Idéias de um livre pensador sem medo da polêmica ou da patrulha dos "politicamente corretos".
quinta-feira, maio 07, 2009
Juventude Destroçada
Rodrigo Constantino
“A Revolução Cultural tomou minha juventude, de mim e de toda minha geração.” (Zhu Xiao-Mei)
Muitos são os que decretaram a morte do comunismo, e consideram a disputa entre esquerda e direita ultrapassada. No entanto, creio que o perigo comunista ainda existe, apesar de trazer nomes diferentes. No fundo, acredito que o grande combate se dá entre individualismo e coletivismo. Nas suas diferentes formas, o coletivismo é uma praga que transforma o indivíduo em meio sacrificável, que pretende anular o que há de individual em cada um de nós. Para os coletivistas, desejar seguir os próprios sonhos é algo “egoísta”, um pecado. Nesse contexto, recomendo a leitura do livro O Rio e seu Segredo, de Zhu Xiao-Mei, a pianista chinesa que desafiou o regime totalitário de Mao para poder tocar piano, sua grande paixão.
O relato biográfico de Xiao-Mei é comovente. Aos 3 anos de idade, ela viu chegar à sua casa o piano que sua mãe comprara. Nascia ali uma verdadeira paixão, que infelizmente encontraria um enorme obstáculo: o regime comunista. Para os revolucionários chineses, o piano era um instrumento burguês, e a própria origem burguesa de Xiao-Mei seria um constante fardo que iria acompanhá-la; ela tinha uma “má origem”. Xiao-Mei era apenas uma criança quando Mao lançou sua Revolução Cultural. Ali começava a destruição de sua juventude. É preciso lembrar que toda a desgraça vivida por Xiao-Mei pode ser multiplicada por centenas de milhões para se compreender a dimensão do estrago causado pelo comunismo na China. Isso sem falar que, como ela mesma reconhece, seu caso está longe de ser o pior. Dezenas de milhões não tiveram tanta “sorte” e foram mortos como ratos pelos revolucionários, além dos que não suportaram a humilhação e se suicidaram.
A essência do problema não escapa à atenção da autora: “Nossa vida gira em torno desta palavra: a coletividade. Aprendemos dia após dia que ela é mais importante do que tudo, mais do que a família”. E continua: “O princípio é simples: nossos pensamentos não pertencem somente a nós, mas também ao Partido. É preciso entregá-los a ele, mesmo os mais íntimos, e se submeter a seu julgamento, pois só ele sabe o que é bom ou ruim, justo ou falso”. No coletivismo chinês, o indivíduo precisa ser destruído, assim como o grande pilar que sustenta a individualidade: a família. As pequenas crianças são pressionadas para renegarem seus próprios pais, especialmente as de “má origem”. Elas devem ver seus pais como traidores da causa comum, da luta pelo “bem-geral”. O estrago que isso faz na cabeça de uma criança que idolatra seus pais pode ser imaginado. Xiao-Mei lamenta: “A Revolução Cultural me corrompeu, fez de mim uma culpada. Em um determinado momento, chegou a matar em mim o senso moral”.
Perdendo apoio após O Grande Salto para Frente (reformas coletivistas que mataram de fome milhões de chineses), Mao encontrou na doutrinação de crianças sua nova e poderosa arma. Um forte culto à personalidade, típico dos regimes totalitários, teve início. Mao era o substituto da imagem de pai perfeito que crianças pequenas normalmente criam. Como Xiao-Mei diz, “é preciso confiar em Mao, ele tem razão, ele tem necessariamente razão, não é imaginável que possa ser diferente”. A luta de classes é usada como meio de manipulação: de um lado estão os oprimidos, representados por Mao; do outro estão os exploradores pequeno-burgueses. É preciso escolher um lado. O sangue começa a jorrar nas ruas, mas as crianças aprendem que este é o preço necessário para libertar a China, para garantir um futuro maravilhoso para todos. Os fins justificam os meios: eis a máxima central de todo regime que pratica infindáveis atrocidades.
Todos são “reeducados”, ou seja, precisam aprender que nada são perto do todo, do coletivo. Xiao-Mei reconhece que naqueles tempos era apenas “uma criatura sem cérebro, concebida para um único objetivo, ser como as outras”. O ideal coletivista é uma colônia de insetos gregários, onde as diferenças que incomodam os invejosos desaparecem, restando apenas a igualdade forçada, uma massa de medíocres. O grande pecado de Xiao-Mei? Sentir uma compulsão pela música, um desejo incontrolável de tocar, de se expressar, de interpretar grandes gênios da música clássica. Para piorar, ela adorava músicos ocidentais, como Bach e Beethoven, um crime ainda mais grave para xenófobos com ”complexo de vira-lata”. Por esse terrível crime, ela deve ir para o campo praticar trabalhos forçados sob condições desumanas, para ser “reeducada”. O regime vai transformá-la numa boa revolucionária. Com vários outros artistas, Xiao-Mei acaba passando cinco anos de sua vida em campos de trabalho forçado.
O resultado dessa experiência, ela mesmo conta: “A vida no campo não é feita para nos educar; ela é feita para nos embrutecer”. Até mesmo o banho era dificultado, pois era “uma maneira entre outras de minar nosso sentimento de dignidade”. “Não há nenhum lugar para qualquer espécie de intimidade aqui. A própria idéia decorre de sentimentos burgueses”. O único meio que resta para a defesa é a agressão. Todos se tornam brutos, estimulados pelo próprio regime a entregar qualquer falha revolucionária nos colegas. Um bando de espiões dedos-duros é formado, e ninguém pode mais confiar em ninguém.
Um caso extremo era relatado com orgulho pelos coletivistas, pela prova de fidelidade à revolução: uma mãe recebeu dois telegramas avisando que seu filho pequeno estava gravemente doente e precisava dela em Pequim, mas ela recusou ir, pois precisava cuidar de um porquinho doente, do qual ela era encarregada. O filho morreu e ela não derramou lágrima alguma. Pouco depois, o porco morreu, e ela chorou. Eis a mensagem: “um porco nutre a coletividade, o apego que se tem a um filho é um sentimento individualista e burguês”. Na essência, esse é o ideal coletivista.
A “reeducação” nada mais era do que uma intensa doutrinação ideológica, uma verdadeira lavagem cerebral. As crianças eram obrigadas a decorar o Pequeno Livro Vermelho, de Mao. Depois de tantos anos com apenas essa leitura disponível, pois livros “burgueses” foram queimados, as crianças tinham duas novas leituras: Lênin e Marx! Ainda hoje, muitas pessoas, incluindo famosos “intelectuais”, repetem que o regime comunista cubano acabou com o analfabetismo e tem como ponto forte a educação. É isso que chamam de educação? Proibir livros e obrigar a leitura de lixo ideológico? Xiao-Mei afirma: “Tínhamos sido todos transformados em marionetes, em máquinas prontas para obedecer cegamente a todas as injunções do regime”. Como Mário Quintana disse muito bem, “os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem”. A Revolução Cultural de Mao, assim como a “educação” cubana, não passava de uma máquina de criar analfabetos!
Após a visita de Richard Nixon, o regime chinês permite alguma abertura, ainda que tímida. Xiao-Mei pode, então, ter acesso ao filme de Richard Bach, Fernão Capelo Gaivota, que conta a história de um pássaro que não quer viver como todo mundo, que sonha em voar mais alto, em desafiar seus próprios limites. Esse filme perturba bastante a autora. Os Estados Unidos representam o país da liberdade. Ela deseja fugir para lá o quanto antes. Para sua sorte, ela consegue fugir para Hong Kong, e depois embarca para a América. Uma nova fase começa. Ela finalmente pode se dedicar ao piano, apesar das privações que enfrenta no começo. Com o tempo, ela acaba em Paris, vira professora e faz concertos em vários países. Sua vida começa tarde, pois sua juventude fora roubada, destroçada pelo regime comunista, pelo coletivismo insano de uma época.
A trajetória dramática e verídica da autora, relatada no livro, representa a luta de um indivíduo pela liberdade. Essa luta encontra muitas barreiras, pois não há nada que os coletivistas detestem mais do que isso: alguém que não aceita ser transformado em meio sacrificável pelo “bem-geral”. O comunismo, até mesmo na China, está praticamente morto, apesar de ainda haver fortes resquícios de totalitarismo por lá, sem falar de Cuba ou Coréia do Norte. Mas o coletivismo não morreu. Pelo contrário: parece cada vez mais forte. E ele representa o maior inimigo da liberdade individual. É justamente a mentalidade coletivista que permite atrocidades como a Revolução Cultural de Mao, responsável pela juventude destroçada de toda uma geração.
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4 comentários:
Triste este relato, mas é o q acontece com qualquer um q ouse ambicionar algo em um regime como este - os atletas cubanos fugitivos(q o Brasil fez o nefando favor de devolver à prisão comunista da duplinha Fidel & Raul) q o digam. Ainda bem q ela teve mais sorte!
Ela e outros q se recusaram a se inclinar e se submeter a este abjeto regime e similares e ousaram lutar pelos seus sonhos e ideais são verdadeiros heróis!
P.S: Linda a foto deste piano, Rodrigo, sou pianista tb e adoraria ter um desses, hehehehehe
;)
Texto para arquivo. Parabenizar chega a ser redundante, tão maravilhosamente bem elaborada análise; as pessoas deveriam ter mais contato com essa filosofia.
Irei divulgá-lo. Quem pensa c/ grupo ou partido já não pensa, apenas repete uma linha dogmática qualquer.
O COLETIVISMO TEM RAÍZES PROFUNDAS E ANTIGAS; REDUCIONISTA POR EXCELÊNCIA, LUTA COM FUROR CONTRA A INDIVIDUALIDADE TÃO COMPLEXA DO "SAPIENS", QUERENDO PROJETAR NELE UMA NATUREZA SERVIL,DA QUAL ELE PROCURA SE LIVRAR POR SÉCULOS.SU
Rodrigo
Talvez a coisa mais impressionante seja o auto-engano dos chamados "moderados".
Se você perguntar a qualquer "progressista" do mundo ele dirá que jamais colaboraria para produzir tamanha injustiça. Mas tal afirmação é uma mentira louca. Sem o apoio econômico e jornalístico de ocidentais "progressistas" e "bondosos", regimes genocidas jamais teriam tido tanta força.
Durante quase cem anos uma enorme companhia de professores e jornalistas tem mentido sistematicamente em favor de regimes psicopatas.
Os socialistas "moderados" são cúmplices de quase todo genocídio, nos últimos cem anos.
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