quarta-feira, junho 13, 2007

O Custo Social


Rodrigo Constantino

"Mercados são instituições que existem para facilitar trocas, isto é, eles existem de forma a reduzir o custo de executar transações de troca." (Ronald Coase)

Ronald H. Coase é um economista britânico graduado pela London School of Economics que migrou para os Estados Unidos e acabou virando professor da respeitada Universidade de Chicago. Ele recebeu o prêmio Nobel de economia em 1991, e sua fama é derivada basicamente de seus estudos sobre os custos de transação para explicar o tamanho das firmas. Além disso, defendeu os direitos de propriedade bem definidos como um mecanismo eficiente para lidar com as externalidades econômicas. A seguir veremos alguns pontos importantes defendidos pelo economista.

A visão dominante sobre a natureza da economia é que ela é a ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre fins e meios escassos que possuem usos alternativos. Em última instância, trata-se de uma análise da escolha humana, e podemos assumir que os seres humanos, em quase todas as circunstâncias, demandarão menos quanto maior for o preço relativo do bem. Coase afirma que sem o conceito de custos de transação é impossível compreender o funcionamento do sistema econômico, analisar vários problemas de forma prática ou ter a base necessária para definir uma política econômica.

Conforme a frase da epígrafe, Coase define os mercados como mecanismos de redução desses custos de transação. Um sistema de regras e regulações é necessário para reduzir esses custos e, com isso, aumentar o volume de negócios. Um sistema bem definido de direitos de propriedade reduz bastante os custos de transação, facilitando o processo e aumentando a eficiência do mercado. Para Coase, se os direitos de executar certas ações podem ser vendidos ou comprados, eles tenderão a ser adquiridos por aqueles que os consideram mais valiosos. Assim, as ações são levadas a um resultado onde o maior valor possível no mercado é atingido. Não há diferença, segundo Coase, entre os direitos que determinam como um pedaço de terra deve ser usado ou aqueles que permitem que alguém possa emitir fumaça num determinado lugar. Ele argumenta que, se assumirmos que o efeito negativo da poluição é a morte de peixes, por exemplo, a questão a ser decidida é se o valor da perda dos peixes é maior ou menor que o valor da produção que causa a poluição.

Em um mundo sem custos de transação, conforme assumido no que George Stigler chamou de Teorema de Coase, não faria diferença a alocação inicial dos direitos de propriedade, pois tais direitos iriam acabar onde o maior valor pudesse ser gerado no mercado. O exemplo de freqüência de rádio entre duas estações explica melhor a tese. Sem custos de transação, a estação de rádio que atribuísse o maior valor para a freqüência acabaria adquirindo esse direito de propriedade. Mas no mundo real existem os custos de transação, e por isso é que faz toda a diferença quem larga com os direitos de propriedade. Os direitos de propriedade deveriam, em teoria, ser designados aos agentes que atribuem o maior valor a eles. O problema na vida real é que o governo nem sempre – ou quase nunca – sabe ex ante o uso mais valioso de um recurso. Os governos deveriam então criar instituições que minimizassem os custos de transação, permitindo assim que as alocações ineficientes dos recursos possam ser corrigidas da maneira mais barata possível. A barganha entre as partes permitirá que a alocação seja mais eficiente.

Muitos economistas assumem que a existência de externalidades constitui um caso prima facie para a intervenção do governo na economia de mercado. Coase não concorda com isso, e acrescenta ainda que a autoridade pública costuma ser ignorante, sujeita a pressões e corrupta. Para Coase, os tais efeitos negativos podem ser tratados como qualquer outro fator de produção, sendo desnecessário usar o conceito de "externalidade" na análise para obter o resultado correto. A poluição de uma indústria, como no caso já citado, pode ser encarada como mais um custo, e o próprio mercado chegará à conclusão se compensa ou não tal poluição, através do mecanismo de preços. Pescadores poderiam pagar para que a indústria não polua tanto, caso isso fizesse sentido econômico, ou então a indústria poderia pagar para compensar pela poluição que gera. Os custos dessa "externalidade" passam a ser internalizados e mensuráveis, como parte dos custos totais de produção. De fato, essa parece ser a lógica por trás do mecanismo recentemente adotado no mercado de cotas de poluição, onde as indústrias que desejam continuar com o mesmo nível de emissão de gases deverão pagar mais por isso. O custo social que elas geram passa a ser mais bem conhecido, e entra no cálculo dos custos totais da firma.

Outro exemplo usado por Coase que ficou famoso foi o dos faróis, no qual ele mostrou empiricamente que, contrário à crença de muitos economistas, o serviço de farol pode ser fornecido pelo setor privado, como foi na Inglaterra. Muitos economistas consideravam impossível isso, já que o farol tem um custo fixo para ser produzido, mas depois apresenta um custo marginal zero para beneficiar mais navegadores. Na Inglaterra, a cobrança direta do serviço fazia com que ele fosse mais bem adaptado às demandas dos navegadores do que no caso de financiá-lo através de impostos gerais. O próprio mercado desenvolveu um mecanismo de cobrança melhor atrelado ao uso efetivo do serviço. O mesmo poderíamos dizer sobre estradas, melhor administradas pelo pagamento de pedágios por aqueles diretamente interessados em seu uso do que pelos impostos de todos.

Em resumo, o problema que enfrentamos ao lidar com ações que geram efeitos negativos não se limita a restringir os responsáveis. É preciso decidir se os ganhos provenientes da prevenção desses efeitos negativos são maiores ou menores que as perdas sofridas pelo resultado do término da ação que produzia o efeito. No mundo real, onde existem custos de transação para redistribuir os direitos estabelecidos pelo sistema legal, as cortes estão tomando uma decisão sobre um problema essencialmente econômico, determinando como os recursos deveriam ser utilizados. Muitos problemas onde há demanda por ações corretivas do governo são, normalmente, resultado justamente da ação governamental. Existe um perigo real de que a intervenção excessiva do governo no sistema econômico leve a uma proteção exagerada daqueles responsáveis pelo efeito social negativo. Seria quase sempre mais eficiente permitir que o próprio mercado pudesse definir livremente essa alocação.

2 comentários:

Lucas Mendes disse...

Parabéns Rodrigo!!!!
Teus recentes artigos estão fantásticos. Estás fazendo um trabalho admirável em divulgar de forma clara e objetiva insigths clássicos da boa teoria econômica. Siga em frente!
Agora, sobre a teoria de Coase há uma discussão muito interessante feita por Hoppe neste link http://www.lewrockwell.com/hoppe/hoppe11.html
Outro eminente economista que discutiu criticamente a teoria dos custos de transação foi Walter Block. Para quem deseja aprofundar o debate, é indispensável a leitura desse texto do Block http://www.mises.org/journals/jls/1_2/1_2_4.pdf

Mas é isso Rodrigo! Siga em frente! Está muito bom!

Abraço!

Rodrigo Constantino disse...

Obrigado pela contribuição, Lucas!

A crítica de Hoppe eu conhecia, e é boa. A de Block não. Vou ler.

Esses artigos fazem parte do meu projeto novo, quase pronto, que será meu quarto livro, uma coletânea de resenhas de vários autores diferentes, desde Locke e Smith, chegando até os mais recentes (Steven Levitt e Vargas Llosa). No total, uns 80 autores resenhados!

Rodrigo