quinta-feira, julho 05, 2012

A vida eterna


Rodrigo Constantino

Você gostaria de viver para sempre? Vi esta pergunta que chamou a minha atenção no perfil de um amigo do Facebook. Havia o link para um artigo sobre a busca da vida eterna, citando o caso recente da filha que congelou o corpo do pai na esperança de um dia ressuscitá-lo. Resolvi colocar minha rápida colaboração, respondendo que precisamos da morte para valorizar a vida. Iniciou-se um debate “sem fim”...

Eis o ponto principal: valorizamos o tempo porque ele é escasso, finito. A partir do momento em que sabemos que vamos viver para sempre, o aqui e agora deixa de ter o mesmo apelo. É a noção de finitude que nos estimula a aproveitar nosso presente. Alguém que soubesse ser imune à morte jamais conseguiria encarar a vida da mesma maneira.

Os participantes do debate eram, em grande maioria, pessoas jovens. Creio que muitos deles são ateus (como eu) e libertários, depositando bastante fé no poder da ciência. Chesterton teria dito que o problema do descrente não era deixar de acreditar em Deus, mas sim passar a crer em qualquer besteira. Confesso que me lembrei disso na hora. Se a imortalidade religiosa desaparece, então vamos lutar pela imortalidade real, concreta, física!

A vida finita pode mesmo angustiar. Entendo as buscas indiretas pela imortalidade. Dizem que quem já teve filhos, plantou uma árvore e escreveu um livro já pode morrer. Não é difícil entender a analogia: quem deixou seus genes para a posteridade, uma obra sustentável e suas idéias “eternizadas”, já pode deixar este mundo ciente de que aqui permanece, de alguma forma (por isso não plantei árvore alguma ainda, pois quero viver mais tempo).

O problema começa quando estes jovens sonham com a imortalidade verdadeira, tal como os vampiros dos filmes que voltaram à moda (parecem nunca sair). Esses jovens acham que uma vida é pouco para realizar tudo o que gostariam (fato), e passam então a sonhar com uma utopia de vida eterna, para poderem fazer tudo o que almejam. Claro que a utopia é isso, uma utopia, que jamais virará realidade. Mas não deixa de ser curioso analisar esta busca pela imortalidade, assim como seus efeitos hipotéticos caso ela fosse viável.

O ser humano, segundo Freud, é dividido entre a pulsão de vida e a pulsão de morte. Eros e Tânatos. Se por um lado pulsa o desejo de viver em nós, por outro lado há uma busca, ainda que inconsciente, pelo fim das angústias, pela sensação inorgânica anterior ao nascimento. Karl Kraus, com sua genialidade, resumiu bem a coisa: “Anseio ardentemente por aquela condição psíquica em que, livre de toda responsabilidade, sentirei a estupidez do mundo como um destino”.

Mas divago. O ponto é que nem sequer podemos imaginar realmente uma vida sem fim, eterna. Se eu tenho 10 milhões de anos pela frente (coloco um número, pois o conceito de infinito nos escapa por completo), qual o sentido em fazer as coisas que quero agora? Seria a morte da preferência intertemporal. Eu poderia fazer de tudo! Tenho todo o tempo do mundo. O que significa que o tempo não tem mais valor.

Com o fim do “trade-off”, da necessidade de abrir mão de algo para escolher outra alternativa, perderíamos a capacidade de valorizar nossas próprias escolhas. O fluxo de um tempo que dura para sempre seria percebido como estático por nós. Vampiros seriam seres bastante entediados se existissem. A única adrenalina em suas vidas eternas seria justamente a possibilidade de interrupção via acidentes, ou seja, o risco de morte!

Basta pensar em esportes radicais. Qual seria a adrenalina neles se não existisse o risco? A vida sem fim seria uma chatice sem fim. A ciência de que tudo o que é bom acaba é o que garante seu prazer. Eu adoro doce de leite, mas sem dúvida ele não teria o mesmo valor se eu pudesse comê-lo infinitamente sem seqüelas. O valor está na escassez, no risco, no fim.

Somos motivados a buscar nossos desejos porque sabemos que o tempo é escasso e finito. Isso cria um senso de urgência, uma angústia que nos impele à ação. Eu adoro ler, por exemplo, pois valorizo o conhecimento. Procuro ler uma média de seis livros por mês. Sempre que vou escolher um livro novo bate aquela angústia. Esse ou aquele? São tantas opções e tão pouco tempo! Mas se eu fosse viver 10 milhões de anos, o que aconteceria com esta busca angustiante pelo conhecimento? Aquele livro que tanto me interessa poderia ser deixado para amanhã, leia-se daqui a uns cinco séculos...

Se o sujeito imortal vivesse desde Cristo, tudo o que a humanidade viveu desde então seria, pela ótica dele, equivalente a um milésimo de segundo (ou nem isso). O quão valoroso é, para nós, seres mortais, um espaço de tempo tão insignificante? Eis o que valeria a vida na imortalidade: nada!

Notem que mesmo as pessoas religiosas que dizem acreditar na vida eterna não vivem de fato como se acreditassem nisso. Deixando de lado a importância de como vivemos para ter acesso ou não ao paraíso eterno, não é difícil perceber que seria pura incoerência alguém que realmente crê que a morte é apenas uma passagem para um paraíso infindável lutar para se manter vivo. O racional, neste caso, seria desejar a “morte” física, para ganhar logo o prêmio sonhado, que é a vida eterna e maravilhosa. O que salva os crentes do destino de Jim Jones e seus seguidores é a hipocrisia e a contradição.

Outro exemplo pode ilustrar o ponto: se há a garantia de que o amor do outro estará lá para sempre, que não há risco algum de ele acabar, então ele perde seu valor! Um relacionamento em que não há a menor chance de dar errado, de acabar, não tem graça para o ser humano. O bicho homem é assim mesmo: precisa do risco da sombra para valorizar a luz!

Por coincidência, postei o seguinte comentário no Facebook pela manhã, lembrando que ontem foi meu aniversário: “Hoje acordei mais velho (nasci à noite), mas me sentindo como um bom vinho, que melhora com o passar do tempo. Ainda que seu destino inexorável, tal como o meu, seja ir para o vinagre de qualquer jeito...” É isso que a turma jovem parece não compreender: esta noção de finitude é o que nos fornece sentido e valor para o presente. Cada respirada deixa uma a menos para a minha última, e por isso eu a valorizo tanto.

É clichê, mas verdadeiro: todos morrem, mas poucos vivem. Viver, aqui, no sentido de realmente aproveitar a vida, deixar sua marca, fazer alguma diferença. Não posso evitar uma profunda preocupação quando vejo pessoas tão jovens sonhando com a vida eterna dos vampiros. O presente vai passando enquanto eles focam na “imortalidade”, não em um futuro próximo, mas em um futuro inexistente e inalcançável!

O filme “Forever Young”, com Mel Gibson, já retratou este sonho em 1992. Não é nada novo, claro. Muito antes disso, outros criaram arte com base nesta utopia. Mas o final do filme é bonito, porque o sonho não consegue eliminar a tragédia, e há beleza na tragédia. O jovem descongelado reencontra a mulher amada, agora bem mais velha, só que suas células envelhecem em ritmo bem mais acelerado que as dela. É isso que faz com que os dois, agora religados (religião vem de religare), possam aproveitar os últimos dias de vida juntos, até que a morte os separe. Nenhum filme seria capaz de manter a emoção sem o “The End”.

O homem precisa da morte para valorizar a vida. Aos colegas do Facebook, aqui vai meu recado: viva a morte!     

10 comentários:

Anônimo disse...

se a nossa vida durasse menos, como a da mosca-das-frutas? isso não aumentaria ainda mais o senso de urgência, a angústia que nos impele à ação?

Sonia disse...

Rodrigo, pelo tempo que te acompanho posso dizer que a cada dia vc se supera. A analogia do vinho eh pouca para vc.
Quero desejar, de coração, que vc tenha uma vida longa, já que sabe muito bem como usa-la, e que nos brinde sempre com suas idéias tão esclarecedoras e brilhantes.
Sou sua fã número um!
PARABÉNS pelo seu aniversario.
Saúde, sucesso e muitas alegrias.

Anônimo disse...

Se os homens alcancarem a eternidade uma coisa é certa , a taxa de suicídio vai almentar, que contradição eim!
Junior Martim

Anônimo disse...

Como dizem os franceses: "Se os velhos pudessem e se os jovens soubessem".
Voilá!

Abrs!
Marcus

rafernandes disse...

Rodrigo,

À respeito do tema deste seu post, recomendo duas obras interessantes. Já que vc lê muito, não custa abrir uma brechinha nas suas convicções cientificistas e examinar primeiro o clássico "Twenty Cases Suggestive of Reincarnation" do Dr. Ian Stevenson publicado inicialmente em 1966 (há uma antiga tradução para o português, encontrável em sebos) e, depois, "The Afterlife Experiments" do Dr. Gary E. Schwartz, Ph.D (publicado originalmente em 2003). Como vc, sou ateu, mas não sou surdo, mudo e cego. Vc se diz um descrente mas, na realidade, isso é apenas uma figura de linguagem pois a descrença não existe; simplesmente vc crê em outra coisa, não é mesmo?
Acho saudável que questionemos permanentemente todo o nosso conjunto de crenças e descrenças pois aqui e ali deparamos com algumas surpresas que exigem um reposicionamento.

Anônimo disse...

refernandes, essas dicas são de livros espíritas?

rafernandes disse...

Ao "Anonymous" acima:

Absolutamente não! Em nenhuma página de ambas obras é sequer citado o "espiritismo". Ambas foram escritas por médicos de ilibada reputação no meio científico mas que tiveram a coragem de desafiar o "establishment" e lançar um olhar perscrutador sobre as possibilidades de vida além-túmulo. Porém, fazem isso sem nenhum viés de religiosidade: a postura é essencialmente científica e a preocupação com o rigor das pesquisas é notória em ambas obras. O problema é que apesar de todo esse rigor científico, as conclusões sugeridas são altamente perturbadoras para quem mantém uma mente aberta quanto ao tema. E essas obras são duas apenas, no meio de dezenas de outras que, com a mesma seriedade abordam o assunto. Minhas convicções "científicas" tiveram suas fundações abaladas e nunca mais fui o mesmo depois de ler estas e outras obras do mesmo calibre.

Anônimo disse...

Rafernandes, o enfoque kardecista é exatamente o descrito por vc a respeito dos livros. Mas entendi. Falou/associou c/ religião vc evita. Eu vou assim que puder dar uma olhada nesses livros. Grato pela dica.

Leandro Santiago disse...

Um pouco cheio de clichês, mas infelizmente condizente com a realidade. A temática vampiros/bruxas tem hoje atraído muitos jovens, mesmo que não no sentido religioso, mas às vezes me preocupo se talvez alienante, já que o nível destas historias costuma ser extremamente pobre em termos literários. Talvez a maior maldição do ser humano tenha sido ter noção de que sua existência enquanto consciência é finita e provavelmente nunca aceitaremos isso.

Não creio que algum dia iremos viver para sempre, mas se vc considerar o aumento espetacular na espectativa de vida média nos últimos séculos ou milênios (pouco mais de 30 anos há somente alguns séculos), não é surpresa que se daqui há alguns milênios não estejamos vivendo algumas centenas de anos e talvez a morte passe do estado de fenômeno natural para somente mais uma doença curável pela avançada medicina.

@rafernandes, sim, é claro. Todo mundo acredita em alguma coisa. Se o indivíduo não acredita em Deus, tem q acreditar em alguma outra coisa. Eu, por exemplo, acredito que 1+1 é 2, levando em consideração a definição do operador +. Desta forma, toda manhã eu rezo para a soma, pedindo que não aconteça algo ruim e 1+1 passe a ser 3 e que todas as minhas perversões sexuais sejam perdoadas pela subtração sagrada.

O que quero dizer é que seu argumento é inválido. Não crer na existência de algo não implica em ter que crer na existência de outra coisa. E obviamente não existe a total descrença, pq um total descrente não acreditaria na existência de nada que seus sentidos são capazes de captar, nem acreditaria na própria existência ou consciência. Um total descrente não se diferenciaria de um lunático.

O sentido de descrente - em especial o ateu - em geral é não acreditar na existência do sobrenatural, o que implica em partir do pressuposto de que todo e qualquer fenômeno no universo pode e deve ser explicado unicamente por elementos deste próprio universo.

Isto descarta tudo que é sobrenatural (portanto não explicável por leis do universo natural), tal como reencarnação, alma, inferno, paraíso, deus e o diabo de quatro.

A diferença entre a crença do "descrente" e a do crente é que este último crê pela fé (não precisa de provas, somente sua vontade), enquanto que o primeiro crê pela dúvida e pelo questionamento. Ou seja, se creio em algo, é pq há evidências na existência deste algo, evidências passíveis de investigação e questionamento.

Anônimo disse...

Qual o sentido que há em divagar sobre o valor do tempo na eternidade?

Acho que todos vcs sabem qua antes do big bang não existia nem tempo, nem espaço e nem matéria.

O tempo na realidade, na visão dos religiosos, deixará de existir. Nesse caso, não se trata do tempo não possuir valor. Ele simplesmente não existirá e nós conheceremos a essência do que é ser Deus.