quinta-feira, maio 17, 2007

A Liberdade Científica


Rodrigo Constantino

"A crença principal – diria mesmo, fundamental – que embasa uma sociedade livre é a de que o homem é receptivo à razão e suscetível aos reclamos de sua consciência." (Michael Polanyi)

Nascido em 1891 em Budapeste, Michael Polanyi vinha de uma família de ilustres cientistas, e ele mesmo acabou se especializando em química. Seu interesse por política se intensificou, no entanto, durante as décadas de 30 e 40, com o mundo vivendo sob intensa incerteza acerca do futuro. Fundou em 1947, ao lado de figuras como Hayek, Popper, Milton Friedman e George Stigler, a Sociedade Mont Pelerin, uma das mais renomadas defensoras do liberalismo no mundo. No livro A Lógica da Liberdade, defendeu principalmente a liberdade científica, utilizando sólidos argumentos para tanto. Mas sua visão de mundo levava à defesa de uma liberdade mais ampla, de uma sociedade realmente livre, onde as ordens sociais mais importantes para o bem-estar dos homens são espontâneas.

Polanyi depositou uma relevância enorme na necessidade da ciência pura – ciência pela ciência, como busca pela verdade – ser mantida, enquanto muitos defendiam na época que a ciência só era válida se tivesse uma utilidade social clara ou até imediata. Foi bem claro ao escrever: "Temos que reafirmar que a essência da ciência está no amor ao conhecimento e que a utilidade desse último não é nossa preocupação primordial". Tal visão batia de frente com o marxismo de seu tempo, que tratava da ciência apenas como um instrumento para o bem-estar material, que seria antes utilizado pela burguesia de acordo com interesses de classe. Ele não aceitava essa imagem da ciência, e lutou para desvincular a atividade científica criativa de uma visão determinista do mundo.

A ciência moderna, para Polanyi, "é o resultado de uma rebelião contra a autoridade". O caminho teria sido aberto por pessoas como Descartes, Galileu e Newton. A busca pelo conhecimento irá sempre partir de determinadas crenças individuais, e a liberdade da ciência "consiste no direito de buscar a exploração dessas crenças e de defender, sob sua orientação, os padrões da comunidade científica". Para que isso seja possível, é necessário certo grau de autogoverno que assegure posições independentes para os cientistas. Como conseqüência, a liberdade da ciência não pode ser defendida com base na concepção positivista da ciência, "a qual envolve um programa positivista para a ordenação da sociedade cuja implementação completa resultaria na destruição da sociedade livre e no estabelecimento do totalitarismo". O exemplo claro desse perigo estava na Rússia, onde o movimento positivista acabou praticamente culminando com a derrubada da própria ciência.

A liberdade acadêmica se faz crucial para o avanço do conhecimento e da ciência. Esta liberdade consiste "no direito de escolher o problema a investigar, em conduzir a pesquisa sem qualquer controle externo e em ensinar o assunto em pauta à luz de opiniões próprias". Para Polanyi está muito claro que no dia em que as comunicações entre cientistas forem cortadas, a ciência praticamente paralisará. A cooperação livre e independente entre os cientistas, em um ambiente com uma tradição científica, é fundamental para o processo científico. De forma espontânea ocorre uma coordenação das atividades individuais, sem a necessidade de intervenção de qualquer autoridade coordenadora. Como analogia, Polanyi oferece o exemplo da montagem de um quebra-cabeça, sendo impossível planejar antecipadamente seus passos. Uma administração centralizada teria que criar uma estrutura hierarquizada e dirigir as atividades a partir de um centro. Cada um teria que esperar a orientação do chefe e tudo ficaria num compasso de espera. Os participantes deixariam de prestar qualquer contribuição apreciável para a sua montagem, e o efeito cooperativo seria quase nulo. A base lógica para a coordenação espontânea dos cientistas na busca da ciência seria tão simples quanto a que opera a autocoordenação de uma equipe engajada na montagem de um quebra-cabeça.

Na verdade, três pilares seriam necessários para a ciência: os cientistas individuais, o corpo de cientistas e a opinião pública. Polanyi diz: "A afirmação da paixão pessoal é a marca registrada do grande pioneiro, aquele cujas qualidades são muito valiosas para a ciência". Ao mesmo tempo, a tradição científica, o rigor do método científico, impõe um grau excepcional de rigor crítico, que é extremamente importante. Por fim, a ciência só pode continuar a existir na escala moderna "se a autoridade que pleiteia é aceita por vastos grupos da população". Se as opiniões anticientíficas predominarem, se as pessoas escolherem o misticismo em vez da ciência para tentar explicar o universo material que as circunda, é porque a ciência fracassou em sua tarefa crucial de ser aceita como fonte de conhecimento. Cada um dos três pilares desempenha uma determinada função no processo do desenvolvimento científico e nenhum deles pode ser delegado a uma autoridade superior.

Quando o Estado se imiscui na ciência, os riscos destes fundamentos serem destruídos e corrompidos são enormes. Um dos motivos, como lembra Polanyi, é que sendo os acadêmicos recompensados pelo Estado, o governo pode muito bem exercer uma pressão que os desvie dos interesses e padrões acadêmicos. Os casos do nazismo alemão e comunismo soviético são sintomáticos disso. Outro ponto é que existem muitas oportunidades de conflito entre os interesses imediatos do Estado e aqueles do aprendizado e da verdade, "cultivados por amor à ciência e à própria verdade". Quando as descobertas científicas iam à contramão do marxismo, eram simplesmente descartadas na União Soviética. Polanyi conclui: "O Estado deve encarar a vida acadêmica independente da mesma forma que o faz com a administração independente da justiça".

O foco de Polanyi não fica restrito ao campo da ciência, mas é extrapolado para todos os demais. Ele diz que "é evidente que a liberdade acadêmica não é jamais um fenômeno isolado", e que "ela só pode existir numa sociedade livre, porque os princípios em que se baseia são as mesmas fundações sobre as quais repousam as liberdades essenciais da sociedade". Desta forma que ele chega até a defesa da liberdade econômica: "Encaro a liberdade econômica como uma técnica social adequada, quase indispensável, para a administração de uma determinada técnica produtiva".

Em resumo, Polanyi defendeu veementemente a liberdade, limitada por certas regras básicas necessárias para o próprio funcionamento desta liberdade. Ele acreditava muito na ordem espontânea, na livre coordenação dos indivíduos. Fez oposição à planificação científica, baseando a epistemologia da ciência na crença na natureza individual dos descobrimentos, livre de interferências dogmáticas ou oficiais. A liberdade científica que defendeu é fundamental para as demais liberdades, e ele mesmo compreendeu isso. Resta trabalhar para que as demais pessoas também possam compreender.

13 comentários:

Eduardo da Costa Silva disse...

"Tal visão batia de frente com o marxismo de seu tempo, que tratava da ciência apenas como um instrumento para o bem-estar material".
O próprio desenvolvimento da técnica veio com a implementação da revulução industrial, e o escopo desse desenvolvimento era era aumentar a produção, o capitalismo também vê a ciência ideologicamente, como para aumentar a produção ou melhorar a qualidade de vida.

Catellius disse...

Rodrigo,

Falando em ciência, olhe só a pérola que o Klauber, dono do Blog Coligados, soltou por lá! Como disse Bertrand Russel, amor sem conhecimento é tão ruim quanto conhecimento sem amor. Como exemplos do primeiro caso, as pessoas que se reuniam nas igrejas para rezarem pelo fim da peste e aumentavam sobremaneira o contágio, e os que outorgam a outrem a própria consciência e, por amor e "obediência" (bovinidade) acabam por fazer o mal. Como exemplos do segundo caso, o arsenal bélico gigantesco que pode tornar inabitável por séculos uma determinada região, a eugenia e justificativas como a do autor do Freakonomics para "dourar" o aborto. Aí vai a pérola do honesto porém estulto Klauber:


"Amigos,

O que será um milagre? Uma vontade caprichosa de Deus de derrogar casuísticamente suas próprias leis? Se for assim, não vejo lá muita diferença entre Deus e Nero.

Talvez, então, um milagre seja um feito normal, praticado por quem detenha o conhecimento e os meios de fazê-lo, sem, entretanto, desobedecer as leis universais divinas.

Neste sentido, parece-me mais paupável que Jesus tenha conseguido realizar seus milagres, isto é, utilizando-se de poderes que ainda desconhecemos.

Creio que seja válida a busca técnica destes milagres, conquanto, em via oposta, também sejam válidas as objeções. Com efeito, andar sobre um mar congelado, qualquer um faria, e seria um fenômeno comum, então conhecido de qualquer habitante do lugar. Além do mais, temos de lembrar que, antes de Jesus caminhar, os discipulos afundaram na água, tendo posteriormente sido salvos por Ele, o que desautoriza pensar numa lâmina congelada, pois que seria comum a ambos, discípulos e Jesus.

Ademais, pra complicar, os mares daquela região são incrivelmente salgados, o que dificulta em demasia a formação de gelo, que é formado exclusivamente por água doce.

Abçs
Klauber"

Catellius disse...

"Creio que seja válida a busca técnica destes milagres..."

Ótimo! Qual a "busca técnica" por um "milagre" ocorrido na seguinte situação? O sujeito passa dez horas na mesa de cirurgia, lhe é extraído um tumor, faz quimioterapia, alimenta-se bem.... ...toma uma pílula do frei galvanizado... e fica curado! Milagres como este os médicos fazem todo dia.

--//--

O Lourdes Medical Bureau confessa: a ciência avança, os milagres de Lourdes diminuem. O último foi em 1978, acho. E eles foram diminuindo à medida que o instituto médico ia ganhando autonomia e se libertando da influência do clero local. Por isso o bispo de Lourdes quer relaxar o critério e diminuir o "poder" do Lourdes Medical Bureau. Mais milagres são necessários para conter o avanço evangélico na região, segundo críticos.

Atualmente, por exemplo, a ciência não explica a consciência, não explica a memória, não explica a cognição, não explica a relação entre mente e cérebro... Isso não significa que esses fenômenos não serão explicados algum dia, menos ainda que são fenômenos milagrosos. Cientistas registram em jornais médicos aproximadamente três curas espetaculares de câncer por ano, curas inexplicadas (não inexplicáveis) e repentinas. Aparentemente, o próprio organismo do doente inicia um combate às células cancerosas e debela o câncer.

Anônimo disse...

"se você é um pensador por copiar/colar textos dos outros, eu sou a Enciclopédia Britânica."

rsrsrs essa pegou na veia ... Rodrigo Clipboard Constantino hahaha pensador uma ova! muita cara de pau, não?

Você está certo. Se feto não é humano porque não tem cérebro, você está provando. Tem que se apropriar do que os cérebros dos outros produzem. hahaha

O que de fato impressiona não é a sua ignorância; é a sua imensa arrogância.

Anônimo disse...

Milagre é apenas um fenômeno que a ciência ainda não consegue explicar.

Catellius: as doenças se manifestam quando o fluxo de energia pelo corpo se encontra em desarmonia. A acupuntura e o shiatsu são técnicas conhecidas a milhares de anos para curar doenças. Lembrando que a Terra é um gigantesco ímã, tem tudo a ver com o fluxo de energia do organismo.

Anônimo disse...

Esqueci de dizer: as ondas cerebrais também são energia. O "que" você pensa ou "como" você pensa também influenciam diretamente no organismo.

Anônimo disse...

Se todos fossem realistas como esse tal de catellius e esse tal de rodrigo constantino a humanidade não teria saído das cavernas.

Blogildo disse...

paupável?

Blogildo disse...

Eu gostei bastante de dois ensaios do Polanyi: "Convicções científicas" e "Os Perigos da Incoerência".

Em "Convicções científicas" Polanyi escreveu: "Para mostrar a falsidade de tal pretensão, talvez baste recordar que a originalidade é a mola mestra da descoberta científica. A originalidade na ciência é o dom de uma crença singela numa linha de experimentação ou de especulação até então considerada incapaz de dar dividendos. Os cientistas passam todo o seu tempo apostando suas vidas, aos pouquinhos, numa crença pessoal atrás da outra. No momento em que a descoberta é proclamada, que a crença singela se transforma em pública e que existem evidências que a favorecem, produz-se uma resposta entre os cientistas que pode variar numa extensa gama entre a aceitação e a rejeição. Se uma determinada descoberta será aceita e ainda mais desenvolvida, ou desencorajada e mesmo asfixiada no nascedouro, dependerá da espécie de crença ou descrença que ela desperte na opinião científica.

Quando usei isso para afirmar que há muito de crendice nas convenções científicas muita gente boa achou um verdadeiro abusrdo.
Dogmatismo científico também existe.

A resenha ficou ótima, Rodrigo.

Eduardo da Costa Silva disse...

Pessoal eu estava com câncer no dedo do pé até ontem, quando li os posts da silvia, logo acima, então decidi abrir o auto-falante do som da minha casa pegar o ímã dele e colocar sobre o meu dedo, foi tiro e queda, formou-se uma bola magnética e de repente saiu o câncer. Foi um milagre, tenho certeza, se a silvia for brasileira vai ser concorrente do Frei Galvão.

Blogildo disse...

O argumento da dúvida apresentado por Locke em favor da tolerância diz que, por ser impossível demonstrar qual religião é a verdadeira, devemos admitir todas. Isso significa que não podemos impor crenças que não são demonstráveis. Apliquemos essa doutrina aos princípios éticos. Segue-se que, a menos que os princípios éticos possam ser demonstrados com certeza, devemos refrear sua imposição e tolerar sua total negação. Porém, é claro que os princípios éticos não podem ser demonstrados: não se pode provar a obrigação de dizer a verdade, de sustentar a justiça e a misericórdia. A conseqüência seria a aceitação de um sistema de falsidade, injustiça e crueldade, como alternativa em termos iguais para os princípios éticos. Mas uma sociedade em que prevalecem a propaganda inescrupulosa, a violência e o terror não dá espaço para a tolerância. Aí está a incoerência de um liberalismo baseado na dúvida filosófica: a liberdade do pensamento é destruída pela extensão da dúvida ao campo dos ideais tradicionais. (Perigos da Incoerência)

Rodrigo, o que você achou desse trecho do Polanyi?

Anônimo disse...

Catellius até hoje está com dor de cotovelo por ter sido expulso do Blog Coligados. Vem aqui não para comentar o post do Rodrigo, mas para, igual uma candinha do interior, ficar fazendo futrica.

Anônimo disse...

DA NECESSIDADE METAFÍSICA - ARTUR SHOPENHAUER
LER EMBORA ALGO DE PRATICAMENTE 2 SÉCULOS ATRÁS , POSSA ABRIR PORTAS AOS INCRÉDULOS DO SABER METAFÍSICO ORIUNDOS AINDA DO MUNDO DOS FATOS CIENTÍFICOS CONTEMPORÂNEOS , O MILAGRE DO ARREPIO JÁ OUVISTE COM CERTEZA OS SENTIDOS, JÁ , EMBORA O SENTIMENTO NÃO ESTEJA EM SUA TABUADA NEWTONIANA , MEU CARO INCRÉDULO DO GRANDE ARQUITETO DO UNIVERSO