quinta-feira, setembro 15, 2011

Casamento grego e Oktoberfest com samba e twist

Rodrigo Constantino, Valor Econômico

As festas gregas, especialmente as de casamento, costumam ser muito animadas. O casamento monetário da Grécia com a Comunidade Europeia não foi diferente: foram vários anos de pura euforia.

O país teve a oportunidade de surfar uma grande onda de juros reduzidos, pois pegou carona na credibilidade alemã. Mas os deuses do Olimpo se esqueceram de ensinar a seu povo lições básicas de economia.

Como Ícaro, os gregos pensaram que era possível voar cada vez mais alto. Ignoraram os alertas de Dédalo - e, como seu filho, desabaram rumo ao mar. Quando a fase de bonança acabou, os gregos se viram com um governo totalmente falido após anos de gastança irresponsável. Sem uma moeda própria, ficaram sem a tradicional válvula de escape para tais crises: desvalorização e inflação. Resta a opção do divórcio litigioso.

Mas os gregos não desistiriam tão facilmente assim. Antes de assinar o divórcio, a Grécia ainda contava com uma cartada: chantagear seus parceiros com o risco de doença contagiosa. Se a Grécia desse o calote em suas dívidas, isso poderia produzir uma corrida bancária na região toda. Caberia a Alemanha, portanto, assumir o passivo e bancar a conta da farra grega.

Acontece que alemão não gosta da ideia de pagar pelo erro dos outros (alguém gosta?). Sua economia, após reformas responsáveis, estava indo de vento em popa. O Oktoberfest tinha tudo para continuar. Mas antes de outubro vem setembro, mês das grandes crises. E a Grécia apareceu para estragar a festa.

O agravamento da crise chegou a patamar tão sério que autoridades alemãs começaram a falar abertamente na hipótese de expulsão da Grécia da comunidade. As crescentes incertezas geraram enorme volatilidade nos mercados. O euro, apesar da intervenção de alguns governos, perdeu finalmente o piso de US$ 1,40. Os bancos europeus despencaram, e o spread interbancário na região disparou, denotando total falta de confiança entre os bancos.

O risco de uma crise da magnitude de 2008 voltou a assombrar os mercados. A Itália enfrentou dificuldade na rolagem de suas dívidas, tendo que pagar taxa maior. Dois grandes bancos franceses foram rebaixados pela Moody's. E o BCE teve que disponibilizar linhas em dólar para alguns bancos europeus, pois o mercado americano está quase fechado para eles. O mal-estar é geral, e todos parecem à espera de um milagre que salve a Europa.

Todos os olhares se voltam para a Alemanha, única em condições de matar no peito o problema. Mas a demora em tomar alguma atitude mais agressiva fez com que o tamanho do problema atingisse outra dimensão. Um calote grego desorganizado provavelmente levaria a uma corrida bancária na região. A Itália corre o risco de afundar junto. Alguns chegaram a sonhar com uma ajuda chinesa para reverter esta situação. Sonhar é barato.

Enquanto o clima de racha geral toma conta da Europa, o Fed estuda a possibilidade de uma Operação Twist: comprar títulos longos e vender títulos curtos, para pressionar a taxa longa sem elevar o balanço já deveras esticado do banco. O problema é que as taxas de dez anos já estão em 2% ao ano. Reduzi-las na marra não vai resolver nada. A sombra do caso japonês parece cada vez maior, ofuscando as "brilhantes" idéias do "iluminado" Bernanke.

No Brasil, sob o comando do DJ Guido Mantega e seu colega Alexandre Tombini, o Copom cortou a taxa de juros com base na deterioração do quadro europeu. Para quantificar o efeito da piora do cenário externo, a autoridade monetária fez uso de um modelo de equilíbrio geral dinâmico estocástico, denominado SAMBA ("Stochastic Analytical Model with a Bayesian Approach"). Mas, a despeito de seu verniz científico, a verdade é que ele não passa de um modelo altamente impreciso, repleto de variáveis estimadas e poucas amostras. Em linguagem mais clara: chute.

E assim chegamos a este tenso momento para os mercados. O casamento grego indo para o espaço, o Oktoberfest chegando ao fim antes de outubro, todos torcendo para que o BCE garanta mais liquidez para preservar a festa, o Fed tentando dançar o Twist e nosso BC apelando para o samba do crioulo doido. Como essa loucura toda vai acabar?

Não tenho bola de cristal, naturalmente. Mas arrisco dizer que o próprio euro, um projeto político acima de tudo, corre risco de vida. Para salvá-lo, muitos pressionam por maior integração na região, ou seja, a Alemanha pagando a fatura dos gregos e romanos. O risco é o tiro sair pela culatra, e a Alemanha cansar disso tudo e pular fora de vez. Divórcio custa caro, mas pode ser melhor que viver num casamento infernal.

Rodrigo Constantino é sócio da Graphus Capital

8 comentários:

Georges disse...

Eu acho que a Alemanhã devia pular fora. A Inglaterra está fora, o que mostra que é um projeto pouco saxão. Se saísse a Alemanha o euro poderia mudar de nome para Romance, que é o nome da família de línguas latinas e que bem representa esse projeto. Infelizmente não garantirá um final feliz.

O método do SAMBA é conhecido como Guesstimate ou guesstatistics

Peter disse...

Queria repetir aqui algo que ouvi hoje: uma pesquisadora da Suiça disse que la, por lei, eles não podem ter ar condicionado nas salas de trabalho. (Ela trabalha inclusive numa das melhores universidades do mundo). Eu perguntei o porque disso, e ela respondeu: conservação de energia (bem, isso implicaria também em economia para o governo). Ela até falou que no verão uma vez teve gente com um ventilador e um balde de gelo do lado pra resfriar a sala. Isso me fez rever alguns conceitos. A Suiça sempre esteve muito bem: estabilidade, baixo desemprego, alta qualidade de vida, e liberdade. Alemanha também está muito bem, e lá até onde eu sei são todos obrigados a comprar seguro de saúde do governo (talvez esteja enganado). Então algumas medidas para o "bem comum" talvez não sejam tão ruins assim, desde que o país como um todo seja sério. Os EUA não tem que imitar a Suiçã e Alemanha, e nem vice versa. Cada um na sua, mas cada um que ache a fórmula que funcione.

Anônimo disse...

Rodrigo, poderias comentar sobre a iniciativa do governo do rio de janeiro de criar uma nova moeda em uma favela como forma de estimular a economia local?

http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/09/cidade-de-deus-no-rio-ganha-moeda-e-banco-proprios.html

Veja como paes explicou a eficácia da medida: “Se quebrarmos o isolamento que existe entre os próprios pobres, e fazermos eles crescerem e se amar, vão deixar de ser pobres. O poder público tem que incentivar e dar recursos, mas o segredo é o pobre se resgatar”.

O segredo pra diminuir a pobreza é "incentivar o amor" entre as pessoas?

Abraços

Anônimo disse...

Anônimo das 1:49, procure pela moeda palmas, implantada numa comunidade em fortaleza -ce

gustavosauer disse...

Ao anônimo das 2:57. Obrigado pelo seu comentário. Encontrei essa matéria sobre a moeda palma: http://g1.globo.com/globoreporter/0,,MUL1052010-16619,00-BAIRRO+DE+FORTALEZA+CRIA+MOEDA+PROPRIA+E+ENRIQUECE.html

Muitas falácias econômicas na matéria.

Etel Novak disse...

Rodrigo, estou por aqui ja faz um ano e meio, me diga por favor, quando vc achha que vai estourar esta bomba? em meses? semanas? estou apreensiva...confio muito em vc! entao qual a previsao?
Abraçao, Etel.

alexandre disse...

O euro é mais um projeto político do que econômico. Lembro de um artigo sobre áreas monetárias ótimas e o euro. Pelo artigo a zona do euro não era uma área monetária ótima. Eu particularmente acho difícil acabar com o euro. Os políticos vão insistir até o fim. Sobre a Grécia, acho que haverá uma moratória mas o país continuará na zona do euro. Se sair pode ser pior. O dracma nasceria fraco e a dívida privada e pública grega estaria em euro.

Etel Novak disse...

Passei pra ver se tinham novidades aqui. abraços a todos amanha dou uma passadinha denovo, R. C. se voce puder responder a minha pergunta logo acima, serei muito grata. Abçs. Etel.