quarta-feira, junho 07, 2006

Moedas Concorrentes



Rodrigo Constantino

“Os males desesperados são aliviados com remédios desesperados ou, então, não têm alívio.” (Shakespeare, em Hamlet)

O austríaco prêmio Nobel, Hayek, pregou como remédio para as mazelas do monopólio monetário estatal, que havia gerado crescente inflação, uma drástica medida: a desestatização do dinheiro. A princípio, sua sugestão gera bastante desconforto, por ser tão fora dos costumes enraizados na sociedade. Mas no decorrer de sua explanação lógica, vemos que faz bastante sentido a proposta de termos entidades privadas competindo na emissão de moedas.

Vale antes um caveat: o próprio autor reconheceu ter apenas arranhado a superfície do complexo formado pelas novas questões. A idéia da desestatização da moeda, portanto, está longe de ser algo pronto e certo. Mas sua improbabilidade imediata não deveria nos afastar de uma profunda reflexão sobre seus prós e contras. Idéias revolucionárias nunca encontram muito eco no senso comum no primeiro momento. Mas, como Hayek mesmo lembra, “aquele que afunda num pântano não pode escapar dando um pequeno passo: sua única esperança só pode estar num longo salto”.

Em primeiro lugar, Hayek deixa claro que não pretende proibir o governo de fazer qualquer coisa que seja no sentido da moeda. Ele apenas se opõe que ele impeça que outros façam o que sabem fazer melhor que ele. O grande argumento em prol de emissores privados da moeda é que sua sobrevivência a longo prazo seria totalmente dependente da confiança do público. Qualquer desvio da atitude correta de fornecer ao público um dinheiro estável e honesto iria, imediatamente, redundar na rápida substituição da moeda infratora por outras. A competição do lado da oferta de bens e serviços sempre foi a maior garantia de bons produtos para os consumidores. A maior vantagem do esquema proposto “está no fato de ele impedir os governos de ‘protegerem’ as moedas que emitem contra as conseqüências adversas de suas próprias medidas e, assim, de impedir que os governantes continuem adotando essas medidas prejudiciais”. Em resumo, “os governos perderiam a capacidade de camuflar a depreciação do dinheiro que emitem”.

Somos obrigados a aceitar a moeda imposta pelo governo, mesmo que a consideremos insatisfatória. Os governos sempre tiveram interesse em preservar esse monopólio, persuadindo o público de que o direito de emitir dinheiro lhes pertence com exclusividade. A prerrogativa da cunhagem do governante foi consolidada pelos imperadores romanos. Desde seus primórdios, essa prerrogativa não foi reivindicada nem concedida em nome do bem geral, mas usada, simplesmente, como um elemento essencial do poder dos governos. Com Marco Polo, ficamos sabendo que a recusa do papel-moeda imperial na China era punível com a morte. Em 1933, durante a Grande Depressão, o governo americano proibiu todo cidadão ou empresa de manter em sua posse ouro monetário. Governos não gostam de competição, pois querem controlar seus súditos.

A senhoriagem, ou seja, a taxa cobrada para cobrir os custos de cunhagem, sempre foi uma fonte de lucro para os governos, e foi ampliada até ultrapassar o custo de fabricação da moeda. Esses governos acabaram recolhendo as moedas em circulação e cunhando novas, com teor metálico menor. A inflação, ou perda de valor de compra da moeda, é algo tão antigo quanto o controle monetário pelo governo. Mais recentemente, a emissão descontrolada de papel-moeda para cobrir o déficit fiscal do governo ajudou muito na expansão deste, tolhendo a liberdade individual e espalhando miséria, posto que a inflação é o imposto mais perverso para os mais pobres. Como disse Alan Greenspan, ex-presidente do Fed, em 1966: “O deficit crônico do governo é simplesmente um esquema para o confisco disfarçado da riqueza alheia”.

Foge ao escopo desse artigo entrar em maiores detalhes sobre os tópicos abordados por Hayek. Para tanto, sugiro a leitura do livro “Desestatizando o Dinheiro”. Uma reflexão maior sobre os pontos levantados pelo autor fariam muito bem a um país onde vários economistas ainda acham que a taxa de juros é um preço arbitrariamente definido pelo governo e que a inflação não é um fenômeno monetário, dependente da quantidade de moeda. Para concluir, as palavras do próprio Hayek: “Nada poderia ser melhor do que retirar do governo seu poder sobre o dinheiro e, portanto, deter a aparentemente irresistível tendência em direção ao aumento acelerado da parcela da renda nacional que o governo pode reivindicar”. Quanto mais completamente as finanças públicas puderem ser separadas da regulação da circulação monetária, melhor será.

2 comentários:

Lisavieta disse...

Já houve algum esforço ou progresso no sentido de desestatização do dinheiro em algum país?

Rodrigo Constantino disse...

Que eu saiba, não. Mas existem graus maiores ou menores de liberdade, ao menos para escolher outras moedas de outros países.