terça-feira, março 21, 2006

O Ósculo do Batráquio



Rodrigo Constantino

No mundo da fantasia, conta-se que o príncipe fora transformado em sapo, através do feitiço da bruxa, e que somente o beijo da bela princesa traria o príncipe novamente à sua forma original. O povo brasileiro parece afeito a contos fantasiosos, e acreditou nesta possível mudança. O sapo, barbudo e tudo, iria transformar-se no grande príncipe, a salvar o reino podre. A metamorfose, no entanto, foi kafkiana.

Sapos parecem mesmo imprevisíveis. Há cerca de 70 anos, foram introduzidos sapos venenosos na Austrália, na tentativa de controlar a população de besouros, verdadeira praga local. Ocorre que o cururu, da beira do rio, espalhou-se pelo continente, deixando um rastro de devastação. Várias espécies foram depredadas, e o anfíbio desenvolveu pernas mais longas, adaptando-se. Não é à toa que os animais existem há milhões de anos. Esperavam que o batráquio, tido como lento, fosse apenas caçar alguns besouros. Não contavam com sua astúcia. Aliás, lembro que o sapo em questão, da espécie bufo marinus, é bastante comum no Brasil. Seu nome origina-se do tupi-guarani. Um deles, ao que consta, foi tão longe que chegou a presidente!

Os “intelectuais” brasileiros, que ainda sonham com a utopia pregada pelo outro barbudo, ajudaram a criar o mito do “bom revolucionário”. Com o auxílio do trapaceiro que criou a falsa roupa do imperador, essa elite vendeu a idéia de que o sapo faria até milagres, como a multiplicação de pães. Diante dos implacáveis fatos que contrariaram tal imagem redentora, restou o silêncio desses “intelectuais”. Os irascíveis no proselitismo mostram-se pusilânimes diante da dura realidade. Não têm coragem nem mesmo de assumir a criação da criatura, agora fora de controle. Aquele que iria combater o sistema acabou abraçando-o, e dando aulas de corrupção que fizeram os antecessores parecerem inexperientes ladrões de galinha. O sapo mostrou-se não apenas “um deles”, mas o pior deles! O “mensalão”, apenas a ponta do iceberg, que o diga...

Mas como eu ia dizendo, o povo brasileiro parece gostar mesmo de uma fantasia. Ainda não parece ter abandonado a idéia do “salvador da pátria”, que irá resgatar as vítimas do perverso sistema e colocar o país na trajetória do progresso. Ainda não entenderam que tal visão paternalista e centralizadora é o grande problema. Não atinaram ainda que deveriam lutar para a drástica redução do tamanho do Estado, e não para colocar um “santo clarividente” sob a espada de Dâmocles. O modelo está errado. O poder corrompe. “O poder absoluto corrompe absolutamente”. Há que se reduzir o poder, independente da pessoa que chega ao trono. Mas o desespero, aliado à ignorância, faz muitos votarem naqueles que pregam mais e mais governo, como se o Estado fosse uma verdadeira panacéia. Nada mais falso.

As eleições avizinham-se. Teremos mais uma oportunidade para que os eleitores possam demonstrar algum bom senso. A racionalidade precisa dominar emoções instintivas. Os “intelectuais”, os mesmos que criaram o Frankenstein em forma de sapo, tentarão novamente nos vender lebre por gato, ignorando que o apedeuta já fora testado e desmascarado. Vão romper o silêncio na hora oportuna. O rei está nu, mas isso não irá abalar os pérfidos. Somente a razão pode blindar o povo contra tamanha safadeza. Veremos se o povo valoriza a lógica, ou se ainda está sujeito aos encantos dos contos de fadas. Quem quiser beijar o sapo, na esperança de vê-lo virar príncipe, que o faça. Vivemos em uma democracia, ainda que falha. Mas acho melhor lembrar que pode tratar-se de um cururu venenoso...