terça-feira, fevereiro 07, 2012

Capitalismos

João Luiz Mauad, O GLOBO

Em meio a declarações bombásticas, como “o capitalismo faliu a sociedade” ou “precisamos redesenhar o modelo”, foi realizado em fins de janeiro, o Fórum Econômico Mundial, versão 2012, que, segundo os organizadores, buscava “novos modelos para reformar o capitalismo” (quanta pretensão!).

Ao ler esses disparates, tem-se a nítida impressão de que o Fórum de Davos se parece cada vez mais com o famigerado Fórum Social Mundial. Mais alguns anos e os socialistas do FSM nem precisarão mais gastar dinheiro com sua patuscada anual em Porto Alegre. A trupe dos Alpes - composta de lideranças políticas, empresariais e acadêmicas -, ela mesma a responsável primária pelos problemas atuais dessa coisa disforme que ainda insistem chamar de capitalismo, fará todo o serviço por eles.

Foi Marx quem deu nome ao modelo de organização econômica que substituiu o feudalismo e o mercantilismo. O capitalismo, entretanto, não foi criado por nenhuma mente brilhante, nem parido em saraus intelectuais que visavam mudar o mundo ou a natureza humana. Ao contrário, surgiu como resultado natural dos processos sociais de divisão do trabalho e trocas voluntárias, realizados num ambiente de liberdade até então poucas vezes visto ao longo da história.

Os economistas clássicos chamavam-no de laissez-faire. O governo era um mero coadjuvante, cujo papel limitava-se a fazer cumprir os contratos, proteger a vida e a propriedade dos cidadãos. As maiores virtudes desse modelo, na visão de Adam Smith, eram a liberdade de empreendimento e o governo limitado – este último um antídoto contra as arbitrariedades, os desmandos e as falcatruas inerentes ao poder político. Em resumo, o sistema pouco dependia das virtudes dos bons governantes, enquanto os danos causados pelos maus eram mínimos.

Por conta de um desses grandes paradoxos da vida, no entanto, o livre mercado preconizado pela Escola Clássica, embora tivesse trazido volumes de riqueza inauditos aos países que o abraçaram, foi sendo paulatinamente substituído, principalmente no decorrer do século XX, por um novo arranjo institucional, na verdade uma teratologia apelidada de capitalismo de estado.

O processo de substituição foi bastante facilitado pelo fato de que muito poucos estavam dispostos a defender, politicamente, o capitalismo liberal. Não é de admirar. O liberalismo, afinal, é muito arriscado, pouco previsível e totalmente incontrolável, seja por empresários, políticos ou acadêmicos. Tal modelo, embora possibilite uma acumulação coletiva extraordinária de riqueza, está longe de ser um caminho seguro para o sucesso individual.

No capitalismo de estado, por outro lado, o governo é capturado por grupos de interesse que o utilizam para promover a transferência de riqueza e status. Num processo lento, mas ininterrupto, castas influentes e bem articuladas obtêm privilégios especiais, contratos, empregos, benefícios fiscais, créditos baratos, resgates e proteções diversas, sempre às custas do imposto alheio. No fim e ao cabo, haverá mais parasitas que hospedeiros. O resultado final dessa loucura não é fácil de antever, mas os cenários possíveis são pouco animadores: desemprego em massa, hiperinflação, revolução, guerra ou alguma combinação.

Embora seja muito difícil ao bom senso aceitar que certos vícios pessoais - gastos maiores que a renda; endividamentos progressivos; intromissão siatemática na vida alheia - possam ser virtuosos quando praticados por governos, o que se vê atualmente é o mais absoluto desprezo às virtudes da prudência e da parcimônia, bem como às liberdades individuais, tão caras aos economistas clássicos.

Diariamente, os jornais dão conta de salvamentos bancários, injeções maciças de recursos públicos em empresas falidas, torrentes de dinheiro despejadas no sistema, além da produção de centenas de milhares de novas regulamentações. Apesar disso, os arautos do capitalismo de estado, na ilusão de que todos os problemas econômicos podem ser resolvidos pela vontade política, insistem em que o mundo precisa de ainda mais supervisão, mais gastos e mais regulação, o que fatalmente redundará em mais corporativismo e mais favorecimento.

Os defensores da espiral intervencionista, no entanto, se esquecem que hoje vivemos o amanhã de ontem. E, malgrado esta quimera que chamam de neoliberalismo, para qualquer lado que se olhe, nos últimos 80 anos, só enxergamos o inchaço dos estados. Na realidade, se o capitalismo de estado fosse essa panacéia toda, jamais teríamos mergulhado noutra crise.

12 comentários:

Leandro Jardim disse...

Excelente!

Anônimo disse...

Realmente excelente. Mas como sou novo no assunto tenho uma pergunta...
a propósito de:
"O governo era um mero coadjuvante, cujo papel limitava-se a fazer cumprir os contratos, proteger a vida e a propriedade dos cidadãos"
pergunto: somente isso do governo? Ou poderíamos acrescentar educação, saúde e saneamento básico, por exemplo? Alguma outra atribuição dele?
Rodrigo

brenoalmpq disse...

Esse articulista é muito bom.Não conhecia. Eu não leio O Globo não sabia que eles davam espaço para esse tipo de idéia. Supresa agradavel.

francisco chagas disse...

Estou extremamente decepcionado com vc. Três aeroportos foi privatizados e vc não falou nada a respeito. Como um "liberal com orgulho" pode se calar nesse momento quando uma das teses que nós mais defendemos é aplicada. O fato de ser implantada pela esquerda reforça ainda mais nosso argumento : eles viram que estavam errados quando estavam contra. Não importa se foi feito pelo PT. O que importa é a idéia. Vc tem compromisso com a idéia ou com partidos ? Seu silêncio é constrangedor

Anônimo disse...

Só que foi uma privatização à moda brasileira. Ou seja, a Infraero ainda tem 49% dos aeroportos =/

samuel disse...

Prof Constantino me perdoe de antecipar uma resposta ao Anonymous said... 4:39 PM
Realmente excelente.... somente isso do governo? Ou poderíamos acrescentar educação, saúde e saneamento básico, por exemplo? Alguma outra atribuição dele?
Governo não precisa ser responsável por nenhuma dessas funções arroladas por VS. Podem ser feitas e melhor pela iniciativa privada.
Recomendo a leitura do excelente livro do professor Milton Friedman “FREE TO CHOOSE” Ele explica ali como podem ser privadamente fornecidos cada um desses serviços e as vantagens.

samuel disse...

Peço ao “francisco chagas said...
Estou extremamente decepcionado com vc.”
LER e RELER O ARTIGO do colunista João Luiz Mauad. Ele foi escrito para essa “privatização”. Exemplo clássico de capitalismo de estado: 80% do capital necessário serão fornecidos pelo BNDES, seu dinheiro de imposto; 49% continuam na mão da empresa estatal INFRAERO.
O que estamos presenciando é definido pela frase feliz do colunista: “No capitalismo de estado, por outro lado, o governo é capturado por grupos de interesse que o utilizam para promover a transferência de riqueza e status.”
Quais são os vencedores do Leilão? Os mesmos que ganham todas as concorrências e estão em todos os negócios bons ofertados pelo governo.
O suporte de “know how” vai ser fornecido por uma empresa Africana e outra Argentina. UM EVIDENTE “DOWNGRADE” NA QUALIDADE, mas muito propícias a “acertos”.

Anônimo disse...

Grato Samuel pela resposta. Entendo e aceito o ref. a saúde e educação. Mas e o saneamento básico, coleta de lixo por exemplo? Se eu cuidar de meus descartes e o vizinho não, terei problemas, certo? Vou ler o livro, mas se vc puder dar uma opinião sobre isso...

Rafa disse...

A nova estatização de Guarulhos

http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1219


"O aeroporto foi arrematado por um consórcio formado por duas empresas, INVEPAR e ACSA, que ofereceram o maior lance do leilão, R$ 16,213 bilhões de reais, 26% maior do que o lance proposto pelo segundo colocado."

"A INVEPAR foi criada em março de 2000. Hoje, seus acionistas são a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI através do BB Carteira Livre I Fundo de Investimentos em Ações), Fundação Petrobras de Seguridade Social (PETROS), Fundação dos Economiários Federais (FUNCEF) e Construtora OAS Ltda."

"A distribuição final para o aeroporto de Guarulhos ficou assim: os fundos de pensão, representados pela INVEPAR, detêm 90% do consórcio vencedor, ao passo que a ACSA responde pelos 10% restantes. Ambas as empresas deterão 51% de participação. A INFRAERO permanecerá com os 49% restantes. E o governo federal efetuou a sensacional façanha de entregar o gerenciamento de uma atividade estatal para mais outras duas empresas estatais. Portanto, temos agora três estatais cuidando de Guarulhos. E a mídia está chamando isso de privatização. "

"Ademais, quais as experiências destas duas empresas no setor aéreo? A INVEPAR não possui nenhuma. Suas áreas são rodovias e metrôs... Já a ACSA de fato lida com aeroportos, mas com nenhum de amplo relevo."

"Por exemplo, dentre os vários consórcios participantes, havia três que realmente entendiam do riscado e que possuíam comprovada competência no setor de administração aeroportuária: Changi, Flughafen Zurich e Fraport.

A Changi é a empresa responsável pela administração do moderníssimo aeroporto de Cingapura; a Flughafen Zurich é a empresa que opera o aeroporto suíço de Zurique; e a Fraport opera o aeroporto de Frankfurt."

"A Fraport detém 70% da empresa que administra Aeroporto Internacional de Callao no Peru. A concessão foi feita em 2001 dando 30 anos para essa empresa administrar o aeroporto. Após reformas, o aeroporto foi eleito em 2009, 2010 e 2011 o melhor aeroporto da América Latina."



E esse é o BRASIL!

Anônimo disse...

'Se eu cuidar de meus descartes e o vizinho não, terei problemas, certo?'

Certo, mas ninguém te obriga a morar perto de gente estúpida

francisco chagas disse...

Por isso que as privatizações não vão para frente nesse país. Sempre acham um defeito ! Parece até que esse artigo do mises.org foi escrito por alguém do PSTU. Os fundos de pensão estão em todos os negócios nesse país. Vai se fazer o que ? Proibí-los ? "Mas tal empresa não ganhou" ! E daí ? Não ganhou por que não ofereceu uma proposta melhor ! E o atraso continua ..... No Brasil, até liberal critica privatização !

samuel disse...

Agradeço ao Rafa pela complementação das informações. Eu não havia lido o artigo, muito bem instruido.
Meu comentário se baseou apenas no que foi publicado na folha sp, que aliás defendia a tal da "privatização"...