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quarta-feira, julho 03, 2013

Cosa nostra

Rodrigo Constantino

Deu na FolhaPresidente da Câmara usa avião da FAB para levar noiva e parentes ao Maracanã

O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), usou um avião da Força Aérea Brasileira para levar a noiva, parentes dela, enteados e um filho ao jogo da seleção no Maracanã no domingo.

Um jato C-99 da FAB foi buscar a turma em Natal, terra do deputado. Decolou às 19h30 de sexta-feira rumo ao Rio de Janeiro e retornou no domingo, às 23h, após o jogo.

Ao pedir o avião, Alves informou que 14 passageiros poderiam viajar. Pegaram carona com o deputado sete pessoas: sua noiva, Laurita Arruda, dois filhos e um irmão dela, o publicitário Arturo Arruda, com a mulher Larissa, além de um filho do presidente da Câmara. Um amigo de Arturo entrou no voo de volta.

Isso pode parecer fichinha perto dos escândalos que vemos por aí, mas é assunto da maior gravidade. É sintomático do patamar de confusão entre público e privado do Brasil. Somos um país patrimonialista, onde a "res pública" é vista como "cosa nostra" por aqueles no poder. Esse tipo de abuso deve ser coibido com firmeza. Precisamos de algo como "tolerância zero", punindo com severidade os "pequenos" delitos, para passar a mensagem. Se os abusos menores passarem impunes, isso será um convite para abusos cada vez maiores.

O estado brasileiro não pertence aos políticos. Eles são nossos empregados, foram eleitos para administrar a coisa pública, e não podem se valer disso para benefícios particulares. O avião da FAB é para fins estatais, não para uma família inteira agir como se fosse a bilionária proprietária de um jatinho particular, para curtir um jogo emocionante. Chega! Basta! Está na hora de criarmos uma clara divisão entre o que é público, e o que é privado. 

segunda-feira, maio 28, 2012

República das bananas

Rodrigo Constantino, Revista VOTO

"Vês, pois, que, onde tudo está sob o poder de uma facção, não se pode dizer que existe República." (Cipião)

Quando o então presidente Lula terminou seu segundo mandato, ele declarou que seria sua nova prioridade “provar” que o “mensalão” não passou de uma farsa. Não sendo possível provar isso, uma vez que o “mensalão” claramente existiu e está bem documentado, restou ao ex-presidente apelar para subterfúgios que tentam reescrever a história e jogar fumaça no julgamento dos acusados pelo Supremo Tribunal Federal.

O último episódio desta cruzada imoral foi também o mais abjeto de todos. Segundo o ministro Gilmar Mendes relatou à revista “Veja”, Lula teria solicitado um encontro com este por intermédio do ex-ministro Nelson Jobim, aliado político do ex-presidente. Gilmar Mendes jamais deveria ter aceitado tal convite. Mas o fato é que aceitou e, segundo seus relatos, foi vítima de constrangimento e até ameaça velada por parte de Lula.

O que foi comentado sobre este encontro, se verdadeiro na íntegra, representa um absurdo, um total desprezo pelos valores republicanos. Dada a trajetória de Lula, confesso que não fico nada surpreso com o conteúdo da conversa. O sindicalista sempre encarou a democracia como um simples meio para chegar ao poder, e uma vez lá, não foram poucas as tentativas de enfraquecer as principais instituições republicanas do país.

Conforme revelou Gilmar Mendes, Lula teria solicitado uma espécie de acordo com o ministro. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga Carlinhos Cachoeira, criada pela pressão do próprio Lula por interesses políticos e pessoais, seria suspensa em troca da postergação do julgamento do “mensalão”. Lula teria usado chantagem para convencer Gilmar Mendes, mencionando a viagem para Berlim que o ministro fez em companhia de Demóstenes Torres.

Sendo tudo isso verdade – e não há porque duvidar do ministro Gilmar Mendes –, trata-se de um escândalo de proporções gigantescas para a nossa frágil República. Lula realmente parece ignorar as lições do Barão de Montesquieu, principal iluminista responsável pela moderna divisão dos poderes. Para o ex-presidente, o país pode ser tratado como seu quintal, como uma espécie de feudo onde os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário se misturam por completo.

Tal divisão de poderes foi idealizada justamente para combater o arbítrio do governo, comum na época das monarquias absolutistas tão condenadas pelo próprio Montesquieu. Se o governante se sente no direito de legislar e julgar, além de executar, então o céu é o limite para seus mandos e desmandos. Lula, mesmo fora do cargo de presidente, parece ter deixado sua popularidade subir à cabeça, e não enxerga mais limites constitucionais aos seus desejos. Espera-se que a lei imponha tais limites.

Um dos mais importantes pilares de uma República constitucional que preza o império das leis é justamente um Judiciário independente. Governos autoritários sempre tentaram controlar a Corte Suprema. Foi o caso de Roosevelt nos Estados Unidos, cujo programa “New Deal” era claramente inconstitucional, e o meio encontrado para driblar este inconveniente foi expandir a quantidade de ministros para diluir os opositores.

Dos 11 ministros do STF, já são seis apontados pelo governo petista. Uma das indicações mais controversas foi a de José Antônio Dias Toffoli, por ser conhecido simpatizante do PT e ter trabalhado para membros do partido. Além desta afinidade, sua namorada é advogada de alguns “mensaleiros”. Um mínimo de bom senso e de apreço republicano faria com que o ministro se declarasse impedido de julgar o caso. A decisão ainda não foi tomada, mas o ex-presidente Lula teria dito, na reunião com Gilmar Mendes, que Toffoli tem que participar do julgamento. Como cobrar imparcialidade assim? Será que Lula pensa que estamos em Cuba?

Outro importante pilar de uma república saudável é a ampla liberdade de imprensa. Não por acaso o que resta de nossa imprensa livre tem sido alvo constante dos petistas. Assim que Gilmar Mendes colocou a boca no trombone sobre este nefasto encontro com Lula, o “bunker” virtual dos petistas disparou inúmeras mensagens tentando colocar em dúvida a honra do ministro, levantando suspeitas de uma parceria com a revista “Veja” em interesses obscuros. O ataque, para esta gente, é a melhor defesa. Já sobre o encontro em si e o que foi revelado dele, o ex-presidente preferiu não se manifestar.

É muito triste e também preocupante ver o modo como alguns petistas, incluindo o ex-presidente Lula, tratam as instituições republicanas de nosso país. Se dependesse somente deles, já seríamos uma legítima República das Bananas. Não estamos livres deste destino, como a vizinhança latino-americana pode atestar. Mas enquanto isso, que eles saibam que ainda há quem lute pela República neste país!

terça-feira, novembro 15, 2011

República das Bananas

Rodrigo Constantino, O GLOBO

Neste feriado, que celebra mais um aniversário de nossa República, vem ao caso refletirmos sobre os rumos de nosso país. Até que ponto vivemos sob um regime que podemos chamar, efetivamente, de republicano?
Todos dizem defender a “res pública”, até mesmo os regimes socialistas totalitários. Mas a essência do modelo republicano está na questão da representatividade. Sem um modelo eficiente de representação política, com claros limites constitucionais ao poder do Estado, não é adequado chamar de República o regime.
Sob esta ótica, o Brasil não está nada bem na foto. Feudalismo, patrimonialismo ou mercantilismo: esses são os termos mais adequados para descrever nosso modelo. Há extrema concentração de poder no governo central, dominado por uma patota que transformou a coisa pública em “cosa nostra”. O Estado foi privatizado. A pilhagem é sistemática.
Um “Ogro filantrópico” (Octavio Paz). Um “Dinossauro” (Meira Penna). Estas são as imagens mais fiéis ao Estado brasileiro, uma máquina que distribui privilégios aos “amigos do rei”, enquanto espalha os custos, especialmente sobre a classe média, esmagada pelos impostos e sem representação política adequada. Ou o leitor se sente representado em Brasília?
Nossa República nasceu sem participação popular. Entre os principais motivos de descontentamento com a monarquia, estavam os altos índices de analfabetismo e de miséria. Pergunto: como estamos após 122 anos? Malgrado algumas conquistas, parece evidente que o modelo tem fracassado, e muito. Temos elevado índice de analfabetismo funcional, péssima qualidade de ensino público, e muita miséria ainda.
Inúmeros parasitas são sustentados pelas benesses estatais, restando aos hospedeiros uma fatura que já chega a um trilhão de reais! Se as instituições republicanas já eram frágeis, foram enfraquecidas ainda mais durante a gestão petista. O ex-presidente Lula muito contribuiu para esgarçar de vez os valores republicanos, ao escancarar, com escárnio, suas alianças espúrias em nome da “governabilidade”.
O “mensalão”, com sua completa impunidade até agora, foi a pá de cal nas esperanças daqueles que sonham com um modelo mais justo e ético. Levaremos anos, quiçá décadas, até recuperarmos os estragos causados pelos abusos de poder do lulopetismo. O Estado foi transmutado em um gigantesco instrumento de compra de votos, possível graças ao crescimento chinês, que inundou o Brasil com divisas para a compra de recursos naturais. A expansão de crédito fez o restante.
O governo criou bolsas para diversas classes, desde as esmolas para os mais pobres, até a “Bolsa Empresário” do BNDES. Os sindicatos foram comprados, assim como a UNE, que aderiu a um constrangedor silêncio frente aos infindáveis escândalos de corrupção. As ONGs, agora em evidência, ignoraram a letra N e se tornaram braços governamentais envoltos em esquemas de desvio de recursos públicos. As exceções comprovam a regra.
Alguns podem alegar que a elevada popularidade justifica isso tudo. Os que assim fazem apenas demonstram não compreender o conceito de República. Até Mussolini foi popular na Itália fascista! Como Cícero explica nos diálogos sobre a República Romana, "não creio que corresponda mais o nome de República ao despotismo da multidão”. Tirania popular ainda é tirania.
O Brasil não chega a tanto, é verdade. Não estamos no mesmo estágio da Venezuela de Chávez, a despeito do desejo de muitos petistas. Mas ainda vivemos no Antigo Regime, das castas e capitanias hereditárias, tributário do autoritarismo da Era Vargas e do positivismo. Estamos muito distantes da Grande Sociedade Aberta e do império da lei isonômica.
O alerta feito por Ayn Rand mostra a precária situação brasileira: "Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto-sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada”.
Vamos deixar isso acontecer passivamente? Republicanos legítimos, uni-vos! Está na hora de romper com os grilhões do patrimonialismo e instaurar uma República de fato em nosso país.

domingo, outubro 30, 2011

República destroçada

Marco Antonio Villa - O Estado de S.Paulo

Em 1899 um velho militante, desiludido com os rumos do regime, escreveu que a República não tinha sido proclamada naquele mesmo ano, mas somente anunciada. Dez anos depois continuava aguardando a materialização do seu sonho. Era um otimista. Mais de cem anos depois, o que temos é uma República em frangalhos, destroçada.

Constituições, códigos, leis, decretos, um emaranhado legal caótico. Mas nada consegue regular o bom funcionamento da democracia brasileira. Ética, moralidade, competência, eficiência, compromisso público simplesmente desapareceram. Temos um amontoado de políticos vorazes, saqueadores do erário. A impunidade acabou transformando alguns deles em referências morais, por mais estranho que pareça. Um conhecido político, símbolo da corrupção, do roubo de dinheiro público, do desvio de milhões e milhões de reais, chegou a comemorar recentemente, com muita pompa, o seu aniversário cercado pelas mais altas autoridades da República.

Vivemos uma época do vale-tudo. Desapareceram os homens públicos. Foram substituídos pelos políticos profissionais. Todos querem enriquecer a qualquer preço. E rapidamente. Não importam os meios. Garantidos pela impunidade, sabem que se forem apanhados têm sempre uma banca de advogados, regiamente pagos, para livrá-los de alguma condenação.

São anos marcados pela hipocrisia. Não há mais ideologia. Longe disso. A disputa política é pelo poder, que tudo pode e no qual nada é proibido. Pois os poderosos exercem o controle do Estado - controle no sentido mais amplo e autocrático possível. Feio não é violar a lei, mas perder uma eleição, estar distante do governo.

O Brasil de hoje é uma sociedade invertebrada. Amorfa, passiva, sem capacidade de reação, por mínima que seja. Não há mais distinção. O panorama político foi ficando cinzento, dificultando identificar as diferenças. Partidos, ações administrativas, programas partidários são meras fantasias, sem significados e facilmente substituíveis. O prazo de validade de uma aliança política, de um projeto de governo, é sempre muito curto. O aliado de hoje é facilmente transformado no adversário de amanhã, tudo porque o que os unia era meramente o espólio do poder.

Neste universo sombrio, somente os áulicos - e são tantos - é que podem estar satisfeitos. São os modernos bobos da corte. Devem sempre alegrar e divertir os poderosos, ser servis, educados e gentis. E não é de bom tom dizer que o rei está nu. Sobrevivem sempre elogiando e encontrando qualidades onde só há o vazio.

Mas a realidade acaba se impondo. Nenhum dos três Poderes consegue funcionar com um mínimo de eficiência. E republicanismo. Todos estão marcados pelo filhotismo, pela corrupção e incompetência. E nas três esferas: municipal, estadual e federal. O País conseguiu desmoralizar até novidades como as formas alternativas de trabalho social, as organizações não governamentais (ONGs). E mais: os Tribunais de Contas, que deveriam vigiar a aplicação do dinheiro público, são instrumentos de corrupção. E não faltam exemplos nos Estados, até mesmo nos mais importantes. A lista dos desmazelos é enorme e faltariam linhas e mais linhas para descrevê-los.

A política nacional tem a seriedade das chanchadas da Atlântida. Com a diferença de que ninguém tem o talento de um Oscarito ou de um Grande Otelo. Os nossos políticos, em sua maioria, são canastrões, representam mal, muito mal, o papel de estadistas. Seriam, no máximo, meros figurantes em Nem Sansão nem Dalila. Grande parte deles não tem ideias próprias. Porém se acham em alta conta.

Um deles anunciou, com muita antecedência, que faria um importante pronunciamento no Senado. Seria o seu primeiro discurso. Pelo apresentado, é bom que seja o último. Deu a entender que era uma espécie de Winston Churchill das montanhas. Não era, nunca foi. Estava mais para ator de comédia pastelão. Agora prometeu ficar em silêncio. Fez bem, é mais prudente. Como diziam os antigos, quem não tem nada a dizer deve ficar calado.

Resta rir. Quem acompanha pela televisão as sessões do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e as entrevistas dos membros do Poder Executivo sabe o que estou dizendo. O quadro é desolador. Alguns mal sabem falar. É difícil - muito difícil mesmo, sem exagero - entender do que estão tratando. Em certos momentos parecem fazer parte de alguma sociedade secreta, pois nós - pobres cidadãos - temos dificuldade de compreender algumas decisões. Mas não se esquecem do ritualismo. Se não há seriedade no trato dos assuntos públicos, eles tentam manter as aparências, mesmo que nada republicanas. O STF tem funcionários somente para colocar as capas nos ministros (são chamados de "capinhas") e outros para puxar a cadeira, nas sessões públicas, quando alguma excelência tem de se sentar para trabalhar.

Vivemos numa República bufa. A constatação não é feita com satisfação, muito pelo contrário. Basta ler o Estadão todo santo dia. As notícias são desesperadoras. A falta de compostura virou grife. Com o perdão da expressão, mas parece que quanto mais canalha, melhor. Os corruptos já não ficam envergonhados. Buscam até justificativa histórica para privilégios. O leitor deve se lembrar do símbolo maior da oligarquia nacional - e que exerce o domínio absoluto do seu Estado, uma verdadeira capitania familiar - proclamando aos quatro ventos seu "direito" de se deslocar em veículos aéreos mesmo em atividade privada.

Certa vez, Gregório de Matos Guerra iniciou um poema com o conhecido "Triste Bahia". Bem, como ninguém lê mais o Boca do Inferno, posso escrever (como se fosse meu): triste Brasil. Pouco depois, o grande poeta baiano continuou: "Pobre te vejo a ti". É a melhor síntese do nosso país.

HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS(UFSCAR)