domingo, março 05, 2006

Preservacionistas Culturais



Rodrigo Constantino

“Uma cultura só tem importância se for boa para os indivíduos”. (Kwame Anthony Appiah)

Em entrevista às páginas amarelas da Revista Veja, o filósofo Kwame Anthony Appiah explicou de forma bastante objetiva os riscos da visão coletivista da cultura, em detrimento ao direito de livre escolha individual. O autor é Ph.D. pela universidade de Cambridge e lecionou em Harvard, além de ter lançado recentemente o livro Cosmopolitanismo: Ética em um Mundo de Estranhos, onde defende que a globalização fez bem às culturas regionais. A globalização não uniformiza, diversifica. A reclusão é que exaure a inspiração. Culturas fechadas estão fadadas ao insucesso. Basta comparar a diversidade nos Estados Unidos, com inúmeras culturas diferentes convivendo lado a lado, com a maior homogeneização de uma Coréia do Norte, isolada do mundo.

A população deve ter a liberdade de escolha de quais produtos culturais deseja consumir. Appiah dá o exemplo das camisetas que os africanos usam, deixando de lado suas roupas coloridas tradicionais. Se as camisetas cumprem a função de cobrir o corpo e são mais baratas, que mal há em deixar as vestes tradicionais para ocasiões especiais apenas? Tirar o direito de escolha dos indivíduos em nome da preservação cultural beira o desumano, e normalmente quem pensa assim está longe, no conforto justamente de culturas mais liberais. O mesmo vale para o resto dos produtos existentes. Os indivíduos devem ser livres para decidir qual filme desejam assistir, qual música querem escutar ou qual comida pretendem comer. Quanto mais liberdade de mercado, com abertura para diferentes países e culturas, maior o número de opções disponíveis.

Infelizmente, uma sombra de hipocrisia faz com que muitos ignorem isso. Appiah chama de preservacionistas culturais aquelas pessoas com bom padrão de vida em algum país ocidental, normalmente, que olham para as culturas diferentes e exóticas como algo interessante, bonito, que deveriam ser mantidas para sempre da mesma forma. Algo como gente de classe média alta que acha legal a manutenção dos índios como índios, ainda que vários deles estejam inseridos na modernidade quando interessa, voltando a representar o papel de “bom selvagem” quando convém apenas. Essas pessoas querem, na verdade, “zoológicos” naturais. Querem congelar no tempo certas culturas, ainda que nitidamente atrasadas ou bárbaras, para a admiração do “estranho”, do diferente, mesmo que isso signifique um custo enorme para os indivíduos membros dessas culturas. Como o próprio autor diz, “se o costume é ruim para o bem-estar de uma grande parcela daquela população, o fato de fazer parte da cultura não é motivo para insistir no erro”. O foco deve ser o indivíduo e sua liberdade de escolha, não a tribo, a nação ou a cultura. A cultura não é um fim em si, mas um meio para a felicidade dos indivíduos.

Por isso que Appiah coloca a necessidade de uma definição entre o que vem primeiro, se os direitos humanos ou os costumes estabelecidos, por mais absurdos que estes sejam. Cortar à força o clitóris de uma mulher não é uma “diferença cultural”, e sim um ato bárbaro, e ponto. O curioso é que muitos defensores da ONU, do governo mundial e dos “direitos humanos” são também os “multiculturalistas” ferrenhos, quase sempre utilizando o “dois pesos e duas medidas” para condenar um lado da moeda apenas: o ocidental. Fica mais fácil abraçar este discurso quando se está no lado mais avançado, com mais liberdades e direitos. Mas pobres dos indivíduos dessas culturas defasadas, que ficam impedidos de pegar carona na modernização do mundo.

Por fim, o filósofo nos lembra também que a parcela da sociedade que tem alguma forma de poder a preservar é a que mais resiste à influência de culturas externas. As idéias que vêm de fora desafiam as autoridades estabelecidas, e governantes ou religiosos temem a perda de seu poder. Por isso é comum vermos políticos fazendo leis que impedem ou dificultam mudanças culturais. Querem controlar a população, e nada melhor para isso que isolá-la do resto do mundo. Ninguém precisa do Estado para decidir sobre aspectos culturais. O nacionalismo, aliado ao discurso de preservação cultural, é uma poderosa arma nas mãos dos governantes. Os indivíduos, vítimas disso, pagam um elevado preço.
Como Kant já teria dito, ninguém pode me obrigar a ser feliz à sua maneira. Até onde minhas escolhas geram impacto direto somente na minha própria vida, devo ser totalmente livre para escolher. A questão cultural não deve servir como uma escusa para a escravidão de indivíduos. Estes devem ter a liberdade de escolha assegurada, não importa de qual cultura ou país desejam consumir. Os indivíduos devem poder decidir sobre suas próprias preferências culturais, sem a imposição de cima para baixo. Devemos defender o pluralismo, não uma ditadura cultural, imposta pelo Estado. O próprio entrevistado termina afirmando: “Nem todo mundo tem a mesma idéia de qual é a melhor maneira de ser feliz”. Eu concordo. E por isso repito: a liberdade individual está muito acima da cultura!

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu soube que em Portugal tem uma lei que impede os pais de dar nomes estrangeiros para seus filhos pra preservar o "patrimônio cultural" ou algo assim.