João Pereira Coutinho, Folha de SP
UM FILME amador sobre a vida do profeta Maomé incendiou a sempre pacífica "rua árabe". O embaixador americano na Líbia foi morto. Embaixadas americanas no Oriente Médio foram atacadas. E até lanchonetes da Kentucky Fried Chicken tiveram a sua dose de violência e destruição.
Confesso: eu já almocei na KFC. Também tive vontade de a destruir depois de provar o menu da casa. Mas será que a qualidade do produto merece um ato tresloucado?
Escutei Barack Obama. Escutei Hillary Clinton. Escutei o secretário-geral da ONU, um nome impronunciável que não vou checar. Escutei toda gente que é gente e a sentença, sem surpresa, é a mesma: o filme é nojento, ofensivo, ignorante; mas nada disso justifica a violência que ele provocou.
Concordo com a segunda parte. Só não concordo com a primeira porque não sabia que Obama, Clinton, Ban Ki-moon (sim, chequei) e "tutti quanti" eram críticos de cinema.
É indiferente saber se o filme é bom ou mau, nojento ou refinado, ofensivo ou altamente elogioso para o islã. Não é função de nenhum chefe político tecer comentários sobre a qualidade do que se diz, faz ou pensa em países ocidentais, onde a liberdade de expressão é um valor sacramental.
E a liberdade de expressão comporta tudo: o repelente, o ofensivo, o ignorante, o sacrílego. Se existem fanáticos que não gostam desse modo de vida, o problema não é do Ocidente. O problema é dos fanáticos.
Claro que, para além da violência superficial que se espalhou pelo Oriente Médio, existem questões mais perversas: e se os atos dos fanáticos não estiverem apenas relacionados com o filme?
E se o ódio ao Ocidente for a verdadeira gasolina que faz arder esses atos? E se a Primavera Árabe, afinal, foi apenas uma forma de trocar velhos tiranos por novos?
A mídia ocidental, que cavalgou romanticamente a Primavera Árabe, recua de horror ante a possibilidade. Na Líbia do detestável Gaddafi, no Egito do detestável Mubarak, ou na Tunísia do detestável Ben Ali, só podem florescer democracias civilizadas, respeitadoras dos direitos humanos e onde a liberdade individual não tem preço.
Eis a suprema falácia do pensamento progressista, que o filósofo John Gray, em artigo recente para a BBC, destruiu sem piedade: o fato de derrubarmos um ditador não significa necessariamente que as alternativas serão melhores. E por quê?
Aqui, Gray faz o que melhor sabe: mamar forte no pensamento do seu pai espiritual, o historiador das ideias Isaiah Berlin (1909 - 1997).
No ensaio clássico "Dois Conceitos de Liberdade", que pode ser lido no livro "Estudos sobre a Humanidade" (Companhia das Letras), Berlin já tinha avisado que os valores mais importantes em política não podem ser confundidos uns com os outros.
Liberdade é liberdade, não é igualdade. Igualdade é igualdade, não é liberdade. Democracia é democracia, não é justiça.
Por outras palavras: o voto da maioria pode ser uma condição para a existência de regimes livres.
Mas pode também ser o contrário: uma forma de liquidar a liberdade individual. Basta que a maioria, por exemplo, opte por um regime baseado na sharia islâmica, e não pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
E essa perversão nem sequer é uma exclusividade do islã. Será preciso recordar que Adolf Hitler é o exemplo mais eloquente de alguém que usou a democracia para liquidar a democracia?
Hoje, no mundo islâmico, sabemos que ditaduras criminosas foram derrubadas. Mas também sabemos que islamitas tomaram o poder no Egito ou na Tunísia. E que várias facções, com vários graus de radicalismo fundamentalista, lutam pelo poder dentro de cada um desses países.
O que não sabemos nem escutamos são vozes liberais dentro do Egito ou da Tunísia defendendo regimes democráticos respeitadores dos direitos humanos e da liberdade individual.
Na década de 1960, perguntaram ao premiê chinês Zhou Enlai o que ele pensava sobre a Revolução Francesa de 1789. Resposta: "Ainda é muito cedo para dizer".
Faço minhas as palavras dele sobre as primaveras que podem virar invernos.
10 comentários:
Concordo plenamente,os líderes ocidentais não tem que justificar nada.Não podemos abrir mão de um valor nosso(a liberdade de expressão) em favor de uma valor deles(a sacralidade do Islã)
Concordo plenamente.
Todo néscio tem o direito de falar e pregar suas convicções, seja política ou religiosa. O que el não tem direito é que eu trate suas creças ou estupidez como sagradas.
Se o Islam ou Maomé é sagrado para eles, pra mim é motivo de chacota e é meu direito.
Mitt Romney estava ceertissimo quando afirmou que os Palestinos não tem o mínimo interesse em paz com Israel.
O ocidente sob os socialistas fracos, metidos a politicamente correto está perdendo força ante essa horda de bárbaros fanáticos que vem do oriente. Eles já não tem medo. Eles tem o babaca do Obama do lado deles.Romney é a esperança de mostrar que não aceitamos esse comportamento.
Romney é lixo, farinha do mesmo saco, mentiroso profissional que vai falar qualquer coisa pra gradar ou seja,está na profissão certa
Enquanto a rua árabe se inflamava e pateticamente Obama, Clinton, Ban Ki-moon, mais que depressa gritavam contra o filmeco, a foxnews mantinha no ar o discurso de OBAMA no Cairo, mostrando sua submissão aos movimentos islâmicos e os saudando com sotaque perfeito (... eu sou um de vocês!): SALAM MALEIKUM!
OBAMA está a provar que não é preciso ser ignorante ou faltar hum dedo para descartar a racionalidade. BASTA NÃO TER CARÁTER, SER MENTIROSO, TRAIÇOEIRO e outras qualidades... cinismo, desfaçatez. Ladrão.
Ladrão é talvez a única qualidade socialista que hesito em atribuir a OBAMA. Para mim ele mais parece um clérigo muçulmano.
Não é de a toa que ele saudou LULA como “O CARA” em reuniões internacionais. 47% dos americanos foram convertidos em dependentes do estado sob várias formas de “bolsas”.
As Milton Friedman understood and OBAMA do not, is that an economy cannot spend or tax itself into prosperity.
THE ONLY ACTION AMERICAN VOTERS CAN EXPECT FROM HIM IF HE WINS IS TO RAISE TAX ”against the rich”
Considero no mínimo ingênuo criticar como liberticidas ou pusilânimes os que consideraram o video dos extremistas cristãos contra o islamismo como nocivo, nojento ou o que seja. Em primeiro lugar, eles não endossaram as ações violentas dos radicias islâmicos - como consta do próprio texto, todas as autoridades/figuras que comentaram as ações violentas as criticaram e condenaram. Em segundo lugar, o vídeo é sim nocivo, porque só serviu para dar mais pretextos aos radicais. Vejam bem, não foi sequer uma crítica ponderada aos erros do islã: foi um video provocativo, que em nada contribui para o combate à intolerância religiosa. Gente, peralá! Qualquer um que não é bobo (ou que não age de má-fé) sabe que a estratégia da verborragia depreciativa só serve para fomentar mais intolerância. E a prpoósito, quem vos fala é ateu.
Ateu eu sou também, mas não sou ateu esquerdista multiculturalista anti-Ocidental.
Culpar o vídeo é ABSURDO! Quantas provocações fazem ao próprio Cristianismo?
Vão culpar a revista francesa agora também? Ou só o que vem dos "estadunidenses"?
Entenda uma coisa: os muçulmanos vivem, na maioria dos casos, sob regimes autoritários e intolerantes. EIS o problema! Não um filmeco ofensivo e idiota.
"a foxnews mantinha no ar o discurso de OBAMA no Cairo, mostrando sua submissão aos movimentos islâmicos e os saudando com sotaque perfeito (... eu sou um de vocês!): SALAM MALEIKUM!"
A conclusão óbvia para os muçulmanos é: SE V (OBAMA) É NOSSO V TEM DE SE SUBMETER AO PROFETA!
Aritmética de 2+2=4. Quem planta vento colhe tempestades!
Rodrigo, parafraseando você numa outra conversa nossa (em outro tópico), 'releia com isenção' o que eu disse: NÃO CULPO O VÍDEO, NÃO CONCORDO COM A VIOLÊNCIA, apenas digo que é um vídeo que não contribui para nada em termos de paz, uma provocação idiota mesmo, que foi feita por idiotas sabendo que os idiotas do outro lado usariam como pretexto.
Quanto a ser anti-ocidental, lamento quem seja - porque EU NÃO SOU, até porque seria contra eu mesmo. Quanto a ser multiculturalista, depende do que se entende por isso - não passo a mão na cabeça dos islâmicos ou de qualquer um que levante teses bitoladas e contra o bem humano, mas não vejo como uma questão de mera hierarquização de pessoas/culturas como se umas só tivessem defeitos, e outrs, virtudes. Essa cultura de intolerância beligerante de boa parte dos islâmicos é horrível, a meu ver; assim como o fundamentalismo cristão (criacionista ainda por cima!), mas ainda mais violento que este.
Não vi tanta defesa da liberdade de expressão para o filme "A Serbian Film", não vou dizer que é perseguição religiosa de um cristão contra os muçulmanos, mas....
Já que você mesmo disse "multiculturalista"(algo estranho, já que liberdade significa ter a opção de não seguir o padrão judaico-cristão reacionário ocidental de viver, A.K.A: o jeito "correto" de viver) como se fosse uma ofensa, pergunto-lhe a mesma coisa que perguntei ao líder do PLiber:
"Se a produção e reprodução de filmes sobre crimes E DE CRIMES(assassinatos, roubos, mutilações) não são crimes(tanto que Hollywood lucra com isso e sites como bestgore idem), se o vídeo de um assassinato não é igual a um assassinato pois não há vitima; a reprodução ou distribuição de videos de pornografia infantil(tanto real como simulada) deveria ser mantido como um crime? Ainda que teoricamente esse tipo de filme sirva para 'incitar um crime real', não é essa a mesma desculpa para todo tipo de censura?"
A verdade é que ninguém gosta da liberdade, muito menos da liberdade alheia; nem mesmo os ditos libertários, talvez só os malévolos "esquerdistas" multiculturalistas.
Na esteira da crítica aos extremismos (supondo que se trata disso, e não de demonizar quem não reverencia a 'verdade absoluta'), é bom lembrarmos que Andreas Brevik, o norueguês assassino, também defende uma tese que é tudo menos multiculturalista.
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