sido a reação do governo?

Ideológica, claro. Imbuído da falsa crença de que pode simplesmente estimular mais ainda o consumo e o crédito, o governo tem apelado para pacotes quase semanais. Os resultados são pífios ou negativos? Não tem problema. Basta aumentar a dose!

A ideia de que o consumo do governo pode estimular de forma sustentável o crescimento econômico não passa de uma falácia, que já foi refutada no século 19 por Bastiat. O economista francês citou o exemplo de uma janela quebrada para fazer seu ponto.

Algum vândalo joga uma pedra que estilhaça a janela de uma loja. Algumas pessoas tentam consolar o dono da loja alegando que ao menos ele estará gerando emprego ao consertar a janela. Afinal, se janelas nunca fossem quebradas, de que iriam viver os reparadores de janelas?

Esta linha de raciocínio míope ignora aquilo que não se vê de imediato. Sim, o conserto da janela iria propiciar um ganho para o vidraceiro. Mas o que seria feito desse dinheiro gasto caso a janela não tivesse sido quebrada? Qual o uso alternativo para este recurso escasso? Eis a questão!

O mesmo ocorre com o gasto público. O governo não produz riqueza. Para ele gastar, antes ele precisa tirar de alguém que produziu. Ele pode fazer isso por meio de impostos, emissão de dívida ou de moeda (imposto inflacionário).

De qualquer forma ele estará transferindo recursos de um lado para o outro, normalmente cobrando um grande pedágio por isso. Mas ele não estará criando riqueza. Logo, os gastos públicos não estimulam a economia: eles apenas retiram recursos do setor privado, que costuma alocá-los de forma bem mais eficiente.

Outro efeito perverso desta política é a seleção dos campeões, que deixa de ser feita pelo mercado (mérito) e passa a depender das escolhas do governo. No dia do anúncio do último pacote, o índice de ações da Bovespa caiu mais de 1%, mas as ações da Marcopolo subiram mais de 6%. O governo divulgou uma grande compra de caminhões para “estimular” o crescimento econômico. Alguém pagou por isso.

Esta ideologia centralizadora está fadada ao fracasso. Ela produz ineficiência e lobby por privilégios, mas não consegue aumentar a produtividade da economia. Infelizmente, a presidente acredita neste modelo, e vai insistir nele até quebrar a (nossa) cara. Não podemos desprezar o fator ideológico deste governo.

19 comentários:

marcos disse...

Usando a "Fabula de Bastiat": Governo quebra uma janela para ver se economia engrena. Resultados ficam aquém do esperado (pq sera?). Aumenta a dose, quebra-se outra janela. Nada. Arromba a porta. Nada. Resultado: Governo começa quebrando uma janela e termina quebrando o País.

samuel disse...

Marcos, gostei dessa fábula.Na mosca!

samuel disse...

As Milton Friedman understood, an economy cannot spend or tax itself into prosperity

Anônimo disse...

Li, no Alerta Total, do Jorge Serrão, o título do artigo do Economista César Maia:
A verdadeira natureza da Dilma estaria aflorando?
Eu respondo:
Sim, a verdadeira natureza da Dilma estaria DEFLORANDO o País!

lourival Marques disse...

Sou leigo em economia, mas a minha impressão é que o país está entrando em recessão... Estou exagerando ou esse risco é real, Rodrigo?

Teo O disse...

Como entao equacionar o fato de que sem a janela quebrada o vidraceiro iria perder emprego, passar fome, criar um filho desnutrido que vai necessitar de muito mais recursos da saude, nao vai poder propiciar educacao ao filho, so vai poder ensinar ao filho a consertar janelas e, assim, criar mais uma geracao de dependentes das quebras de janela? A sua interpretacao da "fabula" parece mais miope do que a do governo... Muito raramente as decisoes "otimas" de curto prazo tambem sao "otimas" num horizonte mais amplo.

Rodrigo Constantino disse...

Vixe Maria!

Pela sua lógica, Teo, o governo deveria comprar carroças, gramofones e máquinas de escrever até hoje, para garantir o emprego de seus fabricantes!

Que dureza! É por essas e outras que estamos nessa situação...

Rodrigo Constantino disse...

Pensar que o vidraceiro ocioso terá que fazer algo mais produtivo para a sociedade nem passa pela cabeça de um estatista...

Marcos Mendes disse...

Prezado Rodrigo, recebi seu artigo por email. Sensacional. Era o artigo que eu gostaria de ter escrito. Colocarei seu blog nos meus "favoritos". Recentemente publiquei no Valor texto semelhante em parceria com colegas sob o título "Produtividade para todos", que você pode achar facilmente no Google. O blog do qual sou um dos editores (www.brasil-economia-governo.org.br) possivelmente contém material do seu interesse. Parabéns.

Anônimo disse...

claro que se trata de uma falácia a estória das janelas, mas poderíamos ir além: a janela (quando) quebrada deveria ser substituída por uma mais resistente, mas o mercado (fornecedor) e o governo preferem, por razões óbvias e manjadas, de ir na contramão. essa tendência tem se tornado a cara do Brasil: produtos e competitividade cada vez piores, e preços (gastos) cada vez maiores. a conta não fecha, aliás fecha com a sentença de mais uma década perdida.

Teo O disse...

Meu ponto nao eh esse, como muito frequentemente sua resposta esta contaminada de ma fe. Acho que eh utopico pensar que o mercado pode equacionar todas as contradicoes e assimetrias economicas assegurando que o pais estara numa situacao melhor no longo prazo. Claro que nao estou sugerindo compra de itens obsoletos como uma politica estrategica; o que estou sugerindo eh que o governo tem um papel fundamental em atenuar os movimentos bruscos de correcao que o mercado gera naturalmente. Vale sempre lembrar que o objetivo final de uma politica economica, de um governo deve ser melhorar a vida dos cidadaos.

Rodrigo Constantino disse...

Não houve má-fé. Apenas segui a lógica do seu raciocínio.

No mais, a questão é que gasto público não gera crescimento sustentável. Pretende refutar ISSO?

Sobre governo atenuar movimentos bruscos, vale lembrar que ele tem sido o causador de tais movimentos mais do que qualquer um. As falhas de mercado existem sim. Mas as falhas de governo são ainda maiores!

Anônimo disse...

Rodrigo mas aqui surge uma duvida de um leigo: sem regulação os desequilibrios tendem a ser maiores, e grandes desequilibrios podem fazer a casa cair. Vc é contra regular e contra salvar. Como fazemos? O mercado não é prudente!

cesarmattos1965@hotmail.com disse...

Rodrigo, e a ideologia da presidente permanece intacta. Há 2 semanas a Veja citou um diálogo entre o presidente da Cosan e Dilma. Esta última indagou o presidente da Cosan sobre por que ele não investia mais em álcool. Se ele já era rico, qual o problema de os preços da gasolina estarem distorcidos para baixo reduzindo a rentabilidade do álcool? O presidente da Cosan simplesmente respondeu que, independente de estar rico, só investia no que tem retorno. A presidente fechou a cara e a reunião! em síntese, o ato de investir na cabeça da presidente deve ser um ato de patriotismo pelo bem da nação (ou de preferência da companheirada) e não uma ação racional baseada nos sinais de mercado. Me fez lembrar aquelas brilhantes discussões do "Revolta de Atlas" da Ayn Rand.

César Mattos

Anônimo disse...

Pelo pouco que entendo de economia, o lobby termina por proteger uma empresa, que assim consegue sobreviver no mercado sem ser mais eficiente. O que estive pensando é: será que existe uma maneira de acabar com o lobby? Não são as grandes corporações que financiam as campanhas eleitorais, justamente com o objetivo de tentar "fugir" do livre mercado com a proteção do governo? Sem financiamento, o político não vence a eleição, e não dá pra esperar que esses empresários que apelam para a proteção do governo vão deixar de fazê-lo. A impressão que tenho é que é muito difícil criar um sistema que funcione de forma justa mesmo quando aplicado a um conjunto de indivíduos que só agem de forma correta ao serem forçados a tal.

Anônimo disse...

http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/congresso/o-patrono-da-economia-brasileira/
Celso Furtado patrono da economia brasileira num projeto apresentado por um deputado graduado em educação física!
É o fim do mundo.

Anônimo disse...

'Claro que nao estou sugerindo compra de itens obsoletos como uma politica estrategica'

Está sim, só não é capaz de entender que está.Consertar janelas quebradas de propósito é uma metáfora justamente pra isso

Anônimo disse...

O Mantega veio conclamar os empresários a despertarem seu "espírito animal". Só faltou especificar que, no atual cenário brasileiro, seria o animal ANTA!

RafaP disse...

Acho que, ao contrário do que foi afirmado no artigo, quem está imbuído de ideologia aqui é o senhor, seu Rodrigo! É muito fácil afirmar que os outros tomam posições ideológicas. Mas a sua posição é também ideológica, o que está por trás dela é a crença de que o modelo "liberal" ou o modelo de livre-mercado é o correto. Mas na verdade não é. Claro que argumentará dizendo ter a ciência econômica ao seu lado. Mas como ela, o cientificismo liberal, evitou a crise atual? Por que, nos modelos liberais clássicos, a economia tende ao equilíbrio, quando na realidade não é o que se verifica e nunca se verificou? As idéias que defendes não passam de crenças sistemáticas nos princípios liberais, da mesma forma que acusa a presitente Dilma de fazer.
E dê graças por ela estar fazendo o que faz. Pelo menos o país não está como a Europa ou os EUA, que, afinal, são exemplos de um liberalismo bem aplicado, não?