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sexta-feira, julho 19, 2013

A mensagem de Eike Batista

Fonte: Correio do Estado
Rodrigo Constantino

Eike Batista finalmente decidiu se pronunciar sobre a hecatombe que vem pulverizando seu império. Ele assume alguns erros, defende-se da acusação de ser um oportunista que surfou uma onda, ou um vendedor de ilusões por powepoint, trazendo seu histórico empreendedor à tona. Há pontos corretos, a meu ver, e outros nem tanto. Ele diz:

Muitas vezes as pessoas imaginam que surgi do nada, em meio a uma febre desenfreada de aberturas de capital, e que surfei na onda de um mercado em alta que, sem qualquer razão aparente, me ofereceu um cheque em branco com algumas dezenas de bilhões para que eu pudesse brincar de empreender. Nestes últimos anos aprendi muito, errei e acertei em diversos projetos contribuindo para geração de riqueza para terceiros, para mim e principalmente para investidores. Se algum dia mereci a confiança do mercado, foi porque havia uma trajetória de mais de 30 anos de muito trabalho, desafios superados, sucesso e uma capacidade comprovada de cumprir compromissos.

Sim, é verdade que ele já tinha um currículo de sucesso em outras empreitadas, e alguns fracassos também (quem não tem?). Mas não resta dúvida de que o patamar atingido em tão curto espaço de tempo não guarda nenhuma proporção com esse passado. A magnitude dos empreendimentos recentes desafia qualquer lógica de pura confiança na trajetória bem-sucedida de antes. Há outra razão para crescimento tão meteórico, portanto. 

E, para mim, esse foi um fenômeno exógeno mais que qualquer coisa. Foi o que tentei explicar no meu artigo para o GLOBO, onde faço um paralelo de seu "sucesso" econômico com o "sucesso" político de Lula. Ambos surfaram, sim, uma forte onda que veio de fora, conscientes ou não disso. 

Há também o fator BNDES que não pode ser ignorado, e eu já apontei isso em artigo para o GLOBO também. Esse "doping" inicial do BNDES garante não só recursos subsidiados, como um "selo de qualidade", uma garantia estatal que abre mais portas. Empreendedor com tanta ajuda da mão estatal não é bem um ícone do empreendedorismo. Eike não cita isso hora alguma em seu artigo. Ele diz:

Tive ofertas para vender fatias expressivas ou mesmo o controle da OGX a partir de um valuation de 30 bilhões de dólares. Há dois anos, coloquei mais um bilhão de dólares do meu bolso na companhia. Eu perdi e venho perdendo bilhões de dólares com a OGX. Alguém que deseja iludir o próximo faz isso a um custo de bilhões de dólares? Se eu quisesse, poderia ter realizado uma venda programada de 100 milhões de dólares por semestre ao longo de 5 anos. Eu teria embolsado 5 bilhões de dólares e ainda assim permaneceria no controle da OGX. Mas não o fiz. Quem mais perdeu com a derrocada no valor da OGX foi um acionista: Eike Batista.

Certo, Eike "ficou" multibilionário, e depois perdeu boa parte disso. Ele acreditou nas próprias ilusões, no sonho que vendeu. Eu não o vejo como um embusteiro, um charlatão feito Madoff, que engrupiu otários de forma consciente. Ele mesmo caiu na tentação de crer que tinha um toque de Midas, que era um mago dos negócios, e que seria possível construir um império de 100 bilhões de reais quase da noite para o dia. Eike foi vítima de Eike, da arrogância, da megalomania. Ele diz:

Tenho consciência de que fui um símbolo para as pessoas, a representação de um Brasil que prospera, que dá certo e está preparado para desempenhar um papel de preponderância global. A destruição de valor dos meus negócios colocou por terra talvez o sonho de muita gente que acreditou na possibilidade de partir do zero e se tornar um empreendedor de sucesso.

Esse foi justamente o motivo pelo qual foi duro com Eike desde o início, preocupado em dissociá-lo da imagem de símbolo do empreendedorismo capitalista. É preciso cuidado na escolha de nossos heróis. Quando vem a queda, o personalismo machuca a ideia. Eike não é exatamente o ícone do empreendedorismo liberal. 

Fazer essa ressalva lá atrás foi importante justamente para poder, agora, lembrar que sua derrocada, parcial ou total, não é sinônimo do fracasso capitalista, em hipótese alguma! O capitalismo de estado e as bolhas fomentadas por crédito artificialmente barato é que merecem ser colocados no banco dos réus.

Honrarei todos os meus compromissos. Não deixarei de pagar um único centavo de cada dívida que contraí.

Por fim, Eike não aprendeu uma lição nisso tudo, pelo visto: não se promete aquilo que não é possível entregar. Honrar tantas dívidas, inclusive com o BNDES, ou seja, com nossos recursos, está simplesmente acima de sua capacidade, ao que tudo indica. 

quinta-feira, julho 18, 2013

BNDES: Sigilo inaceitável

Fonte: Folha
Rodrigo Constantino

Deu no Bloomberg: Apesar de banco estatal ter divulgado à Bloomberg, após pedido que citou Lei de Acesso à informação, que empresas EBX contrataram R$ 10,4 bi em financiamentos, BNDES não quis dizer quanto desse total já foi desembolsado. Headlines:

  • BNDES rejeitou pedidos de procuradores e congressistas para detalhar os empréstimos
  • Deputado Federal Cesar Colnago (PSDB-ES) fez proposta de excluir empréstimos e operações do BNDES da lei do sigilo bancário
  • Taxa de títulos do BNDES com vencimento em 2022 acumulam alta de 2,05 pp este ano
  • Aldo Musachio, professor da Harvard Business School, diz que colapso de empresas de Eike Batista gera receios de perdas para o BNDES, com riscos para o contribuinte
  • Moody's disse em 8/julho que BNDES é banco mais exposto às empresas EBX
  • Ministério da Fazenda não quis fazer comentários
  • BNDES disse por e-mail que lei do sigilo bancário impede a divulgação de total liberado para empresas de Eike
Uma vez que o valor envolvido é gigantesco, e que o "império" de Eike Batista ruiu, acredito ser fundamental o "contribuinte" ter acesso a essas informações. Uma coisa é o banco alegar confidencialidade em fase de conversas, para não mexer no mercado, não impactar as ações de grupos que negociam financiamento com o BNDES. Isso até dá para engolir. 

Mas depois que todos já sabem que o grupo levantou bilhões no banco estatal, e que essa montanha de recursos corre o risco de desaparecer, parece-me que a transparência é questão de absoluto direito do pagador de impostos. Não podemos saber quanto do nosso dinheiro foi parar nas empresas de Eike? Esse sigilo, para um banco público, é algo inaceitável.

Nos Estados Unidos isso dá cadeia

Fonte: Exame
Rodrigo Constantino

Segundo relata a revista Exame, Eike Batista está sendo acusado de "insider trading", quando um acionista controlador aproveita informações privilegiadas para operar em cima do mercado. A CVM investiga o caso. Diz a matéria:

O processo foi aberto após o pedido formal do investidor Rafael Ferri. Em carta aberta ao presidente da CVM, Leonardo Gomes Pereira, Ferri acusa Eike de “cerca de 20 dias antes de a OGX divulgar publicamente para o mercado o fato de que muitos poços de petróleo não eram viáveis economicamente, e a cotação da respectiva ação despencar, o bilionário discretamente vendeu 126 milhões dessas ações”.

A carta aberta de Ferri cita as duas vendas de ações realizadas recentemente por Eike Batista. O controlador da OGX vendeu cerca de 70,4 milhões de ações da petroleira nos últimos dias de maio. A informação foi publicada pela própria empresa na segunda-feira à noite para atender as exigências do artigo 11 da instrução 358 da CVM. Em junho, Eike voltou a reduzir sua fatia na companhia e sua participação passou para 57,18 por cento, segundo informações enviadas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A participação anterior de Eike era de 58,92 por cento.

“O Sr. Eike Batista, quando vendeu suas ações, já não sabia que a empresa não era completamente viável? Ou foi somente uma coincidência?”, questiona Ferri.

Eu já tinha falado isso aqui, e repito: o mercado só funciona com regras claras, e punição para quem as descumpre. Leiam Luigi Zingales sobre o assunto: seus dois livros são fundamentais para compreender a importância das instituições no bom funcionamento do capitalismo. Tem libertário que defende o "insider trading", mas o fato é que esse tipo de atitude vai minando a credibilidade do próprio mercado. E ela é crucial para o progresso.

Fosse nos Estados Unidos, Eike Batista acabaria atrás das grades, caso fique comprovado o "insider trading". Acho que os americanos não chegaram aonde chegaram à toa, ou porque são bobos. Eles entendem - ou ao menos entendiam - a relevância da confiança nas regras do jogo. O Brasil precisa trilhar esse caminho também.

terça-feira, julho 09, 2013

A queda

Rodrigo Constantino, O GLOBO

Eike Batista está para a economia como Lula está para a política. O “sucesso” de ambos, em suas respectivas áreas, tem a mesma origem. Trata-se de um fenômeno bem mais abrangente, que permitiu a ascensão meteórica de ambos como gurus: Eike virou o Midas dos negócios, enquanto Lula era o gênio da política. Tudo mentira.

Esse fenômeno pode ser resumido, basicamente, ao crescimento chinês somado ao baixo custo de capital nos países desenvolvidos. As reformas da era FHC, que criaram os pilares de uma macroeconomia mais sólida, também ajudaram. Mas o grosso veio de fora. Ventos externos impulsionaram nossa economia. Fomos uma cigarra que ganhou na loteria.

Leia mais aqui.

sexta-feira, julho 05, 2013

Cheiro de fraude na OGX

Rodrigo Constantino

A tese predominante, até aqui, é a de que Eike Batista acreditou em seus próprios discursos, seus sonhos ousados, arrogantes, fantasiosos. Eu mesmo sou dessa opinião, pois parece que ele se comprometeu até na pessoa física com algumas garantias aos empréstimos. Mas essa notícia na Folha é da maior gravidade! Acende uma luz amarela, solta no ar um forte cheiro de fraude, ao menos depois que "a vaca foi pro brejo". Ela diz:

Executivos da petroleira OGX, de Eike Batista, tinham fortes indícios havia ao menos seis meses de que teriam que desistir da exploração de quatro campos de petróleo da empresa, apurou a Folha no alto escalão do grupo X.A decisão foi anunciada na última segunda-feira e fez as ações da empresa desabarem.
Dados apurados pelo corpo técnico da petroleira indicavam à diretoria já no início do ano que o custo de extração de petróleo nos campos Tubarão Tigre, Tubarão Gato, Tubarão Areia e Tubarão Azul, na bacia de Campos (RJ), seriam maiores do que o esperado, tornando assim desvantajoso desenvolvê-los.
O comunicado oficial ao mercado, no entanto, foi sucessivamente adiado enquanto os executivos tentavam outras soluções para engordar o portfólio da companhia e dirimir os prejuízos do anúncio aos investidores.

O livre mercado depende de boas instituições para funcionar bem. Entre elas, instrumentos de proteção aos acionistas minoritários contra fraudes. Onde estavam a CVM, a ANP e demais órgãos fiscalizadores do governo? Qual será a reação a esta notícia, caso comprovada? Esse tipo de comportamento mancha nossas instituições, prejudica a imagem do próprio mercado.

Eike Batista, em linhas gerais, representa o anti-mercado. Desde o começo tenho apontado sua simbiose nefasta com o governo. Um empresário que vem publicamente tecer elogios patéticos ao BNDES, pois recebeu bilhões subsidiados do banco, ou que enaltece a importância de um modelo misto, com forte presença estatal na economia, pois dela se aproveita, não pode ser visto como um ícone do capitalismo de livre mercado. 

E agora mais essa. O mercado de capitais americano funciona bem, conta com mais de 14 mil empresas com capital aberto, milhões de acionistas do mundo todo, justamente porque há  credibilidade, confiança, ainda que casos de fraude ocorram, como no episódio Madoff (duramente punido, porém, e atrás das grades até hoje). 

O Brasil precisa aprender a respeitar mais as instituições que preservam o funcionamento do mercado. Queremos mais investigações! E queremos punições severas caso fiquem comprovadas eventuais fraudes, ou abuso de poder sobre os acionistas minoritários. O país precisa deixar no passado a mentalidade que justifica o apelido de "menorotário" para os acionistas minoritários das companhias com ações na Bolsa. 

terça-feira, maio 21, 2013

O espantalho de Safatle


Rodrigo Constantino

O professor da USP Vladimir Safatle, em sua coluna da Folha, tentou expor uma suposta contradição ou hipocrisia dos liberais. Ele aceitou uma importante premissa do pensamento liberal sobre o paternalismo estatal, mas alegou que os próprios liberais ignoram tal premissa quando lhes interessa. Diz o professor:

Os liberais gostam de criticar o Estado-providência por ver nele o paradigma de um funcionamento institucional da vida social que acomodaria os sujeitos a benefícios sem responsabilidades, desprovendo-os de capacidade de empreendedorismo e deixando-os sem coragem para assumir riscos. Tal como se fosse uma mãe superprotetora, tal Estado produziria apenas filhos letárgicos e sempre chorando por amparo.

É fato que há algo de verdadeiro nessa crítica ao caráter de "mãe má" próprio ao Estado-providência. Seu único problema é que ela erra de alvo quando procura identificar quem são, afinal, os filhos em questão.

Até aqui, Safatle vai bem: concordamos que esmolas criam dependência e preguiça, que privilégios geram acomodação e retiram responsabilidades, e que as pessoas correm menos riscos quando podem contar com a mãozinha do papai estado (ou mamãe, quando temos uma “presidenta”). Onde está o equívoco de Safatle então?

Ele passa a ignorar todos esses efeitos nefastos no caso do paternalismo para os mais pobres, e tenta expor que o verdadeiro problema é o paternalismo para empresários. E pior! Afirma que isso é uma postura liberal. Vejamos:

Durante os últimos anos, o governo investiu mais de R$ 1 bilhão na reforma do estádio do Maracanã. Obra feita a toque de caixa devido ao calendário da Copa do Mundo. Dias atrás, ficamos sabendo que um consórcio composto pela Odebrecht e pelo onipresente empresário Eike Batista ganhou o direito de administrar o estádio por (vejam só vocês) R$ 180 milhões pagáveis em 30 anos. Ou seja, só em reformas o Estado, principalmente via BNDES, gastou mais de R$ 1 bilhão para entregar a seus filhos, por menos de 20% do valor investido, um complexo esportivo com o qual nem mesmo o mais néscio dos administradores seria capaz de perder dinheiro.

Calma lá, professor! Quem foi que lhe disse que essas medidas “desenvolvimentistas”, adotadas pelo governo esquerdista do PT, são de cunho liberal? Nem aqui, nem na China! Os liberais não defendem a “Bolsa Empresário” do BNDES, muito pelo contrário: pedem o fim desses subsídios! Não cabe ao governo, tampouco, a escolha dos “campeões nacionais”, como vem fazendo o governo intervencionista de esquerda do PT.

Liberais, até onde eu sei (chequei pela última vez agora mesmo), pregam o livre mercado, não o dirigismo estatal e os privilégios de bancos públicos, que deveriam ser privatizados ou abolidos. Por que Safatle ignora isso? É algo tão básico. Como um professor pode desconhecer isso? Não leu Hayek, Mises, Milton Friedman, Bastiat e tantos outros autores liberais? Safatle fecha seu artigo com essa pérola:

Diante da generalização de ações dessa natureza, há de perguntar se a crítica liberal clássica ao Estado-providência não é, no fundo, uma cortina de fumaça que visa esconder quem são os verdadeiros protegidos. O que demonstra como precisamos, na verdade, de uma crítica aos processos de privatização branca do Estado brasileiro. Privatização feita à base de negócios de mãe para filho.

O professor, tentando acusar os liberais de contradição e hipocrisia, assim como seletividade na crítica ao paternalismo, acaba se entregando: é ele quem é contraditório, hipócrita e seletivo! Afinal, se entende que a privatização do estado e os negócios de “mãe para filho” são coisas condenáveis, por que condena apenas quando os beneficiados são empresários “amigos do rei”, e ainda faz isso como se estivesse atacando o liberalismo? Desonestidade intelectual?

O que precisamos é acabar com todos os privilégios, mamatas, benesses. E isso só será possível quando adotarmos efetivamente o liberalismo, não esse espantalho que Safatle cria para culpar os liberais. Enquanto o governo concentrar esse poder todo, é natural que grandes empresários invistam mais em lobby do que em produtividade. Somente o livre mercado retira tal incentivo perverso. Assim como o fim do paternalismo retira o incentivo perverso para os mais pobres.

Os liberais, ao contrário de Safatle e de seu espantalho liberal, lutam pelo fim dos privilégios do BNDES e das esmolas estatais que criam dependência nos mais pobres. Somos pela isonomia, pela igualdade perante as leis, pelo livre mercado. Não abraçamos princípios tão seletivos como faz o professor da USP.

sexta-feira, março 08, 2013

EBXBras



Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal

Deu no jornal Valor hoje que Eike Batista teria buscado o apoio da Petrobras dessa vez, para possíveis negócios com seu grupo para aliviar o enxugamento do caixa. Eike está vivendo seu “inferno astral”, e as diferentes empresas de seu conglomerado despencaram em bolsa. O bilionário perdeu várias posições no ranking da Forbes. O acordo fechado com o BTG Pactual deu algum alento em bolsa, mas os problemas persistem.

O fato é que Eike Batista já é um felizardo no que diz respeito às benesses estatais. O BNDES já repassou vários bilhões ao grupo, com taxas subsidiadas. Ou seja, os brasileiros pagadores de impostos foram obrigados a transferir recursos para o ricaço da Forbes, e isso em um governo popular de esquerda. É justo isso? É justo agora a estatal, que por sua vez vive também seu “inferno astral” produzido pela péssima gestão, colocar mais recursos do povo nas empreitadas do excêntrico bilionário?

No fundo, esse modelo de forte simbiose entre estado e grandes empresários tem nome: chama-se capitalismo de estado, ou de compadres, e se assemelha muito ao fascismo. O governo não tem que escolher os “campeões nacionais”. O próprio BNDES já tem seu balanço ameaçado, e o senador Aloysio Nunes Ferreira tem razão quando demanda a abertura de debates na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). É uma situação preocupante criada pelo governo, que pode estourar logo ali na frente.

Capitalismo sem bancarrota é como Cristianismo sem inferno. O governo não deve selecionar vencedores para começo de conversa, tampouco salvar perdedores em seguida. Que o mercado avalie se os projetos de Eike fazem sentido e, se for o caso, coloque recursos neles. Caso contrário, só lamento. Faz parte do jogo do capitalismo de livre mercado. É assim que tem de ser. Infelizmente, no Brasil não é. Corremos o risco da criação de uma EBXBras!

sexta-feira, novembro 02, 2012

Davi x Golias

Meu artigo do GLOBO desta terça incomodou, pelo visto, o mais rico empresário brasileiro. Ele não gostou de ser comparado ao Lance Armstrong, e por meio da gerência de relações com a imprensa de seu grupo EBX, enviou uma resposta publicada hoje nas cartas dos leitores do jornal. Segue abaixo a carta, e logo depois minha resposta, também publicada:

'Capitalismo'

Em relação ao artigo "Capitalismo sem doping" (Rodrigo Constantino, 30/10), cabe esclarecer que: os empreendimentos do Grupo EBX nascem com capital próprio do empreendedor Eike Batista, recursos captados no mercado, com investidores e financiamentos. Os recursos do BNDES a que o Grupo EBX recorre legitimamente são tomados e pagos nas mesmas condições oferecidas a todo o mercado e passam por criteriosa auditoria do banco. Do total de linhas aprovadas diretamente com o banco, foram desembolsados em operações diretas cerca de R$ 2,4 bilhões. Assim sendo, a exposição de crédito do BNDES com o Grupo EBX representa menos de 10% do total do endividamento consolidado do grupo. O restante foi obtido no mercado e com bancos privados. Como noticiado pela imprensa em 21 de outubro, os empréstimos aprovados pelo banco ao grupo nos últimos quatro anos correspondem a apenas 1,6% dos desembolsos do banco no período.
NILSON BRANDÃO JUNIOR
Gerência Geral de Relações com a Imprensa do Grupo EBX

Nota do autor:

Os desembolsos do BNDES são oferecidos a todo o mercado, mas, curiosamente, um seleto grupo de grandes empresas representa mais da metade da carteira de empréstimos do banco estatal. Foi justamente esta simbiose entre governo e grandes empresários o alvo de minha crítica no artigo. Pelo porte de empresas como a JBS e a EBX, tais subsídios são desnecessários e representam uma transferência de recursos dos pagadores de impostos para ricos empresários. Este tipo de doping não é saudável para o modelo capitalista de livre mercado. No mais, o BNDES não é a única forma de 'dopar' empresas próximas ao governo, como explicado no artigo.  

terça-feira, outubro 30, 2012

Capitalismo sem doping


Rodrigo Constantino, O GLOBO

Lance Armstrong foi banido do esporte pela União Ciclística Internacional por acusação de doping. Ele perdeu seus sete títulos da Volta da França, assim como oito patrocínios nos últimos meses. Antes um exemplo para muitos, o atleta agora se vê em desonra. O público não tolera uma competição desleal nos esportes.
Infelizmente, o mesmo não ocorre quando se trata de economia. Muita gente acha natural que o governo crie privilégios e incentivos, beneficiando certos empresários. O governo Dilma parece ter adotado com gosto o manual nacional-desenvolvimentista de seleção dos campeões nacionais, como na era Geisel.
Algumas empresas agraciadas por critérios arbitrários recebem incentivos que destroem a essência do capitalismo, que é a livre concorrência. Barreiras protecionistas, cotas nacionais, empréstimos do BNDES com juros subsidiados, ligações espúrias com as estatais, enfim, há diversas formas de se manipular o mercado, análogas ao uso de doping nos esportes. Mas poucos reclamam.
O bilionário Eike Batista fala abertamente deste "capitalismo de compadres" como se fosse algo positivo. Em entrevista recente, o empresário disse que o governo deveria investir mais em suas empresas. Seu grupo EBX já recebeu mais de R$ 8 bilhões do BNDES em quatro anos. São taxas camaradas, a que toda a torcida do Flamengo gostaria de ter acesso.
Em uma espécie de surto megalomaníaco ao estilo Lula, Eike Batista chegou a afirmar: "Alguém vai ter que fazer uma estátua para mim em algum lugar". Não quero ser injusto aqui: Eike tem lá seus méritos. É corajoso em suas empreitadas, não tem vergonha de sua riqueza, algo importante em um país que considera o sucesso uma "ofensa pessoal". Mas sua simbiose com o governo não permite que ele seja visto como um ícone do capitalismo. Ao menos não do modelo liberal.
Eike Batista representa o capitalismo de Estado, assim como seu colega da lista de bilionários da Forbes, Carlos Slim. São casos de inegável sucesso, mas com forte turbinada estatal. Típico da América Latina, cuja presença do Estado na economia ainda é muito grande, criando incentivos perversos onde o lobby vale mais do que o mérito e o investimento em competitividade.
Outro caso escandaloso é o da JBS, que já recebeu mais de R$ 10 bilhões do BNDES, agora sócio da empresa. Em 2005, ela faturava menos de R$ 4 bilhões por ano. Em 2010, o faturamento já passava dos R$ 55 bilhões. A "Boibras" se tornou um gigante graças ao empurrão do governo. Em contrapartida, ela foi um dos maiores doadores corporativos para a campanha de reeleição de Lula em 2006.
Esses grandes empresários latino-americanos não podem ser comparados a gente como Steve Jobs (Apple), Michael Dell (Dell), Larry Ellison (Oracle), Jeff Bezos (Amazon), Bill Gates (Microsoft), Larry Page (Google) e Mark Zuckerberg (Facebook). Estes empreendedores não contaram com o doping estatal.
Não por acaso, são todos do setor de tecnologia, onde há menos intervencionismo. Seu sucesso foi decorrente apenas de trocas voluntárias com seus clientes.
Claro que o sistema faz toda diferença do mundo. Em um país como o Brasil, onde uma canetada da presidente pode selar o destino de um setor inteiro, qualquer empresário grande precisa manter boas relações com o governo. Além disso, se existe o BNDES, claro que todos vão fazer de tudo para entrar na lista de beneficiados. Faz parte do jogo. O que está errado são as regras do jogo por aqui.
Por isso acho injusto culpar somente os empresários que mamam nas tetas estatais. A culpa maior é do nosso modelo, com poder demais concentrado no Estado. Se, por um lado, é preocupante ver Eike Batista transformado em ícone do capitalismo, também é exagerado demonizá-lo (ainda que ele mereça duras críticas). Não é fácil ser um grande empreendedor no Brasil sem as muletas estatais. Eles existem, e são verdadeiros heróis. Mas trata-se de algo raro.
O que precisamos, portanto, é alterar as regras do jogo. Precisamos de bem menos governo, e bem mais mercado livre. Acima de tudo, como defende Luigi Zingales em seu excelente livro "A Capitalism for the People", nós precisamos criar um ambiente de pressão social contra privilégios estatais. É preciso recuperar os valores éticos que rejeitam a ideia de que o importante é vencer, custe o que custar.
Um atleta pego com doping cai em desgraça. Um empresário que depende das vantagens do estado deve ser visto como um concorrente desleal, não um exemplo a ser seguido. Precisamos de regras iguais para todos. Precisamos de um capitalismo sem doping.